Você está na página 1de 11
REGIS DE MORAIS (Org.) Ponta Univenidade Catslea de Campinas — PUCCAM ‘Universidade Estadual de Campinas — UNICAMP SALA DE AULA Que espaco é esse? DEDALUS -Acorvo -FE "20500032688 a9 | Biblioinca / FEUSP annen A TURMA DE TRAS a {ABLOS noDRIOUES BRAND AO ¢) dmite espacialmente uma tinics oposigéo: a mesa do professor versus o lugar cletivo dos alunos. Nevessé- | ria ou perversa, esta divisio ancestral dos lugares de | Na cabera de quase todo mundo a sala de aulas | aficio que oeupam esses cimplices e rivais ha sala de sulas tem sido ultimamente posta em questo, seja para | criti o verticalismo autortério que ela entuncia, soja simplesmente para lembrar que chegou afinal 0 tmpo de inovagdes arquitetinicas ¢ pedagéeleas quanto 20 assunto, Creio que a sala de aula ¢ um espaco mitiple que sempre comportou outras Felsedes_e. opnsieies impor- | 4 tantes, & 0 enfants, esquecidas por néo_serem,possi- velmente to visiveis, do xonto de vista dx orforpria pedagéglea. Ea respelto delus que desejo falar aqui, Mas pelo fato de que ful habitente costumeiro de uma de suas partes mais desvalorsadas e também porque. de- sejo falar a partir de algumas memérias absolutamente pessoais, permitam que me apresente, | Bu, mau aluno ‘Meus pais se encontraram no Rlo de Janeiro. Miriha, mie veio de uma familia gaiicha, pobre, de So José do (©) Dowie en Cites Satis ps USP, pafsoc dh UNICAMP, por, ‘wor dei obs anopaeay, eggs © Ik Nort, qu a despeto do nom/ienpesima rota com ¢ Urugua at pl ea nraoetno« degeay tu mina argue “gant napoli” CGnndo merrell wend ous sbrou pepo un ma Sam on gut fos es vier ents tenes no Bie dea #01 nade pesto (demi ep) no Lee nt te taba desde Jovem, Meu Pa bases en Mog as Grins, Se pl fl geet Ga earl doBral ne ursve Tonquin Angus use to Brant Ener alo tena cto nae de por ithe scaou dando one esapfodnna ue mio thon dps vo clade de Suman, en Sts Faun Os roku” de minha fata den tn te pra O'R de Jasin eo siaberan nt Copecioon onde onal em 140 «onde vi una inf abo: Itai fol eotporad is 1 an ums Fat eel tentee eeee aero meno logeenene Staal ins Ful muito cedo para a escola, naguele tempo, ereto ‘que por volta de cinco ou seis anos. Estudei em varios colégios e até perto dos 18 anos ful um tipica “mau alu- ‘no” carioca em todos eles. Depois, até hoje no sei bem ‘porque, eu me converti. De um ano para o outro virel um festudante exemplar e foi assim que fiz o meu Curso Clissico no Colégio Andrews, na Praia de Botafogo (ele esté 1é do mesmo jeito, pintado com 0 mesmo cor-de- rosa e branco até hoje). As muitas peripéelas da vida universitaria entre 1961 e 1966 me devolveram a uma relativa lucidez, e eu vivi os meus anos de “PUC do Rio” 4 melo caminho entre o que havia sido antes ¢ o que fora depois de minha virade de vida ‘Mas como os “bons alunos” sfo exemplarmente cha- tos eem geral nfo tim nada para contar de efetivamente bom a respeito de sua vida de estudante, quero falar dos 106 meus tempos de frequentator da “turma de tris nas fas de aula. Falo, prtanta, de um usudtio também das antignsexpulsdes de case, das lst de suspensto, dos candidates costumers a “conversas camo dire~ tor, do "pessoal da segunda época” © dos erenkisis “reprovados” Se narzo sem muitos detlhes alguns momentos de minha inesqueefvel péssma trjetérin de estudante dé “primério e gindsio”, é para emendar, a partir da segtin- da parte desta conversa nada exemplar sobre a saa de aula, alguras reflexdes também hada ortodaxas justa- mente sobre ea Néo me lembro bem de todos os colégls por ofde andei, Foram muitos e de totos os tipos, Primero estive no Colégio Paulista, que parece que fieave er algiim canto perto da Praia de Copacabana, Dele s6 me Lembo de algumas “festinhas” que, sendo escolares e, ainda por elma, “paulistas”, nuzea foram muito animadas. Depois andei pelo Guy