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‘Textos basicos de filosofia 13, Como voce interpreta a tese de Protégoras de que “o homem ¢ a medida de todas as coisas” em relac3o a esse texto? amor 14. Como podemos entender a importancia filoséfica do amor? 15. Quais 0s varios sentidos de "amor"? A reminiscéncia 16. Qual o objetivo de Sécrates ao procurar mostrar que o escravo de Menon 7. De que maneira esta demonstracao é realizada? 18. Qual a relagdo entre a demonstraco do teorema e o problema da natureza da virtude e da possibilidade de ensind-la? A Alegoria da caverna ia came Platéo representa a realidade na Alegoria da Caverna? ‘omo se da o processo de libertaca eam de libertacao do prisioneiro? Por que o prisioneiro 21. Qual a concepcao de conhecimento que se encontra neste texto? 22. Por que © prisioneiro, uma vez tendo se libertado e se transformado no sabio, deve voltar a caverna? 23. O que ocorre na volta do prisioneiro a caverna? 24. Qual o papel do fildsofo segundo a Alegoria da Caverna? LEITURAS SUGERIDAS Platéo Didloges, Rio de Janeiro, Ediouro, 3 vos, 1996. A Republica, Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1991 Prato, col. Os Pensadores, Sao Paulo, Nova Cultural, ed, 1991 Sobre Platao: aa mitos e hipdteses, de Lygia Araujo Watanabe, Séo Paulo, Moderna, Flatéo, de Abel Jeanniére, Rio de Janeiro, Zahar, 1995, Plato em 90 minutos, de Paul Strather, Rio de Janeiro, Zaher, 1997 ARISTOTELES 0s dezoito rnasceu em Estagira na Macedénia em 384 a. para Atenas interessado em estud mia de Platao, sendo considerado seu mais br de Platéo (348 a.C.) afastou-se da Acade juiu seu proprio caminho, vindo a ser preceptor de Alexandre, filho do rei Filipe da Macedénia e futuro conquistador de um grande império. De volta a Atenas, em 335 a.C., fundou a sua propria escola, o Liceu. Arist6teles gostava de lecionar e discutir com seus discipulos dando carminhadas, dai a origer do nome "escola peripatéti- ‘ca (de peripatos, caminho), como também ficou conhecida sua escola ‘sua filosofia desenvolveu-se em oposicao a da Academia, criticando so- bretudo o dualismo dos plat6nicos que, segundo Aristoteles, estabelecia uma dicotomia insuperdvel entre a realidade material do mundo natural ¢ a reall. dade abstrata do mundo das formas. ‘Ainfluéncia de Aristételes na formacao do pensamento ocidental — nao apenas filosofico, mas também cientifco, terario — foi imensa. O pensamento aristotélico € 0 fe fato as duas grandes vias de desenvolvimento da fi ipalmente ao longo do pe- tiodo medieval, quando Sao Tomas de Aquino se inspira em Aristoteles para desenvolver set sistema tomista, assim como Santo Agostinho havia se inspi- rado em Plato 20 elaborar um platonismo cristo. A obra de Aristételes perdeu-se na Antiguidade logo apés a sua morte, tendo sua escola se dividido em varias correntes. Posteriormente, seus textos foram em parte recuperados, e 0 que conhecemos de sua obra resulta de urna, ‘edicSo preparada por Andronico de Rodes, que reviveu a escola aristotélica em Roma por volta de 50 a.C METAFISICA O conbecimento O texto que se segue ¢ o texto de abertura da Metatisic importantes e influentes obras de Aristoteles. Seu objetivo é apresentar uma definicdo ampla de conhecimento e de seu processo de formacao desde as sen- ‘sagGes até 0 saber tedrico, passando pela experiéncia, a técnica (arte) eos varios tipos de ciéncia. Examina as caracteristicas desses diferentes tipos de conheci: indo a filosofia como a ciéncia das causas primeiras. € interessante 2 concepgdo de conhecimento de Arist6tel Platao na Alegoria da Caverna (ver p.39): enquanto Platéo apresenta em sua vido dialética 0 conhecimento como resultado de um longo e penoso process de converséo da alma que se afasta do mundo sensivel em dirego a visio do Sol, Aristoteles caracteriza esse processo de forma muito mais linear e cumulat- vva, desde as impressoes sensiveis até o pensamento abstrato. Por natureza, todos os homens desejam o conhecimento. Uma indi- cago disso é 0 valor que damos aos sentidos; pois, além de sua utilidade, sio valbrecadlos Por si mesmos e, acima de tudo, o da visdo. Nao apenas com vistas A agZo, mas mesmo quando nao se pretende acao alguma, preferimos a visio, em geral, a todos os outros sentidos. A razao disso & que a visio é, de todos cles, oa mas os jaa conhecer coisas, revelando muita fens ; ra, 0s animais nascem por natureza com o poder