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CConselho Editorial de Edueagto José Cerchi Fusari Marcos Antonio Lorieri Marli Andsé Pedro Goergen Terezinha Azertdo Rios Valdemar Sguissardi Vitor Henrique Paro Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagao (CIP) (Cémara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ‘Temas de pedagogia : didlogos entre didatica e curriculo / José Carlos Libaneo, Nilda Alves (organizadores). ~ Sao Paulo Cortez, 2012. ISBN 978-85-249-1942-8 1. Avaliagéo educacional 2, Curriculos ~ Avaliacio 3. Ensino 4. Inovacies educacionais 5. Professores ~ Formasio profissional L Libineo, José Carlos. I. Alves, Nida. ac7a7i €DD375.006 Indices para catélogo sistematico: 1.Cuntculo e didética Edueagio 375.006 José Carlos Libaneo - Nilda Alves (Organizadores) TEMAS DE PEDAGOGIA Didlogos entre didatica e curriculo Geers TEMAS DE PEDAGOGIA: dlilogos entre didaticae curio José Carlos Libineo * Nlda Alves (orgs) Cpa: Ramos Estaio Prpargeo de origins: Ana Paula Luceisano -Revisio: Maria de Lourdes de Almeida; Marta de Si Composicio: Linea Editora Lida Coondenapoelitorial: Danilo A. Q. Morales [Nenhuma paste desta obra pode sr eproduzida ou duplicada sem autorizagéo express dos autores edo editor (© 2012 by Organizadores Direitos para esta edicio ‘CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre 1074 -Perdizes 05014.001 ~ $80 Paulo ~SP “Tel: (1) 3864-0111 Fax: (11) 3961-4290 E-mail cortez@cortezeditora.com.br swormcortezeitoracombr Impress no Brasil —julho de 2012, Sumario Sobre os Autores... Apresentacao Conversas sobre didatica ¢ curriculos: a que vem este livro José Carlos Libaneo e Nilda Alves 2 TEMA! Ensinar e aprender/“aprender-ensinar’: 0 lugar da tera eda pra em didtica eem cucu Capitulo 1 Ensinar @ aprender, aprender e ensinar: lugar da teoria e da prética em didatica JOSE Carl0s Libi€0 ern 35 Capitulo 2 Ensinar e aprender/“aprenderensinar' © lugar da teorla e da prética em curriculo Nilda Alves e Inés Barbosa de Oliveira 61 ‘ UBANEO-aLves TEMA Il Pedagogia e media pedagdgica Capitulo 3 Pedagoga e mediacdo pedagégica Maria Eliza Mattosintho Bernardes . Capitulo4 Possivels tessituras entre curriculo e didatica: sobre conhecimentos, experiéncias e problernatizagdes Carles Eduardo Ferraco 98 TEMA Ill ‘As culturas e os processos escolares Olugar da culture Capitulos A cultura escolar como uma questao didatica Raguel Aparecida Marra da Madeira Freitas wz Capitulos ‘Curriculoe cultura: o lugar da ciéncia Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo. . 152 TEMA IV Prétcas pedagdgicas nas miltiplsredes educativas Capitulo 7 Praticas pedagogicas nas miltiplas redes educativas Maria Amélia Santoro Franco 169 Capitulo 8 Praticas pedagégicas nas miltiplas redes educativas que atravessam os Curriculos Janete Magalhites Carvalho, a . 189 TEMAV Disciplnas escolares e as mudancas atuais nas funcdes do conhecimento. Capitulo 9 \o conhecimento €0 papel do professor Bernhard Fichtner... . . 209 Capitulo 10 Disciplina escolar e conhecimento escolar: conceitos sob rasura no debate curricular contemporaneo Carmen Teresa Gabriel e Mércia Serra Ferreira TEMA VI (0s espacos eos tempos de aprender eensinar Capitulo 11 Os espacos eos tempos de aprender e ensinar Ana Liicia Amaral.. 245 Capitulo 12 Imagem-escola Antonio Carlos Amorim. TEMA VII Artefatos escolares nos processos pedagégicos Capitulo 13 Quadro-negto:escrita, experiéncia, memériae historia Glacy Queirés de Roure Capitulo 14 Artefatos tecnoculturais nos processos pedagogicos: sos e implicagdes para os curriculos Conceigao Soares e Edméa Santos wun. TEMA VIII ‘As relacdes “dentro-fora” das escolas: contertos, divrsidades, difrenas Capitulo 15 As telacoes ‘dentro-fora"na escola ou as interfaces entre praticas socioculturais @ ensino José Carlos Libianeo Capitulo 16 Artefatos nas redes educativas dos cotidianos de terreiros de candomblé nas relagdes possiveis com as escoles: discutindo as nogées de tradicao, cultura e identidade Stela Guedes Caputo .. 287 TEMA IX As relagbes entre professor e aluno na sala de aula: sobre. disciplina escolar Capitulo 17 AS relacdes entre professores e alunos em sala de aula algo mudou, muito permaneceu. Marilene Proenca Rebello de Souza e Lygia de Sousa Viégas 379 Capitulo 18 Conversas sobre aprenderensinar a ler ea escrever: {(n02) alfabetizando com as criangas ¢ sem cortilhas. Carmen Liicia Vidal Pérez e Carmen Sanches Sampaio, 395 TEMA X Avaliagdo da aprendizagem em didatica ecurriculo Capitulo 19 ‘Avaliacao da aprendizagem na escola Cipriano Carlos Luckesi Capitulo 20, Em histérias tidianas, convites a0 encontro entre avaliagdo e aprendizagemensino ‘Maria Teresa Esteban e Mitsi Pinheiro de Lacerda TEMA XI Sobre aformagio de professores Capitulo 21 Maco de professores e os conhecimentos tebricos sobre a doc Marta Sueli de Faria Sforni..... — Capitulo 22 Sobre formagdo de professores e professoras: questées curriculares Regina Leite Garcia e Nilda Alves. 489 TEMA XIl Sobre politica para a escola em Didtcae Curricula Capitulo 23 A docéncia em contexto e os impactos das politicas publicas em educacéo no campo da Didstica Umberto de Andrade Pinto...... 