de Fontgaland, também em Co- pacabana. Um eolégio catdllco extremamente caridoso. ‘Ainda ful do tempo em que aluno com boletim execrd- vel sjoelhara em carogo de milho no estrado do, pro- fessor. Vina um padre e ia distribuindo os, boletins por ardem decrescente de classifieaglo. Més sim, més nfo, ele acenava pra mim otiltimo boletim e me apon~ tava o estrado maldito, Mas o colégo tinha ume prética inve}Avel. No fim do ano, des primeirbs aos tiltiimos alu- nos, todos ganhavam algums coisa. Os trés primeltos modathas de ouro; até os sete seguintes, medalhas de prata; até perto dos cinco tltimos, medalnas de bronze (ganhel delas, orgulhosamente, uma vez); @ turma da Janterna ficava com pequeninos santos amarrados em fitas verde-o-amarelas, Eu tinha uma pequena eolegéo dels, Depois fui para o calégio Sé0 Bento, no centro da 107 cidade. Uma gléria para a familia, mas por poweo tem- po, porgue nele eu colecione todas as punigées dignas de ume memorivel instituigéo beneditina. Ao final do | ‘meu segundo ano ali, meus pais receberam uma carta gentil que peda a eles que por favor no me rematri- colassem ld no ano seguinte. Era a forme mais polida do que, ao tempo, se chamava de “expulsio da escola” Sorte minha, nfo fosseo imenso pesar de meu pai, que ‘nunca se eepstumou a ver no filho o espelho invertido do que ele foi quando estudante, | Sorte, porgue eu ful acsito no Colégio Andrews. ¥1- nalmente um colégi lelgo, cam menos espagase cantos escondidos para as farras ocultas, mas ao mesmo tempo sério e mais tolerante, Pela primeira ver, também, eu ingressava em um “esiéglo misto”, uma das melhores invengdes da pedagogia onidental, Estudel 1d vécios anos; del mult trabalho, bem sei, mas aos trancos e bs ccurtas de “segundas épocat” ta passando © completan- o aos poucos o “gindslo”. Saf um ano antes para ir estudar de novo em Copacebana, agora no Mallet Soa- es, porque harie al, no comego da nolte, um “cursinho preparatério” de candidatos aos colégios militares das frés armas: o “Naval”, as academias do exteito ¢ a ocola de Cadetes do Ar, em Barbacens, Ninguém ne familia conseguiu sté hoje expliear como um vagabundo de carreire, como eu, conseguiu ser aprovado para o Colégio Naval e para a EPC Ar. | ‘Minha parentela sempre gostou muito de ter engenhe!- 10s, médicos e oficiais de marinha, Mas eu consegui ser | rmoderadamente rebelde wna ver mals e acabel reso vendo ir para a “aeronéutice”, contra a vontade de todos. Acho que era o mais licido da familia, Jamais seberia comandar um navio, mas um avigo ik er cima, 108 soainho, dono de mim, arristado a tocar com as mins és estrelas... iss0 fazia o meu estilo. Vit na EPC Ar, onde fui o “S621 — Brandéo”, wit tempo de tres violentos e brincadeiras entre nés nfo menos furiosas, Tnhamos que ser duos “machos” a todo o custo. Ndo sel se consegul, mas aprontel de novo grandes farras, dentro e fore das salas de aulas, As pu- higées na escola eram as seguintes: sustamenio (nfo poder sair dos limites da EPC Ar no fim-de-semana) ; Uetengdo (no poder sair nem do reduto dos alojamen- fos nos mesmos dla); prisdo (ficar detido em uma cast especial, nas horas lvres e durante a noite, tantos dias ‘itels ou fins-de-semana quento atingisse a pena indis- cutive do ofleial de dia). Ful useiro das trés, ALé 20 dias de prisio o aluno permanecia no “bom comportamen- fo", ao completar 0 21° ingressava no “insuticlente comportamento” (“insulfa” para os intimos), ao com- Dlotar 80 dias “de cadela”,o aluno ingressava no “ma Comportamento” e era autimaticamente “excluldo da fscola”, Terminel o meu primeiro e tnioo ano “dle mi- Titar” com 23 dias de cadeia e reprovado (“rép, também para og fntimos) em matemtic, tsiea e espanbol (0 professor era maluco). Qualquer das punigées usuals era terive, néo pela “mancha” que deixava “na ficha do aluno”, mas