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0 INDIO E AS PLANTAS ALUCINOGENAS SUM ae en essen Reece see Ret trent oe Me ei ore eT por tribos das trés Américas, desde os povos pré-colombi nos. Com essay plantas sio preparadas drogas rituais. que eee a eS Re vés de efeitos psicodélicos, naresticos, telepaticos ou exci: tantes eee ee eR ean Serer cn Sn eS TO Oe ne croc uma comunhao com a divindade ¢ a volta as mais profundas ee eee ety Race etn dio considera sagradas as plantas alucindgenas. Elas indu- PO ee RIC r eer enor ador, Abrem ao feiticeiro tribal as portas do mundo invisi- Ss RU eecI treat eMC Nee NCO SORT ea eer Tue TU ee Ter Ot SpUSeCN emo no Crore ore creer ae ON eS nn Rect seen eer eRe Re Aer cea Seneca / |. «lucinégenas, excitantes me use vind Meldlicas. | O indio e as plantas alucinégenas Praga Calixto, 18 Pinheiros ~ Sio Paulo j Tel: 883-0633 Sangirardi Jr. O indio e as plantas alucinégenas Tribos das 3 Américas e civilizagdes pré-colombianas Editorial Alhambra, 1983 © Sangirardi Jr., 1983 Capa e diagramagio: Maria Luiza Ferguson Todos os direitos reservados Tipo Editor Ltda. Rua das Marrecas, 36 - 701 Tel.: 240-1650 CEP 20031 Rio de Janeiro-RJ Reverencio 0 indio brasileiro, representado pelos lideres das nacdes Pankaré (Angelo Xavier), Guajajéra (Mateus e Moacir), Kaingdng (Angelo Cretd), mortos recentemente por defenderem as terras de sua gente; os guerreiros astecas, ‘maias, quichuas, incas e de outros povos martirizados pela colonizacao; os grandes chefes Touro Sentado, Nuvem Vermelha, Cavalo Doido, Gerénimo, Cauda Pintada e tantos outros, que enterraram © coracéo na curva do rio. In memoriam: Noel Nutels, meu amigo amigo do indio. ABREVIATURAS ‘CITACOES BIBLICAS DIVERSAS ‘Ap — Apocalipse al, —alemio 2Gr— Cronicas 1 Ba, — Bandjen (a) Da — Daniel ed. — edigéo Dt — Deteuronémio Ed. bil. — edigio bilingde Ecl— Eeclesiastes lat.) esp. — espanhol Ex — Bxodo fr. — francés Ez — Ezequiel Le — Lucas (Os — Oséias Rm— Romanos 1 Rs — Reis T Si— Salmos SIN. — sinonimia Splspp — espéciels (Botinica) te tomo/s v.— veja, volumels PERIODICOS ‘Amer, Anthrop. — American Anthropologist ‘Am. J. Pharm. — American Journal of Pharmacy ‘Arch. Neurol. Psich. — Archives of Neurology and Psichiatry ‘Ange, Inst. Pesq. Agron. — Arquivos do Instituto de Pesquisas Agrondmicas ‘args. Jard, Bot. — Arquivos do Jardim Botinico Bol. Inst Quim. Agric. — Boletim do Instituto de Quimice Agricola Bol. Mus. Nac, — Boletim do Museu Nacional Bull. Nare. — Bulletin on Narcotics Compr, Rend. —-Comptes Rendus des Séances de !’Académie de Sciences de Paris J. Amer. Chem, Soc. — Journal of the American Chemical Society ‘J. Wash. Acad. Sei. — Journal of the Washington Academy of Sciences ‘J. Hered. — Journal ot Heredity J. Org. Chem. — Journal of Organic Chemistry J, Soe. Amér. Paris — Journal de la Societé des Américanistes de Paris Mdm. Acad. Roy. Se. — Mémoires de I' Académie Royale de Sciences ‘Rev. Bras. Farm. — Revista Brasileira de Farmacia Reo. Inst, Einol. Unto. Nae. Tucumdn — Revista del Instituto de Etnologa de fa Universidad Nacional de Tueuman Rev. Inst. Hist. Geogr, Bras, — Revista do Instituto Histrico e Geogréfico Brasilepo Sih Int. BAE Bul — Bult of he American Buren ofthe Showin Agradecimentos ‘a Richard Evans Schultes e Richard Gordon Wasson, ‘Que amavelmente autorizaram a reprodugio de ilutragSes. Sumario Algumas Reflexes sobre Drogas — 11 Peyotl — 20 pequeno cacto das visdes luminosas Ololiuhqui & Tlitliltzen — 42 As sementes divinatérias Mescal Beans & Colorines — 50 Sementes rubro-negras de dangas e ritos Cogumelos _ 54 Teonandicatl, a carne de