513, Capitulo 24 Poitcas educativas,Curiculo ¢ Didatica Alvaro Moreira Hypolito 534. Sobre os Autores Alice Casimiro Lopes Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pesquisado- ra do CNPq, cientista do Nosso Estado Faperi, procientista Faperj/ UERI. Alvaro Moreira Hypolito Professor da Faculdade de Educagéo da Universidade Federal de Pe~ lotas — UFPel, pesquisador do CNPq e professor visitante no Progra ma de Pés-graduacdo em Educagio/UFMG, durante 0 ano de 2011, na linha de pesquisa “Politicas publicas de educagao: concep¢ao, im- plementacao e avaliacao”, junto ao Grupo de Estudos sobre Politicas Educacionais Trabalho Docente — Gestrado. Ana Licia Amaral Ph.D. em Educacdo e mestre em Sociologia pela Universidade de Stanford (CA, USA). Mestre em Educagao e pedagoga pela Faculdade de Educacio da Universidade Federal de Minas Gerais. Exerceu, entre muitas outras, as seguintes fungGes: diretora do Curso de Pedagogia do Instituto de Educacao de Minas Gerais (atual FAE da UEMG); pes- quisadora e vice-coordenadora do Game (Grupo de Avaliagio e Me- didas Educacionais) da FaE / UFMG; professora de Didatica da UEMG e professora de Didatica e Didatica do Ensino Superior da FaE/UFMG; coordenadora da Subsecretaria de Desenvolvimento Educacional da CAPITULO 7 Praticas pedagdgicas nas miltiplas redes educativas Maria Amélia Santoro Franco Introducao Neste texto, quero discutir a questéo das praticas pedagégicas, tendocomo pano de fundo das reflexdes a questao central da Didética, vinculada ainda a grande pergunta proposta por Coménio: como en- sinar tudo a todos? Nao nos esquecamos de que a légica da Didatica €a logica da produgio da aprendizagem (nos alunos), a partir de pro- cessos de ensino previamente planejados. Quando falo de Didatica, sou conduzida a focar 0 ensino escolar, ou seja, 0 ensino instigado a partirda escola; um ensino que solicita planejamento, dado seu caréter intencional. No entanto, cada vez mais, sabe a Didatica que, ao plane- jar o ensino, espera-se uma determinada aprendizagem. Ou seja, Planeja-se o ensino na intencionalidade da aprendizagem futura do aluno. No entanto, 0 grande desafio tem sido a impossibilidade de controle ou previséo da qualidade e da especificidade das aprendiza- gens que decorrem de determinadas situagGes de ensino. Jé dizia S6- ‘crates: o ensino é sempre mais que o ensino! 170 LUBANED -Awves| A questo de Coménio que reverbera na Didatica atual é extre- mamente contraditéria e instigante. F instigante porque o planejamento do ensino, por mais eficiente que seja, nao poder controlar a imensi- dio de possibilidades das aprendizagens decorrentes. F contraditéria Porque, na légica da Didatica, parece haver uma dissonancia basica: ‘o ensino s6 se concretiza nas aprendizagens que produz, sendo que as aprendizagens, em seu sentido alargado e bem estudadas pelos peda- gogos cognitivistas, decorrem de sinteses interpretativas realizadas nas relagdes dialéticas do sujeito com seu meio. Nao sdo imediatas, nao sdo previsiveis, ocorrem por interpretacdo do sujeito, dos sentidos ctiados, das circunstancias atuais e antigas, ou seja, n3o ha correlacdo direta entre ensino e aprendizagem. Quase se pode dizer que as apren- dizagens ocorrem sempre para além ou para aquém do planejado; nos caminhos tortuosos, lentos, dinamicos das trajetérias dos sujeitos. Radicalizando essa posicao, Deleuze (2006, p. 237) afitma, em Dife- renga e repeticio, que nao & possivel saber e controlar como alguém aprende. E necessério admitir, por outro lado, que as aprendizagens ocor- rem entre os miiltiplos ensinos que esto presentes, inevitavelmente, nas vidas das pessoas e que, algumas vezes, contradizem ou potencia- lizam o ensino escolar. Essas concomitancias de acées de ensino poem em realce o desafio da Didética hoje: tornar 0 ensino escolar tao dese- javel e vigoroso quanto outros “ensinos” que invadem a vida dos alunos e, ao mesmo tempo, compatibiliz4-los, potencializ4-los, dialogar com eles. U ensino escolar precisa, com a intervencio da Didatica, tornar-se uma pratica que se constitui em foradentrofora da escolavida. Apesar dessas caracteristicas e das dificuldades em mediar 0 ensino com as condigdes de seu ndo controle sobre uma previsivel aptendizagem, ainda assim, nao acredito na Pedagogia Anarquista, em seu amplo sentido. Considero que as relagdes entre professor, alu- no, curriculo e escola sao relagdes que impdem uma convivéncia, tensional e contraditoria, entre o sujeito que aprende e o professor que se organiza e prepara as condigdes para ensinar. Basta imaginar 0 professor como desencadeador de processos de aprendizagem e “acom- {EMASDEFEDAGOGA m panhador” das possibilidades muiltiplas de retorno de sua acao para. perceber que o processo desencadeado produz novas aprendizagens, algumas previstas e outras ndo;as desejadas eas nao desejadas. Enfim, ‘como a Vida, 0 que decorre da agzo de um bom ensino serao sempre situag6es imponderdveis. O importante é acompanhar, vigiar, recom- por e readequar o planejado inicial. Essa dinamica, que vai do desen- cadear nos alunos de situacdes desafiadoras, intrigantes, exigentes, aos retornos que 0s alunos produzem, misturando vida, experiéncia atual ¢ interpretacdes dos desafios postos, é a marca da identidade do pro- cesso ensino-aprendizagem, visto em sua complexidade e amplitude. Considero que todo proceso de ensino precisa considerar a com- plexidade dos processos formativos, inseridos sempre em mtiltiplos contextos que interferem na escola e dela reverberam. A sala de aula sempre serd uma muiltipla rede educativa, portanto, campo de tensdes, de riqueza e de complexidade de sentidos. Assim, cabe Didatica planejar e sistematizar a dindmica dos processos de aprendizagem. Ou melhor, caminhar no meio de processos que ocorrem para além dela, de forma a garantir o ensino de contetidos e praticas que so conside- rados fundamentais para aquele estégio de formacao do aluno e, através desse proceso, disponibilizar mecanismos nos sujeitos que poderao qualificar /redirecionaras novas aprendizagens para além da escola, Cabera a Didatica saber recolher, como ingredientes do ensino, essas aprendizagens de outras fontes, de outros mundos, de outras Iogicas, para incorporar na qualidade de seu processo de ensina e na ampliagao daquilo que se considera necessério para