da sensacio, dat adqui- ress «(ealinds ca oanGcn aslinis cots castre betes 6s primeiros sio mais inteligentes e capazes de aprender do que aqueles que nao podem se lembrar. Aqueles que nao ouvem sons (como a abelha ou qual- criatura semelhante) so inteligentes, mas ndo conseguem aprender, s6 capazes de aprender os que possuem esse sentido, além da faculdade da (8 outros animais vivem de impresses ¢ memérias e na parcela de experincia; mas a raca 3 (ie) ac a; mas a raga humana vive também de arte (techne) inio, E pela meméria que os homens adquirem experiéncia, porque razdo, “a experiéncia produz arte, mas a inexperién- se produz. quando, a partir de muitas nogdes da universal a respeito de objetos semelhan- Aristoteles a tes. Julgar que quando Cilias estava sofrendo dessa ou daquela do ‘ou aquilo the fez bem, 0 mesmo acontecendo com Sécrates ¢ vari individuos, é questo de experiéncia; m: julgar que a mesma coisa fa a todas as pessoas de certo tipo, consideradas como classe, que sofrem dessa ‘ou daquela doenga (por exemplo, os encatarrados ou biliosos que ardem em febre) é questo de arte. Pareceria que para efeitos praticos a experiéncia nao é de modo algum inferior 8 arte; com efeito, vemos homens de experiéncia tendo mais sucesso do que aqueles que posstiem a teoria sem a experiéncia. A razdo disso é que 4 experiéncia é conhecimento de coisas particulares, a0 passo que a arte trata dde universais; e as agdes € os efeitos que produzem se referem ao particular Porque nao é o homem que 0 médico cura, senao casualmente, ¢ sim Caélias, Sécrates ou alguma outra pessoa que tem igualmente um nome e € por acaso também um homem. Assim, se um homem tem teoria sem experiéncia € Co- nhece o universal mas nao o particular nele contido, com frequéncia falha no seu tratamento, pois é o particular que deve ser tratado. No entanto achamos que o conhecimento € a eficiéncia so antes questo de arte que de experién- cia e supomos que os artistas sao mais sdbios que os homens apenas expe- rientes (o que implica que em todos os casos a sabedoria depende sobretudo do conhecimento), ¢ isso porque aqueles conhecem a causa € ‘estes nao. Pois © homem de experiéncia conhece 0 fato mas nao 0 porque, enquanto os ar- tistas conhecem © porqué e a causa, Pela mesma razdo estimamos mais 0s mestres de toda profissao e achamos que sabem mais ¢ sio mais sagazes que ‘0s artesdos, pois conhecem as raz6es das coisas produzidas; mas achamos que os artesdos, como certos ‘objetos inanimados, fazem coisas sem saber o que festio fazendo (assim como o fogo queima, por exemplo); s6 que, enquanto os ‘objetos inanimados desempenham todas as suas fung6es em virtude de certa qualidade natural, os artesaos realizam as suas por habito. Assim os mestres ‘so superiores em sabedoria nio porque podem fazer coisas, mas porque pos- suem uma teoria e conhecem as causas. 'Em geral, o sinal de conhecimento ou ignorancia é a capacidade de ensi- nar e por essa razdo achamos que a arte, ¢ nio a experiéncia, constitui conhe- Cimento cientifico; porque os artistas podem ensinar ¢ os outros, nao. Além disso, nao consideramos nenhum dos sentidos como sendo a Sabedoria, Eles sao de fato nossas principais fontes de conhecimento sobre as coisas particu- lares, mas nao nos dizem a razdo de nada, como por exemplo por que o fogo € quente, mas apenas que ele é quente, E portanto provavel que de inicio o inventor de qualquer arte que foi além das sensag6es ordinarias tenha sido admirado pelos companheiros nio apenas porque algumas dé 1as invengdes fossem titeis, Mas COMO LMA Pessoa = Textos basicos de filosofia ¢ superior. E & medida que mais ¢ mais artes iam sendo descobertas, al- mad) ligadas as necessidades di © outras a recrea¢ao, os inventores des- tins era sempre considerades mais siios que os daquels, poraue seus ramos de conhecimento nao visavam a utiidade. Dat, quando descobertas deste tipo haviam sido plenamente esenvohides arene as cigncias que ndo se relacionam nem ao prazer nem as necessidades de vide, € primeiro naqueles lugares onde os homens gozavam de tempo livre. Avsimy as cigncias mateméticas surgiram na regio do Egito, porque ali a classe aa, cerdotal tinha tempo disponivel ‘ A diferenca entre a arte e a ciéncia, de um as vi metas anlogas, de oto, fot experts a Eves ante ie eran sio é que geralmente se supe que © que chamamos Sabedoria diz respeito as causas e princfpios