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Esta obra pretende oferecer aos estudantes e profissionais do direito, da maneira mais clara possivel, o exame dos temas que compéem a teoria geral das obrigacées, nao apenas a partir das inovacoes introduzidas pelo Codigo Civil de 2002, mas considerando os novos paradigmas do direito privado. Sem abrir mao do sentido critico, procurou-se ressaltar as alteracées legislativas, cotejando-as com a experiéncia jurisprudencial construida a partir da Constituicao de 1988. Buscou-se pensar na relacao obrigacional como proceso funcional e dindmico, condicionada pela realidade econémica de seu tempo, e informada pelo conjunto de valores que permeiam o ordenamento, como sistema aberto de fontes normativas, unificadas pela ordem publica constitucional. Por isso mesmo, as iniimeras propostas interpretativas aqui lancadas foram construidas a partir de problemas concretos com que a pratica jurisprudencial brasileira tem se deparado, analisados sob a dtica da funcionalizacao dos interesses em questdo as relagdes juridicas existenciais e a efetivacao da solidariedade constitucional. 7 Ta a ‘Atende pela Internet sealiniaeen. GUSTAVO TEPEDINO Coordenador IVA CIVIL-CONSTITUCIONAL Alice dos Santos Soares ‘Ana Luiza Maia Nevares Anderson Schreiber Barbara Almeida de Aratijo Beatriz Conde Miranda Carlos Nelson Konder Celso Quintella Aleixo Flavia Maria Zangerolame Gabriela Tabet Gisela Sampaio da Cruz Gustavo Birenbaum Gustavo Tepedino José Dionizio da Rocha José Eduardo C. B. Junqueira Ferraz Marcelo Junqueira Calixto Mauricio Moreira Mendonca de Menezes Pedro Oliveira da Costa Raquel Bellini de Oliveira Salles Roberta Mauro e Silva Sérgio Savi LIVRARIA E EDITORA RENOVAR LTDA. MATRIZ: Rua da Assembléia, 10/2.421 - Centro - RJ CEP: 2011-901 - Tel: (21) 2531-2208 - Fax: (21) 2531-2135 FILIAL RJ: Tels. (21) 2589-1863 / 2580-8596 / 3860-6199 - Fax: (21) 2589-1962 FILIAL SP: Tel. (11) 3104-9951 - Fax: (11) 3105-0359 FILIAL PE: Tel: (81) 3223-4988 - Fax: (81) 3223-1176 LIVRARIA CENTRO (RU): Tels: (21) 2531-1316 / 2531-1338 ~ Fax: (21) 2531-1873 LIVRARIA IPANEMA (RI): Tel: (21) 2287-4080 - Fax: (21) 2287-4888 www.editorarenovar.com.br _—_renovar@editorarenovar.com.br ‘SAC: 0800-21863 © 2005 by Livraria Editora Renovar Ltda. Consetho Editorial: Amaldo Lopes Silssekind — Presidente Carlos Alberto Menezes Direito Caio Técito Luiz Emygdio F. da Rosa Jr Celso de Albuquerque Mello (in memoriam) Ricardo Pereira Lira Ricardo Lobo Torres Vicente de Paulo Barretto Revisdo Tipogréfica: Fernando Guedes Capa: Simone Villas-Boas Editoragdo Eletrénica: TopTextos Edigdes Grificas Lida, 01984 C1P-Brasil. Catalogagio-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. 0280) (Obrigagies: estudos na perspectiva civil-constitucional, / Coord. Gus- tavo Tepedino — Rio de Janeiro: Renovar, 2005. ‘74p. : 23cm, ISBN 85-7147-514-8 1, Direito civil — Brasil. Tepedino, Gustavo. cb 346.81 Proibida a reproduc (Lei 9.610098) Impresso no Brasil Printed in Brazil Apresentacao 1 Sumario Reflexes em torno do conceito de obrigacio, seus elementos e suas fontes Marcelo Junqueira Calixto ‘A Boa-fé Objetiva no Cédigo de Defesa do Consumidor e no Novo Cédigo Civil (arts. 113, 187 e 422) Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber: Apontamentos para uma visio abrangente da funcao social dos contratos (art. 421) Pedro Oliveira da Costa Relagdes Reais e Relacdes Obrigacionais: Propostas para uma nova delimitacdo de suas fronteiras Roberta Mauro e Silva ... As obrigacées propter rem Barbara Almeida de Aratjo... . sos Classificagio: Obrigacdes de dar, fazer e nao fazer (arts 233 2251) Gustavo Birenbaum, 121 ObrigagSes alternativas e com faculdade alternativa. Obrigacies de meio e de resultado (arts. 252 a 256) Gisela Sampaio da Cruz 147 Obrigacdes Divistveis e Indivisiveis e Obrigacées Solidarias (arts. 257 a 285) Flavia Maria Zangerolame. vo seve 81 9. 10. i. 12. 13. 14, 17. 18. 19. 20. Cessao ¢ circulagio de crédito no Cédigo Civil (arts. 286 a 298) Mauricio Moreira Mendonca de Menezes . 211 Assungio de divida (arts. 299 a 303) Beatriz Conde Miranda....c.ncee . 249 Pagamento (arts. 304 a 314 e arts. 319 a 333) Celso Quintella Aleixo Peco seen BTS, O desequilibrio da relacio obrigacional e a revise dos contratos no Cédigo de Defesa do Consumidor: para um cotejo com o Cédigo Civil Raquel Bellini de Oliveira Salles.. Obrigacées pecunisrias ¢ revisio brigacional (arts. 315 2318) Gabriela Tabet 333 Enriquecimento sem causa e pagamento indevido (arts. 876 a B86) Carlos Nelson Konder. 369 . Pagamento indireto ou especial (arts 3 334 2 359) Alice dos Santos Soares 399 . Extingdo das obrigagées sem pagamento: novacio, compensacéo, confusio ¢ remissao (arts. 360 a 388) Ana Luiza Maia Nevares vase seneeneeeentes 429 Inadimplemento das Obrigacses, Mora ¢ Perdas e Danos (arts. 389 a 405) Sérgio Savi 457 Os juros ¢ 0 novo Cédigo Civil: uma abordagem doutrindria e jurisprudencial (arts. 406 © 407) José Eduardo Coelho Branco Junqueira Ferraz ..n.sseeenee489 ). Aspectos pontuais da cléusula penal (arts. 408 a 416) Tatiana Magalhies Florence.....nnseetsnnen seen S13 Das arras ou sinal (arts. 417 a 420) José Dionizio da Rocha .. ae 539 Autores Gustavo Tepedino Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Uni- versidade do Estado do Rio de Janeiro. Diretor da Revista Trimestral de Direito Civil. Presidente do Instituto de Direito Civil Alice dos Santos Soares Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professora de Direito Civil e Direito Processual Civil da Universidade Veiga de Almeida (Campi Ti- juca e Cabo Frio). Advogada. Ana Luiza Maia Nevares Mestre e Doutoranda em Direito Civil pela UERJ. Professora de Direito Civil da PUC-Rio e do Curso de Especializagao lato sensu em Direito Civil Constitucional da UERJ. Membro do Conselho Assessor da Revista Trimestral de Direito Civil. Advogada. Anderson Schreiber Mestre em Direito Civil pela UERJ e Doutorando em Direito Priva- do Comparado pela Universita degli Studi del Molise (Itélia). Professor de Direito Civil da PUC-Rio. Professor do curso de pés-graduacao da FGV. Vice-presidente do Instituto de Direito Civil. Membro do Conse- Iho Assessor da Revista Trimestral de Direito Civil. Advogado. Barbara Almeida de Araijo Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogada Beatriz Conde Miranda Mestranda em Direito Civil pela UERI. Especialista em Direito Pai- blico e Direito Privado através do Convénio EMERJ-UNESA. Pesquisa- dora da Fundagéo Gettlio Vargas. Bolsista da Procuradoria Geral do Municipio do Rio de Janeiro. Carlos Nelson Konder Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor de Direito Civil da PUC-Rio. Membro do Conselho Assessor da Revista Trimestral de Di- reito Civil Celso Quintella Aleixo Mestrando em Direito Civil pela UERJ. Promotor de Justica do Estado do Rio de Janeiro. Flavia Maria Zangerolame Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professora de Direito Civil do Centru Universitario da Cidade. Gabriela Tabet Mestranda em Direito Civil pela UERJ. Promotora de Justica do Estado do Rio de Janeiro, Gisela Sampaio da Cruz Mestre e Doutoranda