o momento peda- g6gico do aluno. Sabe-se da circunstancialidade dos contetidos de aprendizagem que so considerados em um determinado momento pedagégico. No entanto, a expectativa é a de que esta selecdo de contetidos e praticas conexas seja cada vez mais ampliada e qualitativamente diferenciada, de forma que o ensino seja cada vez mais ensino/leitura do mundo e cada vez menos ensino /informagdes do mundo. Sendo assim, quais Ptéticas pedagégicas possibilitardo a Didatica dar conta da complexi- dade da tarefa de ensinar em meio a redes educativas cada vez mais m LUBANEO -auves| tecidas e mais impregnantes? E, afinal, o que sdo préticas pedagogicas? Este texto procurard responder a tais questées. Praticas pedagégicas E comum considerar que praticas pedagégicas e praticas educa- tivas sejam palavras sindnimas e, portanto, univocas. No entanto, a0 falarmos de praticas educativas, estamos nos referindo a praticas que ocorrem para a concretizagio de processos educacionais. Jé ao nos referirmosas praticas pedagégicas, estamos nos reportando a préticas sociais que se exercem com a finalidade de concretizar processos pe- dagégicos. Falamos, entdo, de praticas da educacao e praticas da Pe- dagogia. Mas, Pedagogia e educacao sao conceitos e praticas distintas? Trata-se, a meu ver, de conceitos mutuamente articulados, no entanto, com especificidades diferentes. Pode-se afirmar que a educa- do, numa perspectiva epistemol6gica, é 0 objeto de estudo da Peda- gogia, enquanto numa perspectiva ontolégica é vista como um con junto de préticas sociais que atuam e influenciam a vida dos sujeitos, de modo amplo, difuso e imprevisivel. Por sua vez, a Pedagogia pode ser considerada como uma pratica social que procura organizar /com- preender/transformar as préticas sociais educativas que dao sentido € diregdo as praticas educacionais. Digamos que a Pedagogia impoe um filtro de significado a multiplicidade de praticas que ocorrem na vida das pessoas. A diferenca é de foco, de abrangéncia e de significa- do, ou seja, a Pedagogia realiza um filtro nas influéncias sociais que, em totalidade, atuam sobre uma geracdo. Essa filtragem é estabelecida Por instituicdes sociais com fins educativos: a familia, a igreja e, mais, especificamente, a escola. Pode-se dizer que a igreja ainda exerce in- fluéncia pedagégica na subjetividade da estrutura pedagégica de uma sociedade. Esta filtragem, que ¢ o mecanismo utilizado pela acao pe- dagégica, é na realidade um processo de regulacdo e, como tal, um rocesso educativo. Reitero, assim, o sentido de Pedagogia como pré- “PMASDEPEDAGOGA 7 tica social, oferecendo uma diregdo de sentido as praticas que ocorrem, nasociedade, realgando seu carter eminentemente politico. Ela impde/ propée/indica uma direcdo de sentido. Nessa perspectiva, processos vinculados a médias como TY, redes sociais on-line, internet, passam a ter neste atual século grande influéncia educacional sobre as novas getacdes, competindo com as escolas em desigualdade de condicées. ‘Aescola e suas priticas pedagégicas tém tido dificuldades em mediar e potencializar as tecnologias da intormacao e comunicagao. O que/ como pode a Pedagogia mediar tais influéncias? Como transformé-las, ‘em processos pedagégicos numa perspectiva emancipadora? Um dos temas cruciais da Pedagogia como educar/formar mediando tantas influéncias educacionais nos alerta para a complexidade das préticas pedagégicas e para 0 jé mencionado desafio posto a Didatica: como trazer a escola essa multiplicidade de influéncias e trabalhar pedago- gicamente a partir delas? Que sao, afinal, praticas pedagégicas? Sao praticas as que se or- ganizam intencionalmente para atender a determinadas expectativas educacionais solicitadas /requeridas por uma dada comunidad social esse sentido, elas enfrentam, em sua construgio, um dilema essencial: sua representatividade e seu valor advém de pactos sociais, de nego- ciagdes e deliberacdes com um coletivo. Ou seja, as praticas pedagé- gicas se organizam e se desenvolvem por adesao, por negociacao ou, ainda, por imposicao. Por certo, essas formas de concretizagio das priticas produziram faces diferentes para a perspectiva cientifica da Pedagogia!t Em pesquisa recente (Franco, 2008a), entrevistei algumas profes- sotas alfabetizadoras buscando compreender como organizavam suas praticas docentes em relagao aos procedimentos didaticos de alfabeti- zacéo infantil. Percebi nas entrevistas que a grande questao eram as Praticas que mediavam o proceso. Era comum afirmarem que tais, préticas variavam de escola a escola e afetavam os procedimentos didaticos. Realgavam, ainda, a falta de consenso em relacao a idade/ Pare aprlundar essa questo, ver Franco (200) 174 Ueaneo -auves fase em que a crianga deveria iniciar formalmente esse processo, se mais precocemente ou apés os sete anos. Outras questées referiam-se a fundamentos epistemolégicos do proceso: trata-se de alfabetizagao ou letramento?