primeiros, de modo que, como ja vimos, 0 homem de experitncia € considerado mais sAbio do que os metos possuidores de faculdade sensivel qualquer, o artista mais do que o homem de experiéncis, ei a al do ave ° sini © as citncias especulativas mais doutas do ue as préticas. Assim, estd claro que Sabedoria é o con ce 1f0 que Sabedoria é 0 conhecimento de certas METAFISICA. Critica aos platénicos © sexto capitulo do lio I da Metafsica contém uma de Platdo, especificamente a teoria das Ideas, sistematizando as principais dificuldades do dualismo platénico, ou seja, da relacio entre o mundo das formas e 0 mundo natural. Alguns historiadores dafilosofia grega consideram que Aristoteles retoma nesse texto algumas discussées acerca da te ia das dias ja encontradas na propria Academia e que aparecem em certs dilo platénicos como, por exemplo, na primeira parte do Parménides. ‘a As doutrinas filos6ficas descritas acima foram sucedidas pela dou- trina de Platao, que em muitos aspectos concordava com elas mas continha também certas caracteristicas peculiares, distintas da filosofia da escola ita- liana. Na mocidade, Platao conheceu primeiro Cratilo e as doutrinas heracl Eee segundo as uals todo o mundo sensivel est sempre fluindo © nao cexiste dele um conhecimento cientifico —e mais tarde ainda conservava es ides. E quando Sécrates, desprezando o universo fait Tenitand a At les De cestudo a questées morais, procurou o universal nesse campo e fo ase concentrar nas definig6es, Plato seguiu-o © supds que o pi definigdo nao se refere a coisa alguma sensivel mas a entidades de pela razdo de que nao pode haver definicao geral de coisas sensive tio sempre mudando, Chamou essas entidades de “Ideias" e afirmou as coisas sensiveis so nomeadas segundo elas ¢ em virtude de sua relaga com elas; pois a pluralidade de coisas que tém o mesmo nome das Id cortespondentes existe por participarem delas. (Quanto a “participagiio’ apenas o termo que ele mudou; pois enquanto os pitagdricos dizem que as coisas existem por imitago dos nimeros, Platio diz. que elas existem por participagdo — meramente uma mudanga de termo. Quanto ao que venha a ser tal “participagao" ou “imitagao”, eles deixaram a questao cm aberto.) ‘Além disso, ele afirma que, além das coisas sensiveis e das Ideias, existe uma classe intermediaria, 08 objetos da matematica, que diferem das coisas sensiveis por serem eternos ¢ imutaveis e das Ideias pelo fato de existirem ‘muitos objetos de matematica similares, a0 passo que cada Ideia € tinica ‘Ora, uma vez. que as Ideias sao as causas de tudo o mais, ele supés que seus elementos sio os elementos de todas as coisas. Consequentemente, 0 principio material é “o Grande ¢ 0 Pequeno" e o prinefpio formal essenci € 0 Um, pois os ntimeros derivam do "Grande e (do) Pequeno” por parti- cipagdo no Um. Ao tratar 0 Um como substancia em vez. de predicado de alguma outra entidade, sua doutrina assemelha-se a dos pitag6ricos e tam- bém concorda com ela ao afirmar que os ntimeros s2o as causas do Ser em tudo o mais; mas 6 especifico dele postular uma dualidade em vez do tnico limitado e fazer o llimitado consistir do "Grande e (do) Pequeno”. Também & espectfico dele considerar os niimeros distintos das coisas sensfveis, enquanto os pitagéricos sustentam que as préprias coisas sdo ntimeros e nao postulam uma classe intermediéria de objetos matematicos. A distingao que faz entre, de um lado, o Um e 0s ntimeros e, de outro, as coisas comuns (no que diferia dos pitagéricos) e a introducao das Ideias deve-se a sua investigacao da I6gica {os pensadores anteriores eram estranhos a dialética); sua concepgao do ou- tro principio como uma dualidade decorreu da crenga de que os niimeros nao primos podem ser prontamente gerados por ele como de uma matriz. O fato, porém, é exatamente 0 contrério e a teoria nao tem légica, pois enquanto 60s plat6nicos derivam a multiplicidade da matéria, embora sua Forma gere somente uma vez, € dbvio que apenas uma mesa pode ser feita de uma pega de madeira e, no entanto, aquele que the dé forma, apesar de ser um s6, pode fazer muitas mesas. Tal é também a relacdo entre macho e fémea: a femea é cengravidada numa cépula, mas um macho pode engravidar muitas fémeas, E cies sio andlogas aos prinespios referidos. cessas 0 Textos basicos de filosofia Esse, pois, ¢ 0 veredito de Platao para a questo que investigamos. Desse relato fica claro