deus Itzintzintli _ 78 A silvia dos adivinhos Solaniceas _ 82 As tagas de Morfeu Fumo ou Tabaco _ 96 Aerva lustral e exorcista San Pedro 118 O tocheiro cabeludo da mescalina Paricd & Virola — 125 O erapé» dos xamas Coca ou Ipadu — 150 A droga do jejum e da vigilia Ayahuasea, Caapi ou Y: 173 A bebida dus viagens prodigiosas Jurema — 191 'A droga magica da caatings ALGUMAS REFLEXOES SOBRE DROGAS 1 A palavra droga tem, hoje em dia, uma carga semantica —— negativa, de condenagao, medo, curiosidade mérbida. Droga — vocabulo de étimo muito contraditério — jé designou apenas 0s produtos que a natureza oferece para as tinturas, a quimi- ca, os medicamentos. Os simplices. Nesse sentido, a palavra foi usa- da por Antonl! Droga, em grego, € pharmakon, paguaxov. Quer dizer remé- dio, medicamento, mas também veneno. E 0 nome dado por Plato & bebida que matou Sécrates”. Em inglés, drug é 0 termo que serve tanto para remédio como para veneno. Shakespeare usou a palavra no sentido de narcético, Cujos efeitos podem ser mortais. Lady Macbeth, ao tramar 0 assas- sinio de Duncan, conta que drogou os possets* dos camareiros do rei e que «a morte e a vida disputam se eles irdo viver ou morrer>* A Organizagao Mundial da Satide definiu: para as experiéncias como co- ias. Ai06 fatos 56 chegaram ao conhecimento piblico em 1975, na ‘Subcomissao de Justica do Senado dos Estados Unidos, presidida por Edward Kennedy, ao revelar-se que cerca de 3 mil membros das forcas armadas foram submetidos a experiéncias com drogas, mui- tos deles a revelia. Algumas drogas provocaram mortes ¢ suicidios. Pentagono declarou simplesmente que os experimentos eram ne- cessirios, como altemnativa da guerra nuclear. ‘Alguns anos antes, a droga foi mandada para a guerra, com 0 objetivo de obrigar os soldados inimigos a fazerem grandes «via- gens». Foi em 1966, quando a Forca Aérea dos Estados Unidos co- ‘megou a atirar, sobre o Vietname, as chamadas «bombas da alegria>. Eram bombas com LSD em gas. (Rev. Petrobrds, maio-junho 1969). 4 Por que os que se empenham em combater 0s t6xicos no —— comegam pelos mais graves? Basta olhar a volta, para constatar a gigantesca quantidade de t6xicos que anieagam a saiide € a vida de nosso povo, em terra, nas aguas, no ar. Em terra, toxicos oriundos de residuos, detritos, podriddes — a semeadura de imundicies feita pela ganancia do homem «civilizado». Nos alimentos, t6xicos provenientes de substincias quimicas, pro- dutos de conservacao, defensivos agricolas, toda uma tecnologia a servigo do lucro, através da adulteragao e da fraude. Rios, mares, lagos esto morrendo sob a ago de toxicos oriun- dos de esgotos, residuos industriais, lixo, enfim, os restos pestilen- tos da «civilizagao». Os ares esto envenenados pelos toxicos de emanagdes deleté- rias, incluindo a fumaga das chaminés das fébricas e dos veiculos motorizados. Derrubam florestas e plantam dinheiro. A especulagao imobilié- ria devasta e desumaniza. Aniquila-se a flora e a fauna, de norte a sul do pais. Conseqiiéncia: alternam-se, com intensidade crescente, secas flagelantes © inundagGes diluviais. E a guerra total contra a 4 ecologia. Seus comandantes decretaram a morte ‘do indio — 0 ho- mem da terra— enquanto desenvolvem a estratégia do «progresso», ‘cujas ages taticas multiplicam os téxicos. O objetivo final é destruir 0 Brasil 5 No vale do rio Negro hé 9 misses salesianas, onde vivem ~~ 18 mil indigenas. Entre as normas etnocidas impostas pe- los missiondrios, esté‘a aboli¢ao dos alucindgenos, que eram consu- midos ritualmente em cerim6nias tradicionais. A deniincia é de Al- varo Sampaio, dos