por- aque depols de uma semana durissima, com alas intra- tres, ginisticas para anirais ¢ ordens nidas absolu- famente aborrecidas, o paraiso era a pequena e cati- vante Barbecena, com tantas mogas tio bonitas com {res “casas de zona” razoévels, para. o poder aquisti- vo de altnos que, como et, fora o “soldo mensal” do overno,reeeblam muito pouca “ajuda de casa Os seus homes erat: Cata Verde, Navio Negreiro e Cabana do Pai ‘Tomas. Aos sébados saiamos vestides de terno ¢ 10 podiamos beber moderadamente (multos voltavam na {giéria do “porre,” pulando os muros detrés) e “ir & zona”, Deviamos ent passar na enfermaria e pedir ao fenfermeiro de plantéo um “profi”. Bra um envelope branco com uma camisa de vénus, uma pomada profi- Titica com as armas da reptibica impressas e uma mela {olha de papel com as instrugGes higiénicas para “antes, durante © depols de". Ninguém as seguia, porque isso seria uma verdadeira vergonha. O profilitica nés usliva- ‘mos para bordar de molecagem a pala do quepe dos co~ Jegas, na calada da noite. As camisas eram infladas como balées e enfeltavam os cantos de uma das trés “ensas”, quando além de irmos a ele fazer “o que todo homer faa", resolviamos dedicar melo sébado a “fazer zona na zona”, que consistia em beber pinga por ta, dangar com "as mogas da.case" solucar mégoas para algumas putas, mais velhas, reconhecidamente as melhores consethei- ras da cidade. Nao eserites no “Projeto de Regimento do Corpo de Alunos”, havia quatro regras basicas para os Sreqiientadores “do baixo meretricio”: 14) passar em siléneio e com respeito pela rua da Vila dos Oficiats (ca~ minho obrigatécio para chegar as trés casas); 2.) no provocar brigas com os eivis; 38) em absoluto, no apa- nar dos “paisanos", caso houvesse briga; 4) nfo pegar doenca venérea A primeira era sempre obedecida. A segunda muttas veses nfo. A terceira era a menos per oivel, se ovorresse, A quart se corrigia com a contfissi voluntéria ao médico de plantio e o continamento na. enfermaria até a cura completa, ‘Ans domingos safamos fardados, Um bando de jo- ‘vens pissaros vestidos de azul, a quem entilo se permni- tia estar apenas pelo centro da cidade ou outras areas "de respeito”; ir a um dos dois elnemes familiares (O Apolo #6 aos sibados, porque era “mal freqitentaio” & 0 an pate Saataercee atone ae oe ena weiner tha “inadanea, co amigos Gavea, dizem até poate o rio onde bati com a eabera io “lista resolved taser “curianoy see Bternizar 0 reoreio, (Pago ( maeste a paanies dex ‘titimas cartetras da, | \ sala» (ahs In Plor que a hore da “entrada no colégio”, s6 mesmo a da “entrada na sala de aula”. Por isso sempre houve entre les o empenho serissimo de trazer para ela o que era possivel do espaco e da “vida do recreio’ ‘Mas antes de deserever como isso era feito, néo aro com riscos her6ieos que os “bons alunos” jamais compreenderam, erelo que seria itil descrever como 0 corpo de alunos era diferencialmente distribuido no ee- aco da sala, naqueles tempos. Multa coisa nfo teré ‘mudado em rauitos colégios. Em alguns a distribulgdo era aleatéria e era neles que, com mais facilidade, aqueles em que a voeegio do ‘Prazer costumava ser maior do que o desejo do estudo, Teunjamse pelas ttimas carteiras, As vezes individuais, outras veres duplas. Ficavam entao as “primeiras” para (0 alunos “sérios” e estudiosos, a quem a proximidade sagrada do professor e do quadro negro era absoluta- {mente indispensdvel. Curioso que em alguns colégios leste costume de distribuledo espacial tormava-se a re- ra. Os “bons alunos” eram convocadas & esfera olimpi- da intimidade com 0 professor e os “outros” eram forcados a distribulrem-se da metade para tras, ‘Mas havia certos colégios e professores que, pelo ‘menos por momentos, procediam as avessas. Néo que exilassem os alunos estudiosos para as “filas de trés ‘Mas