que ele considerava apenas duas causas: a essencial e a ma- terial; porque as Ideias sto a causa da essencia em tudo o mais e 0 Um é a causa da esséncia nas Ideias. Ele também nos diz. qual é o substrato material de que as Ideias so dotadas no caso das coisas sensiveis e o que € 0 Um no caso das Ideias — 0 que vem a ser essa dualidade, “o Grande e 0 Pequeno” Além disso, ele atributa a esses dois elementos a origem, respectivamente, do bem e do mal, problema que, como dissemos, tinha sido também examinado por alguns dos fildsofos anteriores, como Empédocles e Anaxagoras. METAFISICA A filosofia No segundo capitulo do livro I da Metafisica, que se segue ao texto anterior, 40 inicial de filosofia, encontrada ao final daque- le texto, como “ciéncia de deter ‘em maior detalhe. £ nesse texto que encontramos a famosa caracterizacao da filosofia como oriunda do “espanto” ou da “admiracdo” diante ue nos motivatia entao a procurar respostas, levando-nos em ultima andlise até as causas primeiras e principios mais gerais. ‘Uma vez que estamos investigando esse tipo de conhecimento, deve- ‘mos examinar 0 que sio essas causas e prine(pios cujo conhecimento constitui Sabedoria. Talvez fique mais claro se considerarmos as opinises que temos so- bre o homem sabio, Achamos, primeiro, que o homem sabio sabe todas as coi- sas, na medida do possivel, sem ter cigncia de cada uma delas individualmente; depois, que o homem sébio é aquele que consegue compreender coisas dificeis, aquelas que nao sao faceis para a compreensio humana (pois a percepgo sen- ssendo comum a todos, é facile nada tem a ver com a Sabedoria); e, por fim, que em todo ramo de conhecimento um homem € mais sébio na medida fem que esta mais bem informado e é mais capaz de expor as suas causas. Além disso, entre as ciéncias consideramos que aquela que é desejvel por si mesma e pelo bem do conhecimento esté mais préxima da Sabedoria do que aquela que ir seus resultados, ¢ que o superior é mais proximo da Sabedoria is o homem sébio deve dar ordens, nao recebé-las; também ‘aos outros, mas ser obedecido pelos menos sébios. Aristoteles sv ais sio, em género e niimero, as opinides que temos sobre a Sabe o sibio, Decorre das qualidades ai descritas que o conhecimento de tu neecessariamente pertencer aquele que no mais alto grau possui conheci do universal, pois ele conhece em certo sentido todas as coisas partic que © compéem. Essas coisas, a saber, as mais universais, sao talvez as ma dificeis para o homem compreender, pois s2o as mais afastadas dos sentidos. E as cigncias mais exatas so aquelas mais preocupadas com os primeiros principios, pois aquelas baseadas em menos principios sio mais exatas que as que incluem principios adicionais — por exemplo, a aritmética € mais exata ‘que a geometria. Além disso, a ciéncia que investiga causas € mais instrutiva do que uima que nao o faz, pois € aquela que nos diz as causas de qualquer ‘coisa particular que nos instrui. Ademais, o conhecimento € o entendimento desejaveis por si mesmos s4o mais alcancaveis no conhecimento daquilo que € mais cognoscivel. Pois © homem que deseja 0 conhecimento por si mesmo vvai desejar sobretudo o conhecimento mais perfeito, que & 0 conhecimento do mais cognoscivel, ¢ as coisas mais cognosciveis sAo os princfpios e causas primeiros; porque € através e a partir destas que outras coisas vém a ser co- nhecidas e nao esses prineipios através das coisas particulares por eles com- preendidas. E 6 suprema e superior as subsidiarias a ciéncia que sabe com que fim cada acao deve se realizar, fim que é Bem em cada caso particular e, em geral, o Bem supremo de toda a natureza. ‘Assim, em consequéncia de todas as consideragdes acima, 0 termo que estamos examinando inclui-se na mesma ciéncia que deve especular sobre os primeitos principios e causas; pois o Bem, isto é, o fim, € uma das causas. Que nao se trata de uma ciéncia pratica wo através de um exame dos primeiros filésofos. E pela indagagao que os homens comegam agora € comecaram originalmente a filosofar, indagando-se em primeiro lugar sobre perplexidades Sbvias ¢, depois, em progressao gradual, fazendo perguntas também sobre as questdes maiores, como as mudangas da lua e do sol, as cestrelas ¢ a origem do universo. Ora, quem indaga ¢ esta perplexo sente-se ignorante (assim 0 mitémano é em certo sentido um filésofo, porquanto os mitos se compéem de indagacdes); de