Tucanos, no Tribunal Bertrand Russell, reuni- do em Roterda, novembro de 1980. Abolir os alucindgenos é destruir a religiéo, pois impossibilita as priticas xamanisticas ¢ impede que o indio se comunique direta- ‘mente com a divindade. Destruir a religido é aniquilar um complexo cultural de importancia basica, inclusive como fator de unio tribal e intertribal. E 0 aniquilamento desse complexo vem ajudar o dominio do silvicola pelo homem branco. Bernard Shaw, no preficio de Major Barbara, salienta que a raga branca, por meio da artimanha dos clérigos, impde seu dominio ‘208 povos chamados primitivos, «transformando em virtude e em religido popular o trabalho penoso e a submissio neste mundo, no 86 como forma de alcangar a santidade como de obter uma recom- pensa no Céu»®, Sabe-se que algumas misses catdlicas e suspeitas misses pro- testantes norte-americanas espoliaram extensas dreas de terras indi- genas. E aquela cristianizagao que tim zulu, dirigindo-se a um colo- nizador branco, resumiu numa frase inteligente e precisa: «Antes ‘nds possuiamos a terra € vocés tinham a Biblia. Agora vocés pos- suem a terra ¢ para nés s6 restou a Biblia»’. 6 © complexo das drogas é determinado pelo complexo cultural. Entre os maometanos o dlcool é abominavel e a maconha (haxi- xe), trangiilamente permitida. Entre nés a maconha é execrada e 0 Alcool amplamente institucionalizado. Para o branco, a droga fragmenta a personalidade: é um vicioe lum processo de fuga. Para o indio, a droga provoca uma comunhao com a divindade e a volta as mais profundas raizes ancestrais: é um . Processo de integragac ide da difusdo das drogas entre os brancos teve como causa principal a ambigdo do lucro, que o indio desco- nhece. Em todas as nagoes indigenas, as drogas sao sagradas, oriun- 15 _ LKQ. das dos. vegetais hieroboténicos. E o seu consumo é sempre cerimo- nial, em ritos determinados por tradi¢ao milenar. Observa Koch- Griinberg: «Em geral, somente aproveitam qualquer ocasiao e qual- quer tempo para tomar naresticos os indios que foram desmoraliza- dos por nossa civilizagio.»4 v ‘Um trinémio que sera armado varias vezes ao longo deste —— livro: droga + paciente + meio. Seus termos se interpe- netram e completam. Droga ‘Sujeita as varidveis de espécie ¢ procedéncia da planta, partes usadas, solo, clima, época de colheita, maneira de fazer, aditivos utilizados no seu preparo etc. ‘A maconha* é um bom exemplo dessas variaveis. Toda planta masculina é nula. Da planta feminina, s6 € psicativa a resina origi- naria das sumidades floridas, isto é, onde se desenvolvem os ova- rios, quando as flores ja comegam a murchar. Ora, a maconha exis- tente no mercado é, freqtientemente, a base de folhas e flores da planta masculina, ou mesmo de ervas diversas, de bosta seca de va- ca ou de galinha etc. AS folhas de coca, fora de seu habitat, sdo praticamente inertes. 44 cogumelos cultivados em laboratério por Heim e Cailleux, em Pa- ris, tomaram-se de efeito mais potente que as espécies espontaneas, trazidas do México para o cultivo (v. p. 71). Outra grande diferenca é a existente entre um principio ativo simples, obtido em laborat6rio, e a interagdo das diversas substan- cias quimicas da planta viva. Paciente Ha variagdes de pessoa para pessoa, segundo suas condigdes sicas e psicoldgicas, e de acordo com o contexto cultural em que se insere, os motivos que a levaram a consumir a droga etc. Um esquizofrénico que cheira cocaina (é comum que os vici dos em cocaina sejam esquizofrénicos) tem reagdes muito diferentes das de alguém com perfeita satide fisica e mental. Um grupo de pes- ‘A maconha, Cannabis sativa L., & desconhecida em todas 23 nagies indige nas. Quando ¢ registrada sua presenca numa trivo qualquer — fato raissimo — ela {i introduzida pelo branco ou pelo negro. A freqlente mengio da maconh, nestas Feflexdes iniciais, deve-se simplesmente ao fato de tr ela sido eeita, em nosso pals, a grande vedete no show da repressio as drogas. 