em Direito Civil pela UERJ. Professora de Direi- to Civil dos cursos de pés-graduagio lato sensu da UERJ e da FGV. Membro do Conselho Assessor da Revista Trimestral de Direito Civil. Advogada Gustavo Birenbaum Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogado. José Dionizio da Rocha Mestrando em Direito Civil pela UERI. Especialista em direito pri- vado pela UFF. José Eduardo Coelho Branco Junqueira Fefraz Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogado. Marcelo Junqueira Calixto Mestre ¢ Doutorando em Direito Civil pela UERJ. Professor Agre- gado de Direito Civil da PUC-Rio. Professor dos cursos de Pés-Gradua- do lato sensu da UERJ, da FGV e da PUC-Rio. Advogado. Mauricio Moreira Mendonca de Menezes Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor Assistente de Direito Comercial da UERJ. Advogado. Pedro Oliveira da Costa Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogado. Raquel Bellini de Oliveira Salles Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogada. Roberta Mauro e Silva Mestre e doutoranda em Direito Civil na UERJ, Professora de Direi- to Civil da PUC-Rio. Advogada. Sérgio Savi Mestre em Direito Civil pela UERJ. Pés-graduado em Direito Pro- cessual Civil pela UCAM. Professor do curso de Pés-graduacao latu senso de Direito Civil da UCAM Advogado. Tatiana Magalhies Florence Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogada. Enriquecimento sem causa e pagamento indevido . Carlos Nelson Konder 1, Introdugdo, 2. O enriquecimento sem causa como principio. Aplicagées jurisprudenciais. 3. Enriquecimento sem causa como instituto. 4. Modalidades. 5. Requisitos. 5.1. Enriquecimento. 5.2. As custas de outrem. 5.3. Sem causa, 5.4. A controversa subsidiariedade do instituto, 6. Outros institutos que consagram o principio. 7. Pagamento indevido. 1. Introdugao ‘A idéia geral de que ao direito no é admissivel um acréscimo patrimonial as custas de outrem sem um fato juridico idéneo a justifi- cé-lo é traduzida tecnicamente como a vedacio ao enriquecimento sem causa, Esta valoragao, contudo, se projeta no campo da ciéncia do direito sob duas formas': primeiro, como um principio, que ja vinha atuando em nosso ordenamento nao s6 como parametro para 0 aplica- dor do direito em casos de lacuna, mas mesmo com forca normativa superior em situagdes jé regulamentadas. Além dessa face principiol6- gica, 0 enriquecimento sem causa também se apresenta como uma fonte de obrigagdes, mais especificamente, fonte de uma obrigagao de restituir aquilo que foi indevidamente objeto de locupletamento. Se antes tal obrigacao de restituir era justificada apenas em situacées es- pecificas (como no caso de pagamento indevido), agora, este segundo aspecto encontra-se regulamentado de mancira abrangente pelos arts. 884 a S86 do Cédigo Civil: 0 instituto do enriquecimento sem causa. 1 Neste sentido, Giovanni Ettore Nanni, Enriquecimento sem causa. S raiva, 2004, p. 166 e ss. 360 2. O enriquecimento sem causa como principio. Aplicagdes jurispru- denci A vedagao ao enriquecimento sem causa jé era apontada como um principio implicito de nosso sistema antes de sua previsdo no Cédigo Civil’, assim como costuma ser invocado nos demais sistemas de ma- triz romano-germinica, mesmo os que no o prevéem expressamen- te. E inclusive indicado como um principio néo apenas do direito civil, mas aplicavel aos diversos ramos do ordenamento de maneira geral.* Esta aparente universalidade decorre de seu fundamento quase intuitivo, ligado as idéias de eqitidade e justiga comutativa.* Neste sentido, grande parte da doutrina atribui a vedagdo ao locupletamento as custas de outrem uma justificativa exclusivamente moral." Por ou- tro lado, outros doutrinadores preferem dar um contexido mais juridi- co ao seu fundamento e justificam a aplicacao do principio a partir da 2 Entre tantos, pode-se destacar Caio Mario da Silva Pereira, Instituigdes de direito civil, vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 289; e Orlando Gomes, Obrigagaes. Rio de Janeiro: Forense, 1961, p, 322-323 3 Giovanni Ettore Nanni destaca a invocagio do principio na Franga, a partir do arrét Boudier de 1892, ep. cit., p. 57. Na doutrina espanhola, entre outros, v. Luis Diez-Pi- cazo, Fundamentos del derecho civil patrimonial, vol. 1, 5. ed. Madrid: Civitas, 1996, p. 89-111 4 Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, vol. 2, 3. ed. Sio Paulo: Atlas, 2003, p. 215. Pode-se exempliticar com sua aplicacio no Ambito do direito administrative, como, observa Celso AntOnio Bandeira de Mello, O principio do enriquecimento sem causa cem direito administrativo, Revista de Direito Administrative, n. 210, out-dez, 1997, p. 25-35. Até mesmo no direito do trabalho observa-se sua aplicagio judicial: “CON: TRATO DE TRABALHO — NULIDADE — ALCANCE DO ViCIO — DISCIPLI- NA. ACarta da Repiiblica nio disciplina as conseqii trabalho firmado, valendo notar que a prestacio de ‘oenriquecimento sem causa, & conducente, por sis, 3 satisfacio a0 menos dos saliios. AGRAVO — CARATER INFUNDADO — MULTA. Surgindo do exame do agravo. a convicgio sobre o carter manifestamente infundado, impée-se a aplicacio da multa prevista no § 2° do artigo 557 do Codigo de Processo Civil {STF, 2" T., AgR 233108, Rel. Min. Marco Aurélio,julg. 01.06.1999, publ. DJ 06.08.99 — grifos nossos) 5 Teresa Negreiros, Enriquecimento sem causa —aspectos de sua aplicacdo no Bra- sil como um principio geral de direito. Revista da Ordem dos Advogados. Lisboa. v 1. 3, der. 1995, p. 79 5 Ea posicio de Agostinho Alvim (Do Enriquecimento sem causa, Revista dos Ti bunais, v. 46, n.2 p. 3-36), seguindo a ligio de Georges Ripert em sua obra cléssica, La ragle morale dans les obligations civiles, Paris: LGDJ, 1929. icias da nulidade do contrato de -vigos, sob pena de consagrar-se 370 teoria da destinagdo (ou atribuigio) juridica dos bens.’ Para esta dou- trina: “Tudo quanto os bens sejam capazes de render ou produzir no seu aproveitamento pertence, de acordo com o contetido de afetagiio ou destinacdo de tais direitos, ao sujeito que é seu titular. A pessoa que, intrometendo-se nesses bens juridicos, retire da coisa qualquer van- tagem patrimonial, obtém-na a custa alheia, mesmo que o titular nio estivesse disposto a praticar os atos donde a vantagem procede”.