modo que, se foi para escapar 3 igno- rncia que os homens estudaram filosofia, ¢ Sbvio que procuraram a ciéncia pelo conhecimento e nao por qualquer utilidade pratica. O curso efetivo dos acontecimentos é prova disso, pois as especulagdes desse tipo comegaram numa época em qule praticamente todas as necessidades da vida ja estavam supridas. Entio fica claro que nao é por vantagem extrinseca alguma que bus- ccamos esse conhécimento; zemos independente um smo e nao para outro, assim dizemos que essa & porquanto é a tinica que existe para si mesma, exatamente como 2 Textos basicos de filosofia Por essa razio, € de supor justamente que a sua aquisi¢ao esté além do poder humano, uma vez que sob muitos aspectos a natureza humana é servi caso em que, como diz. Siménides, "s6 Deus pode ter esse privilégio", deven- doo homem buscar somente 0 conhecimento ao seu alcance. Com efeito, se (08 poetas estio certos e a Divindade é por natureza invejosa, é provavel que seja nesse caso particularmente invejosa, e infelizes todos aqueles que exce- lem em conhecimento. Mas € impossivel a Divindade ter inveja (com efeito, nem devemos supor {que outra forma qualquer de conhecimento seja mais preciosa que essa, pois ‘0 que é mais divino € mais precioso. Ora, sé ha duas maneiras pe esse conhecimento pode ser divino. Uma ciéncia é divina se for tipicamente propriedade de Deus ou se ocupar-se de questdes divinas. E s6 esta cigncia preenche ambas as condicées: porque (a) todos acreditam que Deus é uma das causas e um principio e (b) é tinico ou maior possuidor desse tipo de conhecimento. Consequentemente, embora todas as outras ciéncias sejam ‘mais necessérias que esta, nenhuma a supera em exceléncia, ‘A aquisicao desse conhecimento, no entanto, deve em certo sentido re- sultar em algo que é 0 reverso da perspectiva com a qual iniciamos a investi- gacdo. Tudo comega, como dissemos, com a indagago de por que as coisas 40 como sio, por exemplo as marionetes, os solsticios ou a imensurabilidade dda diagonal de um quadrado; porque, para quem ainda nao percebeu, parece maravilhosa a causa pela qual uma coisa nao € mensurdvel pela menor unida- de. Mas devemos acabar com a visio contrdria e (de acordo com o provérbio) a melhor, como fazem os homens mesmo nesses casos quando compreendem as causas; pois um geémetra nao indagaria tanto uma coisa quanto 0 faria se a diagonal se tornasse mensurdvel. ‘Assim expomos qual é a natureza da ciéncia que buscamos e a que objeto deve visar nossa busca e toda a nossa investigacao. ETICA A NICOMACO. A virtude é um babito astado com 0 jade de se ensinar ode, mas também deve ser ensinada, constituindo-se talvez numa das tare- fas mais importantes da educagao do homem. Aristoteles s ‘Como ja vimos, ha duas espécies de exceléncia: a intelect Em grande parte a exceléncia intelectual deve tanto o seu nasciment seu desenvolvimento a instrugao (por isto ela requer experiéncia ¢ tempo) to exceléncia moral, ela é 0 produto do habito, razdo pela qual seu nome ¢ de- rivado, com uma ligeira variagao, da palavra “habito”. E evidente, portanto, que rnenhuma das virias formas de exceléncia moral se constitui em nés por natureza, pois nada que existe por natureza pode ser alterado pelo habito. Por exemplo, a pedra, que por natureza se move para baixo, ndo pode ser habituada a mover- se para cima, ainda que alguém tente habitué-la jogando-a dez mil vezes para cima; tampouco o fogo pode ser habituado a mover-se pata baixo, nem qualquer outra coisa que por natureza se comporta de certa maneira pode ser habituada a comportar'se de maneira diferente. Portanto, nem por natureza nem contraria- mente & natureza a exceléncia moral é engendrada em nés, mas a natureza nos dé a capacidade de recebé-la, ¢ esta capacidade se aperfeigoa com o habito. Além disto, em relacio a todas as faculdades que nos vém por natureza recebemos primeiro a potencialidade, e somente mais tarde exibimos a ativi- dade (isto € claro no caso dos sentidos, pois nao foi por ver repetidamente ou repetidamente ouvir que adquirimos estes sentidos; ao contrario, ja os tinha- ‘mos antes de comegar a usufrut-los, e nao passamos a té-los por usufru‘-los); quanto as varias formas de exceléncia moral, todavia, adquirimo-las por have- las efetivamente praticado, tal como fazemos com as artes, As coisas que te- mos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as — por