eles convocavam alunos “problemas” a virem para fas primeiras carteiras: suprema desonra para um ba- [gunceiro de carreira. Ser vigiado de perto, ter que finglr ‘um difiefimo tom comportamento e, por certo, perder prestigio entre os companheiros, ‘No prinefplo colégios mistos separavam os meninos. das meninas, uns & direita da sala, outros & esquerda, ‘Mas ndo me lembro de situagdo escolar alguma em que hhouvesse entre as meninas uma divisio de “classe” den- 12 {0 da sala, como Yel, todas gene ee 06 mening, ae eae ou i Fore exerts iat. dando repaaee ts 8 tin atnae oat senter js moras puget alee Soarey, SS 8 al, com era mesa nba cn return eeenae ane OE Tempo de glee oa "parede do undo pais de oo wétia maraving, ro. eee 2" Wie ts meninasdelgany weretudo de. interessantes @ CaS" © 50 tornam imate get caleti- cobigdvets, passer”, Htdividualmente Z ‘muros no So Bento e na EPC do Ar, o amplo “canto do Banbeiro” no Andrews — havia de tudo, Al, se fumava As escondidas, ali se marcavam as brigas que a diploma- cia da molecagom ostudantil néo conseguia resolver, all ge liam og “livros de sacanagem” (nao havia rovist!. nnhas idem, naquele tempo) e volta e meia alguém orga: njzava até um “campeonato de punheta” (= masturba- ¢H0, ganhava quem gozava primeiro, sem truques, de preferincia) ‘A missio dos alunos de tris nfio era fécil. Trans- igredir com sabedoria as regras de “comportamento” es- tabelecidas pelos regimentos dos colégios para as sales de aulas, © cuidadosamente protegides pela trindade maldita: divetores, professores, inspetores. Na aerondu- tica recebiamos o professor com um rapido e preciso Tevantar da cartaira em posieo de sentido, até que ele comandasse: “i vontade”. A vontade coisa nenhuma: siléneio absoluto, obediéncia e empenho no estudo. Nos colégios religiosos, assim como na prépria PUC do Rio, ‘quando 0 professor era padre, o recebfamos ficando de ée orando uma “Ave Maria”, Nos leigos simplesmen- ‘te ficdvamos de pé, sem sentido e sem 8 ‘Mal sentados, enquanto os das filas da frente abriam livros e cadernos, os das de tris comegaram a praticar as artimanhas do prazer, combinadas desde antes, no Intervalo, ou resolvidas all mesmo, ad hoe. Nao sei bem como classifieé-Ias, mas poderia tentar: '8) bagunga pura e simples; b) conversa fiada; ¢) Jogos fe diversies; 4) transgressées intelectuais, Haveria mais alguma? Claro que no éramos perteitos. Pelo menos os me- nos “incorrigivels", de vez em quando “coptavam a ma- téria", principalmente quando se anunciava que ela “eala na prova”, fingiam atencio por momentos, ¢ até 1 praticavam volta e melz, Bagunga pure e simples era ‘mais arviseado, porque o mais visivel e, portanto, pas- | J sivel de punigfo, Imitar um galo cantando, por exem- | & Plo, soltat uma gnivoia na sols, atirar bolinhiaa de pajiel mothado com saliva na cabeca dos outros, levantar a tampa da earteira (algurcas tinham) e solté-la vicleti- tamente, levantar a mo ¢ fazer uma pergunta absolu- tamente imbecil ao professor, levantar do lugar e tiger, em cena, uma “palhagada” inesperada, ete." A categoria “conversa flada” era a mais fistal é me- loore. Falévamos, todo 0 tempo, de tudo o que iid 4osse sério, Assuntos como futebol (havia énormes riva- Udades e nas segundas-feiras nada mais deplorével dé que ser torcedor “de um time que perdeu”), sacanagein esbragada, tipos de meninas e motalidades de suas per- rissividades (tinha gente que tinha listas de virlos ¢o- 1égios Gas redondezas), namoros, (quande J& aridavd- 1 Ge. asf tenor uma go deeds. Nowe i mR Coto fonttn de sn tempo de exami hit attests aes ‘Grandes contin ene clin io emo of Fr vas Ce io liars rads tases de eri er snob eis oop coe odo): nde lps fee uae’, Ghee fn Ciaramete cnt a saena dem pot cto eer que free (cana om pte Tac” Conlin eno expla ng fa Sete a ra epee Se ons fe ‘epox