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canar dom Deoutados NN Identificado pelo Governo Central dos Estados Unidos da América, que reconheceu algumas falhas na Constituicao que havia ‘adotado durante a guerra da Independéncia, convecou-se, em 1787, ima convencio encarregada de revé-la. A convencéo propos um novo projeto de Constituicao. Durante as discusses que por essa ocasizo tiveram lugar, estando as opinides ainda divididas sobre 0 esunto, of cidados Hamilton, Madison e Jay, todos de Nova torque, publicaram estas reflexes, que contribuiram para que se adotasse ‘a Constituico A qual a América Unida deve em grande parte a sua prosperidade atual. ‘Quando elas foram publicadas, apareceram em forma de jornal, s6 posteriormente & que foram reunidas em um s6 corpo. fentos propiciaram a publicacao do livro, que jomas, ficando conhecido como O Federalista, vo pelo qual a Livraria ¢ Editora Lider o oferece aos seus leitores ‘dos em Direito Constitucional, Ciéncias Politicas, Hist6ria s ains. Esta obra, integrada 2 sua série CLASSICOS DO DIREITO, pretende contribuir com o estudo do Direito, | ! 32 Capitulo 6 DOS PERIGOS DAS DISSENSOES ENTRE OS ESTADOS s t:85 titimos capftulos foram consagrados & enumeragao )ios perigos a que, em Estado de desunifo, ficariamos ex- ppostos por parte das armas ¢ das intrigas das nagGes estrangeiras; indi- carei agora outros de maior monta e nfio menos provaveis: as dissen: s0es entre os Estados ~ as facgdes e as convulsdes interiores. J6 sobre este objeto dissemos algumas palavras; mas 0 assunto exige reflexes mais particulares € mais extensas. Nao € possivel, sem cair em especulagdes dignas da utopia, pen- sar seriamente que se no hao de elevar frequentes e violentas contes tagdes entre os nossos Estados, se eles se destnirem e formarem con- federagbes parciuis. Negar as possibilidades dessus cuulestayGes put falta de motivos para fazé-las nascer seria 0 mesmo que dizer que os homens nio so ambiciosos, nem vingativos, nem vidos; lisonjear-se de manter a harmonia entre um certo niimero de soberanias indepen- dentes e vizinhas seria 0 mesmo que perder de vista'o andamento ordi- nirio dos acontecimentos contradizer experiéncia dos séculos, As causas de hostilidades entre as nagées sto inumerdveis; po- rém hd algumas que tém um efeito geral ¢ quase inevitével sobre 03 homens pelo simples fato da sua reuniao: tais so o amor do poder ou o desejo da preeminéncia ~o citime da superioridade alheia, ow o desejo da igualdade e da seguranca. Além dessas causas, hé outras cuja influéncia & menos geral; mas «sua ago nfo € menos poderosa na sua espera que a das outras, tais sio as rivalidades de comércio entre as nagBes comerciantes, Finalmente, hé ainda outras tio numerosas como as primeiras, que pegem nas paixdes particulares nos interesses, nas afeigdes, nas inimizades, nas esperangas € nos temores dos individuos que governam as sociedades. 35 36 SS Os homens desta classe, elevados pelo favor do povo ou do rei, 6m assaz grande mimero de vezes abusado da confianga que haviam obtido: assaz grande niimero de vezes, cobertos com 0 pretexto do interesse piblico, sacrificaram sem eseripulo a paz. de uma nagio as stias paixdes ou vantagens particulares. Foi para servir o ressentimento de uma prostituta que Péricles atacou, venceu e destruiu a Replica de Samos 2 custa do sangue dos seus concidadiios; ¢ nao foi ainda senio com vistas pessoais, por que- rer evitar que perseguissem como ciimplice do roubo atribuido @ Phidias, para desviar a acusagio de ter dissipado os dinheitos pablicos, ‘ou, inalmente, para satisfazer a sua raiva contra os habitantes da Megara, que ele envolveu a sua pitria naquela famosa ¢ fatal guerra do Peloponeso, que, depois de tantas vicissitudes, tréguas e renovagdes, acabou pela rufna de Atenas. O ambicioso Wolsey, ministro de Henrique VIN, aspirava & tiara ¢ lisonjeava-se de fazer esta brilhante conquista pela influéncia de Carlos \V. Pois bem: para segurar-se o favor e a protegiio desse poderoso mo- narea, empenhou a Inglaterra numa guerra com a Franga, contrétia 20s princfpios mais triviais da politica e pos em perigo a seguranga © a independéncia nao somente do reino que governava com 05 seus con- selhos, mas da Europa inteira; porque, se jamais houve soberano na Europa em circunstancias de realizar o projeto da monarquia universal, foi certamente Carlos V, de cujas intrigas foi Wolsey ao mesmo tempo o instrumento e a vitima, (Quanto a influencia que o beatismo de madame de Maintenon, & turbuléncia da duquesa de Malbourough e as intrigas da marquesa de Pompadour tém tido sobre a politica dos nossos dias e sobre 0s movi- mentos € pacificagdes de uma parte da Europa, tantas vezes se tem falado disso nas conversagdes familiares que niio pode deixar de ser geralmente conhecida. Fora instil multiplicar exemplos da influéncia que, sobre 08 acon- tecimentos de maior interesse para as nagdes, tanto interior como exte- riormente, tem tido consideragdes pessoais: pequena instrugdo basta para que elas se apresentem a milhares; e, mesmo sem auxflio da instrugio, um conhecimento mediocre da natureza humana é suficien- te para fazer julgar a realidade e a extensdo dessa influéncia, Entretanto, hd um fato recentemente acontecido entre n6s que, pela sua aplicagiio, pode dar novo grau de evidéncia a esse principia — geral, Se Shays ndo se tivesse visto afogado em dfvidas, nunca o Esta- do de Massachusetts teria sido envolvido nos horrores da guerra civil. Desgragadamente, porém, apesar do testemunho da experiéncia, perfeitamente conforme a esse respeito com o da teoria, hé sempre visionérios ou mal-intencionados que sustentam o paradoxo da paz. per- ppétua entre os Estados, ainda depois do desmembramento e da separa- ‘o que propéem. “O génio das repiblicas,” dizem eles, “é pacifico; 0 espirito do cométcio tende a adogar 0 cardter dos homens e a extinguir neles aque- Ja efervescéncia de humores que tantas vezes tem acendido a guerra. As repiiblicas comerciantes, como a nossa, no podem sentir disposi- go a destruir-se com dissensdes ruinosas: 0 seu interesse comum obrigaré & conservagao da paz. ¢ da concérdia reciproca.” Mas (perguntaremos n6s a esses profundos politicos) no € tam- bém do interesse de todas as nagGes entreter mesmo espirito de be- nevoléncia umas para com as outras? E tém elas sabido conserva-lo? io &, a0 contrario, provado pela experiéneia que as paixdes e os inte- resses do momento t€m sempre tido maior império no procedimento dos homens do que as consideragdes gerais e remotas da politica, da utilidade e da justiga? Nao se tem visto repiblicas to apaixonadas pela guerra como as monarquias? Nio sio umas e outras governadas por homens? Porventuta so as nagdes menos suscetiveis do que os reis, dos sentimentos de aversio, de predilegao € de rivalidade, ede projetos de conquista contrérios & justiga? Nao obedecem tantas vezes as as- sembléias populares aos impulsos da colera, do ressenttmento, do cit me, da cobiga e de outras paixdes violentas ¢ irregulares? Nao é sabido ‘que suas determinagdes so muitas vezes obra de um pequeno nimero de individuos, em que elas depositam a sua confianga, donde Ihes vem a cor de paixdes ¢ de vistas particulares? Que mais tem feito o comét- cio sendo mudar as causas das guerras? Serd a paixiio das riquezas me- nos imperiosa que a da gl6ria ou a do poder? Nao tem o comércio, desde {que 6 a base do sistema politico das nagdes, prochuzido tantas guerras, como o furor das conquistas ow a sede de dominar que antigamente causava? Nio é, pelo contratio, o interesse do comércio um novo esti- ‘milo de todas essas paixdes? A experiéneia que responda a todas essas questdes: 6 0 guia mais infalivel de todas as opinides humanas, Sparta, Atenas, Roma, Cartago, todas eram reptiblicas, ¢ duas deltas, Cartago e Atenas, comerciantes; ndo obstante iseo, tantas foram 37 38 HAMILTON, MADISON 8 y4¥ ' guerras em que ambas se acharam envolvidas, como as das monar- uias vizinhas contemportineas, ‘Sparta pouco mais era do que um acampamento bem disciplina- do; Roma era insaciével de conguistas e de carnagem; os cartagineses, ainda que republicanos e comereiantes, foram os agressores na guerra ue terminou pela runa da sua patria: Anfbal tinha levado as suas ar- ‘mas pelo coragao da lta as portas de Roma, antes da vit6ria de Scipio ‘nos campos de Cartago, a que se seguiu a perda dessa repiblica Em tempos mais modernos, vimos Veneza figurar mais de uma Woz cm gucrras causadas pela sua ambigdo, até o dia em que, objeto de terror para os outros Estados da Itélia, esteve a ponto de sucumbit :quela famosa liga com que o papa Silo II deu um golpe mortal no seu orgulho e no seu poder. Quem representou maior papel nas guerras de Europa do que as provincias de Holanda, antes que dividas e impostos viessem reprimir. Ihes 0s brios? As Provincias Unidas disputaram com furor aos ingleses © império do mar, e Luiz XIV nunca teve inimigos nem mais implacé veis nem mais constantes. No governo de Inglaterra, exetcem os representantes do povo luma parte do Poder Legislativo: o comércio é, ha séculos, 0 princi. pal objeto da sua ambigao. E, porém, poucas nagdes tém mais vezes feito a guerra! E a maior parte daquelas em que este reino se tem achado envolvido tem sido determinadas pelo pov! Ox, pelo me 10s, bem pode afirmar-se que tantas tém sido as guerras populares como as reais, Os gritos da nagdo e as importunagdes dos seus representantes obrigaram muitas vezes os reis a continuar @ guerra contra sua yontade © mesmo contra 0 verdadeiro interesse do Estado, durante a famosa rivalidade de preeminéncia entre as casas da Austria e Bourbon, que to Tongo tempo conservou acesso na Europa o facho da guerra; todos Sabem que a antipatia dos ingleses contra os franceses favoreceu & ambigto ou, antes, & avareza do um general idolatrado (0 duque de Malbourough) e prolongou a guerra além dos limites prescritos por ‘uma discreta politica e contra 0 voto da corte.t “Compare oIeitor este parégrafo com o qu fiew eto na eapftulo 4 paca provas v sbsurdo de que o gaverno