® Cartithas ou livros de alfabetizagao? Sabe-se que 0 etramento requer um contexto de leitura, materiais variados, cfirculos logos. Nem sempre as professoras passuriam contro~ deconversase d le sobre esses aspectos que impactavam diretamente suas praticas. Este exemplo mostra que uma prética pedagégica, como a de alfabetizacdo, convive com decisées que antecedem a pratica de sala de aula, tais como o enfoque epistemolégico a utilizar, a existéncia de recursos didaticos de suporte, a escolha de métodos e procedimentos. Percebe-se, assim, que hé decisées que extrapolam/transcendem a sala de aula. A escola sozinha nao pode inserir 0 aluno no universo letrado, no contexto e no gosto pela leitura e escrita. A pratica de letramento supde um esforso familiar e social para vivéncia de praticas de leitura de mundo. £ preciso a adesdo de pais e outras instncias da comunida- de, levar em conta as influéncias das midias, planejar coletivamente a cooperacao entre outras disciplinas escolares. Sao fatores que irao, de uma forma ou outra, repercutir na acao docente. Hé outras questoes a serem consideradas nas praticas pedagdgicas de alfabetizacao: como trabalhar com a crianca que caminha em um ritmo diferenciado; como produzir processos de inchustiona sala de aula; como lidar coma crianga desinteressada; como incluir os pais no proceso, j4 que se sabe que a presenca interessada dos pais favorece o interesse pela leitura e escrita Verifica-se, pois, que as praticas pedagégicas se constituem por um conjunto complexo e multifatorial. Devido ao fato de as praticas pedagégicas se “infiltrarem” na cultura de modo a assegurar sua legi- timagao e, também, por se aninharem em préticas ja existentes, elas requerem adesio, negociagao e, em alguns casos, imposigao, conforme ja mencionado. Por exemplo, a obrigatoriedade de encaminhar crian- gas a escola ocorre, na maioria dos casos, por adesdo, mas ocorte, 2, Letras segundo Mi crever dena de urn conte ecm ue 3 ecu Wham cents, luna, Soares (1998, 2000, 2003), € mais q ar, € ensinaraler ees ‘TeMASDEPEDAGOGA vs também, por imposicao. A escolha, pelos pais, de determinadas esco- as em detrimento de outras deve-se a decisées deste tipo: alguns preferem colocar a crianga na escola X, porque la a alfabetizagao ini- cia-se logo depois dos 4 anos de idade; outros preferem a escola Y, onde aalfabetizacao ¢ tardia em relagao a anterior. Em muitos casos, trata-se de adesdo a alguma proposta pedagégica, mas envolve negociacées & acertos miituos No caso de escolas ptiblicas, nota-se, na maioria das vezes, imposicio de propostas pedagégicas, apesar das honrosas ex- cegGes, em que se trabalha com o planejamento participativo, envol- vendo as familias. Em resumo, decisées, principios, ideologias, estratégias de nego- ciagdo e adesio so ingredientes estruturantes das préticas pedagégi- cas. Tais praticas precisam ser percebidas, analisadas e compreendidas na perspectiva da totalidade. Desse modo, nos processos coletivos de tomada de decisao da escola, as préticas pedagégicas precisam ser explicitadas em sua intencionalidade. Praticas pedagégicas impostas sem tais explicitagdes tendem a ser superficialmente absorvidas, sem adesio do grupo que as protagoniza. Esta afirmagao pode ser reforca- da pelos dados de outra pesquisa que realizamos (Franco, 2008b), cujo objetivo era compreender como os professores estavam significando a obrigatoriedade de nao reprovacio as criangas de primeiro ciclo nas escolas estaduais paulistas, quando da implantacao do projeto de progressao continuada.® Constamos que as praticas pedagégicas de ava- liagéo sao praticas histéricas, vinculadas a uma histéria profissional, que implicam relagies de identidade, de poder, de autonomia. Ou seja, elas ndo ocorrem de pronto nas salas de aula. Blas estdo vinculadas a solicitagdes de politicas educacionais oficiais, a delimitagGes das ins- tituigdes de ensino, das circunstancias onde a instituigao se insere, por exemplo, se na escola ptiblica ou privada, ao segmento social atendido, além de especificidades e circunstancias do trabalho docente. yesst0 arr de entio,aretengSo de um aluno 56 acon de no superesio dos conteios ede ‘alas acima inuada e que apart de 199 v6 sano aes A titulo de exemplo, uma professora deu o seguinte depoimento: Meus alunos aprender, gosto de trabalhar com eles, poucos deles no obtém @xito e so reprovades. N3o quero e no gosto de reprovar. Mas essa medida humilha os professores, tra de nds o ata de avalia,sinto como uma invasdo. A professora parece ter razao. Uma nova prética pedagégica, nao suficientemente discutida com o coletivo, impée uma mudanga no modo como cada professor estava lidando com sua tarefa. Na mesma pesquisa, dizia outra professora: “Tudo seria étimo se a escola tivesse a infraestrutura pedagégica para acompanhamento das criancas em defasagem de aprendizagem [...] Precisamos de um novo espaco/ tempo pedagégico para acompanhé-las em tempo integral.” Também esta professora esté coberta de razao. Ha outros ingredientes da complexidade das praticas pedagogicas. Ha, por exemplo, uma histéria das praticas, cultural e socialmente engendradas, 0 que produz expectativas de papel e representacdes sociais variadas. Ha uma hist6ria da profiss4o, do papel social do professor, 0 que delimita poderes e perspectivas no exercicio do sere estar na profissao. Nesse cendrio de tantas préticas e culturas aninha- das, que criam e criaram um ethos profissional, como mudar as préticas por imposigéo? Como dizer que doravante a profissio professor per- deré uma instancia essencial de sua atividade que é ensinar, avaliar, replanejar? Em politicas educacionais de alguns estados brasileiros, principalmente aquelas orientadas por propostas neoliberais, 0 deli- berar sobre princfpios, métodos, perspectivas ¢ intencionalidades do processo de avaliacéo da aprendizagem passa a nao ser mais da com- peténcia do docente, nem do coletivo dos docentes, nem das orientacdes das teorias pedagégicas; outros interesses, nao explicitos, comandam. a organizacao de novas praticas pedagégicas. A despeito do que aca- bamos de afirmar, no entanto, sabe-se, conforme realga Certeau (2001), que as priticas nunca sao totalmente reflexos de imposigSes, elas rea- gem, respondem, falam e transgridem. Assim, os professores transfor- ‘mam suas praticas anteriores, criam artimanhas e téticas para adapta TEMAS DEPEDAGOGIA 7 rem-se as novas circunstancias. Neste processo, criam-se satisfacdes e insatisfagdes. Se, como jé dissemos, as praticas pedagogicas sao praticas que se constroem