® Além destas duas correntes, outros fundamentos foram buscados em doutrina para justificar a aplicagao do principio mesmo sem pre- visio legal, Merecem ser mencionadas, por exemplo, as recentes posigdes que buscam conciliar este princfpio cléssico com as recen- tes transformagées que se vem operando no direito obrigacional.? Neste sentido, Judith Martins-Costa busca no principio da boa-fé o fundamento para a vedacio ao enriquecimento sem causa}" jé Gio- 7 Ateoria da destinagao jurtdica dos bens é sustentada por Fernando Noronha, para quem a autonomia do enriquecimento sem causa como fonte de obrigacdes conduz 3 autonomia do seu fundamento, em oposicio a invacagio genérica da eqiidade (Enti- quecimento sem causa, Revista de Direito Civil, Imobilidrio, Agrério e Empresarial, ¥.15,n. 56, abr,/un. 1991, p. 57). J4 para Teresa Negreiras, aquelateoria € abrangida pela eqiiidade: "Embora admissiveis as conchusdes a que chega esta teoria, nio logra éxito como substitutiva da eqiidade, uma vez que a aludida destinagdo juridica dos bens constitui uma premissa nio menos vaga: aiés, nio destoa da eqiidade, pois é Precisamente esta que determina sejaa a utlizagio injustficada de bens fundamento da restituigdo do proveito dai derivado” (Enriquecimento sem caus, ci, p. 792) 8 Antunes Varela, Direito das abrigagées, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 200. A teoria da destinagio jurfdica dos bens, contudo, deve ser relativizada em face da or- dem constitucional que consagra a funcio social da propriedade. Isto porque, sob esta nova dtica, a propriedade funcionalzada implica uma deteeminagdo conceittal qual tativamente diversa, que envolve a consideracio de interesses nio-proprietérios igual- mente merecedores de tutela (Gustavo Tepedino, Contornos consttucionas da pro priedade privada, Temas de dieito civil, 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 303-332) 9 V., por todos, Gustavo Tepedino, As relagdes de consumo © a nova teoria contra- tual, Temas de direito civil, cit. p. 217-238, e Teresa Negreiros, Teoria do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 10 Judith Martins-Costa, Comentdrios ao novo Ciidigo Civil, vol. V, tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 45. Vale salientar que a autora dé uma maior abrangéncia a este principio do que a maior parte da doutrina, uma vez que ela situa 0 equilibrio econdmico nio como um prinefpio autdnomo, mas como um aspecto da boa-fé (Tere- sa Negteios, Teoria do contrato, cit, p. 106) 3m eee eee ee na incidéncia dos preceitos constitucionais sobre as relagdes obri- gacionais.!! Esta tendéncia a informar o principio de grande generalidade e abrangéncia revela-se especialmente na observacao de como a utiliza- Gio jurisprudencial do principio geral do enriquecimento sem causa foi recorrente e com os mais variados intuitos. Em diversas ocasides 0 principio é invocado no ambito de aplica- fo de uma norma que atribua ao juiz um maior grau de discricionarie- dade, como é 0 caso da reducao do valor du cldusula penal (CC, art. 413)!? e da fixagdo do quantum indenizat6rio no dano moral.'* Em tais casos, © principio atua de maneira similar ao da razoabilidade, impondo a0 aplicador uma ponderacio que evite qualquer tipo de excess, Em outras decisdes, 0 principio aparece como ratio decidendi em situagdes em que a lei é obscura, ou mesmo para o suprimento de lacunas. E 0 exemplo dos bens adquiridos pelo esforgo comum nos casamentos sob 0 regime da separacao legal de bens, que se comuni- LL Nas palavras do autor: “Ocorrendo uma ampla incidéncia de valores constitucio- nais nas relagbes jurfdicas obrigacionas, ¢ impensdvel cogitar que, em ikima hipstese, 0 sujeitos de direito nao possam contar como indissocisvel instrumento de justiga e equilibrio patrimonial que é o enriquecimento injustificado” (Giovanni Extore Nanni, op. cit. p- 162). 12. Por exemplo, na seguinte decisio ainda com base no Cédigo Civil de 1916: "Cl- VIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMOVEL. INADIMPLEMENTO. PERDA DO SINAL. Mesmv se u Wontrato de promessa de compra ¢ venda de imével cem construcdo estabelecer, para a hip6tese de inadimplemento do promitente-com- prador, a perda total das quantias pagas, e ainda que tenha sido celebrado antes da Vigencia do Cédigo de Defesa do Consumidor, pode o juiz, autorizado pelo disposto no art. 924 do Cédigo Civil, reduzi-la a patamar justo, com o fto de evitar enriqueci- mento sem causa de sua imposigéo integral adviria 4 promitente-vendedora que, pelas peculiaridades da espécie, decretasse a perda apenas do sinal, Recurso nio conhecido" (STI, 4*T,, Resp 108227, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, jem 04/08/1998, publ. DJ 03.11.1998 RSTJ 114/279 — grifos nossos). © caso € citado por Eduardo Takemi Kataoka (Vedagdo ao enriquecimento sem causa como principio: sobre o sistema juridi- coe os principles 2 propésito da vedaca0 ao enriyuerimento sem causa. Dissertagio de mestrado. Rio de Janeiro: UERJ, 2000, p. 157). ¢ 13 Entre tantos, v. STJ, 4°, REsp 254.073, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, jul 27.06.2002, publ. DJ 19.08.2002. No entento, a invocagio do enriquecimento sem ‘causa nesta sede costuma ser desprovid de contetido caracteristico € apenas oculta a falta de critérios de quantificagao que acompanha a obscuridade na conceituagio do dano moral pela jurisprudéncia, Sobre o tema v. Maria Celina Bodin de Moraes, Danos 4 pessoa huwnana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 372 causa,!* Contudo, a aplicagao jurisprudencial do enriquecimento sem cau- sa no vem s¢ limitando a utilizé-lo supletivamente, como um princé pio geral de direito nos termos do art. 4° da LICC. Muitas vezes 0 principio vem sendo invocado pela jurisprudéncia como uma “vélvula de escape” interna ao sistema para situages nas quais a aplicagdo ex- cessivamente rigida da lei levaria a situagoes explicitamente injustas. Esta foi, por exemplo, a decisio do STJ no que toca ao cheque em garantia. De acorda com'a L, 7.375/85, 0 cheque é ordem de page- mento vista, cujas obrigagées so autdnomas e independentes (art. 13), 0 que impede a investigacao causal. Contudo, uma vez que @ praxe vem admitindo a utilizagao do cheque em garantia, o STJ enten- deu que impedir, nestes casos, a invocacdo da causa acarretaria um. enriquecimento sem causa. 7 Em especial, o principio vem sendo aplicado para garantir a atuali- zacio monetéria dos valores das prestagdes, por vezes corroborando 0 14 "DIREITO DE FAMILIA, REGIME DA SEPARACAO LEGAL DE BENS. AQUESTOS. ESFORGO COMUM. COMUNICABILIDADE. SUMULA STF, ENUNCIADO N. 377. CORRENTES. CODIGO CIVIL, ARTS. 258/259. RECUR- SO INACOLHIDO. I — Em se tratando de regime de separagio obrigatéria (Cdigo Givil, art, 258), comunicam-se os bens adquiridos na constincia do casamento pelo esforgo comur, II —O enunciado n, 377 da sumula STF deve restringir-se aos aqies- tos resultantes da conjugacio de esforgos do casal, em exegese que se afeicoa a evolu- co do pensamento juridico e repudia o enriquecimento sem causa Il] — No ambito dio recurso especial nio é admissivel a apreciacao da matéria fética estabelecida nas instincias locais’ (ST), 4". REsp 9938, Rel. Min, Salvo de Figueiredo Teixeira, jul (09.06.1992, publ. DJ 03.08.1992, RF 320/84, RSTJ 39/413, RT 691/195) 15 "CHEQUE. EMBARGOS DE DEVEDOR. GARANTIA. INVESTIGACAO DA CAUSA. I. Reconhecendo embora a divergencia doutrinaria ¢ jurisprudencial, no & razodveljuridicamente admiti-se 0 cheque como caugdo, como garantia, e negar-se & relagio entre a garantia e a sua causa. Essa posigio permitiria toda sorte de abusos, cocasionando 0 enriquecimento sem causa, como no presente caso, no qual se ofereceu tem garantia um cheque de valor muito maior do que o efetivamente comprometido, 2, Se a praxe no mercado aceita o cheque em garantia, vedar, em tese, a investgacéo da causa debendi propiciaria wm desequilfbrio na relacdo juridica entre partes, uma das Guais, em casos de extrema necessidade, ficaria a depender do arbitrio da outra. Se 0 cheque ganhou essa dimensio, fora do critério legal, que tanto ndo regulow, e impera~ tivo extrair a conseqiiéncia propria, especifica. por essa razio, e que deve ser admitida a investigagio da causa debendi. 