16 soas que consome determinada droga antes de ouvir Mozart difere radicalmente de outro grupo que faz 0 mesmo antes de assaltar um banco. Uma coisa é consumir uma droga por vicio, prazer ou emo- do e outra, muito diferente, objetivando uma experiéncia cientifica u, no caso do indio, o cumprimento de um rito sagrado. Meio Local, ambiente, companheiros, em geral determinados pelos objetivos do consumo da droga — uso individual ou grupal, auto- experiéncia cientifica ou, em se tratando do indio, pratica xamanisti- a, rito, festa cerimonial ete. Tudo isso, aliado a cenétio, encenagao, perfumes, danga, misi- a, e outros fatores capazes de condicionar reflexos, tudo isso tem Poderosa influéncia na produgao de sonhos e visdes, potenciando a ago da droga. Principalmente quando tais fatores esto dentro de uma tradicao ja estratificada. E 0 que Furst destacou como «a inter- relacdo entre os efeitos farmacolégicos (da droga), o contexto cultu- ral e as expectativas culturalmente condicionadas do individuo e da comunidade».? 8 O médico feiticeiro indigena revelou ao homem branco importantes descobertas no reino vegetal, como as drogas alucinégenas, que ampliaram e aprofundaram o campo das pesqui sas em psicologia e psiquiatria pajé, xama ou medicine man tem a autoridade de quem co- nhece 0 efeito das plantas. E conhece porque também consumiu consome as drogas que ministra. O mesmo tipo de conhecimento foi adquirido, modernamente, por notaveis cientistas, que fizeram auto- experiéncia com a droga que estavam pesquisando. Destacam-se Wasson, Hofmann, Heim, Schultes e outros, cujos trabalhos serio detalhadamente descritos neste livro. ‘A pesquisa com plantas psicotrépicas é restrita. Dificil. E até mesmo herdica. Porque esbarra no medo.e na aversao péla droga. Um preconceito cientifico que domina também os organismos ofi- ciais. E atinge até mesmo as cétedras universitirias. Veja-se 0 exemplo de J. Alves Garcia, Professor Titular de Psiquiatria na Es- cola de Medicina ¢ Cirurgia da Guanabara. Esse cavalheiro escreveu um livro, em que descobriu que o absinto é «mistura de vinho e ha- xixe». E, logo adiante, cometeu estas frases, notaveis pela ignoran- cia ¢ pelo ridiculo: «Aldous Huxley (1894-1963) publicou ensaios autobiogrificos sobre 0 uso da mescalina. Viciou-se a droga e, nao podendo obté-la nos EUA voltou a Inglaterra, ¢ ali definhou somati- 7 ca ementalmente. Morreu de cncer pulmonar, e acredita-se que es- te foi abreviado pela droga. Fez moda, inclusive em nosso meio. Huxley foi escritor mediocre, sem estilo e sem grandeza artistica. Foi, apenas, um explorador do exético».> 9 © homem quer erguer-se da lama da terra. E alcangar as — estrelas. E entrar em contato com os seus deuses. Recor- Fe entdo as ervas do sonho. A posse de plantas magicas vem de muitos séculos, através de geragées. E legado de pioneiros que desbravaram 0 desconhecido. (Os que ingeriram pela primeira vez cascas de arvores, folhas, flores, frutos, sementes, raizes — puros, triturados, em infusdes. Para que se aprendesse a distinguir as espécies e quais as partes dos vegetais com poderes psicotrépicos, muitos morreram. A hierobotanica tam- ‘bém tem os seus mértires. Cada planta migica abriga um espirito, cuja forga o indio absor- ve, ingerindo