para organizar determinadas expectativas de um grupo social, pergunto: que expectativas esto postas nas alteragdes impostas 0 proceso avaliativo' que ocorreu sem a adesio de professores, de pais, talvez mesmo de alunos? Pois bem, so préticas que se impdem, sem negociagdes, sem adesdes. Continuam sendo praticas pedagégicas? Sim, porque impostas, sim, apesar da nao explicitacéo de suas inten- cionalidades. Sim, produzirdo alteragdes na cultura da prética docen- te no ambiente das salas de aula, nas representagdes sociais do senti- do de escola, do sentido de aprendizagem, do sentido das praticas de avaliagao. £ verdade que os professores reagirao, criarao artimanhas para conviver com a situagao, mas isso no é suficiente! E preciso saber © rumo que toma essa reorganizacdo das praticas, uma vez que, em situagao de insatisfacao profissional, podem-se produzir efeitos néo desejéveis para a escola, para a educagao das criangas. Quero realcar que esse professor, & primeira vista apatico, pode ser, na realidade, um professor reagindo, criando formas e meios de fazer diferente. Pode-se acreditar que hé sempre tensdes entre o imposto que se institui e 0 vivido no cotidiano e que, neste espaco de contradicao, se hé desanimo, ha também esperancas! Analiso esses exemplos para comentar o cardter das praticas pe- dagégicas: a) adentram a cultura escolar, expandem-se na cultura social, e modificam-na; b) pressupdem um coletivo composto por ades4o/ negociacao ow imposicao; c) expressam interesses explicitos ou disfar- cados; d) demonstram a qualidade dos processos educativos de uma sociedade, marcando uma intervencao nos processos educacionais mais espontaneistas, e ainda; e) as praticas pedagégicas condicionam ¢ instituem as praticas docentes, Pode-se afirmar que as praticas do- centes nao se transformam de dentro das salas de aula para fora, mas, ao contrario. Pelas praticas pedagégicas, as préticas docentes podem antec, oaressa0 contiada, conorme v8 ieaneo-auves| ser transformadas, para melhor ou para pior. Asala de aula organiza-se pela teia de praticas pedagégicas que a envolve e com ela dialoga. Pratica docente e pratica pedagégica Uma questo recorrente que surge entre alunos ou participantes de palestras refere-se a seguinte dtivida: toda pratica docente é pratica pedagégica? Minha resposta é: nem sempre! A pratica docente é uma pratica pedagégica quando esta se insere na intencionalidade prevista para sua acéo, Assim, enfatizo que um professor que sabe qual € 0 sentido de sua aula frente a formacao do aluno, que sabe como sua aula integra e expande a formacao desse aluno, que tem a consciéncia do significado de sua agao, esse professor tem uma atuacdo pedagé- gica diferenciada: ele dialoga com a necessidade do estudante, insiste em sua aprendizagem, acompanha seu interesse, faz questao de pro- duzir aquele aprendizado, acredita que este aprendizado sera impor- tante para o aluno. Investiguei durante onze anos em uma escola puiblica F observan- doassalas de aula e a pratica docente. Realizei muitas pesquisas-agoes, buscando compreender o sentido que o professor atribuia a sua prati- ca. Posso afirmar que o professor que est imbuido de sua responsa~ bilidade social, que se vincula ao objeto do seu trabalho, que se com- promete, que se implica coletivamente ao projeto pedagdgico da escola, que acredita que seu trabalho significa algo na vida dos alunos, esse professor tem uma pritica docente pedagogicamente fundamen- tada. Ele insiste, busca, dialoga, mesmo que nao tentha muitas condigoes, ‘nstitucionais para tal. Dei um nome para isto: 0 professor encontra-se ‘em constante vigilancia critica. E um professor quase atormentado por ‘essa vigilancia. Esse professor nao consegue simplesmente “dar a ligao” ‘¢ nao mais pensar nisso. Ele esté 14, testando e refletindo. Pois bem, '5.Ner Franco (1996, ‘eks DEPEDAGOGIA v9 essa é uma pritica docente que elabora o sentido de pratica pedagé- gica. E uma pratica que se exerce com finalidade, com planejamento, com acompanhamento, com vigilncia critica, com responsabilidade social. Perguntam-me sempre: e onde aparece a teoria? E eu procuro demonstrar que o professor que age desta maneira tem concepgdes teGricas sobre seu fazer pedagégico. Ble nao esta nese momento apli- cando uma pratica de forma mecanica e burocratica, a0 contratio, est coordenando sua prética com sua teoria da aprendizagem. Essa teoria pode estar ultrapassada, equivocada? Sim, pode; no entanto, ha con- vicgdo, hd empenho, hé coeréncia didatica® Para corroborar esta afirmacao, busco um exemplo. Estava eu em uma escola puiblica realizando uma pesquisa sobre a percepgao de alunos e professores do sentido do pedagégico na escola, quando uma aluna do ensino médio me interrompeu e me perguntou: esse pedagégi coo mesmo que postila?? Quis saber mais ¢ ela me den este depoimento: (J chaguel hd seis masas de uma cidade pequena no interior de Minas © 18 0 profess ado dificuldsde com as“postilas nha “postilat ele ensinava. Aqui tenho enc 0 orque quando néo entendo, 0 orofessor manda eu olhar na postila’e copier Eu copio e ndo aprendol Lé em Minas, come néo tinha ‘post: ia © professor tinha que ensinar, Quando eu no entendia, ele explicava muitas, vezes, até eu aprender. Daguele modo eu sempre fui boa aluna, mas aqui em 130 consigo acompanhar Sto Paulo tem esse jeito mais medernodeensinar ee. E triste ouvir esse relato vivido pela aluna. Percebia-se seu deses- pero e, de outro lado, podia-se pressentir um professor que abdicou da possibilidade de intervir no processo de ensino. E como se dissesse: “se as apostilas ensinam, que assim 0 fagam, eu me retiro da cena”. Infelizmente, nos muitos lugares em nosso pais em que se adotou a obrigatoriedade das apostilas, o docente parece mesmo “sair da cena”. 