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1. Considerações iniciais
Antes de se traçar uma linha da organização do direito vigente na colônia
brasileira, é necessário ressaltar que Portugal procurou reproduzir na colônia os
institutos que compunham a sua organização estatal. Os portugueses implantaram no
Brasil uma administração que era apenas uma continuidade do que já estava instituído
na metrópole. Não houve uma preocupação em se adaptar as instituições portuguesas à
realidade colonial.
Durante o período colonial brasileiro, não havia uma nítida separação entre
administração e jurisdição. Os órgãos e instituições que compunham o aparato estatal
colonial, assim como seus agentes, exerciam ora funções administrativas, ora
jurisdicionais.
O Estado, por sua vez, era visto como uma entidade universal, indivisível, que
abrangia todos os aspectos e manifestações individuais dos cidadãos. Não se fazia uma
distinção clara entre Direito Público e Direito Privado. A esfera pública e a esfera
privada se imiscuíam a todo momento. Ressalta Caio Prado Júnior:
A grande quantidade de leis vigentes, a falta de conexão lógica entre elas e sua
distância da realidade fática e o fato de que a justiça colonial era cara, morosa e
inacessível à grande maioria da população colonial foram aspectos que contribuíram
sensivelmente para a falta de eficácia do direito.
Tal aspecto será decisivo na formação de uma elite correspondente aos interesses
da realeza portuguesa e às bases da instalação do regime monárquico no Brasil
independente, uma vez ocorrida uma absorção para o funcionamento das instituições, de
hábitos e de concessões fundadores de uma ordem de fidelidade e compromisso. Nesse
aspecto, tais relações se constituem em instrumentos do poder, oferecendo uma relativa
segurança das instituições e de seu funcionamento. Era necessário acomodar o séquito
real, e mantê-lo.(MALERBA: 2000, p. 232)
Assim, o direito está, neste período de revisão das estruturas coloniais, ainda
intimamente ligado à concepção de uma justiça natural, uma ordem que dependesse de
atos de autoridade humana, de um poder capaz de restabelecer a ordem, concedendo a
cada um aquilo que lhe pertencesse. Tal pensamento atinge outros grupos;
evidentemente a presença de uma nobreza na terra brasileira, reforça o fetiche de grupos
sociais locais por títulos, honrarias e condecorações, transformando a noção de virtude,
antes estritamente ligada às condições de nascimento e de modo diferente percebida nas
sociedades ibéricas de corte, conforme leciona HOLANDA:
Por estranho que pareça, a própria ânsia exibicionista dos brasões, a profusão
de nobiliários e livros de linhagem constituem, em verdade, uma das faces da
incoercível tendência para o nivelamento das classes, que ainda tomam por
medida certos padrões do prestígio social longamente estabelecidos e
estereotipados. A presunção de fidalguia é requerida por costumes ancestrais
que, em substância, já não respondem a condições do tempo, embora
persistam nas suas exterioridades. A verdadeira, a autêntica nobreza já não
precisa transcender ao indivíduo; há de depender das suas forças e
capacidades, pois mais vale a eminência própria do que a herdada. A
abundância dos bens da fortuna, os altos feitos e as altas virtudes, origem e
manancial de todas as grandezas, suprem vantajosamente a prosápia de
sangue. (HOLANDA: 1963, pp 09-10)
3. Instituições.
O Rio de Janeiro, capital da colônia desde 1763, por obra da administração
pombalina, passou por uma completa reestruturação após a chegada da família real. A
coroa evocou naturalmente para a Guanabara a justiça e administração de toda a
colônia e, aliás, de toda a Monarquia, incluindo domínios africanos e asiáticos
(BARRETO: 2003, p. 162). A criação de diversos órgãos, muitos chamados de tribunais
(ainda que contassem com competências estritamente administrativas), foi decisivo ao
novo horizonte em construção na cidade.