monérquico é mais préprio para fazer nascer causa de fuera do que outro qualquer, e fiearéo autor refutado com as suas prdpias andes, OFEDERALISTA As causas de guerra entre essas duas iltimas nagdes foram qua- se Sempre interesses comerciais —o desejo de suplantar ou o receie de ser suplantado, jf em ramos particulares de tréfico, j4 em vantagens fgerais de navegagio ¢ comércio e muitas vezes, mestio, o desejo, ain- da mais odioso, de se apropriar de uma parte do comércio das outras hhages sem seu consentimento, A tiltima guerra da Inglaterra com a Espanha foi causada pelas tentativas dos mereadores ingleses para estabelecer um cométcio ilfc- {0 noo mares que rodeiain a América Espanhola. Esse procedimento indeseulpvel exciton os espanhéis a violéncins indesculpsveis, porque sabiam dos limites de uma justa vinganga e tinham o cardter da dest- manidade e da erueldade. Os ingleses apanhados na costa da Nova Espanha foram manda- dos trabathar nas minas do Potdsi; e bem depressa, pelos progressos cordinérios do ressentimento dos povos, os inocentes foram submeti. dos aos mesmos castigos de envolta com os culpados. As queixas dos negociantes ingleses excitaram na Inglaterra uma fermentagao violen- {@, que niio tardow a fazer explosio na Cimara dos Comuns, donde ppassou ao minisiério: consideram-se cartas de marca; e daf uma guerra desastrosa, que destruiu aliangas de vinte anos, que tao excelentes fru- (os prometiam, Refletindo agora nesta vista d’olhos pela histria das outros pat- ses cua situagdo tem mais analogia com a nossa, que confianca pode- ‘mos ter nos sonhos com que nos embalam, sobre a possibilidade de entreter a paz.¢ a amizade entre os membros da Confederafo atwal, depois da sua desmembragio? Nao é jd mais que conhecida a extrava, Bincia das teoris que nos prometem a isengio das imperfeiggese fra. uezas inseparsveis de todas as sociedades humanas, qualquer que seja a forma de governo por que se rejam? No ¢ jf tempo de acordar dos sonhos da idade de ouro e de assentarmos por uma vez que 0 impétio dla perfeita sabedoria e da perfeita virtue esté ainda muito longe de ns? A extrema decadéncia da nossa dignidade e do nosso crédito nae cional no-lo esto dizendo bem claro; e dizem-no, além disso, 08 abu 08 multiplicados de um governo sem diregdo e sem forga ~ a revolta de uma parte da Carolina do Norte, os tumoltos que ameagaram ultima ‘mente a Pensilvania e as insurreigdes e rebelifies de que Massachusetts std sendo ainda hoje a vitima, Os prinefpios dos que nos querem cegar, sobre o perigo de diss C6rdias ¢ de hostilidades entre os Bstados desunidos, sio de tal maneira 40 HAMILTON, MADISON E JAY _ copostos ao sentimento geral, que é axioma sabido que, nas nagbes, a proximidade é mie da inimizade. Bis aqui oque diz Mably aesserespeito: Estados vizinhos sto naturalmente inimigos; salvo se a fraqueza co- ‘mum os obriga ligar-se para formarem uma replica federativa, ou se 1s constituigdes respectivas previnem as dissensoes que deve trazet cconsigo a vizinhanga e reprimem o cime secreto que inspira a todos 0s Estados 0 desejo de se aumentarem & custa dos seus vizinhos. Esta passagem indica ao mesmo tempo a moléstia e o remédio, Capitulo 9 UTILIDADE DA UNIAO COMO SALVAGUARDA CONTRA AS FACQOES E AS INSURREICOES ‘m dos grandes beneficios da Unido, relativamente a paz ¢ tranquilidade dos Bstados, é a barreira que ela deve opor as 5 € as facgbes. Nao é possivel ler a histéria das pequenas repablicas de Ttilia sem se sentir horrorizado do espetéculo das agita- (@es de que clas eram continuamente teatro, ¢ daquela sucessio répida de revolugées que as conservavam num estado de oscilagéo perpétua entre 05 excessos do despotismo e os horrores da anarquia, ‘Se 0 sossego ali aparece por um momento, é s6 para fazer mais sensivel contraste com as borrascas de que € imediatamente seguido, Estes parénteses de felicidade que aparecem de longe em longe trazem sempre consigo recordag6es dolorosas; porque no padem remover a idéia de que esses curtos momentos de repouso vao perder-se para sempre em eternidades de sedigdo e de furor de partidos, Quando algum raio de gléria pode penetrar por esta atmosfera de trevas parece que no vem deslumbrar-nos com um esplendor tio vivo, mas to incerto, seniio para nos fazer deplorar com mais amargura os vicios do governo que perverteu a direcao de tanto talento ¢ heroismo, que, assim mesmo pervertido, valeu tio justa celebridade & terra em ‘que nasceu. insurreigi Das desordens que desonram os anais dessas reptblicas tiraram ‘5 partidistas do despotismo argdmentos nfo s6 contra a forma do ‘governo republicano, mas ainda contra os prinefpios da liberdade civil Essas desordens constitufram um dos argumentos em que se fundaram para desacreditar todo o governo livre, que declararam ine compatfvel com a ordem social; e triunfaram com alegria maligna dos amigos dessa espécie de governo 54 ‘HAMILTON, MADISON E JAY Felizmente para 0 género humano, grandiosos edificios, eleva- dos sobre o alicerce da liberdade, e consolidados pelo tempo, refuta- ram com alguns exemplos gloriosos todos esses sofismas de trevas: espero que também do seio da América se elevem tio duriveis ¢ tio gentis monumentos que os destruam. ‘Mas niio se pode negar que os retratos que 0s inimigos da liber- dade t2m feito do governo republicano nao sejam (ainda mal!) cépias iuito figis dos originais que procuraram representar;e se fosse impos- sfvel achar outros modelos, seria forgoso abandonar uma causa im- possfvel de defender. A cigneia da politica tom feito to grandes progressos como imuitas outras. Esta hoje provada a eficécia de diferentes meios ignora- dos, ou perfeitamente conhecidos pelos antigos; a distribuigio e divi- stio dos poderes a introdugo dos contrapesos € freios legislativos ~ instituigio dos tribunais compostos de jufzes inamoviveis ~, a repre- sentagio do povo na legislatura por meio de deputados da sua escolha, tudo isto si instituigdes novas ou aperfeigoada aos tempos modernos; e eis aqui cinco meios paderosos com que se podem conservar as ‘vantagens do governo republicano, evitando ou diminuindo as suas imperfeigdes, ‘A esta enumeragio das circunstancias que tendem a melhorar 0 sistema do governo popular, acrescentarei ainda outra, deduzida do ‘mesmo principio, que serviu de base a uma objeco contra 0 projeto de Constituigao que se discute. Falo da grandeza da drbita em que hoje se movem os nossos sistemas politicos, comparada com as dimensbes de cada Estado par- ticular, ou com a da reuniao de alguns pequenos Estados debaixo de ‘uma Confederagao geral, ‘A.utilidade de uma Confederago para teprimir as facgbes e s ‘gurar a tranqiilidade interior dos Estados e para aumentar as suas for- ‘gas e seguranga contra os perigos exteriores no € idéia nova; é coisa que se tem visto em diferentes pafses e em diferentes séculos, € que tem recebido a aprovagdo dos mais estimados autores em politica. 0s adversérios do plano proposto citam e torcem, para dar forga 1 sua opinio, as observagdes de Montesquieu sobre a necessidade da pequena extensio de territério para que possa ter lugar 0 governo repu- blicano; mas parecem ignorar o sentimento expresso por este grande homem, sobre 0 mesmo objeto, em outra parte da sua obra, © 1110 —————— reparar nas consequéncias do principio que com tanta confianga me- tem a cara, s exemplos de territ6rio limitado, que Montesquieu alega para fundamento da sua idéia sobre o governo republicano, esto muito aguém da extenstio da maior parte dos nossos Estados. Vitgtnia, Massachusetts, Pensilvania, Nova Torque, Carolina do Norte e Geérgia nfo podem comparar-se aos modelos a que éle se refere, ou que designam as suas expressoes. Assim, se adotarmos as idéias de Montesquieu como a tinica pedra de toque da verdade, ou hhavemos de langar-nos nos bragos dla monarquia, ou nos havemos de subdividir em uma multidao de pequenas repablicas ciosas, tuzbulentas ‘e miserdveis, prenhes de germens indestrutfveis de discérdias eternas, ‘que hii de vir a ser objeto de desprezo e de compaixio geral CCusta realmente crer que haja escritores que tenham muito bem percebido essa inevitével alternativa e que, contudo, nfo temam falar da divisio dos maiores dos nossos Estados, como de um acontecimen- to muito de desejar. Uma to cega politica, um recurso tao desespera- do, poderia, pela multiplicagao dos pequenos empregos, corresponder a vista destes homens de nada que nao podem estender a sua influéncia adiante do curto efreulo das suas intrigas particulares;’ mas niio produ- ziria certamente a grandeza e a prosperidade da América. Deixando, porém, o exame do prinefpio que se discute para ou- tra ocasifio, notaremos somente aqui que, mesmo pela opinidio do autor ‘que com tanta énfase se cita, a adogao do seu princfpio exigiria embora ‘que se restringisse a extensio dos mais consideriveis dos nossos Esta~ dos confederados, mas que nunca se oporia a sua reunitio debaixo de tum s6 governo federativo. E a verdadeira questo, em cuja discussio ‘vamos presentemente entrar. 