exemplo, os, homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando citara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, modera~ dos agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente, Esta assergao & confirmada pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os cidadios habituando-os a fazerem o bem; esta é a intengdo de todos os legis- ladores; os que nao a péem corretamente em pritica falham em seu objetivo, e€ sob este aspecto que a boa constituicao difere da ma, ‘Ademais, toda exceléncia moral é produzida e destrufda pelas mesmas causas e pelos mesmos meios, tal como acontece com toda parte, pois é to- cando a cftara que se formam tanto os bons quanto os maus citaristas, ¢ uma afirmago andloga se aplica aos construtores a todos os profissionais; os homens sdo bons ou maus construtores por construfrem bem ou mal, efeito, se nao fosse assim nao haveria necessidade de professores, pois to- dos os homens teriam nascido bem ou mal dotados para as suas profissée: Logo, acontece o mesmo com as varias formas de exceléncia moral; na prati de atos em que temos de engajar-nos dentro de nossas relagées com outras ‘pessoas, tornamo-nos justos ou injustos; na pratica de atos em situayes pe> rigosas, ¢ adquirindo 0 habito de sentir receio ou confianga, tomamo-nos “ ‘Textos basicos de filosofia corajosos ou covardes. © mesmo se aplica aos desejos e a ira; algumas pessoas, se tornam moderadas e amaveis, enquanto outras se tornam conct scfveis, por se comportarem de maneiras diferentes nas mesmas circuns- 1s. Em uma palavra, nossas disposigdes morais resultam das atividades correspondentes as mesmas. E por isto que devemos desenvolver nossas ati- vidades de uma maneira predeterminada, pois nossas disposiges morais cor- respondem as diferencas entre nossas atividades. Nao sera pequena a diferen- «a, entdo, se formarmos os habitos de uma maneira ou de outra desde nossa infancia; ao contrério, ela sera muito grande, ou melhor, ela sera de tan TRATADO DA ALMA A natureza da alma © Tratado da alma de Aristételes a primeira investigacdo sistemética de ‘questdes sobre a natureza da alma e, portanto, 0 ponto de partida de uma discussdo que daré origem posteriormente 2 psicolagia. A passagem aqui apresentada se inicia com uma considerago mais geral de questoes meto- dolbgicas, procurando estabelecer a especificidade da analise sobre a alma e indicando os diferentes angulos sob os quais esta analise deve ser realizada, o que seré feito no desenvolvimento da obra. [402a] © conhecimento é uma das coisas que consideramos boas € valiosas, especialmente esse tipo de conhecimento que se caracteriza por seu rigor e por dizer respeito a coisas importantes e extraordinérias. Por ambos (08 motivos é justo considerarmos a investigacao acerca da alma [psyché] como ‘uma das formas mais elevadas de conhecimento. Mas 0 conhecimento sobre a alma também pode ser considerado de grande valia para o entendimen- to mais completo da verdade e especialmente da natureza. Pois a alma é, por assim dizer, 0 primeiro principio dos seres vivos. Procuramos contemplar € conhecer sua natureza e substancia, bem como as caracteristicas que the acidentais. Dentre estas, algumas s4o consideradas afecgdes peculiares & ‘outras pertencem também ao animal em virtude de ter uma alma, De em todos os sentidos, trata-se de uma das coisas mais dificeis ntendimento sobre a alma Ima vez que uma investigacao deste tipo é comum a virios outros 1a investigagao sobre o que uma coisa é ¢ sobre qual a sua Ivez pensem que haja um método que possa ser aplicado Aristoteles: a a tudo isso cuja substancia desejamos conhecer, semelhante d de das caracteristicas individuais e acidentais, de tal forma que ¢ esse mi do que deveriamos procurar, Mas se nio hé um tinico método comum par a investigacao de particulares; ent4o, colocar em pratica nossa investi tora-se ainda mais dificil. Pois temos que compreender em cada caso ‘© método de investigacao a ser utilizado. Mas mesmo se estiver claro ‘nosso método de investigacao deve ser a demonstragao ou a divisio, ow ainda algum outro, permanecem muitos outros pontos problematicos e controver- tidos acerca do ponto de partida de nossa investigagao. Pois os pontos de partida de diferentes cincias sao diferentes, por exemplo como ocorre com a ciéncia dos nimeros ¢ com geometria plana. ‘Mas talvez seja necessério distinguir primeiro a que género a