Eu o Príncipe Regente Faço saber os que o presente Alvará com força de Lei
virem, que sendo-Me presente em Consulta da Meza do Desembargo do
Paço, que muito importava a prosperidade deste Estado remediar o abuso de
se confirmarem as Sesmarias sem preceder a necessaria Medição e
Demarcação Judicial das terras concedidas, contra a expressa Decisão do
Decreto de vinte de Outubro de mil setecentos e cincoenta e tres, e de muitas
outras Ordens Minhas, que o prohibirão, e que da transgressão dellas
provinha a indecencia de se doarem terras, que já tinhão Sesmeiros, e a
injustiça de se dar affim occasião a pleitos, e litigios, e a perturbação dos
direitos adquiridos pelas anteriores concessões: Propondo-se me quanto
cumpria, (...) se nomeassem Juizes, e officiaes competentes, e se lhes taxasse
conveniente salario.2
No entanto, a última voz era a do rei, que havia por decidir qualquer conflito por
meio da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e das Ordens. Assim, havia
uma duplicidade de órgãos jurisdicionais: tanto em Lisboa quanto no Rio funcionavam
Tribunais superiores, não existindo uma centralização efetiva das decisões. No entanto,
a cidade do Rio de Janeiro se sobrepôs no cenário brasileiro, ao concentrar a instância
máxima dos órgãos de jurisdição de todo o espaço do Império Português.
4. Conclusão
Objetivou-se por fim, demonstrar, ainda que superficialmente, que o
funcionamento das instituições judiciárias, aliado à organização de novos grupos sociais
3
BRASIL. Colecção das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1891. p. 23-26
Regula a Casa da Supplicação e dá providencias a bem da administração da Justiça.
4
Ofício de 13 de fevereiro de 1816 de Principal Souza para o príncipe Regente, relatando a situação de
Portugal com recomendações sobre como ocupar os ociosos, realizar o recrutamento e fomentar a
indústria, dentre outros. In: D. João VI e o Império no Brasil: a Independência e a missão Rio Maior.
Rio de Janeiro: Biblioteca Reprográfica Xerox, 1984, p. 314.
refletiu tanto na conservação quanto na transformação dos padrões do direito vigente no
Brasil. Isto significa dizer que há uma influência direta dos agentes envolvidos na
produção do direito com a conformação de estruturas que vigiam desde o período
colonial, ao mesmo tempo em que ocorre, paralelamente a essa conformação, a
redefinição do papel político desses grupos, no desenrolar da história de independência
política brasileira.
Com isto, conclui-se que o olhar histórico de tal período depende de uma
compreensão de inserção dos atores no theatrum tropicalis (MALERBA: 2000, p. 91):
tais atores desempenham papel importantíssimo à nova dinâmica das instituições
brasileiras as quais, por sua vez, refletem o comportamento dos indivíduos e sobre seu
comportamento influenciam diretamente, construindo percepções sobre o processo
histórico de soberania e independência em que se inseriam. Verifica-se, portanto, uma
via de duas mãos, em que se sobrepõem influências estruturais. Parte-se rumo aos
preceitos da história nova, em que não há lugar para se encarar antagonismos ou
divisões da história entre história social e história institucional. Encara-se, assim uma
história que não é econômica ou social, mas sim um história pura e simples em sua
unidade. A história que é toda social, por definição. (LE GOFF: 2001, p. 28)
5. Referências Bibliográficas.
BRASIL. Colecção das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1891. p. 23-26. Regula a Casa da Supplicação e dá providencias a bem da
administração da Justiça.
______. Alvará com força de lei, pelo qual V. A. R. Há por bem ordenar que se não
passem Cartas de Concessão, ou Confirmação de Sesmaria, sem preceder Medição, e
Demarcação Judicial: E Estabelece a forma de nomeação dos Juizes das Sesmarias, e
os Salarios, que elles, e mais Officiaes devem vencer: E Dá outras Providencias, a fim
da boa ordem, e regularidade das mesmas Sesmarias. Rio de Janeiro: Imprensa Régia:
1809. Arquivo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Setor de Obras Raras.
BARRETO, Célia de Barros et. al. História da civilização brasileira: tomo II – o Brasil
monárquico. v. 3. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
CASTRO, Flávia Lages de. História do direito geral e Brasil. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007.
HESPANHA, António Manuel. Porque é que existe e em que é que consiste um direito
colonial brasileiro. Comunicação apresentada no Encontro Brasil-Portugal: sociedades,
culturas e formas de governar no Mundo Português – sécs. XVI a XVIII, Departamento
de História e Linha de Pesquisa História Social da Cultura/PPGHIS, UFMG, Belo
Horizonte, 2005. Disponível em <www.hespanha.net>. Acesso em: 31/08/2008.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 4. ed. Brasília: Editora da UnB:
1963.
LE GOFF, Jacques. A história nova. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 23ª edição. São Paulo:
Editora Brasiliense: 1994, p.298.