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A DANÇA DO MAGNETISMO TERRESTRE

17/07/2005

Os pólos magnéticos da Terra passam por inversões: de vez


em quando, o que é norte vira sul, e vice-versa

Marcelo Gleiser,
é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover
(EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

Em suas notas autobiográficas, Einstein conta como ele ganhou


uma bússola de presente de seu pai quando tinha cinco anos:
"Ainda me lembro ou acredito que me lembro que essa experiência
causou um profundo efeito sobre mim. Algo de fundamental tinha de
estar escondido por trás das coisas". A bússola de Einstein, como
qualquer outra, apontava para o norte, independentemente de onde
estivesse: o metal da agulha tende a se alinhar com o campo
magnético da Terra, que corre na direção norte-sul. Essa
observação, tão óbvia quanto a volta do Sol a cada dia, que
marinheiros e pássaros usam para se orientar em suas viagens,
não tem nada de trivial.

O fato de a Terra ser um gigantesco ímã se deve a uma confluência


de fatores, que só agora começam a ser entendidos. Dentre as
descobertas relativamente recentes, a mais chocante é a de que os
pólos magnéticos da Terra _quase alinhados com seus pólos
geográficos (daí a utilidade da bússola)_ passam por inversões: de
vez em quando, o que é norte vira sul, e vice-versa. A questão é
quando será a próxima.

A última inversão de polaridade ocorreu há 780 mil anos, bem mais


tempo do que a média de 250 mil anos. Por alguma razão, os
intervalos entre elas vêm encolhendo nos últimos 120 milhões de
anos. Sabemos disso porque cada inversão deixa uma assinatura
nas rochas magnéticas, suscetíveis a mudanças de orientação do
magnetismo terrestre quando aquecidas. Ao resfriarem, mantêm a
nova orientação, reproduzindo no tempo a coreografia dos pólos
magnéticos. Portanto, a próxima inversão está bem atrasada.
Vivemos num período de relativa estabilidade que não durará para
sempre. E os primeiros sinais estão já aparecendo.
Dados colhidos por satélites em 1980 e em 1999 mostram que ilhas
de polaridade oposta no campo magnético terrestre estão
crescendo. Imagine uma bola de futebol com o hemisfério sul
pintado de azul e o norte de vermelho. As medidas indicam que
dentro da região vermelha existem manchas azuis, e vice-versa, e
que essas manchas aumentaram nos últimos 20 anos. A suspeita é
que elas sejam os precursores da próxima inversão. O campo
magnético terrestre se reduziu em 10% desde 1830.

O centro da Terra é uma esfera de metal líquido, principalmente


ferro, com volume seis vezes maior que o da Lua inteira. Devido à
enorme pressão exercida pela crosta e pelo manto, 2 milhões de
vezes maior no centro do que na superfície, a temperatura lá chega
a 5.000 ºC, comparável à superfície do Sol. Como em uma sopa,
bolhas de metal mais quente e, portanto, menos denso, tendem a
subir. Na subida, elas se resfriam e voltam a afundar. Esse
processo, chamado de convecção, transporta calor do centro da
Terra para a região entre o centro e o manto. O metal líquido
conduz eletricidade. Quando adicionamos a rotação da Terra, temos
uma esfera de metal líquido e borbulhante girando, essencialmente
um gerador elétrico, ou dínamo. Em geradores comuns, o que gira
são fios metálicos que transportam corrente.

Desse movimento nasce um campo magnético que varia ao longo


do tempo. A Terra é um gigantesco dínamo. Sua corrente muda
ocasionalmente de direção, invertendo a polaridade de seu campo
magnético.

Simulações em computadores e experimentos em laboratório têm


ajudado no estudo das inversões. Um satélite internacional está
tomando novas medidas. Mesmo assim, não podemos ainda prever
quando a próxima irá ocorrer. No meio tempo, é bom ficar de olho
nos pássaros e nas bússolas.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College,


em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

Origem do texto: COLUNISTA DA FOLHA


Editoria: MAIS! Página: 9
Edição: São Paulo Jul 17, 2005
Seção: + CIÊNCIA
Assuntos Principais: PESQUISA CIENTÍFICA; TERRA /PLANETA/; PÓLO
MAGNÉTICO; INVERSÃO; POLARIDADE

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