2 Montoro (1983-1987) Deere ton.21835, de 28 de Peet os professors da rede aiblca de ersno estbo utizando por eragio.d8 as apostles 4 aia estadual v0 uoaneo-auves Voltemos ao conceito: priticas pedagégicas so praticas sociais que se organizam para dar conta de determinadas expectativas edu- cacionais de um grupo social. Duas questdes se mostram fundamentais: articula¢ao com as expectativas do grupo ea existéncia de um coletivo. Referi-me ao fato de que as praticas pedagégicas s6 podem ser com- preendidas na perspectiva da totalidade, ou seja, as praticas pedag6- gicas e préticas docentes estruturam-se em relacdes dialéticas pautadas nas mediagées entre totalidade e particularidade. Quando realco a categoria totalidade como marcante e essencial ao sentido de pratica pedagégica, quero entendé-la como expresso de um dado momento/ espaco histérico, permeada pelas relacdes de producio, relagées cul- turais, sociais e ideolégicas. Desse modo, como pratica social, a prati- ca pedagégica produz uma dinamica social entre o dentro e 0 fora (dentrofora) da escola. Isto significa que o professor sozinho nao trans- forma a sala de aula, que as priticas pedagégicas funcionam como espaco de didlogo: ressonancia e reverberacéo das mediagdes entre sociedade e sala de aula. Asala de aula é um espaco onde ocorrem as miiltiplas determi- nagdes decorrentes da cadeia de praticas pedagégicas que a circundam, Quando se considera a necessidade de olhar essas praticas na pers- pectiva da totalidade, compreende-se melhor essas relacbes, tal como realga Lukacs (1967, p. 240): Acategoria otalidade significa [.J de um lado, que a realidade objetivaé um Todo coerente em que cada elemento esté, de uma mane! do, que essas relacdes formam, na propria realdade objetiva, correlagbes concretas, conjuntos, unidades, ligados de outra, em relagio com cada elemento e, de outro entre si de maneira npletamente diversas, mas sempre determinadas. Este todo é composto de partes, leis, logicas mediadas entre si que, quando se desconectam, produzem desarticulacdes que prejudicam o sentido original que possufam. Desse modo, nao é da natureza das praticas docentes encontrarem-se avulsas, desconectadas de um todo, sem o fundamento das praticas pedagégicas que lhe dao sentido direcdo. A pratica docente avulsa, sem ligacao com o todo, perde o {EAS DEPEDAGOGA 1 sentido. E esta uma das razdes que justifica a presenca da coordenagéo pedagégica nas escolas, concretizada mesmo, sob forma de uma equi- pe de pedagogos, que tem por finalidade organizar espacos e possibi- lidades de conexao, de articulacdo, de sentido, entre a pritica docente e.a pratica pedagégica. No projeto politico-pedagégico de uma escola, devem estar ex- pressas as expectativas e intencdes do grupo escola. Nesse projeto, amalgamam-se préticas pedagégicas circundantes; a cultura da comu- nidade, os conhecimentos que devem fazer parte do conhecimento escolar e, assim, surgem novas praticas que Ihe daréo sustentacao. Tomar vivo a cada dia 0 projeto pedagégico é fundamental para a circulagao de sentidos e envolvimento coletivo do grupo de professo- res e equipe pedagégica. O projeto pedagégico elaborado apenas pela equipe dirigente ou que fica s6 no papel de nada serve. Ele precisa expressar os anseios e as expectativas do grupo envolvido com aque- la escola. Nao ha projeto pronto, no ha praticas prontas. As préticas pedagégicas deverio se reorganizar e se recriar a cada dia para dar conta do projeto inicial que vai transmudando-se a medida quea vida, © cotidiano, a existéncia o invadem. Ha uma “insustentével leveza” das praticas pedagSgicas que permite a presenca de processos que organizam comportamentos de adaptacao /renovacdo decorrentes das transformacées inexordveis que vao surgindo nas miiltiplas media- Ges /superacdes entre mundo e vida. Em relagio as praticas pedagégicas, nada do que foi continua igual, mesmo que, muitas vezes, o primeiro olhar pareca evidenciar que esteja tudo igual. No entanto, negando 0 empirico e adentrando a l6gica da organizacao atual das praticas, percebe-se que hé mudan- cas sendo gestadas em seu interior. Usando a expressao de Certeau (2001), sempre ha espaco para a “liberdade gazeteira das praticas”, ou seja, sempre hd espaco para invengdes no e do cotidiano, e essa poro- sidade das préticas proporciona miiltiplas reapropriagdes de seu en- redo e de seu contexto. Para conhecer 0 sentido das praticas é preciso adentrar no seu amago, e esse 2mago precisa ser buscado nos didlogos com as representagbes elaboradas de cada sujeito. As praticas nao 1 Liban saves mudam por decreto (Franco 2008a, 2010), s6 mudardo quando seus usuarios assim o considerarem. Conhece: as préticas, consideré-las em sua situacionalidade e dinamica, 60 papel da Pedagogia como ciéncia, ou seja, compreender as praticas educativas; compreendélas nesse movimento oscilante, contraditério e renovador. Acredito na importancia da atividade pedagégica oferecendo diregao de sentido proporcionada pelos conhecimentos e saberes da Pedagogia. As praticas, como vimos, sao suficientemente andrquicas, elas caminham para além do planejado, assim, considero a necessi- dade de sinteses provisérias que vao sendo elaboradas pelo olhar pedlagégico, bem como pondero como fundamental aos processos de ensino uma direcdo de sentido, direcdo emancipatéria e critica. Por entre a porosidade das praticas e a vigilancia critica da Pedagogia, constitui-se um campo tensional por onde circula a educagao. E nessa tensdo que o novo pode emergir, mas, como afirmava Paulo Freire, se nés nao inventarmos 0 novo, esse novo se faré de qualquer modo. Acredito na necessidade da diresdo de sentido, a partir do coletivo, produzindo o