alma perten- ce e€ no que consiste, quer dizer, se é uma coisa particular, ou uma substancia, ou se trata de uma quantidade ou qualidade, ou alguma das outras categorias que distinguimos, ou ainda se se trata de algo em poténcia ou em ato. Pois estas distingdes sao importantes. [402b] Devemos também considerar se tem partes ou ndo, bem como se toda alma é do mesmo tipo, ¢, caso contrario, se apresentam distingdes por espécie ou por género. P {que discorrem sobre a alma e a investigam parecem considerar apenas a alma humana. Mas devemos ter 0 cuidado de nao esquecer a questo sobre se € possivel dar uma tnica explicagao acerca da alma, como damos do animal em geral, ou uma explicagao diferente em cada caso, por exemplo como fazemos com cavalo, cdo, homem e deus, ndo existindo na realidade o homem em geral, mas apenas em um sentido secundério, Eis uma questo que pode ser levanta- da acerca de qualquer predicado comum. Mas, se nao ha varios tipos de almas, mas apenas partes de almas, entao precisamos decidir se devemos em primeiro lugar investigar a alma como um todo ou as suas partes. Mas também neste caso € dificil determinar quais as partes que sio por natureza distintas umas das outras. E é dificil saber se devemos investigar primeiro as partes da alma ou suas fungdes; por exemplo, primeiro o pensar ou o intelecto, primeiro 0 perceber ou a faculdade da percep, ¢ assim por diante com todas as outras partes e fungdes. Mas se for a fungao que decidimos examinar primeiramente, alguém pode ainda questionar se nao so os objetos dessas fungdes que deve- mos examinar em primeiro lugar; por exemplo, o objeto da percepcio antes da faculdade de perceber, ou 0 objeto do pensamento antes do intelecto. [...] [403a] As afecgoes da alma também apresentam uma dificuldade, Nao cesta claro se todas essas afeccSes sio partes de quem tem a alma ou se alguma delas pertence a alma ela propria. Devemos decidir isto, et ra nao seja facil, Parece realmente que na dos casos do que afeta produz, a alma nao pode sem 0 corpo — sentir raiva, por exemy 56 Textos basicos de filosofia uma expectativa, desejar ou perceber em geral. Mas particularmente o pensar € uma afecsao peculiar da alma. Entretanto, se isso também depende da ima- ginacao ou é impossivel sem a imaginacao, entao também néo seria possivel sem 0 corpo. Porém, se ha alguma fun¢ao ou afecgao da alma que lhe seja pe- culiat, entio a alma poderia ser separada do corpo, enquanto que se nao houver nada que lhe seja peculiar, nao seria capaz de existir separadamente. (...] No caso da alma parece que todas as suas afeccdes pertencem a ela em unio com © corpo, tais como a raiva, a timidez, o medo, a piedade, a esperanca e até ‘mesmo a alegria, o amor e o 6dio. Pois em todos esses casos o corpo é afeta- do de alguma maneira. Uma clara indicag3o disso se dé, por vezes, quando, embora sujeitos a afligdes fortes ¢ marcantes, os homens nao se desesperam nem se acovardam, embora em outros casos se alterem por sofrimentos leves © pequenos, quando 0 corpo se encontra em estado de exaltaco ou na condi- Ho fisica do homem que sente raiva. Mas hé ainda um sinal mais claro disso, no caso em que nada de assustador ocorre e no entanto o homem sente as afecg6es caracteristicas de quem tem medo. Se realmente isto se da, as afec- -ntemente formas envolvendo matéria, Portanto, assim taiva, por exemplo, como um certo tipo de movimento em um determinado corpo, ou em alguma parte ou capacidade desse corpo, produzido por algo de determinado tipo ¢ com uma finalidade determinada Estas consideragdes tornam a investigacao da alma, seja da alma em geral, seja de um certo tipo de alma, tarefa do filésofo natural. Mas 0 filésofo natural e o dialético dario definigdes diferentes para cada uuma dessas afecgSes. Por exemplo, no caso da pergunta “O que é a dialético dira que se trata de um desejo de retaliagao, o fildsofo natural dird que se trata de um aquecimento do sangue e de fluidos quentes do coragao. Um da a matéria, o outro a forma da explicag3o, [403b] Pois a explicasio é dada pela forma, mas esta para existir necessita da matéria da coisa particular POLITICA O bomem é um animal politico da Politica teve uma grande intluéncia no desenvolvimen- ‘a em nossa tradicao e faz parte de um conjunto de estudos 10 exame de um grande nimero de constituicbes das cidades-esta- ddos gregas da época, das quais 6 chegou até nds A