3. Recurso especial conhecido, mas, nio provide" {STJ, 3°T., REsp 111.154, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julg 21.11.1997, DJ 19.12.1997 — grifos nossos). O exemplo também € analisado por Eduardo Takemi Kataoka, op. cit, p. 144 373 principio contratual do equilibrio econdmico entre as partes." A uti- lizagao do principio do enriquecimento sem causa para uma aplicagio ampla da regra de atualizagio monetiiria — hoje objeto do art. 389 do CC — é objeto de diversas decisées “A correcio monetéria nao é um plus, mas um minus que se agrega a0 valor do crédito para evitar a desvalorizacao da moeda, em decorrén- cia de processo inflacionério, Deve, portanto, incidir em todos os créditos para cvitar o enriquecimento sem causa do devedor” (STJ, 1°T,, REsp 283.094, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, julg. 06.08.2002, publ. DJ 30.09.2002). Foi nesta seara que a forga normativa do prinefpio do enriqueci- mento sem causa comegou a ser discutida jurisprudencialmente. Nes- te sentido, o primeiro caso marcante referia-se A aplicagdo da Lei n° 4,829/65, sobre o méituo rural. A previsio de juros vinha expressa no texto legal, mas 0 dispositivo do projeto de lei que trazia a correcio monetéria fora vetado, restando a lei silente sobre este ponto. Entre 08 varios argumentos invocados para que a omissio nao fosse interpre- 16 O principio do equilforio econémico, que encontra gusrida no principio constitu- cional da igualdade substancial, tem uma atuacio mais incsiva e profunda sobre o contetido do contrato, uma vez que leva em conta uma distrbuigfo concreta das van tagens ¢ encargos atribuidos aos contratantes, com o intuito de proteger a parte wulne- rivel (Teresa Negreiros, Teoria do contrat, cit., pp. 154 € ss.). Contudo, ainda subsis- tecerta confusio na distingio: “A abruptae forte desvalorizagio do real frente a0 délar americano constitui evento objetivo e inesperado apto a ensejar a revisio de clausula contratual, de modo a evitar 9 enriquecimento sem causa de um contratante em detr- mento do outzo (art. 6°, V, do CDC), em avenca na qual o risco cambial &repassado para o consumidor” (STJ, 3*T., AGA 456.863, Rel. Min, AntGnio de Pidua Ribeiro, julg. 17.10.2002, publ. DI 18.11.2002 — grifos nossos). Ox ainda: “CONSORCIO. DE AUTOMOVEIS. DEVOLUGAO DE PRESTACOES JA PAGAS PELO PARTI- CIPANTE DESISTENTE OU EXCLUIDO. CORREGAO MONETARIA. Ao parti- cipante de cons6rcio que dele se fasta & devida, quando do encerramento do plano, a devolucio das prestacées pagas, com correcio monetiria. A cliusula do contrato de adesio que exclui a atualizagio da quanta aser restituida,e de ser considerada leonina e sem validade, importando em locupletamento da administradora; nao pode ser tida, outrossim, como cléusula penal, pois esta exige estipulagdo inequtvoca e deve ser proporcional & graveza do inadimplemento contratual.A correcio monetiria néo é um plus que se acrescenta a0 crédito, mas um minus que se evita, Juros moratérios cabi- veis somente apés a mora da administradora, encerrado o plano e no devolvidas cor- retamente as prestagSes. Conhecimento do recurso da administradora apenas pelo disso jurisprudencial, negando-the provimento” (STI, 4° T., REsp 7326, Rel. Min. Athos Carneiro, julg. 23.04.1991, publ. DJ 13.05.1991, RSTJ 33/458 e 21/483) tada como uma proibicdo, e que os agricultores ndo se locupletassem gracas a inflacdo galopante, o principio do enriquecimento sem cau- sa foi aduzido pelo relator, destacando um fundamento moral do principio.!” A esta decisao, seguiu-se uma outra, do Tribunal de Algada de Sao Paulo, que, mais radical, limitava a eficdcia de uma lei federal com base no enriquecimento sem causa.'* Nela, o principio é aplicado de maneira a superar a lei federal, a qual determinava como termo inicial para a atualizacao dos valores a data da propositura da aco, enquanto, de acordo com 0 principio, a correcdo deveria retroagir a data do ven- cimento da obrigacao. Embora a decisio tenha sido mantida no STJ, os fundamentos foram ligeiramente distintos: 0 ministro relator de- fendeu a necessidade de ponderar o aspecto material em detrimento do formal e assim dispensou a necessidade de uma andlise acerca do carter normativo do principio do enriquecimento sem causa." 17 “Correo monetaria. Muituo rural. Incidéncia. Evolugio dos fatos econémicos € construgdo pretoriana, Regra moral. Invocacio de ofensa a lei 4829/65, a0 dil. 167/67 © a0 art. 145 — II, CCB. Dissidio notério. Recurso desprovido. I- Mesmo que se admita que a intencio inicial do legislador tena sido a de excluir a correcio monetéria dos miituos rursis, a evolucao dos fatos econdmicos tornou insustentavel a sua ndo-in- cidéncia, sob pena de prestigiar-se 0 enriquecimento sem causa, recordada ainda a licio de que regra moral esta acima das leis positivas. Il- Construgio pretoriana e doutrind- ria, antecipando-se a0 legislador, adotando a corregéo como imperative econdmico, juridico e ético indispensivel& justa composicdo dos danos e a0 fiel adimplemento das obrigacées, dispensou a prévia autorizagio legal para a sua aplicacio. Il Conhece-se do recurso especial sob a alinea c do art. 105-111 da Constituigdo, mesmo quando a parte nio faz.a demonstracio analitica das circunstancias que identi- fiquem ou assemelhem os casos confrontados, se not6rio o dissidio na matéria, dado o escopo do recurso em assegurar a unidade do direito federal. (STJ, 4°T., REsp 212. Rel. Min, Salvio de Figueiredo Teixeira, julg. 14.05.1990, publ. DJ 11.06.1990, RDA. 181/301, RT 668/167 — grifos nossos). 18 "Correcao monetiria, Inicio de incidéncia. Agao ordingria de cobranca de cheque e de notas promisssrias. Restabelecimento do voto que mandou pagar a corregio mo- netiria a partir do protesto das notas promissériae. Discusslo sobre a natureza da agi0 ¢ das obrigacées. Entendimento de que esta superada a lei federal 6,899/81" (TASP, 2° C. Civil, Emb. Infr. 408884-6/1, rel. juiz Rodrigues de Carvalho, julg. 21.03.90, publ. RT 663/99). A decisdo ¢ analisada por Teresa Negreiros (Enriquecimento sem causa, cit., p $28) que destaca que nela “o enriquecimento sem causa € aplicado como um principio geral ao qual se confere eficécia no apenas supletiva, mas verdadeira- ‘mente normativa, na medida em que capaz de se sobrepor & legislagio especifica que © contrarie, tornando-a, como consigna a ementa oficial, ‘superada’ 19 “Administrative — Corregio monetiria — A atualizacio do valor do débito resulta do principio que veda enriquecimento sem justa causa. Cumpre ajustaro valor formal No entanto, depois deste precedente, houve outros casos de apli- cago do principio do enriquecimento sem causa contra texto expres- so de lei, no préprio TASP, como a aplicagéo contra disposigio de plano econémico. Por conta disso, persistiu a necessidade de que os tribunais superiores debatessem a posicao hierérquica do principio de vedagao ao enriquecimento sem causa em nosso sistema A questo chegou ao STF por meio de certas decisdes de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello. Em uma primeira decisio, em que se dis- cute também o papel do magistrado na aplicacao do direito, o principio foi invocado em nome de uma justa indenizacdo e contra a coisa julga- da.?