desenvolvimento de consciéncias, discursos ¢ atos que busquem uma nova direcao as praticas referendadas, direcao que é emancipatéria, critica e inclusiva, A Pedagogia e as praticas pedagégicas A auséncia dos fundamentos pedagdgicos tecendo as praticas educativas foi gradativamente produzindo um distanciamento entre 0 educativo ¢ 0 pedagégico (Franco, 2003). Nessa direcao, as praticas foram adquirindo uma forma estruturada, engessada, distanciando-se de seu sentido original. Essas praticas transformaram-se em rituais,em técnicas de fazer, e retirou-se delas sua especificidade de fazer-se e re- fazer-se pela interpretagao dos sujeitos nelas envolvidos. Temos visto escolas mortas, sem alma, atividades sem sentido e sem criatividade. Sabe-se que, historicamente, a Pedagogia foi teorizada por dife- rentes dticas cientificas, resultando numa multiplicidade de abordagens ‘ews O€PEDAGOGIA 18 conceituais e, as vezes, levando a configuracdes reducionistas de sua especilicidade e de sua possibilidade como ciéncia da educacdo. Essa situacdo foi, gradativamente, produzindo um emaranhado epistemo- Jogico em relagao a construgao do conhecimento pedagégico, desca- racterizando seu status de ciéncia da educagio, negando-o como base cientifica fundamentadora da praxis educativa (Franco, 2001). Com isso, cresceu a tendéncia de se retirar a pedagogia de cena, de despres- tigiar o protagonismo dos pedagogos. Fm lugar deles, foram se insta- lando os tecndlogos da pratica, que foram, aos poucos, reduzindo a educagao 8 mera instrucdo, a formacao docente em treinamento de habilidades, os professores em “executores”. A invasio da logica “ca pitalistica” na educacao tem retirado da pratica o elemento artesanal, criativo, critico, que é imanente a pratica pedagégica. Tais representa- gGes e 0 crescimento desses significados, além das representacdes das finalidades e exigéncias da educacdo, que a supervalorizam por resul- tados, a avaliacao por testes, subestimando a atividade do professor e do aluno e rejeitando valores educativos, apequenaram e alteraram a identidade da Pedagogia. Forcou-a a distanciar-se de seus ideais poli- tico-transformadores, encerrando-a nas salas de aula, onde seu papel passa a ser apenas o de racionalizar ages para qualificar a eficiéncia do ensino, na perspectiva instrumental. Assim, como enfatiza Libaneo (1998, p. 126), a formacao pedagégica vai significando, cada vez mais, a preparacao “técnica” do professor e, cada vez menos, o campo de investigacao sistemdtica da realidade educativa, Nessa diregio, Bezerra e Paz da Silva (2006), ao analisarem o es- vaziamento do sentido de prética pedagégica, comentam: pedagégica tem, imanente asi, momentos de plers liberdade gh enhuma forma de trabslho possul. $30 mementas do pensar cancentrada, quan nhecer. A questéo & namos consciéncia daquilo que queremos que néo se pode, capitaisticamente, definir um tempo para o pensamento ° ivamente abert ecer.O tempo dedi se marca ot 104 LuBaNeo aves a idelas, que no pode ser racionalmente controlado. Esse & realmente o ‘tempo de criatividade intelectual mais intens: Deve-se pensar também que a formacao de professores no se efetua no vazio, devendo estar vinculada a uma intencionalidade, a uma politica, a uma epistemologia, a pesquisas aprofundadas dos saberes pedagégicos. A formagio de professores desvinculada de um, projeto politico sé pode caracterizar uma concepgao extremamente pragmatista, reprodutivista, tecnicista da agdo docente. O distancia- mento das esferas pedagégica e educativa reforga a concepgio de que a pratica docente se realiza na eficiente reprodugao de agdes mecanicas, pouco refletidas, e assim pode ser considerada como uma tarefa sim- ples, que pode ser construda com poucos recursos. Nés todos, educadores, professores, pedagogos, percebemos o quanto esté sendo dificil ao mundo educacional concretizar acdes de transformagao da pratica escolar, pois sabemos que faltam nas escolas © espacotempo pedagdgico que possa dar suporte ao coletivo docente. Portanto, tentar buscar reinterpretacées de préticas, ampliando o es- paco de construcdo pedagégica, é mais que questao académica, ¢ buscar as estratégias de sobrevivéncia social /profissional que funda- mentardo a possibilidade e esperanca da profissdo pedagégica e a valorizacio da profissio magistério. Precisamos incorporar a vida a escola. Vida é dinamismo, dialé- tica, contradigées e tenses. A Pedagogia e a Didatica tém pela frente © desafio de descongelar a escola de suas préticas ultrapassadas ¢ oferecer espacos para a construgio coletiva de novas vivéncias, conhe- cimentos ¢ saberes A pratica educativa, a pratica pedagdgica e a pratica docente Parece haver um consenso social de que a educacdo deve ser 0 instrumento por exceléncia da humanizagao dos homens em sua con- {EAS DEPEDAGOGIA 0s. vivéncia social, uma vez que os sujeitos, imersos em sua prética e impregnados das diversas influéncias educacionais, esto constante- ‘mente participando, interagindo, intervindo no seu proprio contexto cultural, requalificando a civilizacao, para condigdes que deveriam ser cada vez mais emancipatérias e humanizantes. Como reala Charlot (2008, p. 38): riagSo de um patriménio humano, pela media ‘Gio do outro, ¢a histéria do sujeito é também a das formas de ativdade e de tipos de objetos suscetivels de satisfazerem o desejo, de produziter prazer, de fazerem sentido. O pedagégico é, neste sentido, um elemento relacional entre os sujeitos, portanto, o pedagégico é uma construcao coletiva, nao existe a priori, nao existe sendo na dialogicidade dos sujeitos da educacao, conformea visio de Freire. Percebe-se facilmente que o potencial edu- cacional de uma sociedade pode ou néo ser uma influéncia educativa. Dependers de