3s princfpios de Montesquieu sao tio pouco contritios & unio dos Estados que ele fala expressamente da Confederagio das reptbli- ‘eas, como do meio de estender a esfera dos governos populates, © de unir as vantagens da monarquia com as do governo republicano. * O que atualmente se observa na Sufga, onde hé cantBes de 12 4 14 mil habitantes (Zugee Ury), € uma boa prova do que 0 autor diz, O nimero dos empregados de toda a Confederagio, ue recebem salrio do pilblico, sobe a 32 mil; tio grande ro 6 0 exército federal, porque nao existe nem rendimentos para pagar-ihe © manté-lo. 55 HAMILTON, MADISON E JAY Dizele: muito provavel que os homens se teriam sempre obrigados a subme- terse 20 gover de um $6, Sendo tivessem imaginado uma forma de CConstituigio que a todas as vantagensinteriores do govemo republica. no eine a forga exterior do monsrquico, Fao da repiblic federativa sta forma de goverio € uma convengio pela qual muitos corpos Polticos consentem em fazer-secidadios de un Estado maior da que faquele que cles querem formar. E uma sociedade de sociedades que Pode aumentar-se pela acessio de novos associados que sr lhe va reunindo, Esta espécie de repdblica com toda a capacidade necesséria para re- sistir orga exterior pode conserva toda a sua grandeza sem que 0 interior se comrompa, A sua forma previne todos as inconvenientes. © que tivesse pretensdes de usurpagto nio teria igual erédito em todos os Estados confederados. Se fosse demasiadamente poderoso em um, assustaria todos os mais; se subjugasse uma parte da Conte. deragdo, as que se conservassem livres poderiam ainda resist Ihe com forgasindependentes do cfrculo da usurpagto e esmagé-lo sem Ihes dar tempo de se estabelece. Em caso de sedigdio em qualquer dos Estados confederados, podern 08 outros restabelecera trangtlidae. Se introduzem abusos em al. guns des membros, sio corigidos pelos membros sos, Pode o Esta. dio irem decadéncia de um lado e conservar.se do outro; pode a Con federagio ser dissolvida,ficando os confederades soberanos, Co posto de pequenas replicas, goza da bondade do govern interior de cada uma, quanto ao exterior, em todaaforga da associagdo com todas as vantagens da monarquia Pareceu-me necessério transcrever por inteito esta interessante assagem, por se acharem nela reunidos com preciso ¢ clareza os ‘ais famosos argumentos em favor da Unido, e porque pode dissipar facilmente as falsas impresses que se poderiam querer produzir pela aplicagao viciosa de outras passagens da obra. Além disso, essa doutrina do estadista francés esti em estreita relagio com o objeto deste capitulo, que consiste em provar a eficécia da Unio para reprimir as facgdes e as insurreigées interiores, ‘Tem-se feito una distingao mais especiosa que s6lida entre Con- ‘federacio ¢ Consolidagao dos Estados. Protende-se que o carter dis- OvepERALisTa tintivo da primeira consiste na testrigdo da sua autoridade aos objetos, {que 86 interessam aos Bstados, na sua existéncia coletiva, e iio aos individuos que os compéem, Pretende-se, ainda, que 0 conselho nacional nao deve ocupar-se de nenhum objeto de administragio interior: exige-se igualdade absolu- {a de votos para cada um dos Estados, como caréter essencial do go- verno federativo; e conelui-se desses prineipios que 0 governo pro- Posto é uma Consolidagio, e nao uma Confederagiio, Esses caracteres, porém, silo absolutamente arbitrérios € no tém por fundamento nem prinefpios nem experiéncia: Quem os estabe- lece parece considerar as modificagdes que se observam na organiza- 20 de alguns Estados confederados como caracteres inerentes & natu reza do governo que se prope, porém jé muitos deles apresentam ex- cegées assaz numerosas para demonstrar com toda a evidéncia que Podem produzir exemplos, que ndo hd a esse respeito regra absoluta; ¢ Drovar-se-4, além disso, que 0 principio de que se trata, em lugar de ser apoiado pela experiéncia tem causado irrepardveis desordens e tira- do toda a energia aos governos. Reptiblica federativa é a reunitio de sociedades diferentes, ou a associagao de um ou de muitos Estados debaixo de um s6 governo; porém a extensto € as modificagées desse governo e 0s objetivos sub- ‘metidos & sua autoridade sao coisas puramente arbitraias, Enquanto a organizagio particular de vada um dos Estados conte- derados nfo for destrufda; enquanto ela existir por leis constitucionais Para todos os objetos de administragZo local, ainda que com subordina- ‘$40 absoluta & autoridade geral da Unido, persiste, tanto em teoria como €m pritica, uma associngiio de Estados ou uma Confederacto, A Constituigo proposta, bem longe de abolir os governos dos Estados, tomna-os partes constituintes da soberania nacional, conce- dendo-Ihes representaco no Senado, ¢ deixa-os gozar exclusivamente de muitos atributos importantes da auteridade soberana. Isso concorda perfeitamente com a idéia que se forma do governo federativo, toman- do essa palavra no sentido mais natural A Confederagio Licia era composta de 23 cidades ou repiblicas as mais populosas tinham trés votos no conselho comum; os medfo. res, dois; as pequenas, um, © conselho comum nomeaya o3 jutizes ¢ os magistrades das Cidades. Era o mesmo que ter a mais particular influéncia sobre a sua 38 {ILTON, MADISON E JAY ‘administragto interior, porque se alguma coisa parece ser mais exclusi- vamente reservada 2 jurisdigo local dos Estados 6 a nomeagio dos seus magistrados. Niio obstante isso, diz Montesquieu, falando desta associag “Se me pedissem um modelo de uma bela republica federativa, oferecia a repiblica de Licia.” Donde se vé que as distingdes que se nos opéem nil tinham sido feitas pelo profundo publicista francés; e, por conse- ‘qUéncia, nao é possivel deixar de consideré-las como novas sutilezas de uma teoria errénea, Capitulo 10 UTILIDADE DA UNIAO COMO SALVAGUARDA CONTRA AS FACGOES E AS INSURREIQOES (CONTINUAGAO) eee as numerosas vantagens que nos promete uma Unio fundada em bons prineipios, no hé nenhuma que tanto merega ser desenvolvida como a sua tendéncia a amortizar e reprimir a violéncia das facgdes, ‘Nada assusta mais vivamente os amigos dos governos populares sobre a sua prosperidade ¢ duragao, do que a sua tendéncia para este perigoso vicio; donde se segue que ninguém, tanto como eles, pode sentir todo o valor de um plano, que, sem violar os seus prinefpios, possa opor um poderoso remédio aquela funesta tendéncia. A instabilidade, a injustiga e a confusio nos conselhos piblicos sto as moléstias mortais que por toda a parte tém feito perecer os {governos populares, e nesta fonte tio fecunda de lugares comuns & que os inimigos da liberdade vao buscar as suas declamagées com ‘melhor éxito e mais predilecao. Os inapreciaveis melhoramentos que a Constituigao americana {fez nos modelos dos governos populares, tanto antigos como moder- ‘nos, no podem ser assaz admirados; mas sem uma insustentével par- cialidade no pode pretender-se que ela tenha prevenido os perigos de que se trata, com tanta eficacia, como teria sido de desejar. De todas as partes se ouvenn a esse respeito as queixas do8 mais respeitaveis e mais virtuosos dos nossos concidadiis, igualmente ze- _ losos pela fé piblica e particular, que pela liberdade piblica © pessoal ‘Todos eles se queixam de que 0s nossos governos tém muito " pouca estabilidade; que o bem piblico é sempre esquecido nos confli- tos dos partidos rivais; que as questdes sdo assaz. freqllentes vezes __decididas pela forga superior de uma maioria interessada e opressiva, sem 60 atender as regras da justiga e avs direitos do partido mais fraco, Por muito que desejissemos que tais queixas fossem sem fundamento, a notoriedade dos fatos no permite negar-Ihes até um certo grau de justica Se examinarmos imparcialmente a nossa situagio, acharemos que alguns dos males que nos fazem gemer tém sido injustamente atri- buidos @ natureza do nosso governo; mas acharemos também que to- das as outras causas sio insuficientes para explicar algumas das nos- sas mais puniveis desgragas, especialmente esta desconfianga quase sgeral © todos os dias maior, nas nossas transagées ptblicas, ¢ estes sustos continuos pelos direitos de cada membro, cujas expresses re- tinem de uma extremidade do continente 4 outra. Esses efeitos sdo inteiramente devidos, ou pelo menos em gran- de parte, & instabilidade e 8 injustiga de que um espirito de facgo man- chou a nossa administragio publica, Entendo por face uma reuniio de cidadios, quer formem a maioria ou a minoria do todo, uma vez que sejam unidos e dirigidos pelo impulso de uma paixao ou interesse con- ttirio 0s direitos dos outros cidadios, ow ao interesse constante ¢ geral da sociedade* H4 dois métodos de evitar as desgragas da facgdo: ou prevenit- Ihe as causas, ou corrigir-Ihe os efeitos. Os métodos de prevenir as causas das faegdes so igualmente dois: o primeiro, destruir a liberdade essencial & sua exist8ncia; 0 se- gundo, dar a todos os cidadios as mesmas opinides, as mesmas pai- xxBes © os mesmos interesses. primeiro remédio pior que o mal. f certo que a liberdade é para a facgo 0 mesmo que 0 ar € para 0 fogo ~ um alimento, sem 0 qual ela expiraria no mesmo momento; mas seria coisa to insensata destruir a liberdade que é essencial vida politica, s6 porque ela é 0 alimento das faces, como desejar a privagio do ar, s6 porque ele conserva 20 fogo a sua forga destrutiva, "Bas defn asa, porgu fi de feo ¢inseparivel da iia de mine Dizer qe a mooria de soledade poe obra eon ores qua da hens sok i eo so ml ep sr tendo cota os iterossese vont ta mules Log etprine snes gen logo, nao € faced. age ae 0 segundo meio teria tanto de impraticavel, como o primeiro de insetisato. Enquanto a razio do homem nao for infalivel e ele tiver a faculdade de exercité-la, hi de haver diversidade de opinides; e, en- quanto existirem relagdes entre a sua razio € 0 seu amor préprio, as suas opinides as suas paixGes hilo de ter umas sobre as outras uma influéncia reciproca. ‘A diversidade de faculdades nos homens, que é a origem dos direitos de propriedade, é um obstéculo igualmente invenetvel & unifor- midade dos interesses. A protegao dessas faculdades € primeiro fim do governo, Da protegio das faculdades desiguais, de que resulta a aquisi- (0, resulta imediatamente a desigualdade na extensdo ena natureza da propriedade; da sua influéneia sobre os sentimentos ¢ sobre as opinioes dos proprictirios resulta a divisiio da sociedade em diferentes interes- ses e em diferentes partidos, Assim, a natureza humana encerra germens escondidos de fac~ g6es; e nds os vemos desenvolver-se com diferentes graus de ativida- de, segundo as diferentes combinagdes das sociedades humanas, 0 zelo por opinives diferentes em objetos de religido, de gover- no, de especulagao ou de pritica — a afeigdo a chefes cuja ambicao disputa a preeminéncia ou 0 poder, ou a outras pessoas cuja fortuna {nteressa s paixdes humanas, tém formado continuamente partidos entre os homens; t8m excitado neles animosidades reciprocas; tém- nos disposto a atormentar-se e a perseguit-se uns aos outros, em vez de trabalharem de mfos dadas na sua prosperidade comum. (Os homens sio arrastados por uma inclinagio tio poderosa a animosidades recfprocas que, quando eles nio tém ocasiBes importan- tes para exercité-las, as distingSes as mais frfvolas e as mais extrava~ ‘gantes tm bastado para acordar paixOes inimigas e para fazer nascer violentos combates. Mas a causa que mais comumente tem dado lugar a0 nascimen- to das facgdes tem sempre sido a desigual distribuigiio das proprieda- des. Os interesses dos proprietérios t&m sempre sido diferentes inte- resses daqucles que o nfo sfio. Uma linha de demarcagao semelhante separa igualmente os devedores dos credores. E de necessidade que entre as nagdes civilizadas se formem in- teresses de agricultura, interesses de manufaturas, interesses de co- mércio, interesses capitalistas e outros menos importantes que dividem a sociedade em diferentes classes com vistns e sentimentos diferentes. 