° Mas a atribuicdo expressa de um carster de principio constitucional implicito veio em uma decisio posterior, em que se afirmou: “[...] IMPOSTO SOBRE CIRCULACAO DE MERCADORIAS E SERVICOS — CREDITO — CORREGAO — PRINCIPIO DA a0 valor substancial. Nesse quadeante, nao se deve conferr a titulos de divida liquida e certa (Lei n, 6.899/81) significado restrito eminentemente formal, de documento que enuncie a divida, revestido das formalidades legais. Compreende qualquer relagio juridica, que defina de modo constatado pelo devedor, a existéncia e o quantum da divida, Nesse caso, 0 devedor nao € tomado de surpresa e sabe da obrigacio. Nio a satisfazendo, evidencia propésito de resistir a pretensio do credor. O vencimento do servidor é exemplo. Definido em lei, com data certa de pagamento, representa relagio conhecida do estado. O atraso impoe a corregio monetiria” (STI, 6"'T., REsp 27.027, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julg. 22.09.1992, publ. DJ 19.10.1992, RSTJ 37/382) 20 “OFICIO JUDICANTE — POSTURA DO MAGISTRADO. Ao examinara lide, ‘© magistrado deve idealizar a solucio mais justa, considerada a respectiva formacio humanistica. Somente apés, cabe recorrer 3 dogmitica para, encontrado o indispensé- vel apoio, formalizé-la. DESAPROPRIACAO — JUSTA INDENIZACAO — COR- REGAO MONETARIA — TERMO INICIAL. O titulo executivo judicial referente a demanda de cobranga, em face da chamada desapropriacio indireta, assenta-se em provimento que assegura a justa indenizagio. Impossivel é olvidé-lo mediante o em- préstimo de valor maior a trecho que encerre, como termo inicial da correcio mone tiria, a data do transito em julgado da sentenga de liquidagio. A passagem dos anos, sem que a decisio sc tornassc definitiva acaberia por eavariar © contetido econdmico do que sentenciado, conduzindo a verdadeiro enriquecimento sem causa da entidade desapropriante. O choque entre as duas partes do provimento resolve-se via homena~ gem a0 preceito inserto no artigo 153, par. 22, da Constituigio Federal de 1969, no {que minimiza o direito de propriedade mas garante, na desapropriagio, a justa indeni- zacio, a que nao equivale conclusio sobre o direito a algumas centenas de cruzeiros pela perda de quase uma centena de alqueires produtivos” (STF, 2*T., RE 111787, Rel. Min. Aldir Passarinho. Rel. p. acérdio Min. Marco Aurélio, julg. 16.04.1991, publ. DI 13.09.91, RTJ 136-03/1292). 376 NAO-CUMULATIVIDADE. Homenageia o principio da ndo-cumu- latividade decisio no sentido de considerar-se os créditos pelo valor devidamente corrigido, isso em face da passagem do tempo até a vinda a balha de definicao da legitimidade respectiva, por ato da Fa- zenda do Estado. Descabe falar, na espécie, de transgressio ao princi- pio da legalidade. O alcance respectivo ha de ser perquirido conside- rada a garantia constitucional implicita vedadora do enriquecimento sem causa” (STF, 2° T., Ag. Inst. 182458, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. 04.03.1997, publ. DJ 16.05.97 — grifos nossos). Esta decisio, que reapareceu em outros julgados,”! reverteu pre- cedente anterior do STF, relatado pelo Ministro Moreira Alves, que expressamente negava qualquer cardter constitucional ao principio.” Contudo, deve ser examinada com cautela A ampliagao exagerada da abrangéncia do principio, assim como seu posicionamento como norma constitucional, nio vem desacompa- nhado de um certo esvaziamento de seu contetido e uma maior im- preciso em seus termos, o que acarreta um aumento da inseguran- ga juridica. Em razdo disso, pode-se louvar a iniciativa do legislador de explicitar 0 instituto, se nao tanto pela forma em que ficou posi- tivado, ao menos pelo incentivo em aprofundar o debate acerca de seus requisitos. 21. *Consércio — Prego — Prazo de Pagamento — Atualizacio das Parcelas — Dila- tacio do Prazo, Mostra-se cousentiniea com as nogdes relativas a0 ato juridico perfeito a cobranca de parcelas suplementares decorrentes da projegio no tempo de majoragio do preco do veiculo. No contrato coletivo de consércio, « obrigagao primeira do con- sorciado é o pagamento total e atualizado do prego do vercula, Ficando viabilizada, com iss0, a entrega a todos os consorciados. A ordem juridico-constitucional ndo agasalha “ptica conducente a verdadeiro enriquecimento sem causa, potencializando-se interes- se individual, momentanco e isolado, em detrimento dos interesses do grupo e, por- tanto, da coletividade” (STF, 2* T., RE 141298, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. 13.05.1996, publ. DJ 18.06.01— geifos nossos). 22 “Agravo regimental. — Inexiste violagdo a0 texto constitucional mencionado, uma vex que esta corte sinds nio chegou a acmitie que fru u pardgrafo 3. Do artigo 153 acérddo que nio atenta contra a coisa julgada, mas que é atacado sob o fundamento de que, por haver declarado a nulidade de um contrato, possa fer, por meio de repercus- so, 0 ato juridico perfeito do pagamento efetuado com base naquele. Se 0 aresto recorrido eventualmente incidiu no ‘bs in idem’, a violacio ters sido do principio que veda o enriquecimento sem causa, que nada tem que ver com o estabelecido no pard srafo 3° do artigo 153 da Carta Magna, nem to pouco se alga ao plano consttucional. Agravo regimental a que se nega provimento” (STE, I* T., Al 122894, Rel. Min, Moreira Alves, julg, 11.12.1987, publ. DJ 08.04.88 — grifos nossos) 3. Enriquecimento sem causa como instituto Como se pode observar, a utilizagio do enriquecimento sem causa como principio é antiga, vasta e, por vezes, pouco criteriosa. No en- tanto, a face mais concreta do enriquecimento sem causa é sua quali- ficacao como fonte de uma obrigagio de restituir, Ou seja, em uma situagao em que ocorre o locupletamento de uma pessoa as custas de outrem, o enriquecimento sem causa geraria a obrigacio de restituir Aquela pessoa o que seria seu por direito, Esta idéia finca suas raizes hist6ricas nas condictiones do dircito romano, que eram “meios técni- cos de aplicacao da eqitidade a situacdes casuisticamente definidas, em que 0 deslocamento patrimonial se revelava carecedor de uma causa que o legitimasse”.2* Neste sentido, o enriquecimento sem causa costuma ser qualific: do como uma fonte auténoma de obrigacées, figurando ao lado da responsabilidade civil (por culpa ou por risco) ¢ das obrigacdes de origem negocial (contrato e negécios unilaterais).”* ‘A distingao com a responsabilidade civil é marcante. De um lado, a responsabilidade civil visa, com base no principio do nemtinem laede- re, a reparar um dano sofrido pela vitima em razio de um ato ilicito (culposo) ou em virtude de uma atividade de risco (responsabilidade objetiva). Ela confere uma protecao dinimica ao patriménio e se volta para o ressarcimento pleno da vitima, atribuindo uma obrigagao de indenizar. Ja 0 enriquecimento sem causa é um instrumento de protecio estitica do patriménio;”> posto menos intenso, abarca casos que ndo 28 Teresa Negreitos, Enriquecimento sem causa cit.,p. 769. 