wat shen cou Aare ao dora & Mae ‘niin (le res contesting), pine do on smnos a ram por um por dere ta sin, ure cio colt ap Gece a nh dew, 20 creo qr sci et © enpurne de exter Fear euda co scoreless fees et ivy mea an pros vl roe vis Se we to, Ging. Fes camatn com Se comune, ouven nocd’ es ‘vn de matric ¢ douse hes {ison pua'e sino nin! em dee oc ee 0 peso sea vo Eien og cor oot Co its ua de altos tum cola ie (chpumee wae iy motes, ‘mos mais velhos e mais decadentes; alguns comegavam, " aflcar quietos e até migravam pelo menos para a zona neutra das “earteiras do melo”, por exigéncia de uma, eventual namorada “da mesma Sala”), assuntos ligados a tivalidades entre grupos na sala ou no colégio, des- ‘mandos orais,e ameacas de brigas entre dots colegas, ‘ali mesmo, mas sempre adiadas para o recteio e reali- 2adas nos Cantos amissos ou no recent do banheiro, no ‘Andrews, com assisténcia ¢ todo o ritual, Tais eram 05, nnossos assuntos de preferéncia, [Nos jogos e dlvertimentos 6 onde hava mais inven- tiva, Hra mais ali do que em qualguer outra situacdo que traziamos para a sala de aulas 2 continuidade do recrelo, Havia jogos banais, “que até as meninas joga- vam, como 0 “da velha” e semelhantes. Havia futebol de carteira, que consistia em empurrar com peteleces uma bolinta de papel, ou um pequeno botdo, em dire- fo ao buraco das carteiras duplas onde, no tempo dos nossos avés, houve um tintero. Durante algum tempo, ‘no Andrews, inventamos um campeonato de “eravar” no chio as canetas, entdo de penas afiadas nas pontas (pena de metal, nova geragio!). O prejuizo era muito grandee a coisa durou pouco, Alguns jogos eram coisa de momento e duravam empolgedamente semanas ou até ‘meses, como a “Batalha Naval”. Havia também cam- peonatos, Jogo de “terreno”: dividir com um trago vertical @ carteira dupla, marcar com tinta um dos lados da borracka (também usada volta e meia para set jogada com firla na cabeca de algum “chato” das pri- reiras filas, que andasse nos dedando), jogé-la suave- mente no lado do inimigo; se ela caisse do lado marcado vvoeé podia riscar uma fatia correspondente do terreno dele para o seu lado; ganhava quem deixzva o outro ‘ser terreno Colocer quatro lépis ras hastes horizon 116 sagen sea seid eee cae Biagio ga”, Havia outras, mas nio seria fécil lembré-las. ee ase uae | etda em que {amos ficando mais velhos e sérios. Ler eer es oe nie aoe ee aor Entre vitimas ou algozes, também os profeséores (erecta sree cree oo eee see eae ae aa Soe eee ene arse eee aeenea seers oe Serer ‘seja porque eram, naquele tempo, emissdrios pioneiros pee mnie: aoeeemese en brar” do meio da sala para trés. Puniam moderadamen- te alguns desvios insuportaveis, mas em maioria eram 0s “baguneiros". No limite oposto deste extremo, havia ‘até mosmo professores que, também moderadamente, Iineentivevam certas pequenas indiseiplinas individuals ou coletivas. Pedagogicamente dividiam, ento, com a propria turma de trés, o ritual da transgressio. Alguns, como um que se tomou famoso por muitos anos em todo o Andrews, ritualizavam momentos seqilentes de “aula série” com os de “‘bagunga organizada", e toma- ‘yam a seu cargo o controle da desordem, tornando-a tum momento fértil da vida da aula, Alguns professores eram tidos como “bons”, mesmo quanto severos. Falo aqui, com respeito, da categoria de sujeitos de docénela, cuja eapacidade de comunicar 0 saber da matéria era inteligente e atrativa o bastante ppara sobrepor, ao interesse da transgressio, o da aten- ‘lo coletiva. Nao houve turma ou colégio por onde eu tenha passado que no congregasse professores de pra~ tieamente todas as categorias, cujas diferentes mas Previsiveis formas de interago com os diversos tipos de alunos, tormavam o rito das aulas uma colegdo repetida de situapbes pouco variantes. Tal como eles prépris, suas aulas