61 62 HAMILTON, MADISON E IAT fim principal da legislagiio modema deve ser o de submeter a regras certas esta multidio de interesses opostos; e o espitito de parti- do e de facgio deve entrar sempre no célculo das operagées ordinatias © necessérias do governo. Nio ¢ possivel que um homem seja juiz na sua prépria causa, Porque o seu interesse influiria de certo sobre o seu juizo e corrompe- tia talvez a sua integridade Pela mesma e talvez mais forte raz2o, nfo deveria uma assembléia de homens ser ao mesmo tempo parte e juz; mas os atos, os mais impor- antes da legislagio, que outra cousa so sengo jutzos pronunciados no S80 sobre 0s direitos de um individuo, mas sobre os de uma grande parte dos cidaddos? Que outra coisa siio os legisladores de todas as classes senido advogados e partes em todas as coisas que julgam? ‘Trata-se de uma lei particular sobre dividas? Os credores de um Jado ¢ os devedores do outro so partes interessadas na demanda, A balanga da justiga nfio deve pender para nenhuma das partes; ‘mas estas partes so a0 mesmo tempo juizes, e deve esperar-se que a vitGria se declare pelo partido mais numeroso, ou, por outtas palavras, pela faced mais poderosa. As manufaturas nacionais devem ser protegidas; mas até que pponto devem elas sé-lo a custa das manufaturas estrangeiras pela proi- bigdo das suas mercadorias? As questoes desse género so decididas de maneira muito diferente pelos proprietarios de fundos e pelos fabri- ‘cantes, ¢ provavelmente nem uns nem outros terlio por tnico fim das suas decisées a justiga e o bem piblico. Nada parece exigir tio rigorosa imparcialidade como a reparti- ¢8o dos tributos sobre os diferentes géneros de propriedades e, contu- do, nao hé fungtio alguma do Poder Legislativo que dé aos membros do partido dominante mais tentagdes nem mais meios de violar as regras da justica. Cada schelting com que eles auumentarem a quota do partido inferior produziré na sua uma diminuigo proporcional. Nada obsta dizer que os homens de Estado sabem concordar esses interesses opostos e faz8-los subservientes ao bem comum. Nem sempre o leme do Estado é dirigido por homens hébeis; muitas ocasides hha em que os partidos diferentes ndo podem concertar-se sem fazer entrar nas suas vistas consideragdes indiretas e apartadas, e muitas ‘vezes 0 interesse imediato faz obrar um partido em desprezo dos direi- tos de outrem e do interesse geral. oveDERALISTA Concluamos que nao é possivel prevenie todas as causas de fac- es e que nao resta outro remédio que de corrigir-Ihes os efeitos. ‘Quando uma facgio niio compreende a maioria, o remédio existe no mesmo prinefpio do govemo republicano que dé & maioria os meios de destruir projetos sinistros da facgZio por uma votagio regular. Pode talvez o partido faccioso embaragar a administragio, pode fazer tremer 0 Estado; mas nfo pOde executar nem cobrir as suas vio- Ieneias com formas constitucionais. Mas, quando a maioria toma parte numa facgio, a forma do governo popular pode dar-Ihe 0s meios de sactificar &s suas paixes ou 40s seus interesses 0 bem priblico ¢ os direitos dos outros cidadios. Defender 0 bem pablico e os direitos individuais dos perigos de {al facgfo, ficando salvo em todo 0 caso 0 espitito e a forma do gover- ‘no popular, deve ser principal objeto das nossas indagages, ¢ esta condigio, sine qua non, €a tnica que pode vingar esta forma de gover- no do desprezo em que tinha cabido e assegurar-Ihe a estima ¢ a adogi0 do género humano, Quais serio, porém, os meios de obter esse fim? E evidente que ‘no ha seni 05 dois que se seguem: ou prevenir na maioria a comuni- dade de paixdes e de interesses, ov, se 0s homens que a compdem jé se acham unidos por essa comunidade de interesses © de paixdes, servis se do seu nimero e da sua situagto local para embaracé-los de concer- tar, com esperanga de éxito, planos de opressio. Se se deixar coincidir a oportunidade com 0 impulso ~ por ou- ‘tas palavras, a causa remota com a ocasional -, 6 preciso perder toda esperanga de opor-thes com proveito os socorros da religitio e da mo ral; porque estes socorros sto sem efeito contra as violéncias ¢ injust ‘gas dos individuos © perdem de eficdcia & proporgio do numero de pessoas reunidas sobre que obram, isto é, & proporgio das causas, que tomam a sua eficéicia mais necessétia, ‘ Da simples enunciagio do que acabamos de dizer se conclu que uma pura democracia, composta de um pequeno ntimero de cidados, ue se resnem todos ¢ governam por si mesmos, nio admite remédio contra as desgragas da facgao, A maioria terd, em quase todos 0s casos, paixdcs ¢ interesses comuns: as formas do govemno tratdio necessariamente consigo comu- nicago © concerto, e nacla poder teprimir 0 desejo de sacrificar 0 partido mais fraco ou o, individuo que nfio se puder defender. 63 64 Eis por que as democracias desse género tém sempre oferecido © espeticulo da dissensio e da desordem; porque esta forma de gover- no € incompativel com a seguranga pessoal e com a conservagao dos direitos de propriedade, © porque os Estados assim governados tém geralmente tido existéncia to curta e morrido mozte violenta, Os politicos especulativos, que tém sustentado essa espécie de govemno, tém discorrido sobre 0 i falssfssimo de que a perfeita igualdade de direitos politicos pode trazer consigo igualdade de propri- edades, de opinies e de paixdes. Uma repiblica, quero dizer, um governo representativo, oferece um ponto de vista diferente e promete o remédio que se deseja. Exami- nemns as suas diferengas com relago a uma pura democracia e com Preenderemos ao mesmo tempo a natureza do remédio proposto e a eficdcia que ele deve tirar da Uniao, A repiblica aparta-se da democracia em dois pontos essenciais: niio s6 a primeira é mais vasta e muito maior o niimero de cidadios, ‘mas os poderes sdo nela delegados a um pequeno niimero de individu- 08 que © povo escolhe. O feito dessa segunda diferenga & de depurar e argumentar 0 espitito piblico, fazendo-o passar para um corpo escolhido de cida- «os, cuja prudéncia saber distinguir © verdadeiro interesse da sua patria e que, pelo seu patriotismo e amor da justiga, estardio mais longe de o sactificar a consideragées momentaneas ou parciai Num tal governo € mais possfvel que a vontade publica, expres- sa pelos representantes do povo, esteja em harmonia com o interesse puiblico do que no caso de ser ela expressa pelo povo mesmo, reunido para esse fim, preciso, contudo, no se esquecer de que o resultado pode ser, fem alguns casos, inteiramente contrério. Homens de cardter faccioso, cheios de prejuizos, filhos de circunstincias locais ou de projetos sinis- ‘ros, podem, por intriga, por corrupedo e por outros meios ainda, obter ‘0s votos do povo e atraigoar-the depois os interesses. Reduz-se, pois, a uestiio em saber se a grandeza ou pequenez das replicas é mais favo- rel 8 eleigdo dos melhores defensores do bem piblico: duas considera- ‘Bes sem resposta fazer que a decisio seja a favor da primeira. Por pouco extensa que seja uma repiblica, cumpre que os seus representantes sejam em mimero tio elevado que nao haja perigo de virem a ser governados pelas intrigas de poucos e, por muito vasta que seja, ndo devem ser tio numerosos que possa nascer a confusio insepardvel da multidao, Logo, visto que em ambos 0s casos o ntimero dos representan- tes nfio segue o dos constituintes, mas é proporcionalmente maior nas repiblicas pequenas, segue-se que, se os talentos ¢ as virtudes estio igualmente distribuidos nestas e nas maiores, haverd nas segundas maior nnimero de pessoas elegiveis e, por conseguinte, maior possibilidade de fazer uma boa escolha. Em segundo lugar, como cada representante ha de ser escolhido por maior nimero de cidadaos nas repuiblicas maiores que nas peque- nas, no sera naquelas to facil que candidatos sem merecimento pos- sam empregar, com boa esperanya de resultado, os culpavels artificios que influem tantas vezes nas eleigdes; e os votos do povo, sendo mais livres, recatartio com mais probabilidade em pessoas de merecimento conhecido e de cardter geralmente estimado, Confessemos, todavia, que nisto, como em tudo ha um meio- termo de que se niio pode sair sem grandes inconvenientes. Aumentan- do-se demasiadamente 0 mimero dos eleitores, os representantes que eles nomearem serio pouco instrufdos de suas circunstncias locais e dos seus interesses particulares; diminuindo-se demais, ficardo os re- presentantes em dependéncia muito imediata de quem os elege e nia poderiio 0s eleitores, por muito ocupados, reconhecer 0 interesse geral dda nagiio e conformar-se com ele na eleigio que fizerem, A combinagio que oferece a esse respeito 0 governo federativo € a mais feliz de todas as que se podem imaginar: os interesses ger io contfiados & legistatura nacional; os particulares e locais, aos legi ladores dos Estados. Outra circunstdncia que favorece mais as repsblicas federativas que as democracias é que as primeiras podem compreender maior ni- mero de cidadios e um territério mais vasto que as tiltimas; e € pre samente esta circunstineia que toma os planos dos facciasos menos temiveis naquelas. Quanto menos extensa é uma sociedade, tanto menor é 0 niimero dos partidos e tanto menos diferentes sao os interesses; e quanto menor € 0 ntimero dos interesses e dos partidos, tanto mais facilmente o-mesmo partido pode reunir maioria: ora, quanto menor & o ntimero de individuos de que se compie a maioria, tanto menor € 0 circulo que a encerra e tanto mais facilmente ela pode concertar e executar planos de opressio. 