24 Na doutrina nacional encontramos essa triparticio das fontes em Fernando Noro- nha, Enriquecimento sem causa, cit. O Cédigo Civil portugues posiciona o enriqueci- ‘mento sem causa ao lado dos contratos, dos negécios unilaterais, da gestio de negécios © da responsabilidade, todos dentro do capitulo das fontes das obrigagées. O posicio rnamento no CC brasileiro na heterogénea categoria de "atos unilaterais”sofre criticas: {..] trata-se de uma lamentvel mixérdia de institutos diferentes, somente explicé- vel pelo cardter unilateral da sua iniciativa, mas que poderigm muito bem ser tratados em titulos préprios” (Pablo Stolze Cagliann e Revlolf Pamplona Filho, Nove curso de direito civil, vol. 2. Sao Paulo: Saraiva, 2003, p. 365). 25 Francisco Manuel Pereira Coelho (O Enriquecimento e o Dano, Coimbra: Almedi- na, 1999, p. 21) salienta esta diferenca destacando que o enriquecimento sem causa protege simplesmente o poder de ter ou manter os bens, enquanto a responsabilicade civil protege, sinda, aliberdade de os mobilizar, adquirir e agir com eles ou sobre eles. O autor portugués destaca ainda a existéncia de correntes que incluem o enriqueci- mento sem causa na Fungo sancionatsria/repressiva da responsabilidade civil, mas 379 seriam cobertos pela responsabilidade civil, uma vez que nao Na Niel tude (stricto sensu’) ou dano.2" A reparacéo do dano sofrido, quando ocorre é sempre indireta, pois 0 que se busca é remover a vantagem guferida por um para transferi-la a quem ela era de direito. Como destaca Antunes Varela, “o verdadeiro objetivo da lei, numa interpre- taco racional dos seus comandos, ndo é 0 de reparar 0 dano softido pelo proprietério sacrificado, mas o de forcar 0 beneficiado a restituir aquilo com que ele fica locupletado & custa do outro” ‘Aré 0 vigente Cédigo Civil, nao havia uma previsio legislativa geral do enriquecimento sem causa como fonte de uma obrigacio de resti- tuir, mas apenas a regulagdo de situagées especificas. 28 A consagracdo do enriquecimento sem causa como um instituto supriu uma lacuna existente no nosso sistema, que pode ser observada na comparacao com ordenamentos estrangeiros. No sistema alemio, a regra geral de abstrago dos negécios juridi- cos restringe a aplicagio pratica da teoria das nulidades. Desse modo, uma série de efeitos claramente injustos que poderiam ser supridos por uma alegacdo de falta de causa, ou causa injusta, permaneceriam intociveis em virtude da abstragio dos negécios. A demanda por um instrumento capaz de atingir a injustica de tais situagdes foi respondi- da exatamente pela previsio legislativa da possibilidade de acionar aquele que se enriqueceu as custas alheias, por meio da chamada actio de in rem verso — a acao por enriquecimento sem causa. Lontiapie desde logo se tratar de uma distorsio grave, » comecar pela questionavel remit a existncia de uma fungi sanclonatéria ma responsabilidad civil (id. p. 28-33) 26 Fernando Noronha, op. ct.,p- 57 ess. 27 Antunes Varela, op. cit, p. 188. Sobre a distingio, v. também Diogo de Leite npos, Enriquecimento sem causa, responsabilidade civil e nulidade. Revista dos Tribunais, v. 71, n. 560, jun. 1982, p. 259-266 28. Poderiamos exemplifcar com oart. 48 do Decreto n° 2.044/1908, que determina {que o sacador ou aceitante da letra de cémbio e o emitente da nota promisséria resti- tsiam com juros 0 valor do enriquecimento ao portador do titulo, independente da tcxoneracio da responsabilidade rambhial. Nao se inclui como exemplo o enriquec- mento ilicito que configura improbidade administrativa (art, 6° da Lein® 8429/92) (Os casos de enriquecimento sem causa se situam em um ambito de reprovabilidade perante os principios do sistema, mas nao de iicitude stricto sens. A iicitude conctuz, em reara, 3 responsabilidade, seja ela civil, administrativa ou penal. A distingio i era tracada com clareza por Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t, 26. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959, p. 159 € ss. 29. Eduardo Takemi Kataoka, op. cit, p 103-104. 379 Ja no sistema francés ocorre o oposto. A causa figura expressa~ mente como requisito de validade dos negécios juridicos, o que per- mite que a sua falta acarrete a nulidade do préprio negécio.° O enri- quecimento sem causa permanece li apenas como principio geral, de- senvolvido em doutrina e jurisprudéncia,*! incorporado em alguns dis- positivos especificos. O recurso & teoria das nulidades supre, no mai das vezes, a auséncia do enriquecimento sem causa. No Brasil, o Cédigo Civil de 1916 seguiu modelo alemao ndo clencou a causa como requisito de validade dos negécios.?? No entan- to, também nfo trazia previsio expressa do enriquecimento sem cau- sa. Cl6vis Bevilaqua justificava a omissio com base em uma impossibi- lidade de sistematizar 0 principio. A opgio, contudo, foi objeto de grande controvérsia.* 30 Teresa Negreiros, Enriquecimento sem causa, ct,, pp. 773 € ss 31 E a posicio defendida por Mazeaud, Ripert ¢ Josserand, serundo Serpa Lopes, Curso de direito civil, vol. V, 4 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, p. 71 32 Clovis Bevilaqua sustentou, com base em argumento de Hluc, que a nogio de causa teve origem em verdadeito qui pro quo filolégica, que consist em uma falsatradugio do termo arcaico cose, que foi traduzido para cause (causa) em vez de seu verdadeiro significado, chase (coisa). Assim concebicla equivocadamente por Domat, a teoria da causa fora esposada por Pothier e consagrada no Cédigo Civil francés (1804). Nas palavras do préprio, posteriormente incorporadas aos seus comentarios a0 art, 90 do CC1916, “como bem diz Planiol, a nocéo de causa € perfeitamente intl para a teoria dos atos juridicos" (Codigo Civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado por Clovis Bevilaqua, vol. 1, Rio de Janeiro: Ed. Rio, p. 338-340). Mesmo para os crticos a esta opsao prevaleceu o entendimento de que, embora a inclusio da causa entre os requi- sitos de validade do negécio Fosse uma idéia louvavel, uma vez que 0 Cédigo no a implementou, ndo cabia invocar a causa no ordenamento brasileiro, salvo a titulo de lege ferenda (Paulo Barbosa de Campos Filho, O problema da causa no Cédigo Civil brasileiro. Sio Paulo: Max Limonad, 1978, p. 156-157). Ressalte-se, contudo, a posi- ‘lo de Pontes de Miranda, para quem "A extirpacdo € inoperante, porque todo 0 seu sistema é fundado na causa.[..] No fundo, mesmo ato ditatorial com que o projeta- dor pretendew eliminar condigéesilcitas que nio fossem consignadas na le (art. 115). Algo de equivalente ao grito do professor de obstetricia que se dirigisse 3s internadas "Todos os recém-nascidos nascam sem pernas’. Mas nio nascem em milhoes” (oP. cit, 1.3, 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 100). 4 33 Clovis Bevilaqua afirmava que o Cédigo Civil de 1916 “ndo considerou 0 enrique Cimento ilicito como figura especial de obrigacio, ou como causa geradora de obriga- fo, porque suas diversas formas néo se subordinam a um principio unificador (... Cada uma das formas por ele apresentada aparecerd em seu lugar” (Cédigo Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, v. 4, 11. ed. Sio Paulo: Livraria Francisco Alves, 1958, p. 97). 