Constituicdo de Atenas. ‘A passagem selecionada contém a célebre definicio aristotélica do homem ‘como “animal politico” (z00n politikén). Aristételes a Eevidente que a cidade faz parte das coisas naturais, ¢ 4 € por natureza um animal politico. E aquele que por natureza, ¢ no simples ‘mente por acidente, se encontra fora da cidade ou & um ser degrada ser acima dos homens, segundo Homero (Ilfada IX, 63) denuncia, tratan se de alguém: sem linbagem, sem lei, sem lar. ‘Aquele que é naturalmente um marginal ama a guerra e pode ser compa: rado a uma pega fora do jogo. Daf a evidéncia de que © homem é um animal politico mais ainda que as abelhas ou que qualquer outro animal gregari. Como dizemos frequentemente, a natureza nao faz nada em vao; ora, 0 ho- ‘mem € 0 tinico entre os animais ater linguagem [logos]. O simples som é uma indicagao do prazer ou da dor, estando portanto presente em outros animais, pois a natureza destes consiste em sentir 0 prazer e a dor e em expressé-los. Mas a linguagem tem como objetivo a manifestagao do vantajoso ¢ do des- vvantajoso, € portanto do justo ¢ do injusto. Trata-se de uma caracterfstica do homem ser ele o tinico que tem o senso do bom ¢ do mau, do justo e do injusto, bem como de outras nocdes deste tipo. Ea associacao dos que tém em comum essas nogdes que constitui a familia e o Estado, QUESTOES E TEMAS PARA DISCUSSAO © conhecimento 1. Como Aristoteles explica 0 ponto de partida do conhecimento? Qual a relacao entre os sentidos e a meméria segun: teles? Como Aristételes explica a diferenca entre a “arte” (techne) e a ciéncia? Como voc# interpreta a afirmacéo de Aristoteles de que "o sinal do saber ‘esta em poder ensinar"? Critica aos platonicos 7. Qual o principal problema, segundo Aristételes, na caracterizacao da na- tureza das ideias pelo platonismo? A filosofia 8. Que relacdo se pode estabelecer entre a definicao ia no texto anterior? ‘Textos basicos de filosofia A virtude & um hébito 9. Como vocé interpreta a afirmacao de Aristoteles segundo a qual a virtude é um habito? 10, Compare a posi¢do de Aristételes acerca da virtude com a de Plato no ‘Ménon (ver capitulo anterior) Anatureza da alma 11.Qual a definicdo preliminar de alma que encontramos no Tratado da alma? 12.Que distingdes € necessério fazer acerca da natureza da alma, segundo ‘esse mesmo texto? 13.Como Aristételes justifica a unio entre o corpo e a alma? ‘© homem é um animal p 14. Por que, segundo Arist6teles, devemos afirmar que o homem é um animal itico? ¢ 15. Qual a importancia da linguagem para Aristoteles? LEITURAS SUGERIDAS teles fisica, Porto Alegre, Globo, 1969. Etica a Nicémaco, Brasilia, Ed. Universidade de Bras Atist6teles, col. Os Pensadores, Séo Paulo, Nova Cultut Sobre Aristételes: Aristoteles, de Anne Cauquelin, Rio de Janeiro, Zahar, 1995. Aristoteles em 90 minutos, de Paul Strathern, Rio de Janeiro, Zahar, 1997. SANTO AGOSTINHO Grane conten grande pensador a elaborar uma sinte- ce sstemstica entre a tradicao floscfica grega, mais especficamente 0 platonismo, e 0 cristanismo, Influenciado pela escola crista neoplatonica de ‘Alexandria, que inaugura essa aproximacdo com a filosofia grega — através do neoplatonismo de Plotino e de Mario Vitorino e dos textos de So Paulo — Santo Agostinho deservolve um pensamento de grande mando temas centrais da flosoia de Platao, como a reminiscencia, o dualis- imo, a natureza do Bem, e interpretando-0s luz da doutrina cista ‘Auréio Agostinho nasceu em 354 em Tagaste no norte da Ati provincia romana, hoje parte da Argelia. Mestre de ret6rca, foi lecionar ; ‘em Milo, conheceU Santo Amibrésio, entdobispo da cidade, cujos sermées oim- pressionaram vivamente, Convertido 20 crsianismo, Agostinho foi autor de uma extensa obra filosficae teaégica, incluindo comentarios exegéticos a0 Antigo e ‘20 Novo Testamento, tratados douttindrios como A doutria crsté e A Trindade, ‘além de dislogos de inspracao platbnica como Sobre o mestre. Morreu em 430 ‘como bispo de Hipona, cidade da regiao onde nascera, as vésperas da invasdo da ‘rica pelos vandalos e pouco antes da queda do Impeério Romano. Nas Confiss6es, escritas entre 397 e 401, Agostinho apresenta um relato std. Note-se sobretudo a este respeito as intimeras do Antigo e Novo Testamentos, como que corrobo- rando a linha de argumentacao de Santo Agostinho e servindo-the de inspiragio.

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