65 66 HAMILTON, MADISON & JAY O contrério deve acontecer quando se estende a esfera da maio- ria: neste caso, eresce a variedade dos partidos e dos interesses dife- renles; 0 perigo de que a maioria tentia um motivo comum para violar 08 direitos dos outros cidadios é menos iminente; ou, se esse motivo existe, é mais dificil iqueles, sobre os quais ele pode influir, conhecer a sua propria forga ¢ obrar de concerto, ‘Ainda quando para isso nfo houvesse outro obstéculo, é eviden- te que, onde quer que existir a consciéncia de um projeto injusto e contrétio aos prinefpios da honra, a comunicagao é sempre reprimida pela desconfianga, & proporgo do nimero de pessoas cuja concorrén- cia & necesséria para a execngio do projeto, Daqui resulta, com evidéncia, que a mesma vantagem que tem uma repUblica federativa sobre uma democracia para comrigir 0 efeito das facgdes tem uma repiblica maior sobre outra repiiblica menor, ov uma uniaio de repiblicas sobre os Estados que a compdem. Com efeito, se essa vantagem consiste numa escolha de repre- sentantes, que as suas luzes ¢ virtudes tornam superiores a preven- Ges das localidades e aos planos da injustiga, ndio se pode negar que 0 conselho da Unio nfo seja mais favoravelmente organizado para reu- nir essas qualidades; e se consiste na maior seguranca que maior quan- tidade de partidos diferentes deve inspirar contra a possibilidade de ver um deles oprimir o resto da sociedade pela superioridade do niimero, a multidio de partidos diferentes, que a Unido encerra, deve aumentar essa seguranga, ainda por esse lado. Finalmente, querendo-se considerar 0 objeto pelo lado dos malo- res obstiiculos opostos a0 concerto e execucao dos planos de uma raioria injusta e interessada, as maiores vantagens esto ainda do lado da Uniio, de maneira palpavel. ‘A influéncia dos chefes facciosos pode, talvez, acender 0 fogo dda discérdia nos seus Estados particulares, mas nunca ocasionar um ineéndio geral nos outros; uma seita religiosa pode muito bem degene- rar em facgtio politica em uma parte da Confederagfo, mas a variedade de seitas espalhadas na superficie total poe 0 conselho nacional a salvo de todo o perigo a esse respeito; 0 furor pelo estabelecimento do papel- ‘moeda, pela aboligfio das dividas, pela divisio das propriedades, ou ‘outzo projeto igualmente absurdo e desastroso pode mais facilmente invadir um dos membros isolados do que 0 corpo inteiro da Uniio, do mesmo modo que uma moléstia dessa natureza pode mais facilmente infetar um condado ou um distrito do que a totalidade de um Estado. Assim, aextensio ea sabia organizagao da Unido oferecem-nos, contra os males a que esta sujeito de ordindrio um governo republica- no, um remédio tirado da propria natureza desée governo, e, portanto, quanto maior é a satisfacao e 0 orgulho que deve inspirar-nos 0 nome de republicanos, tanto maior deve ser 0 zelo com que devemos susten- tar ¢ conservar 0 titulo de confederads. 67 Capitulo 12 UTILIDADE DA UNIAO EM RELAGAO AS FINANGAS O: efeitos da Unido sobre a prosperidade do comércio fica- ram suficientemente desenvolvidos nos capftulos antece- ddentes; cumpre que nos ocupemos agora da sua utilidade em relagao as, finangas, A prosperidade do comércio é atualmente considerada, por to- dos os estadistas ilustrados, como mais preciosa e a mais fecunda origem da riqueza das nagées, e € por isso que todos eles t€m feito do comércio o principal objeto dos seus cuidados politicos. ‘Moltiplicando os meios de satisfazer necessidades — facilitando 1 introdugo e a circulagio dos metais preciosos, objeto favorito da avareza 0 dos egos dos homens -, 0 comércio vivifica e consolida todos os canais da indistria e conserva ao mesmo tempo a atividade «a abundancia. ‘Onegociante ass(duo, 0 fazendeiro laborioso, o operitio diligen- te © 0 fabricante industrioso, todos se animam com um ardor e com uma alegria nova quando pensam na doce recompensa do seu trabalho, A questo, tantas vezes agitada, da superioridade do comércio sobre a agricultura esté hoje decidida pela sentenga inapeldvel da expe- rigncia: cessou a sua rivalidade e é hoje reconhecido que os interesses de ambas no podem ser separados. Esté provado pela experiéncia de diferentes paises que a terra aumenta de valor & proporgiio da prospe- ridade do comércio, E como seria de outra mancira? O comércio ~ que facilita a ‘venda das produgdes da terra, que dé a quem a cultiva novos motivos de ardor —, que & 0 mais poderoso meio de aumentar num pats a soma do numeririo — que favorece to claramente a atividade e todo 0 género de inchistria ~ podia porventura deixar de aumentar 0 valor da terra, don- HAMILTON, MADISON B JAY de saem todos os objetos sobre que a industria se exercita? Custa a erer que uma verdade tio simples tenha encontrado adversérios, ¢ esta tnica prova, para nfo falar em mil outras, basta para fazer ver até que ponto ‘uma desconfianga pouco ilustrada ou abstragdes sutis e metafisicas em. demasia podem desviar os homens do caminho da evidencia e da razio. ‘A facilidade do pagamento dos tributos & sempre, em grande parte, proporcional & quantidade de dinheiro em circulagao e a celeridade com que ele circula: ora, 0 comércio, que preenche esses dois objetos, deve facilitar a percepgio dos impostos e procurar no tesouro puiblico 68 socorros que Ihe so necessérios. Os Estados hereditérios austriacos compreendem um pats exten 80 ¢ férti, povoado e cultivado, situado, em grande parte, em um clima doce e produtivo. Algumas das suas provineias tém ax melhores minas de ouro e prata da Europa, mas falta-Ihes a influéncia vivificante do co- inércio e, por isso, fracos so os recursos que soberanio de Ia tira Mais de uma vez tem ele pedido a outras nagdes socorros pecuniérios para poder sustentar os mais essenciais dos seus direitos, ¢, reduzido as suas proprias forgas, nao pode sustentar longo tempo a guerra. ‘Nao 6 somente poreste lado, porém, que a Unido pode favorecer 4 prosperidade das finangas; hd outros pontos de vista, debaixo dos ‘quais a sua influéncia parecer mais imediata e mais evidente, Quem ‘quiser atender com ponderagao ao Estado do pais, aos hdbitos do povo ¢, sobretudo, & experiéncia, ficaré convencido de que por meio de tri- butos diretos nao € possivel ajuntar grandes somas. ‘Tem-se multiplicado debalde as leis fiscais, tém-se tentado no- yos métodos de segurar as cobrangas, mas a esperanga piblica tem sido constantemente enganada; o tesouro nacional tem ficado constan- temente vazio, O sistema de administragdo inerente & natureza do governo po- pular ~a raridade do numerério ocasionada pelo Estado de languidez ¢ de interrupgso do comércio — tem feito falhar todas as tentativas para a textensio dos impostos e tem demonstrado as diferentes legislaturas a Joucura de renové-tas. ‘Quem sabe 0 que se passa nos outros pafses niio pode acmirar- " se disso. A Inglaterra é uma nagdo opulenta e, pela superioridade dus suas riquezas e forga do seu governo, nenhuma outra estaria mais em estado de suportar impostos diretos e mesmo de artecadli-lus, 10 OFEDERALISTA ‘obstante isso, a maior parte das rendas nacionais provém de impostos indiretos, de alfandegas, de sizas ¢ em grande parte de direitos sobre as importagies. Na América evidente que as nossas rendas hio de ser longo tempo fundadas sobre direitos dessa natureza. Em muitas partes as sisas (excises) reduzem-se a pouca coisa; nem é possivel que o cardter do povo se acomode com 0 que esta qualidade de tributos tem de inguisitivo e de arbitrévo, Quanto aos fazendeiros, poucos socorros se podem esperar de- les, se Ihes impuserem tributos sobre as terras e casas que possuftem; ¢ pelo que diz respeito aos capitalistas, cuja propriedade € to invistvel € fio precétia, nko é possivel fazé-los contribuir senéo por meio de tributos sobre o consumo, Se as observagées que ficamn expostas nao sto sem fundamento, aquele Estado de coisas que mais puder concorrer para aperfeigoar e estender este precioso recurso ser o mais favordivel & nossa prosperi- dade politica, ¢ nfo 6 possivel ver-Ihe tomar consisténcia sentio dando- Ihe por base a Unido. Se ela tende a favorecer os interesses do coméicio, deve por ‘sso mesmo tender ao aumento das rendas. Contribuindo para fazer ais simples e eficazes 03 regulamentos para a arrecadago dos im- postos, a Unio procuraré ao mesmo tempo duas vantagens: tornard tnais produtiva a mesma soma de impostos e dard ao governo os meios de aumenté-la sem prejudicar 0 comércio. A situagio relativa dos Estados — 0 ntimero de rios que regam os seus territérios e de bafas que o mar forma ao longo das suas costas —, a facilidade de comunicagées em todos os sentidos ~ a semelhanea de lingua e de costumes -, a familiaridade que resulta de um comércio habitual, tudo isto concotreria para facilitar um cométcio ilfcito entre (05 Estados e daria meios de iludir os regulamentos comerciais que eles entre si contratassem. Os Estados ou as Confederagoes separadas, animadas de um cidme reciproco, yer-se-iam na preciso de prevenir as tentativas de especulagdes desse género pela mediocridade dos seus direitos, porque ‘natureza do nosso governo no nos permitira tao cedo essas precau- §06s rigorosas com que os Estados da Europa guardam todas as entra- das do seu territorio, tanto por mar como por terra, ¢ que muitas vezes 1120 opdem sendo importantes obstaculos aos estratagemas da cobica. 