o vegetal ou uma de suas partes. Essa forga propicia o sono divinatério, as imagens psicodélicas, 0 mistério das visdes, a presenga dos mortos, as revelagdes dos espiritos, enfim, o contato com 0 sobrenatural. Essa forca € 0 mana dos polinésios e dos antro- pologos. E também 0 pneuma, xvedya, do Velho Testamento — sopro, vida, espirito santo. Para o indio, um principio inteligente habita o reino vegetal. Esté presente em cada espécie. Essa crenca est hoje cientificamen- te comprovada, conforme demonstra, ampla e detalhadamente, um livro fascinante intitulado A Vida Secreta das Plantas''. Toda planta psicotrépica é sagrada. E toda planta sagrada s6 é consumida ritualmente. O indio nao se limita a murmurar algumas rezas apressadas ou a cantar em coro alguns hinos religiosos. Ele obedece a rigidos preceitos. Submete-se a severos jejuns e mortfi- cagdes. Chega mesmo a arriscar a propria vida, ingerindo téxicos violentos, para entrar em comunhao com os seus deuses, através do éxtase mistico ou do sonho revelador. Conta Huston Smith que, certa vez, perguntaram a Walter T. Stacy, uma autoridade nos aspectos filoséficos do misticismo, se a ‘experiéncia das drogas é semelhante A experiéncia mistica. «Nao se trata de ser semelhante & experiéncia mistica: é a experiéncia misti- ca» — respondeu Stacy!9, ‘A droga é a chave que abre as portas da divindade. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS |. ANTONIL. André Joio, pseud. (ANDREONI Joiv Antioy Cultura e Opuléncia do Brasil por suas Drogas e Minas. Recife. impr. Univ. 1969. Ed. facsimilar do 1.A.A FURST, Peter. Intradiction. In: Flesh of the gs: VICXVL London. G, Allen & Unwin. |1972.['p. XIV. 3. GARCIA. Alves. Origem ¢ desenvolvimento das dependéncias txicas In; Poligco das Drogas: 11-30. Rio de Janeiro, Edit, Rio. [1972.1 p. 15 4. KOCH-GRUNBERG, Theor. Zwei Jahre unter den Inlaner Reisen in Nordvest-Braziien (1903-1908). Stttgar. Strecker & Schrader 1908.3 Bd. I~ p. 164 5. LANTERNARI. Vittorio. A Relig dos Oprimids. Trad Geraldo Gerson de Sous. [Sao Paulo], Perspective, (1974) 0 6. PARREIRAS. Déco. Census of dug ais in Braz ~ he incidence and nature of drug addition. Bul. on Nare 1a(1) 21-23, Jan-Mar. 1965 p22 7. PLATON. Phin. Ed. bil. Paris: Hachette, 1896 p. 4 sq. 380 8. SHAKESPEARE, William. The complete works. London, Spring ‘Books {1974 ]p. 928. 9. SHAW, Bernard. Major Barbara, New York, Dodd, Mead, 1951 a 10. SMPTH, Huston. Do drugs have retiious igor? The Sowinal of Pilovopy 1 (18) 317330, Oct 1964 9. 5, Ste 11. TOMPKINS, Peter, © BIRD. Christopher. A Vide Secreta das Planas_S-ed Trad. Leonardo Frcs. Rio de Jaco Exped (178 Peyotl (Peiote) O Pequeno Cacto das Visdes Luminosas Lophophora Williamsii (Lem.) Coult. (Echinocactus Williamsii Lem., E. Lewinii Sch., Lophophora Le: Rusby., Anhalonium Williamsii Eng.) Familia das Cactéceas. Planta pequena: 15-20 cm, incluindo a raiz articulada, que tem a forma duma cenoura grande. A parte superior, globosa, é mais clorofilada e dividida em gomos por sulcos longitudinais. Os gomos, por sua vez, tém sulcos transversais mais rasos, formando Greas areoladas, em mamilos com pélos brancos ¢ sedosos, como num pincel. Nos exemplares jovens, as aréolas, muito préximas umas das outras, formam no centro umbilicado um tufo de pélos macios, de onde emergem as flores mitidas, réseas e, as vezes, brancas ou amareladas. Da mesma forma nascem os frutos, réseos ‘ou carmesins e um pouco maiores que as flores. A parte terminal do peyotl nem sempre é uma nica esfera achatada, havendo exemplares bi, tri e até hexacéfalos. Fruto e flor do peyotl, emergindo de