34 Como relata Teresa Negreiros, “Enriquecimento sem causa". ct., p. 780 €ss. 380 As objegoes proliferaram e a utilidade da consagragao legislativa do enriquecimento sem causa foi tornando-se quase pacifica em dou- trina. Como resultado, o anteprojeto de cédigo de obrigagdes de 1941 € 08 projetos de 1965 e de 1975 trouxeram o instituto em seu bojo e, finalmente, a vedagao geral ao enriquecimento sem causa ganhou sede legislativa no Cédigo Civil, a partir da cléusula geral no caput do seu artigo 884: “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer 4 custa de outrem, serd obrigado a restituir 0 indevidamente auferido, feita a atualizacao dos valores monetérios. [...]” A construcio de uma fattispecie, ainda que abrangente, pode im- plicar restrigao na aplicagéo do enriquecimento sem causa, pois tipifi- ca elementos que nao eram necessérios a incidéncia do principio. Por conta disso, a larga e ampla utilizago do principio provavelmente dard lugar a decisSes com maior rigor e cautela na utilizacdo do instituto.2> Antes, contudo, de passar ao exame dos elementos tipicos necessirios a aplicagio do enriquecimento sem causa, vale analisar suas principais modalidades, de maneira a visualizar sua utilidade em situagdes con- cretas, 4, Modalidades O enriquecimento pode ocorrer em diversas situacdes, conforme as quais seus requisitos tomardo distintas formas. A modalidade mais clara de enriquecimento é aquela originada de uma transferéncia pa- trimonial, como no caso de pagamento indevido, ou quando o proprie~ tario recebe a coisa com benfeitorias realizadas pelo possuidor. Con- tudo, ha também o enriquecimento gerado pela exploragdo de bens, trabalho ou direitos alheios. Essas modalidades, mais complexas, tém como exemplos, respectivamente: a utilizagdo de casa alheia, ou 0 caso do condémino que desfruta de toda a co-propriedade; a desco- berta de direito a heranga em virtude do trabalho de um genealogista (nao contratado); e 0 uso de imagem alheia sem autorizagio.® 35. Teresa Negreiros, Enriquecimento sem causa, cit. p. 842; e Eduardo Takerni Ka- taoka, ep. cit., p. 96: 381 Com base em outro critério classificatério — 0 causador do enri- quecimento —, podemos distinguir trés modalidades de enriquec mento sem causa, Primeiro, 0 enriquecimento produzido em virtude de ato do enriquecido. Sao os casos mais freqiientes, como 0 uso da imagem alheia, a colocacdo de outdoor de propaganda em terreno alheio e a obtengao de prémio por meio da utilizagao de cavalo alheio em corrida, todos sem autorizacéo do proprietério, ou ainda o consu- mo de bens alheios que lhe foram entregues por engano. Nestes casos, a regra éa restituicéo. Pode ainda o enriquecimento decorrer de ato do préprio “empo- brecido”, como no caso do pagamento indevido, ou da oficina que efetua mais reparos do que o combinado. Nestes casos, a configuracio efetiva de um enriquecimento sem causa, na forma da lei, é excepcio- nal. A obrigacdo de restituir existira, no mais das vezes, de acordo com a boa-fé daquele que causou 0 enriquecimento, conforme previsio especifica. Enfim, 0 enriquecimento pode ser originado por ato de outrem ou por fato natural, como nos casos de avulsio, ou de bovinos que pastam em propriedade alheia Todos estes exemplos so de casos de enriquecimento direto.” Mas é possivel cogitar também do enriquecimento indireto, que ocorre quando hé pessoa interposta entre 0 enriquecido e aquele as custas de quem houve 0 enriquecimento. Nestes casos predomina o entendi- mento de que nao deve ocorrer restituicéo, salvo previsio legal espe- cifica, como quem aufere gratuitamente produto de crime (CC, art 932, V), ou quem planta em terreno alheio com sementes de terceiro (CC, art. 1.257). A situacio do enriquecimento indireto causa dificul- dades, mas prevalece o entendimento de que, em regta, nio cabe a restituicio.* Como indica Fernando Noronha, nestes casos é praxe a +, para impor a restituicao, a gratuidade da segunda transmis- sio e, por vezes, como no sistema francés, a insolvéncia da pessoa interposta.” 36 Os exemplos sio de Fernando Noronha, op. cit, p. 60. 37 Femando Noronha, op. ct. p-62 es. 38. Mario Jsko de Almeida Costa, Direito das obriga¢ées, 7. ed. Coimbra: Almedina 1998, p. 431 39 Fernando Noronha, op. cit. pp. 7: 499 5. Requisitos 5.1. Enriquecimento O enriquecimento € de maneira undinime listado como requisito essencial, contudo, parte da doutrina se insurge contra a necessidade de que ele seja uma vantagem patrimonial. Para alguns autores poder- se-ia cogitar de uma vantagem moral, como 0 aluno que se aproveita de ligdes particulares alheias, ampliando sua bagagem de conhecimen- to." No entanto, vale observar que mesmo a corrente que afirma ca- ber a actio de in rem verso para vantagens morais tende a admiti-la somente quando acarrete efeitos patrimoniais;*! neste caso, portanto, € 0 efeito patrimonial que ser objeto de restituigio.”? O cerne da discussio sobre o valor do enriquecimento est na distingdo entre dois tipos de avaliag3o do enriquecimento: 0 enrique- cimento real ¢ 0 enriquecimento patrimonial. O enriquecimento real vincula-se a0 objeto do enriquecimento. E a quantificagio objetiva do valor da vantagem adquirida, o valor de uso do bem ou direito.”* Ji o enriquecimento patrimonial esté ligado ao sujeito enriqueci do. Ese calcula a partir do exame comparativo do seu patriménio. Ea diferenca entre a situacao real e a hipotética, isto €, se o fato que gerou ‘© enriquecimento nio tivesse ocorrido."* Para fins de quantificacdo da obrigagio de restituir o enriqueci- mento sem causa, 0 parametro € 0 enriquecimento patrimonial.* Sob a concepcao patrimonial, constitui enriquecimento qualquer melhora na situagia patrimonial. Pode ser um aumento do ativo, como no pa- gamento indevido, nas benfeitorias realizadas pelo gestor e na acessao, uma diminuigdo do passivo, como no cumprimento de divida alheia e 40 Ea posigdo de Giovanni Ettore Nanni que sustenta ser tal corrente mais consenta- nea coma tendéncia de despatrimonializacio do direito civil (op. cit. p. 230 € ss.) 41 Eo caso de Agostinho Alvim, op. cit; p. 57. Serpa Lopes também se refere a uma vantagem moral apreciivel em dinheiro (op. cit., p. 71), 42 Teresa Negreiros, Enriquecimento sem causa, cit, p. 794 es. 43 Francisco Manuel Pereira Coelho, op. cit., p. 26, 44. Francisco Manuel Pereira Coelho, op. cit., p. 26. 45. Como indica Teresa Negreiros, a posicio € razoavelmente pacifica, defendida, por exemplo, por Mario Jilio de Almeida Costa, Antunes Varela, Serpa Lopes, Orlando Gomes e Vaz Serra (Enriquecimento sem causa, cit., . 797). Diogo Leite de Campos, contudo, pode aproximar-se mais da concepcio real do enriquecimento com sua visdo peculiar de que o enriquecimento é a wilidade que o beneficiado auferiu com o inde- vido deslocamento patrimonial (op. cit., p. 261), 383 nO pagamento Ge IMposto pelo Restor, OU Se oe gasto, como no pagamento de alimentos para outrem, ou 0 enterro realizado pelo gestor de negécios."