1 8 SEL MADISON EJAY A Franga paga um exército de empregados (no menos de 20 mil, segundo o céleulo de Necker), constantemente ocupados em manter as leis fiscais contra os ataques dos contrabandistas. Isso mostra a imensa dificuldade de embaragar 0 comércio clan- destino nos paises em que as comunicagées so por terra, e mostra, além disso, com evidencia, 05 inconvenientes que traria consigo a arre- cadagio dos direitos entre nés, se 0s Estados, desunindo-se, se achas- sem um dia entre si nas mesmas relagdes que a Franga se acha com os paises vizinhos. O poder arbitrério e vexat6rio de que os empregados das alfindegas seriam necessatiamente investidos nao podia deixar de ser coisa insuportavel num pais livre, elo contratio, se os Estados se conservarem unidos debaixo de lum s6 governo, niio teremos que guardar, relativamente & maior parte do nosso comércio, sendo a costa do mar Atlantico. Os navios vindos de paises estrangeiros com carregagbes precio- Sas, raras vezes se exporio aos perigos muito reais, que devem resultar das suas tentativas para descarregar antes de entrarem nos nossos por- tos, porque tero que recear os perigos da costa ¢ 0 de serem desco- bertos antes ou depois da sua chegada ao lugar do seu destino final. Basta um grau ordinario de vigilancia para prevenir a defrauda- ‘lo dos direitos. Um pequeno nimero de vasos armados, conveniente- mente colocados & entrada dos nossos portos, poderdo com pouca despesa vigiar na execugao das Ieis; e como 0 governo deve ter por toda a parte o mesmo interesse em prevenir que sejam violadas, coope- rando todos us Estados para 0 mesmo fim, teré poderosos meios para consegui-lo. Além de todas essas vantagens, hd ainda uma, que a natureza nos oferece, que perderfamos separados ¢ que conservarfamos uni- dos. Os Estados Unidos estdo a grande distancia da Europa e de todos 6s paises com que podem ter extensas relagdes comerciais. A comunicagao entre nés e eles no pode ser, como entre Ingla- terra e Franga, negécio de algumas horas ou de uma noite somente, E tum grande motivo de seguranga contra o contrabando indireto dos pa- {ses estrangeiros; mas um contrabando indireto com um dos Estados por meio de outro Estado vizinho seria coisa tio fil como segura, Nao é preciso grande discernimento para sentir a diferenca entre uma importagio direta de fora e uma importagio por meio dos Estados vizinhos, e que se poderia fazer por pequenas partidas, aproveitando 2 OFEDERALISTA momentos ¢ as ocesites favoraveis e com a facilidade das comunic: (es por terra Fica, pois, bem demonstrado que um governo nacional poder4, com muito menos gastos, impor sobre as importagées direitos muito mais fortes que os Estados separados ou Confederagées parciais. Creio que se pode assegurar com confianga que esses direitos, luns anos por outros, nfo tém passado, em nenhum dos Estados, de trés por cento, quando em Franga andam por quinze por cento e em Inglaterra sobem a muito mais ‘No nosso pafs niio haveria inconveniente em elevé-los ao triplo do qne atualmente se paga. Sé o artigo bebidas espirituosas farta um amo muito considcrével de rendas; porque, a julgar pela importacio deste, Estado de Nova Iorque, pode calcular-se 0 consumo total dos Estados Unidos, a niio querer ser excessivo, em coisa de 4 milhdes de galdes, que dariam um produto de 200 mil libras esterlinas, a razio de tum sckelling por galio Esse artigo poderia, sem diivida, pagar de direitos nove por cen- to; porque ainda quando daqui se seguisse diminuigao no consumo, tanto melhor para a agricultura, para a economia, para os costumes ¢ para a saiide, Nao ha talvez objeto em que a nagio tenha levado a extravagincia tio longe. E que acontecera se ns no nos pudermos assegurar este recur- 50 em toda a sua extensiio? Uma nagio nao pode existir longo tempo sem rendas. Sem esse apoio essencial, ndlo & possivel sustentar a sua inde- pendéncla ou passar da condicao subaltema de provincia particular. Seja, Portanto, qualquer que for o Estado das coisas, é preciso que haja ren- 4das; mas no nosso pafs, se a maior parte do peso dos tributos no recair sobre © comércio, ndo testa outro recurso sen as terras J6 vimos a respeito da sua (excise) que esse tributo, na sua ver- dadeira significagao, esté tio pouco em harmonia com as disposigdes do povo que niio pode fazer-se dele grande emprego; nem mesmo nos Estados unicamente agricolas, os objetos sobre que ele poderia recair seriam assaz numerosos para fornecer uma soma de alguma conside- ragio. Quanto & propriedade mével, também jf fica dito que nao é ppossfvel obrar sobre ela sento por meio de direitos sobre 0 consumo, Nas cidades populosas a sisa nio teria provavelmente outro efei- {to que ode oprimir os individuos, sem aliviar o Estado; porque a maior parte dos géneros que devessem pagé-la escapariam aos olhos e as mos dos coletores, 19 80 SEMILTON, MADISON E JAY_ Como, porém, de maneira ou de outra, é preciso que as necessi- dlades do Estado sejam satisfeitas, a falta de outros recursos faré recair sobre as propriedades iméveis todo o peso das despesas piiblicas; e Como © governo nao poderé nunca obter os socorros de que precisa sem que todas as fontes de rendas pablicas estejam a sua disposi as finangas, achando-se sempre tollidas, no poderdo procurar-lhe nem consideragio nem seguranga, Dessa maneira, ainda com a riqueza do tesouro piblico, néo teremos motivos de consolar-nos da opressio exercitada sobre essa Preciosa classe de cidadaos ocupada da agricultura ‘As desgracas pliblicas e particulaees caminham scipre na mes- ‘ma linha, com harmonia funesta: umas e outras se unem para nos fazer deplorar a inconsideragio dos conselhos com que se pretende levar- 105 a desunifio. 298 Capitulo 47 EXAME E EXPLICACAO DO PRINC{PIO DA SEPARACAO DOS PODERES Dz de ter examinado a forma geral do governo proposto © a massa geral de poder que Ihe compete, sepue-se 0 exa. ime da sua organizagdo particular e da dstribuiglo dessa massa de po- der pelas diferentes partes de que 0 dito govemo se compée. tier Meende-s® & Constituigio proposta 2 infagso do principio politico que exige a separagio e distingio dos Poderes Legist: cutivo € Judicisrio, Sporn alle Essa precaugdo, to essencial 2 liberdade (dizem), foi inteira- mente desprezada na organizagio do Governo Federal, onde os dife. Tentes poderes se acham distribuidos ¢ confundidos com tal exclusi confundidos com tal exch ciais ficam expostas a serem esmagadas iagadas pelo peso desproporcior de algumas outras Bae 'Nio hé verdade politica de maior valor intrfnseco, ou escorada or melhores autoridades, do que aquela em que essa objegao se funda; ‘acumulagio dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciério nas mos de umm $6 individuo, ou de uma s6 corporagio, seja por efeito de con. 4Quista ou de eleigo, constitui necessariamente a tirania. Portanto, se & Constituigao proposta se pode fazer a objegaio de acumular assim os poderes ou de os misturar de maneira que possa vir 4 resultar essa acumulagio, é preciso rejeité-la sem mais exame; mas muito enganado estou eu se deste capitulo nfo resultar prova completa de que a acusagao é sem funcdamento e de que o principio que Ihe serve de base foi mal entendido e ainda pior aplicado. Examiineaus primeiro em que sentido 6 essencial a liberdade a separagiio dos trés poderes principais. _OFEDERALISTA © oriculo sempre consultado ¢ sempre citado nessa matéria & Montesquieu. Se ele niio & autor do inestimavel preceito de que falamos, pelo menos foi ele quem melhor o desenvolveu e quem o recomendou de ‘uma maneira mais efetiva a atengdo do género humano, Comecemas por determinar o sentido que a ele se liga, A Constituigao inglesa era para Montesquieu 0 que é Homero para todos os escritores didaticos sobre poesia épica. Do mesmo modo que os poemas do cantor de Tria tém sido para os ditimos 0 modelo por exceléncia, de onde devem partir todos 6s princfpios e todas as obras do mesmo género devem ser julgaé assim 0 escritor francés tinha encarado a Constituigao inglesa como 0 verdadeiro tipo da liberdade politica, ¢ nos deu, na forma de verdades elementares, os prinefpios caracteristicos desse sistema particular; portanto, para termos toda a certeza de nio nos enganarmos no verda- eiro sentido do principio que ele estabeleceu, vamos procuré-lo na propria origem de onde ele o tirou. © mais ligeiro exame da Constituigao inglesa nos deixard con- vencidos de que os trés poderes ~ Legislativo, Executivo e Judiciério— no se acham nela inteiramente distintos e separados. A magistratura executiva forma parte constituinte do Poder Legislativo, A prerrogativa de fazer tratados pertence exclusivamente ao pri- metro poder; porque todos os que tizer, salvas pequenas excecdes, ficam tendo forga de atos legislativos. Por ele sio também nomeados todos os membros da judicatura; por ele podem ser privados dos seus oficios, mediante uma mensagem das duas cimaras do parlamento; e, quando Ihe apraz consulti-los, les forma um dos seus conselhos constitucionais, ‘Uma das cimaras do corpo legislativo é ainda um dos conselhos constitucionais do Executivo e do Poder Judiciério, em caso de impeachment, ele 0 Gnico depositério; ¢ em todos os outros casos ‘g07a de jurisdigo suprema em caso de apelacio. Por outra parte, os juizes estio tio estreitamente unidos com 0 corpo legislativo, que muitas vezes assistem e toram parte nas suas eliberagdes embora em ttimo resultado nao tenham voto deliberativo, Portanto, visto que estes fatos forum 0 norte de Montesquieu para estabelecer 0 principio de que se trata, podemos concluir que, quando ele estabeleceu “que nfo hé liberdade todas as vezes que a 299 q 300 HAMILTON, MADISON E JAY mesma pessoa ou a mesma corporago legisla e executa ao mesmo tempo, ou por outras palavras, quando © poder de julgar no esté bem distinto e separado do Legislativo e Executivo”, nfo quis proscrever toda ‘ago parcial, ou toda a influéncia dos diferentes poderes uns sobre os outros; 0 que quis dizer, segundo se colige das suas expressdes, ¢ ainda melhor dos exemplos que Ihe serviram de regra, foi que, quando dois ‘poderes, em toda a sua plenitude, se acham concentradas numa s6 mao, tados os principios de um governo livre ficam subvertidos. ‘Tal seria realmente 0 caso na Constituigao que ele examina, se 0 rei, que € 0 tinico magistrado executivo, possutsse todo o Poder Legislativo, ou a suprema administragio da justiga; ou se 0 corpo legislativo exercitasse ao mesmo tempo a suprema autoridade judicidria © 0 supremo Poder Executivo. Esse