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2 SALVADOR: ANTECEDENTES URBANISTICOS E O PROCESSO DE OCUPACAO DA COLINA JOSE GERALDO SIMOES JUNIOR Urbanismo de colina: uma tradi¢ao luso-brasileira Manuel Leal da Costa Lobo; José Geraldo Simées Jtinior (orgs) Sao Paulo: Univ. Presbiteriana Mackenzie, Mackpesquisa e IST Press, 2012, p. 89-121. INTRODUCAO. ee a ai Salvador foi o primeiro miicleo urbano do Brasil fundado, em 1549, com o status de cidade, para inaugurar a implantagio do governo-geral no Brasil Foi concebida ¢ projetada pata ser a capital - ou cabeca do Brasil, conforme expressio utilizada na época, Seu plano ¢ atribuido a Miguel de Arruda, conselheiro do rei D. Jodo TI de Portugal, mentor intelectual para as questées urbanas, arquiteto-mor das ‘obras reais realizadas em Portugal e em todo o império, ¢ que pouco tempo antes havia projetado a importante cidade-fortaleza de Mazagao, na costa oci- dental africana. Tal plano era constituido por tracas ¢ amostras, onde constava @-esbogo dos arruamentos, das muralhas e da localizacao de edificios piblicos, critério de escolha do sitio fundacional, em sitio de cota dominante na paisagem, em ponto protegido junto a entrada da baia ¢ com implantagao. de atracadouro, constituindo a dualidade cidade alta/cidade baixa, 6 marca evidente da urbanistica de colina praticada pelos portugueses em todo o seu império colonial ao longo do século XVI. 90 Urbanism de cotinas lima trade uso brslera ORIGENS, DELIMITACAO, LOCALIZACAO A fundagio da cidade de Salvador esta relacionada a criacdo de uma sede para o governo-geral no Brasil, instituido apés o fracasso do modelo de colo- nizagio bascado nas capitanias hereditérias. A politica das capitanias, adotada pela Coroa a partir de 1532, estabelecia a divisio do territério brasileiro em 15 lotes, com cerca de 350 quilémetros de largura cada, prolongando-se do liroral até a linha de Tordesilhas. Esses 15 lotes consticuicam 12 capitanias que foram entregues a donatérios, que tinham seus direitos ¢ deveres definidos pelas cartas de doagio ¢ pelos forais, normativas j4 existentes em Portugal e aplicadas na época da redistribuicio das terras portuguesas conquistadas aos mouros, no século XIII, e também na colonizacao da Ilha da Madeira. Nas cartas de doagao, havia indicagdes claras da politica de colonizagio adotada pela Coroa portuguesa: promover ‘© povoamento da costa para garantir a sua defesa. Assim foram estabelecidas prescrigdes como a de que os donatarios poderiam edificar junto co mar e dos rios navegiveis quantas vilas quisessem, mas, para a fundacao de vilas no inte- rior, necessitariam de uma licenga expedida pela Coroa, Eram direitos do do- natirio: fundar vilas/cidades, cobrar impostos ¢ fazer concessio de sesmatias. Eram seus deveres: atender aos pedidos da metr6pole, administrar ¢ povoar. O sistema das capicanias tinha também como politica complementar o re- gime das sesmarias, que eram concessdes de grandes porgdes de terra a esses donatirios ou capitées — portugueses de origem mais nobre - para que estes 2 ocupassem com atividades agricolas, pecudria ¢ poveacao, Tal sistema se constitu‘a em uma imensa obra semipiiblica, publica no desfgnio e particular na execusio, segundo Raimundo Faoro (1984, p, 125). Esse modelo de colonizacio implicava enorme encargo para os donatérios, que eram obrigados a selecionar familias em Portugal, custear o seu translado para 0 Brasil, além da aquisigio de animais de carga, utensilios, ferramentas, sementes, etc. (NOVOA, 2000). Dessa forma, em pouco tempo, as capitanias heredivérias se revelaram uma politica invidvel e acabaram se constituindo em {91 Salvador Antecedentes urtanistices¢ processed acupagio da ealina ‘grande fracasso. A imensa extensio territorial de cada capitania eo fato de seus donatérios disporem somente de recursos préprios para 0 processo de coloni- 2agao € defesa do territério, sem apoio da Coroa, foram a causa da faléncia do sistema, A tinica que deu certo foi a de Pernambuco, do donatario Duarte Coe- tho, em razo do bom desempenho da produco agucareira. A de Sio Vicente, de Martin Afonso, tentou, sem grande éxito, implantar projeto semelhant. Nao podemos esquecer que, nesse momento inicial de colonizacio, os interes- ses da Coroa portuguesa estavam todos voltados para o rentavel comércio ad- vindo com 0 dominio da rota maritima com as Indias. Portugal investica muito ha construcao de frentes avangadas de dominagio e colonizacao ao longo dos terrisétios africano e asiitico, ¢ boa parte de familias portuguesas interessadas em colonizar rerras distantes jé havia se deslocado para esses locais, de tal forma ue, quando o projeto das capitanias no Brasil foi lancado, Portugal jé se encon- trava bastante despovoado e com poucos interessados em migrar paca o Brasil. Apesar desses fatos, registra-se, no periodo, a fandacao de algumas vilas Sao Vicente (1532), Olinda (1537) e Santos (1545). Com o fracasso do siste- ma descentralizado das capitanias hereditérias, Portugal decide criar no Brasil um governo-geral, em 1549 (ou Governo Geral do Estado do Brasil Unido a0 Reino de Portugal ¢ Algarve), centralizando a administragio na coordenagio de um governador-geral, sediado em Salvador. Para esse cargo, € nomeado Tomé de Souza, ¢ estabelece-se um regimento-geral, mostrando assim os in= dicios de uma politica mais adequada de gestao do territério. Segundo Rafael Moreira (2003, p. 37): Na passagem do regime arcaico, de raic medieval, das capitanias feudais com suas vilas de iniciativa privada, & organizagdo revigorante dima estrutura cen- trada na Coroa ena metrSpole, o assentamento de uma rede de miicleos urbanos mais complexos com estatuto oficial de cidade, hierarguizada a partir de uma micunas| peer niasra oa Ginxne oe satsooe ex 4 arom Segundo a descrigao de Pita (1976), nos tempos de 1720, quando, em Sal- vador, havia seis mil casas, a cidade tinha ainda duas portas principais, uma 40 norte ¢ outra ao sul, definindo uma area cercada, na qual se situavam a Igreja Matiz, o Palicio Episcopal, a Igreja e 0 Colégio dos Jesuftas, a Tgreja € 0 Convento de Sao Francisco, as igrejas da Misericérdia, de Nossa Senhora da Ajuda e de Sao Pedro dos Clérigos. Dividia-se em seis hairros: o das Portas de Sao Bento, o de Nossa Senhora da Ajuda, o da Praca, o do Terreiro, o de Sa0 Francisco e 0 das Portas do Carmo. ‘As pragas eram duas. A primeira, a do Palécio, quadrada, com aproxima- damente 55 metros de lado, ladeada pelo Pago dos Generais, pela Casa da Moeda, pela Casa de Camara ¢ Cadeia ¢ pela Casa da Relacao, A segunda era o Terreiro de Jesus, retangular, com cerca de 115 x 75 metros, tendo, em seu inicio, a Igreja da Companhia de Jesus ¢ ladeada por suntuosos edificios. 103 Salador:Antecedentes urbanisticos.eo proceso de ectuparaa da colina

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