eram também, desde as primeiras semanas letivas de estudo, clasiticadas e exercidas pelo corpo de | alunos. Havia as aulas chatas e severas; as severas, mas Interessantes; as livres e chatas; ag livres e interessan- tes; a5 intolerdvels e as de franca bagunca. & evidente que @ composigo dos termos dependia de mais fatores do que a pura e simples “personalidade” do professor, ou da qualidade afetiva de suas relagGes eom 0 corpo dé alunos. Assim, por exemplo, era muito mais difieil uma aula de Historia Geral ser “chata” do que uma de Mate- mética, A pior combinago sempre fol; um mau profes- sot + severo nas aulas e terrivel nas provas + de Mate- mética, A melhor combinago sempre foi: um professor hie ; | ‘tolerante, “amigo”, bom de prova + bom professor + de Histéria ou Geogratia. No entanto tive no Andrews um duro e sibfo professor de Latim e um sibio e tole- rante professor de Quimica que raramente precisavain “chamar @ atenglo” da turma de tras, Em sintese, para os “maus alunos”, o tempo de stl de aula sempre foi um dilema a resolver. Ele era neces- sarlamente dividido entre um mfnimo de eumprimento as tarefas escolares; um tédio infinito, quando o profes ‘sor era temivel e terrivel o bastante para desafiat o nosso coletivo poder de transgressio (alguns ficaram famosos em todo o Rio de Janeiro) e as atividades, orga nnizadas e criativas, de transferéneia dos prineipios e ppriticas do “reoreio” para sala de aulas. ‘os olhos do observador formal (sempre uma amea- ca nas diversas reas da EducacSo) esta face tribal, Gesbragada © no visivelmente estruturada, como 0 ‘so as “priticas de ensino”, correm como inexistentes, fou sio simplesmente proianas e profanadoras o bas- tante, para mereoerem nfo ser consideradas. No en- \ tata clnklescotitana da sla de lao memo \\da vida do colégio, este eonjunto absolutamente orde- ‘nado, regrado e criativo de préticas escolares, autdnoma, ie transgressivamente pedagégicas, interagia com as ‘atividades planejadas". Em boa medida, sempre foi da {nteragio justamente entre esse lado livre e permissivo da iniciativa discente, e os mecanismos pedagégicos de controle docente, que a prépria vida real da sala de aula ‘se cumpria como tuma realidade social e culturalmente existente, ¢ nfo apenas pedagégica e formilmente pen sada, ‘Alunos como eu ful durante muitos anos, eram er ‘pouco tempo classiticados, seja na cultura oral dos pro fessores e outros agentes da ordem escolar, seja nds ing vermelhas", misturadas com as raras amis davam a les uma colorida alegria perversa que 0s dos alunos” nunes ostentavam), como: “problemas”, “maus agunceiros", “indisciplinaddos” (este qualifi- ccador depreciativo era usadissimo, antes que os orien- tadores edueacionais inventassem outros mais suaves) , por certo, assumiam a sua identidade. ‘As antigas (atuais?) repartigdes formais e espon- t&neas dos usos da. sala de aula refletem internalizagoes de papéis escolares ou culturals trazidos para dentro da escola, Para nés, 0s da “fila de trés”, a oposigdo fun- jdamental do lugar sagrado do estudo néo era aquela entre o professor e os altunos, em geral, mas uma outra. Era uma diviso entre o lado da norma versus o lado da transgressfo. Situados & frente (o professor de frente ‘para nés todos, os alunos “aplleados" de costas) da sala, 08 ocupantes do espaco reservado ao cumprimento das tarefas previstes. Apés a zona neutra dos estudantes do “melo da sala", o lugar social da transgressio peda~ gégica. Nao me tomem em termos absolutes. Durante do © tempo desta descrigdo de memérias, chamei a io para diferengas e situagies particulares. ‘Viva e atuante, a parcela relativamente transgres- sora estabelecia também os seus espacos, definie nor- ‘mas de relagées entre os seus partidarios; entre eles € 0s “outros alunos”; entre grupos de rivals; entre “me- nninos e