® A distingao é muito pertinente, como se depreende ao examinar casos concretos, No caso da utilizacdo de imével alheio, por exemplo. Pensemos em alguém que desfrute da casa de veraneio de um amigo, supondo, de boa fé, ter-lhe sido emprestada, quando, na verdade, 0 amigo Ihe entregara as chaves apenas para que fizesse o favor de che- car se tudo estava em ordem na casa, A partir do mal entendido, o sujeito passa a desfrutar do imével alheio, que é de qualidade conside- ravelmente superior & da casa de veraneio que ele préprio — de pou- cas posses — alugaria, nao fosse o empréstimo putativo. Neste caso, 0 enriquecimento real auferido foi o valor de mercado do aluguel do imével utilizado, avaliado objetivamente. Contudo, 0 enriquecimento patrimonial, neste caso menor, foi a despesa que Ihe foi poupada, a despesa que ele teria nao fosse 0 ato causador do enri- quecimento, ou seja, 0 aluguel da casa que ele hipoteticamente aluga- ria, Ea diferenga entre o que ele realmente despendéu — nada —e o que ele despenderia hipoteticamente — a despesa com a locacao de tuma outra casa, dentro das suas possiblidades. Isto porque a situagao hipotética, no caso, é aquela que ocorreria se nao existisse o fato que deu origem ao locupletamento. Usando outro exemplo, vejamos o caso daquele que presta ali- mentos a filho alheio acreditando ser seu. O enriquecimento real seria simplesmente o valor da pensio alimenticia prestada. Por outro lado, 9 enriquecimento patrimonial auferido seria o valor da pensio alimen- ticia que o pai verdadeiro da crianca faria. Ou seja, considerando que o valor da pensio € fixado pelo bindmio necessidade-possibilidade, se as possibilidades do verdadeiro pai forem maiores, 0 enriquecimento patrimonial seré maior do que o real. De outro lado, as possibilidades do verdadeiro pai podem ser menores, quando o enriquecimento pa- trimonial ser de menor monta do que o real.*” 46 Antunes Varela, op. cit., p. 194-195. 47 Antunes Varela fornece ainda um terceiro exemplo: "S€ Anténio, que fuma nor rmalmente charutos de S cruzeiros, consome a caixa de 40 charutos de 20 cruzeiros destinados ao seu homénimo ¢ entregues por lapso em sua casa, a soma com que cle realmente se locupletou é de 200 (e nao de 800), por ser essa a despesa que o fumador ‘poupou nos seus gastos normais” (op. ct., p. 196). Fernando Noronha, de outro lado, entende que, quando de boa-fé, o enriquecido s6 ¢ obrigado a restituir aquilo que ainda resta em seu patriménio e, portanto, o exoneraria no exemplo citado (0p. cit, p. 384 No entanto, embora esteja Gerinido que o enriquecimento que nporta para a definicao do valor da obrigacao de restituir € o enrique- mento patrimonial, isto no significa dizer que o valor da obrigagao de restituir seja sempre o do enriquecimento patrimonial. Trata-se de um parimetro necessério, mas insuficiente. Como veremos, de acor- do coma chamada teoria do duplo limite, o quantum da actio de in rem verso & guiado por dois parimetros. Melhor dizendo, ele sera, entre dois critérios, o menor. Sdo estes critérios o enriquecimento patrimo- nial, de um lado, e, de outro, o “empobrecimento” real, 5.2. A custa de outrem Muitos autores optam por nao utilizar o termo “empobrecimen- to", preferindo, em seu lugar, referir-se & necessidade de que o en quecimento se dé as custas de outrem.** De acordo com a posigéo defendida pela idéia de destinacao dos bens, o requisito para configu- racdo do enriquecimento sem causa seria auferir um proveito alheio, uma vantagem que caberia a outrem — daf a locucio, a custa de ou- trem, presente no art. 84 do CC. O termo “empobrecimento” é rejeitado porque remete imediata- mente A sua concepcio patrimonial. Ele conduz a idéia de uma dimi- nuigdo patrimonial, de uma comparagdo entre um patriménio supe- rior antes e um patriménio diminufdo depois. E isto, muitas vezes, ndo ocorreré, como no caso da colocagio de outdoor publicitério em terre- no alhcio — 0 proprietério do terreno nao sofre qualquer prejuizo —; ou, ainda, no caso daquele que utiliza cavalo alheio para ganhar uma corrida da qual o dono do cavalo nao participaria.”? Entretanto, aqui é da mesma maneira pertinente a distingio entre a concepcao patrimonial e a concepcao real do “empobrecimento”, embora ela se mostre menos clara neste ponto. © empobrecimento patrimonial é também calculado com base na diferenga entre a situa~ 60). A posigdo de Antunes Varela parece mais condizente com a sistemitica do enti quecimento sem causa, pois a boa fé do enriquecido pode ser critério para minorar 0 objeto da restituicdo em casos especificos previstos em lei, mas néo serve para exone- riclo da obrigagio de restituir em geral. Novamente, o ato que acarreta 0 enriqueci- mento aio requer a mi-fé do enriquecido; nio se confunde com 0 ato ilicito que justifica @ responsabilidade subjetiva. 48 Diogo de Leite Campos, op. cit., p. 262 49 O exemplo é de Antunes Varela, op cit., p. 199. 385 G40 efetiva Co EMPCOFECICO € & SITUACKO NIPOLELica, L/EStAQUE-SE, NO” vamente, que a situagio hipotética aqui é aquela na qual nao ocorrera 6 fato que deu origem ao enriquecimento (e a0 “empobrecimento") Jé 0 empobrecimento real vincula-se as condigdes objetivas da vantagem auferida pelo enriquecido, ou melhor, neste caso, as condi- ées objetivas da vantagem nao fruida pelo "empobrecido”. Abstrai portanto, qualquer especulacio sobre a aplicagio especial que o lesado teria dado ao bem, ot a relacdo com seus outros bens.*’ O empobreci- mento patrimonial sera maior que o real, por exemplo, se 0 lesado revenderia a coisa com lucro. Ao contrario, 0 empobrecimento real ser maior se 0 bem se deterioraria ou seria vendido com prejuizo. O que € requisito do enriquecimento sem causa —e que define 0 outro limite da obrigacio de restituir —é 0 “empobrecimento” real, e ‘nao o patrimonial. Como foi observado, o patrimonial muitas vezes sequer ocorrerd Assim, mesmo os autores que se permitem usar 0 termo “empo- brecimento” ressaltam que ele ndo possui sua acepcdo comum (patri- monial), mas aquela acepgio real.*! A questo aparenta ser, portanto, de cunho puramente terminologico.* Tendo estes dois critérios em vista, é possivel fixar 0 quantum da obrigacdo de restituir na actio de in rem verso. Segundo a teoria do duplo limite, o valor da restituigio sera, entre o enriquecimento patri- monial ¢ 0 “empobrecimento” real, o de menor monta. Ou seja, quan- do howver diferenca, o valor nfo pode ser maior do que qualquer um dos dois critérios. Isto porque, como foi exposto, o institute do enriquecimento sem causa no busca reparar 0 empobrecimento, indenizando a vitima de um dano, como na responsubilidade civil, wen restit estado anterior, como na decretagio de uma nulidade. A pretensio da as partes a0 50 Francisco Manuel Pereira Coelho, 0p cits, p- 2 51 Eo caso de Fernando Norona, que destaca: "E que mesmo dentro da orientagio tradicional 0 dano ou 'empobrecimento’ ha de ser entendido no imbito da teoria da destinagdo dos bens e, assim, consistiré na privacio daquele valor econémico que esta- vva destinado ao titular prejudicad, Portanto ele nao signfigaré que haja sempre um

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