um tufo de pélos brancos e sedosos Anat pot onsen Acct tonal tet, erage feos dette CES ere in NO CHAO ARENOSO, QUASE OCULTO. Ha mais de mil espécies de cactaceas, distribuidas pelas re- gides quentes e secas do globo. Mas 0 pequeno cacto das visdes lu- minosas — o Peyotl — s6 existe em algumas areas da faixa centro- norte do México. Cresce ao sol asteca, em terrenos rochosos & agrestes, onde nao é facil ser notado: a sumidade da planta aparece muito pouco superficie do solo arenoso, como se peyotl procu- rasse se ocultar aos olhos do homem, zeloso do seu poder revela- dor de suas glérias milenares. PRINCIPAL ALCALOIDE: MESCALINA _ Segundo Hofmann, o peyotl foi a primeira droga magica do México a ser analisada. O pioneirismo dos estudos cientificos das substincias psicodélicas é de Louis Lewin* e Arthur Heffer. Eles descobriram que a mescalina é 0 principal psicoativo do peyotl. La Barre menciona 9 alcaldides, isolados do peyotl: anhalami- pa. anhalidina, anhalina, anhalonidina, anhalonina, anholinin, o- ia, mescalina ¢ pelotina®. O principal, que provoca os efeit pelcoddlicos, € a mesealina nna AH" Povoed.o efeitos VIAGEM AO PAIS DOS TESOUROS RADIOSOS L’dme toute en feu, les yeux étince- ants. Corneille (Théodore, IV, 4) . Capitulo relato apenas o resultado de uma auto-expe- riéncia, aliés de amador. Para os que desejarem estudos completos sobre os efeitos da droga, ver Referéncias Bibliogréficas, no final do verbete. Recomendo 0 trabalho de Rouhier.* Durante 2 meses impus-me severa disciplina: alimentagao raci nal, abstinéncia de alcool, exercicios fisicos diérios. Boémio not Tio, eu me comportava agora como atleta as vésperas de competi- 40. E isso simplesmente porque tinha medo. Huxley jé advertira ue, para evitar o inferno ou 0 purgatério, o experimentador deve vir para a droga com o figado so e a mente sem problemas.’ Finalmente, num dia em que me sentia excepcionalmente cal- ‘mo, feliz € bem-disposto, tomei as 16,30 0 expresso para a grande * Em homenayem ao notivel toxicologista slemio, o primeiro a identificar 0 peyotle descrever seus efeitos, a planta jéteve © nome expeciico de Lewini (vp. 20, 2 Viagem ao paraiso: cinco rodelas de mescal buttons trazidos do Mé- xico, Menos de meia hora depois notei que as coisas mais préximas ‘ganhavam nova vida. As esferograficas nos porta-canetas — azuis, verdes, vermelhas, pretas, amarelas — tinham as cofes mais nit das ¢ refulgentes, como se irradiassem luz propria, O mesmo acon- tecia com as lombadas dos livros nas estantes, com uma riqueza de mmatizes até entio insuspeitada. Eu olhava, extasiado. AS ji terrina com Agua, o xaxim com epifitas, os quadros nas paredes, tudo parecia transfigurado pela «visdo sacramental da realidade».’ .. le monde extérieur s'offre a lui avec un relief puissant, une netteré de contours, une richesse de couleurs admirables. Baudelaire! Sai de casa. A rua era a mesma, ensolarada, 0 céu muito azul e, além, a fumaca dos incineradores dos edificios. Mas tudo pare~ cia banhado de um esplendor inédito e era a0 mesmo tempo como que a projegio de minha prépria euforia. De repente, para usar uma linguagem cinematografica, comecaram as aproximagées (zoom in) ¢ 0 afastamentos (zoom owt): uma lente Zoomar operada com rapidez, & minha revelia. Zoom in e eis na calcada a mancha de sol que atravessou os ramos dum oiti. Quantas vezes passei por aqui sem reparar que as manchas de sol possuiam tanta e tao deslumbrante beleza? Havia uma intensa vibragdo na luz e nos cambiantes das sombras, sobre a exuberante plasticidade da calgada. Zoom out ¢ ai esté.a rua de novo. Continuo caminhando. Zoom