Físico brasileiro residente nos EUA diz que o Estado tem
dificuldades para controlar avanços tecnológicos de forma imparcial
Ciência neutra não existe, afirma Gleiser (Marcelo Gleiser)
Salvador Nogueira, DA REPORTAGEM LOCAL
Os cientistas costumam apregoar que a ciência veste o manto da
imparcialidade. Mas os meios pelos quais ela é administrada sob a forma de tecnologia apresentam falhas, e a neutralidade científica é quase uma utopia. Essa é a visão do físico Marcelo Gleiser, apresentada em sabatina promovida pela Folha anteontem em São Paulo. Compuseram a mesa Vinicius Torres Freire, secretário de Redação da Folha, Claudio Angelo, editor de Ciência, e Laura Capriglione e Ricardo Bonalume Neto, repórteres especiais.
O cientista de 46 anos, 23 dos quais vividos nos Estados Unidos,
onde é professor do Dartmouth College, em Hanover (Estado de New Hampshire), se formou em física pela PUC-RJ e é doutor pelo King's College da Inglaterra. Também já trabalhou no Laboratório Nacional Fermi, em Chicago. Para ele, o controle sobre os avanços da ciência de ponta – transgenia, clonagem, pesquisa de células- tronco – em princípio cabe ao Estado. "Mas o Estado tem de estar desinteressado, e aí a coisa fica mais complicada."
Lembrando que boa parte da pesquisa científica recebe
financiamentos do governo, Gleiser apontou que os cientistas nem sempre têm condição de controlar os frutos de seu trabalho. O maior exemplo é o do desenvolvimento da bomba atômica – feito por um grupo de cientistas financiados pelos Estados Unidos no final da Segunda Guerra Mundial.
Segundo Gleiser, "[J. Robert] Oppenheimer [líder da equipe que
criou a bomba] sugeriu ao governo que fosse feita uma demonstração no Pacífico, para forçar o Japão a se render". "Mas não fizeram isso, por várias razões", complementou. A maior delas era mostrar o poderio bélico americano para a União Soviética.
Em meio às discussões sobre a confiabilidade da ciência, também
surgiu a polêmica da manipulação de resultados de pesquisa por companhias farmacêuticas. Sem ignorar as mazelas do sistema, Gleiser destacou a importância do "peer review" nas publicações científicas – o fato de que, para um artigo ser publicado, ele precisa antes ser aprovado por outros especialistas. "Se isso não funcionar, então nós estamos totalmente perdidos", concluiu.
Autor: SALVADOR NOGUEIRA
Origem do texto: DA REPORTAGEM LOCAL Editoria: CIÊNCIA Página: A17 Edição: São Paulo Jun 30, 2005 Legenda Foto: O físico brasileiro Marcelo Gleiser, professor do Dartmouth College (EUA), em sabatina conduzida no Teatro Folha, em São Paulo Crédito Foto: Marlene Bergamo/Folha Imagem Observações: COM SUB-RETRANCAS Vinheta/Chapéu: SABATINA FOLHA Assuntos Principais: MARCELO GLEISER; FOLHA DE S.PAULO /JORNAL/; SABATINA; DEBATE; ENTREVISTA; EVENTO; NEUTRALIDADE; CIÊNCIA; FINANCIAMENTO; GOVERNO