meninas”; entre todos e o corpo de emissérios a norma da escola. Um exemplo comum era a fideli- dade & protepio do transgressor. Muitas vezes um ousa~ do solitério, ou um par de “bagunceiros”, “apronteva uma", O professor, voltado para o quadro, néo sabia ‘quem fez”. Cobrava do eriminoso a auto-acusagio, Si- Iénelo. Cobrava da classe a delagao, Uns por fidelidade 20 as regras “da turma”, cuttos por temor ao seu pode de puniofo (os "mas alunos so sempre mais fortes, tals violentos © mals eriativos), o costume era que s¢ tilenclase, Me lembro de virias vezes em gue toda uma turma do Andrews, do S80 Bento ou do Mallet Soares xa coletivamente punida, porque ninguém quis ou pode acusar um transgressor além “dos limites”. NGo era uma possivel punigdo fisica a maior ameaga, Quem, mesmo entre 0s menos recuperdvels, se atreveria. a “ater numa menina?”. ra o risco da transgresséo das notmes estabeleidas, entre colegas, pelo eirulo. dos tranapressores.O risco da perda de eredibilidade, que recala inevitavelmente scbre a pio das pessoas no ran- do escolar de meu tempr: “o cagieteito” Dividides 0s espagos, internalizados os papi (cutturaimente esiabeleciias e consagradas as identida- )des, constituides os grupes e subgrupos entre colegas de oficio por um ano o mais, 9 “classe” funcionava no cemo 0 corp simples de alinds-2-proessor,regidos. por prineipios igualment simples que egram ¢ chatlce necessiria das atividades pedagdicas. Bla organizava a sua vide a partir de ume complexe trama de relagdes \ ge alianga e eanfito, de imposicdo de norms e esraté- gfas individuals ou coletivas de transgressio, de acordos (entre eategorias de coegas, entre alunos e professores, entre professores “chapas” e a direedo do colégio), A propria “atividade escolar” como o “dar a aula", “ensi- xr", “fazer a prova”, ere apenas um breve corte, no en- tanto poderoso e impostivo, que interagia, determinava relagéese era determinada por rlagoes soca, ao mes- ‘mo tempo internas e externas aos limites da norma pe- Alagoa. ‘Apenas em momentas breves, como os das “maté- Joss interests, ono das alas de profesres excep- ma Seer eeeeedeet nore aie | seer ico etaytaraur as es Goa contra des coltive de riangase adolescenten qu, obrigados suporti-la horas sem conta, por dias sem See teen eee oa eee eee oe re en Tee ee a er ae eee eign gut as pa es ota dos tranegrore, ot prnefploe oextradgis de pa emer eet ee oe _ Campinas, 8 de janeiro de 1986 sibado de Carnaval. (Quem diria?) mm SALA DE AULA: DA ANGISTIA DE ‘LABIRINTO ‘A FUNDAGAO DA LIBERDADE [NBWTON AQUILES VON ZUBEN () Em um de seus ensaios Walter Behjamin relata, @ pardbola de tim velho que, no momento de sua morte, Pikela a seus filhos a existéncia de um tesouro ented Tato em avus vinhedos. Poueo tempo depois os filhos gem a cavar, tins no descobrem qualquer vestieis Bp tesoure. Com a chegada do outono, porém, as nhs prodizem mais que qualquer outra da regifo, $6 entto Timpreenderamn que 0 pel Ihes bavia trensmitido uma Sorts experiéncia: “a felicldade nfo esth no otro, mis no trabalho”. ("Experiéncia e pobreza”). © que pretendo neste texto nfo é constriir umit teorla sobre a educaglo formal da instituiclo “escola” Gu sobre a aprendizagem que deve estar presente’ na Sata de aula; ou ainda investigar quis os pessos (mé- toios) mais adequados para se aleangar um objetivo de time determinada proposta pedagégice, Isso cabe & pes- (isa “stra objetiva". Meu intuito 6 mals modesto: Susear possivel piste para pensar, aquém ou além das peoylaas e suas exigencias de rigor, a experiéncia de Pestivento marcante na vida de todo indivicuo, eon dando oleitor ae destver, aves de.cridénias © $a de ado proconcelts, para deseobriz, quem sabe, algo, ‘Ty Mens Dovtr em Fictota po. Usiveridnde de LOUVAIN, Belt. Mee: Gi'puakiede de Bieta ee UNICAM ns

Você também pode gostar