vicio, porém, nfio existe na Constituigao inglesa. Se orei goza do “veto” sobre todas as leis, por si no pode fazer nenhuma; e se Ihe compete a nomeagao dos que administram justiga, no pode por si mesmo administré-la, Do mesmo modo, ainda que os juizes sejam delegados do Poder Executivo, nao executam funedo alguma executiva; e posto que pos- sam ser consultados pelo corpo legislativo, também niio tomam parte em fung&o alguma legislativa. Tgualmente, ainda que dois dos membros da legislatura possam, reunidos, privar os jufzes dos seus oficios, e que mesmo um dos trés goze do Poder Judicisrio em ditima apelaydv, nem por issu a legislate inteira pode fazer atos, um s6 que seja, judiciérios, Finalmente, ainda que num dos membros da legislatura (o rei) resida o supremo Poder Executivo, e que outro, em caso de impeachment, possa julgar © con- denar todos os agentes subordinados ao Poder Executivo, nem por isso o corpo legislativo inteiro pode exercitar fungio alguma executiva As razes em que Montesquieu funda o seu principio sao uma nova prova do sentido que ele quer dar-Ihe, “Quando na mesma pes- soa, diz ele, ou no mesmo corpo de magistratura 0 Poder Legislativo esti reunido ao Poder Executivo, nfo pode haver liberdade porque pode temer-se que 0 monarea ou o Senado faga leis tirdnicas para tiranica- ‘mente executé-tas.” B, em outra parte acrescenta: “Se o poder de julgar estivesse unido a0 Poder Legislativo, o poder sobre a vida ¢ liberdade dos cidadios seria arhiteérin, porque o jnir seria legislador;e se 0 poder de julgarestivesse unido ao Executivo, 0 juiz poderia ter toda a forga de OFEDERALISTA ‘um opressor.” Algumas dessas razdes acham-se mais particularmente desenvolvidas noutras passagens, mas por coneisas que sejam aquelas de que nos servimos, bastam para determinar o sentido da célebre méxima do publicista francés. ‘Se formos a examinar as Constituigdes dos diferentes Estados, acharemos que, nio obstante a maneira empética e absoluta porque este axioma se acha nelas estabelecido, nfo hé, contudo, uma s6 em ‘que os diferentes poderes estejam inteiramente distintos e separados. New-Hampshire, cuja Constituigdo foi a tltima que se formou, parece ter completamente sentido a impossibitidade, e mesmo a inconvenién- cia, de evitar toda a mistura nos poderes: e por isso apenas se conten tou de declarar: “Que os Poderes Legislative, Executivo e Judiciério devem set tio independentes ¢ separados uns dos outros, quanto 0 permite a natureza de um governo livre ou quanto € compativel com a cadeia que deve unir em um ‘lago indissolivel de unidade e de amizade todas as partes da Constituigio,” J& por aqui se vé que a Constituigao de New-Hampshire mistura a alguns respeitos 0s diferentes poderes: © com efeito, 0 Senado, que é membro do corpo legislativo, também é tribunal de justiga em caso de impeachment; 0 presidente, que & 0 de- positério supremo do Poder Executivo, também é presidente do Sena- do, € 0 seu voto, que nos casos ordindrios vale tanto como outro qual- ‘quer, é decisivo em todos os casos de empate: 0 chefe do Poder Exe~ cativo é cleito anualmente pelos membros do corpo legislativo © de entre cles; ¢ finalmente, alguns oficiais do Estado si também nomea- dos pela legislatura ¢ os jufzes 0 sio-no pelo Poder Executivo. ‘A Constituigio de Massachusetts também exprimiu esta disposi- glo essencial liberdade com suficiente reserva, ainda que talvez com ‘menos precisio. “O corpo legislativo, diz ela, ndlo exercitard jamais os Poderes Executivo e Judiciério ou um dos dois; o magistrado execut vo nio exercitaré jamais os Poderes Legislativo e Judiciério ou um dos dois; 0s jufzes nfo executardo jamais 03 Poderes Legislativo e Executi- yo ou um dos dois.” Esta declaragio concorda perfeitamente com a doutrina de Montesquieu, tal como acaba de ser explicada, e com 0 plano da Convengao. Tudo quanto ela exige € que um dos poderes no exercite completamente as atribuigdes do outro e, de fato, a Constitui~ ‘¢fo, Atesta da qual ela se acha, admite a mistura parcial deles. O magis~ frado executivo goza do veto sobre as decisées do corpo legislative, posto que com certas limitagées, eo Senado, que faz parte da legislatura, 301 302 HAMILTON, MADISON EJAY também ¢ tribunal, em caso de impeachment, para os agentes do Poder Executivo e para os jutzes. Os juizes sio nomeados pelo Poder Execu, tivo, que, do mesmo modo que na Inglaterra, pode privé-los dos seus pimpregos, mediante uma mensagem das duas cémaras do corpo legislativo; ¢ este titimo nomeia todos os anos um certo nimero Ue égentes do governo. Portanto, como a nomeagio dos empregos, so bretudo dos do Poder Executivo, & uma fungdo executiva, claro est ue, fo menos nessa circumstancia, a regra estabelecida petos redato- res da Constitigio foi infringida pox cles mesmos, Passarei em siléncio as Constituigdes de Rhode-Island ¢ de Connecticut, por terem sido formadas antes da revolugdo ¢ mesmo Porque, na época da sua formagio, o principio que vamos examinando ainda no era objeto de discussio politica, A Constituigdo de Nova Torque nao contém declaragiio a este {Espeito, mas bem se vé, pela sua organizaco, que quem a redigiu nto fechou os olhos aos perigos da imprudente confusio de poderes, nko bstante isso, dé ao magistrado executivo, assim como aos jutzes, um Certo grau de autoridade sobre 0s atos do corpo legislativo, ¢ refine os depositérios desses dois poderes para o exercfeio da mesma autorida. Ge, No seu conselho de nomeagio, os membros do corpo legislative achan-seassociados a0 Poder Executivo para a nomeacto dos empre. gados executivos ¢ judiciérios; e 0 seu tribnnal para oc casos de impeachment e correcao de erros & composto de um dos ramos da Tegislatura e dos principais membros do compo judicidrio. A Conatita, so de Nova Jersey misturou os diferentes poderes do governo mais do que nenhuma das precedentes. O governador, que ¢ magistrado executivo, € nomeado pela legislatura; & chanceler e goza do titulo de ordindrio ¢ de “sub-rogado” do Estado; finalmente, 6 membro do su. remo tribunal de apelagao e & presidente, com voto decisivo em caso de empate, de uma das camaras do corpo legislativo. Essa mecina ot mart, de que o governador & presidente, constitui com ele o tribunal de apelagio, e serve-Lhe ao mesmo tempo de conselho executivo. Os mem. bros da judicatura so nomeados pelo corpo legislativo, e podem ser Brivados dos seus empregos por uma das eimaras, mediante acusagao da outra, Na Constituigéo da Peusilvania,o presidente, depositcio supre- mo do Poder Executivo, € escolhido anualmente por uma forma de cleigdo em que domina corpo legislativo, Reunido a um conselho OFEDERALISTA executivo,é cle quem nomeia os membros da judicatura e quem forma tribunal de impeachment para julgar todos os empregados executivos € Judicirios. Os jufzes do tribunal supremo e os juizes de paz podem v la legislatura, que em certos também ser privados dos seus oficios pel 1 as0s exercita 0 poder de perdoar, pertencente ao Poder Executivo. Os ‘membros do conselho executivo so ao mesmo tempo jufzes de paz. em todo 0 Estado. fa er Device Wx naga ease anualmente Cotes Executivo, por isso mesmo que se acha citeuneerito em ro s7Paso menos extenso, e por outra parte & de sua natureza imais sim OFEDERALISTA ples — 0 Poder Judiciatio, cujas linhas de demarcagao so ainda menos incertas ~, nao podem formar projetos de usurpagdo que nio sejam no ‘mesmo instante descabertos e transtomados. Ainda no é tudo: como © Poder Legislative €0 nico que pode achar 0 camsinho para as algibeiras do povo, tendo, além disso, em algumas Consttuig6es poder ilimitado, em todas grande influéncia sobre as retrbuigSes pecunidrias dos agen. tes dos outros poderes, daqui a dependéncia em que de necessidade hd de-conservar os ditos poderes, e por consequéncia a facilidade de levar Por diante as suas usurpagées. Invoquei « nossa experiéncia ein apoio da minha opinido; se fos- Se preciso verificé-la com fatos particulares, poderia citi-los sem fim Porque nos registros piblicos e nos arquivos de todos os Estados acharia para escolher. Para prova, porém, igualmente concisa e satisfat6ria, bastard referir um exemplo de dois Estados, atestado por duas autori, dades sem excegto, O primeiro exemplo é 0 da Virginia, que, como dito fica, decla- ol expressamente que os trés principais poderes deviam ser separa- dos. A autoridade que invoco é a de Mr. Jefferson, que, independente- ‘mente da sua perspicécia para observar a marcha do governo, tinha Por sia vantagem de ser o magisirado supremo. Para nada perder das idéias que a experiencia Ihe sugeriu a esse respeito, seri preciso trans- ‘fever aqui por extenso uma passagem, ainda que um pouco longa, da sua interessante obra intitulada “Notes on the state of Virzfnia.”” Todos os poderes do govero, tanto o Legislativo como o Executivo © o Judicdro, ainda que separados de direito, vém a eat de fato nes Ios do corpo legislaivo, A concentraglo dos irks poderes nas mes, mas mos € precisamente a definigto do governo despdtica, Que eles Sejam exereitados por mutes pessoas ou por uma somente importa pouco ou nada; ea primeira hipStee é ainda piorporque 173 déspotas ho de oprimir mais do que um s6; © quem disso poder ter divide, lance os olhos sobre a repibica de Veneza ‘Tampouco pode importar que sejam da nossa escolha agueles que assim exerctam esta promiscuidade de poderes. Nao foi para termos tm “despotism eltivo” que nds pelejamostantas batalhas, as pars ter'um governo no somente fundedo em principios lives, site tal 4que 0s poleres do governoestejam de tal manera divididos¢ eons, balancadas entn os diferentes corpos de magisiray, que nentuey possa transgredir os seus limites legas, sem que os outros efetivan ‘mente oreprimam eo restrnjam. 