como tais ages e praticas se organizam com os projetos sociais de formagio, de humanizacéo dos sujeitos, Quando as intencionalidades de uma pratica social estio explici- tadas, elas podem permitir a inteligibilidade dessas praticas e torna- remvse assim praticas educativas, que ocorrem por certo e inexoravel- mente dentro e fora da escola. Essas préticas sociais s6 se tornarao educativas pela explicitacao/compreensao/conscientizagao de seus objetivos, tarefa da investigacao cientifica na educacao. Portanto, a pratica pedagégica realiza-se através de sua ado Cientifica sobre a praxis educativa, visando compreendé-la, tomé-la explicita a seus protagonistas, transformé-la, através de um proceso de conscientizagio de seus participantes, dar-lhes suporte tedrico; teorizar com os atores, buscar encontrar em stia agao 0 conietido nao expresso de suas praticas. Como enfatiza Veiga (1992, p. 117): Na sala de aula, o professor faz 0 que sabe, o que iciona quanto & concepcio de sociedade, de homem, de educacdo, de escola, de alunoe deseu préprio papel. .] ne sala de aula que o professor riae recria as possbilidades sep 196 UUaaNeo-auves de sua pratica docente, toma decisdes, revé seus procedimentos, avalia 0 que (Ou seja, 0 professor, ao construir sua pritica pedagégica, esté em continuo processo de didlogo com o que faz, por que faz e como deve fazer. £ quase intuitive esse movimento de olhar, avaliar, refazer. Construir e desconstruir; comegar de novo; acompanhar e buscar no- vos meios e possibilidades. Essa dinamica é 0 que faz da prética uma pratica pedagégica. ‘Vejo em minha vivéncia de pesquisadora muitos professores fe- chando os olhos para sua pratica, evitando refletir, negando-se ao didlogo. Tenho observado que sao formas de resistir ao impacto de orientacdes externas, excessivamente prescritivas, que buscam impor formas de fazer, invadindo o saber fazer proprio do docente. Sera justa esta intervengéo? Onde ficam 0s sujeitos da pratica, isto é, os professores? Consideracées finais (© que, como e para que ensinar? Sao questdes que mobilizam os pesquisadores das areas de Curriculo e de Didatica. As escolas sao espacostempos miiltiplos, multirreferenciais, complexos e dinamicos. Nas salas de aula, convergem praticas organizadas por diversas logicas, por diferentes sujeitos. Caberd Didatica, auxiliada pelos estudos curriculares, considerar e receber as miiltiplas influéncias e determi- nagies que esto presentes na escola e dar-Ihes organizacio ¢ leitura cxitica, uma vez que, como jé realcei, as praticas do mundo da vida sao ‘maravilhosamente andrquicas, devem entrar e colorir a escola, os es pagos de aprendizagem. No entanto, é preciso organizé-las para bem conviver, afastando 0 laissez-faire pedagégico... Cabera a Didatica adentrar numa realidade complexa, superar sua tradico normativa e renovar-se com as cores do novo mundo. £ -eMASDEPEDAGOGIA v7 preciso que haja espago para que as diferentes culturas sintam-se aco- Ihidas e trabalhadas didaticamente; ¢ preciso que as diferentes classes sociais e culturais sintam-se incluidas, percebendo respeitadas suas diferencas. Sera preciso que os distintos timings de aprender sejam respeitados e valorizados, Precisamos construir uma Didética que, através de sua pratica, crie espagos para a negociagio cultural, enfren- tando os desafios da assimetria, e que caminhe na diregdo de um projeto em que as diferencas estejam continua e dialeticamente articu- ladas. Como afirma Candau (2009, p. 60): Esta perspectiva ainda esta em gestagao de forma muito timida e fragil € os ive desafios pare processos educativos so muitos, mas acredito que € po: caminhar nesta diresa logo intercultural um exo fundamental pera reinventarmos a escola e construlr permanentemente saberes, valores & praticas compartihadas pelos diferentes grupos socioculturais presentes numa sociedade determinada rendo do d Isso tudo é novo para a escola, para a Didtica e para os profes- sores. Mas € 0 grande desafio que toda sociedade precisa cumprir, a0 ‘menos em parte, 0 sonho de Coménio: ensinar tudo a todos e caminhar um pouco mais na direcao de criar perspectivas para ensinaraprende- rensinar com todos, em processos cada vez mais emancipatérios & inclusivos. Referéncias bibliograficas BEZERRA, Ciro; PAZ DA SILVA, Sandra Regina. Mercadorizagdo e precarizagao do trabalho cdocente:contradigdes. In: SEMINARIO DA REDESTRADO — REGULAGAO EDUCACIONAL ETRABALHODOCEN 2006. Retrado de texto disponivel em: -.Acessoem: 20 mat.2011 ER), Ro de Janelro CCANDAL, Vera (Org). Diddtica: questées contemporéneas. Rio de Janeiro: Forma & 2008, 1 ueiNeo aves CARVALHO, Marcia Cavalchi de. A prdtica docente do prof apostiiado de ensino do estado de Sco Paulo, 2011. Dissert dade Catdlica de Sa de mater aeosistema (Mestrado} — Universi- 05, Santos. (Mimeo) CERTEAU, Michel de. A invengdo do cotidiano: artes de fazer. 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Aborda, dese modo, a necessidade de superagio do nao lugar cocupado pelo coletivo como massa passiva, em direcdo a potenciali- zacao do comum como conjunto de singularidades cooperantes, de inteligéncia coletiva e de trabalho biopolitico imerso em redes de so- iabilidades miiltiplas, nas quais se inserem os Curriculos. Em um segundo momento, sobrevoamos a dimensao das redes sociais na constituiga0 dos Curriculos. Nesse sentido, inter-relacio- ramos os conceitos de Curriculos e redes sociais em sua constituigio enredada nos miiltiplos contextos cotidianos, compreendendo que tais redes sociais e/ou sociotécnicas, em seus modos de circulagao, consu- ‘mo e uso, produzem informagées, linguagens ¢ afetos/afeccdes que potencializam, ou no, os Curriculos em redes.

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