in para a folha duma planta, no canteiro diante de um edificio de apartamentos. Eu jé tinha olhado dezenas de vezes aquelas folhas, mas $6 agora via, conhecia. O primeiro plano abso- luto (big close-up) exarcebava os riquissimos detalhes das cores vi- vas e luminosas (verde-garrafa, verde-gaio, pirpura, amarelo-ouro, as manchas rosadas, as nervuras carmesins, tantas cores!) © a va- riedade de tons, a superficie de veludo, até mesmo a seiva, fonte da vida vegetal, que fazia a folha arfar docemente. Zoom out € tia esquina o sinal abriu, mas ha um pequeno en- garrafamento e os carros buzinam insistentemente. Zoom in para uma flor também intensa e maravilhosamente re- veladora em seu ineditismo, Na corola pousou uma abelha de ouro, faiscando ao sol. 2B Fui.para a praia onde os fendmenos se repetiram, zovm in zoom out, As ondas, rebentando na areia, tinham plastica e luminosidade No momento exato em que a onda rebentava, aparecia no dorso um belissimo tom de verde. Lembrei que, certa vez, na sala de jan- tar de sua fazenda, no interior de Sao Paulo, a pintora Tarsila do Amaral me disse que 0 veludo das cadeiras, que havia desbotado, tinha, quando novo, 0 mesmo verde que aparece no cimo das on: das de Copacabana, na arrebentagao. Apanhei um punhado de areia e fui deixando cair, lentamente, sobre 0 banco da calcada da praia. A capacidade visual de analise era impressionante. Os grios de areia faiscavam como diamantes Mas cada um deles tinha sua forma prépria, individual, absoluta. mente inédita. Um curioso retardou 0 passo, sem entender porque alguém othava téo atentamente para um banco de praia — os gros de areia rutilando sobre as mil nuanas de cinza do cimento arma- do, a superficie porosa, extremamente plistica, transbordando da- quilo que os pintores denominam mat Fui para a pequena praga mais préxima, onde continuou a m: gica sucessao de primeiros planos, irradiando encantamento, poc- sia, vida. Cada planta tinha um colorido luminoso e uma soberba Tiqueza de matizes. As arvores eram as do Paraiso, no primeiro dia da criagao. A grama chegou a revelar, nos seus prodigiosos mati- zes, surpreendentes motivos de art nouveau. Recevez, s'il vous plait, quelques ares joiaux. Mairet (Solyman, V-4). Cheguei em casa A noitinha. Cansago. Preguiga. Comi mais trés, rodelas de peyotl. Joguei-me na cama, para um relax. A acuidade visual tinha diminuido um pouco. Apaguei a luz. Logo apés fechar 0s olhos, comecaram a aparecer os fosfenos. De inicio figuras abs- tratas — circulos, losangos, poliedros, bolas. Riscos. Nuvens, Fo. 4808 de artificio. Uma cascata de ouro. Novas formas. Voltou a cas ata de ouro. A vontade nio influia na ocorréncia dos fendmenos, Jamais houve qualquer manifestacao.intencional, provocada. As fi guras iam e vinham em todas as diregdes e em vertiginosa suces- Sio. Tinham movimentos de rotagao e translagao. O que maravilha. va mais, desde as primeiras imagens, era a riqueza de cores e a lu- minosidade. Comparei a um mobile de Calder que tivesse 0s seus elementos dotados de luz prépria. Depois os desenhos se combina. 4 vam. Pareciam uma tela de Vasarely, pintada com fogo, sol, luar, estrelas. Tudo rapido, cada forma dando lugar ao nascimento de outra, como nas fusdes cinematograficas. lam e vinham. Surgiam € Passavam. Subiam desciam. Arabescos. Caleidoscépio. Grande variedade de cores, porém jamais anarquicas. Era como se houves- se um senso plistico na composigao das formas e dos matizes de cada cor. Depois as visdes tomnaram-se mais belas e completas. Eram, porém, destituidas de

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