307 308 HAMILTON, MADISON EJAY E certo que a Convencio estabeleceu 0 governo sobre o principio de que os Poderes Legislativo, Executivo e Judicifrio ficariam de tal mancira distintos e separadas, que nenhuma pessoa pudesse exercitar as fungGes de mais de um deles ao mesmo tempo: ‘mas nenhuma barreira se estabeleceu entre os diferentes poderes." Os agentes judicidrios ¢ executives ficaram na dependéncia da legislatura quanto & conservacao ou continuagao dos seus empre- £05; € por conseqiiéncia, sea legislatura assumir os Poderes Exe- cutivo e Judiciario, nenhurna oposigao se Ihe pode fazer, ou quan- do se the faga, nlo pode ser efetiva; porque nesse caso, dando 20 seu procedimento a forma de um ato da assembléia, pode fazé-lo obrigatSrio para or outros poderes, Eis aqui porque a legislatura tem decidicdo em muitos casos direitos que deveriam ser deixados & conirovérsia judiciria; e porque o exercicio, ou pelo menos a dire- «fo das fungdes executivas pela legislatura, durante todo o tempo da sesso, € coisa ordinvia e trivia." © outro Estado que tomarei para exemplo é a Pensilvania; e a minha autoridade seré desta vez 0 Conselho de Censotes convocado em 1783 ¢ 1784, Uma parte das fungGes atribuidas a esse corpo pela Constituigao era “Examinar se a Constituigao tinha sido mantida em toda a sua pureza, se.0 corpo legislativo eo depositario do Poder Executi- vo tinham desempenhado os seus deveres como fiéis mandatérios do ovo; € se no tinham apropriado ou exercitado maiores poderes do que pela Constituigdo Ihes tinham sido conferidos”. Na execugio des- sas fungdes foi preciso que o Conselho de Censores comparasse 0 procedimento do corpo Iegislativo e do magistrado executivo com os seus poderes constitucionais e dos fatos que se citaram, e que todos os membros do Conselho reconheceram, tirou-se 0 resultado de que a Constituigao havia, em muitos casos, sido evidentemente violada pelo corpo legislative. ‘Nao obstante ter a Constitnigo determinado, como uma das mais importantes precaugdes contra 0s erros do corpo legislativo, que todas as leis de interesse piblico fossem impressas para serem substituidas a0 exame do povo, muitas delas tinhamn passado, violando-se essa re- fra sem necessidade evidente. ‘Bata longa citaglo foi suprimida na tradugdo francesa, ——— A forma de juizo por jurados, estabelecida na Constituigdo, ha- via sido postergada; e haviam-se exercido poderes que a Constituigao nao tinha delegado,. corpo legislative havia tamhém usurpado as fungdes do Poder Executivo. Os salérios dos jufzes, que a Constituigdo determina que sejam fixos, haviam sido ocasionalmente alterados; e muitos casos perten- centes a0 Poder Judiciério haviam sido levados ao conhecimento ¢ decisao do corpo legislative, Aqueles que desejarem mais particular informagao de todas es- tas infragGes podem consultar o Jornal do Conceito, que atualmente se imprime; lé acharo que algumas podem ser imputadas a circunstancias particulares, relativas & guerra; mas que a maior parte foi certamente efeito da mA organizagio do governo. ‘Também parece que o Poder Executivo nao foi achado inocente de freqiientes infragdes da Constituigdo; porém, a esse respeito é preci- 50 atender a tr€s coisas: primeiro, que muitas dessas infragées foram ocasionadas pelas exigéncias da guerra ou recomendadas pelo Con- ‘presso e pelo comandante em chefe; segundo, que em muitos outros casos 0 Poder Executivo nio fez mais que conformar-se aos sentimen- tos, ou declarados ou presumnidos, do corpo legislativo; terceiro, que 0 Poder Executivo da Pensilvania difere do dos outros Estados pelo grande iimero de membros que o exercitam; e por essa raz, assemelhando se mais a uma assembléia legislativa que a um Conselho Executivo, 0 que pe os seus membros mais a salvo do receio de responsabilidade individual — animando-se mutuamente pelo exemplo e pela influéncia reunida, podem arriscar medidas inconstitucionais com mais seguran- {ga do que se 0 Poder Executivo residisse num s6 individuo ou num pequeno niimero de homens, Concluirei de tudo quanto até aqui fica dito que a linha de demar- cago tragada no papel, para fixar os limites dos diferentes poderes, & insuficiente para prevenir as usurpagdes de qualquer deles, que podem acatar pela concentragio de todos nas mesmas mos. 309 Capitulo 51 CONTINUAGAO DO MESMO ASSUNTO Ae que meio se recorreré, portanto, para manter na pritica essa separagio essencial dos poderes, que a Constituigio estabelece em teoria? Como todos os remédios exteriores so sem efei- {o, no hé outro remédio possivel sento tragar de tal maneira a cons- trugio do governo, que todas as suas diferentes partes possam reter se ‘umas as outras nos seus lugares respectivos. Sem presumir desenvol- ver completamente essa idéia, arriscarei, contudo, um pequeno niime- ro de observagdes gerais, que talvez.espalhem mais luz sobre 0 objeto e nos ponham em circunstancias de formar mais exato jufzo dos prin- cfpios e organizagao do governo proposto pela Convengio. Para manter a separagiio dos poderes, que todos assentam ser essencial manutengio da liberdade, & de toda necessidade que cada tum deles tenha uma vontade proptia, ©, por conseqéncia, que seja “organizado de tal modo, que aqueles que o exercitam tenham a menor influéncia possivel na nomeagao dos depositérios dos outros poderes. Isso suposto e admitida a necessidade da rigorosa observincia desse principio, é necessério que as nomeages para as supremas Magistra- turas Legislativa, Executiva ¢ Judicidria saiam do povo, que € a fonte primitiva de toda a autoridade, por meio de canais que néo tenham centre si a mfnima comunicaglo; e talvez.que esse modo de organizar os diferentes poderes seja em pratica menos dificil do que & primeira vista parece. E certo que algumas dificuldades e algum aumento de despesa poderiam trazer a sua execu; mas, sobretudo, a respeito do Poder Judicidrio, alum desvio poderia haver sem grave inconveniente do principio mencionado: em primeiro lugar, porque € preciso que aqueles {que a exercitam tenham conhecimentos particulares, ¢ 0 ponto esté em. adotar 0 modo de eleigo mais favordvel aos homens dotados desses conhecimentos indispensiveis; e, depois, porque, devendo os juizes 37 HAMILTON, MABISON BJAY _ ser vitalicios, nfo ficario dependendo daqueles a quem deverem a sua nomeagio. E igualmente evidente que os funcionétios paiblicos, encarrega- dos do exerefcio de cada um dos poderes, devem ser to independentes, como seja posstvel, dos que exercitam os outros, quanto aos emolumentos dos seus empregos. Se 0 magistrado executive ou os juizes ficassem nesse artigo dependentes da legislatura, claro esté que a sua independén. cia a qualquer outro respeito seria inteiramente ilusoria, Mas o verdadeiro meio de embaragar que 0s diferentes poderes niio se vio sucessivamente acumulando nas mesmas mis, consiste ‘em dar Aqueles que os exereitam meios suficientes ¢ interesse pessoal para resistir as usuxpagbes. Nesse caso, como em todos os outros, os eios de defesa devem ser proporcionados aos perigos do ataque; é preciso opor ambigo & ambigdo ¢ travar de tal modo o interesse dos homens, com as obrigagSes que Ihes impéem os direitos constitucio- nais. dos seus cargos, que ndo possam ser ofendidas as ttimas sem que o primeiro padega. F desgraga inerente & natureza humana a neces- idade de tais meios; mas, jf a necessidade dos governos é em si mes- ‘ma uma desgraga, Se os homens fossem anjos, no haveria necessida- de de governo; ¢ se anjos governassem os homens, niio haveria neces-| sidade de meio algum extemo ou interno para regular a marcha do ‘governo: mas, quando 0 governo é feito por homens e administrado | por homens, o primeiro problema € por o governo em estado de poder Gisigir 0 procedimento dos governados ¢ 0 segundo obrigé-lo a cum-| prir as suas obrigagdes. A dependéncia em que 0 governo se acha do| ovo é certamente o seu primeiro regulador; mas a insuficiéneia desse | ‘meio esta demonstrada pela experiénci Esse sistema, que consiste em fazer uso da oposigio e da rivali- dade dos interesses, na falta de motivos melhores, é 0 segredo de todos ‘0s negécios humanos, quer sejam particulares, quer pablicos. E o que se esti vendo todos os dias na distribuicao dos poderes inferiores, onde ‘0 que em todo 0 caso se procura é combinar de tal modo os diferentes ‘empregos, que uns sirvam aos outros de corretivo © que os direitos pablicos tenham por sentinela os interesses populares. ssa inven0 {da prudncia nio pode ser menos necessétia na distibuigo dos supre- mos poderes do Estado. Mas a desgraga € que, como nos governos republicanos 0 Poder ) | Legislative hé de necessariamente predominar, no & possivel dar a \ 318 cada um dos outros meios suficientes para a sua propria defesa. O tinico recurso consiste em dividir, a legislatura em muitas fragSes € em desligé-las umas das outras, jf pela diferente maneira de elegé-las, j4 pela diversidade dos seus prinefpios de ago, tanto quanto o permitem 4 natureza das suas fungdes comuns € a dependéncia comum em que, elas se acham da sociedade. Mas esse mesmo meio ainda no basta para evitar todo o perigo das usurpagdes. Se o excesso da influéncia do ‘corpo legislative exige que ele seja assim dividido, a fraqueza do Poder Executivo, pela sua parte, pede que seja fortificado. O veto absoluto 6, primeira vista, a arma mais natural que pode dar-se ao Poder Execu- tivo, para que se dofenda; mas, o uso que ele pode fazer dela pode ser petigoso e mesmo insuficiente. Nas ocasives ordindras pode nio ser empregada com a conveniente firmeza; nos casos extraordindrios pode a perfidia abusar dela e, portanto, & preciso remediar esse defeito do veto absoluto, substituindo-Ihe certas relagdes entre o Poder Executivo ‘© porgiio mais fraca do Poder Legislativo, as quais, ao mesmo tempo em que dispuserem esta tiltima a sustentar os direitos constitucionais do primeiro, no Ihe permitam abandonar a defesa dos direitos do cor- po de que faz parte. Se 0s principios que acabo de estabelecer sobre essas observa- {98es slo exaios, como suponho, ¢ se eles podem servir de pedra de toque para julgar o cardter das diferentes Constituigdes dos Estados ¢ do da Constiuigio Federal, achar-se-4 que, se esta tiltima nao se acha com cles em harmonia perfeita, a comparagio ainda 6 muito menos favordvel aquelas, mas, além dessas consideracdes, hé ainda outras

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