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Ce ee a) aa Introdugcao a Ciéncia Geografica Sumario 1 GEOGRAFIA: CIENCIA, METODO E OBJETO 1.1 A Ciéncia Geografica 1.2 Método Cientifico e Geografia 1.3 © Objeto da Geografia 2 GEOGRAFIA NA ANTIGUIDADE 3 GEOGRAFIA NA IDADE MEDIA 4 GEOGRAFIA MODERNA 4.1 A Sistematizacéo da Geografia: Humboldt e Ritter 4.2 O Determinismo na Geografia: Friedrich Ratzel 4.3 O Possibilismo na Geografia: Vidal de La Blache 4A Elisée Reclus e Piotr Kropotkin e a Geografia 4.5 Alfred Hettner e Richard Hartshorne e a Geografia 5 GEOGRAFIA CONTEMPORANEA 5.1 Geografia Tedrico-Quantitativa 5.2 Geografia da Percepsdo e do Comportamento 5.3 Geografia Ecolégica 5.4 Geografia Critica ou Radical 6 GEOGRAFIA: SOCIEDADE-NATUREZA REFERENCIAS 09 16 29 35 49 57 66 73 72 88 93 97 106 112 116 121 129 139 beibiraimicioda er. 46/09/2001 y Geografia: Ciéncia, Método e Objeto Gariruie um 1.1 A Ciéncia Geografica Hi milhares de anos, @ homemvem s€-utilizando> da(@aturezi™no intuito de atévdér a suas fecessidades.> E, nalfelagao com a natureza, ele elaborou um conjun- to de instrumentais de conhecimentos que vem pas- sando de geracio em geracao, por meio da‘oralidade) da imagein ou simbolo, da escrita etc. erat E importante destacar que cada produto do tra- balho foi elaborado por meio de determinada técnica e do conhecimento transmitido ¢ integrado ao patri- ménio humano, possibilitando ao homem preservar a vida ¢ desfruta-la. E da relagio que o homem tem c © mundo — 0 constante questionar_eindagar — que_ —_— io Se ; surge! onsciéncia ¢ 0 conhecimento da realidade. homem nao tivesse a capacidade de conhecer e de. n Nao tivesse a cap compreender, viveria submetido as leis da natureza, 10 + Geografia - wmopucto A cincia oroanAnca Pode-se dizer que o conhecimento é uma relacao entre o sujeito € 0 objeto. E a necessidade que o homem tem de desvelar 0 objeto. Este objeto pode ser um elemento fisico, biolégico, humano ete. Por meio do conhecimento, 0 homem busca a explicagdo e a compreenséo da tealidade; porém, para que possa compreendé- la, ele utiliza recursos variados, como métodos e técnicas, que Ihe possibilitam analisar os fendmenos ¢ elucidar a Iégica, tornando a realidadednteligivel’, Ao longo dos séculos, 0 homem procura conhecer 0 mundo que © rodeia € os objetos. A histéria humana tem sido a historia de conhecer e compreender a natureza. E a historia de apropriacao e transformacao da natureza. Pela observacao, o ser humano adquire grande quantidade de conhecimento. Utilizando-se dos sentidos, recebe informacdes do mundo exterior. Olha para o céu ¢ observa a formacio de nuvens cinzentas. Percebe que vai chover. A observacao € uma importante fonte de conhecimento. Ao nascer, o ser humano depara-se com uum conjunto de conhecimentos relativos a crengas que lhe falam acerca da existéncia de Deus. Para muitos, as crencas religiosas sio fonte de conhecimento. Ha muitos séculos, os fildsofos proporcio- nam importantes explicagdes para a compreensiio do mundo por meio de procedimentos racional-especulativos. Todavia, a partir da necessidade de obtengio de conhecimentos mais seguros do que os fornecidos por outros meios, desenvolveu-se a ciéncia, um dos mais importantes componentes intelectuais do mundo contemporaneo (GIL, 1999, p. 19-20). Nesse sentido, na relagéo com a natureza, o homem pode se utilizar de diversos tipos de conhecimento, por exemplo: vulgar, filoséfico, teolégico e cientifico, e cada um conforme suas neces. sidades. ; Qconhecimento vulgar ou popular (senso comum) é obtido ao acaso, de modo espontneo, a partir da vida cotidiana. E resultado capivulo vm + GEOGRARIA: CIENCIA, MéTODO EoBETO + 11 de experiéncias repetidas ¢ casuais que foram transmitidas, de ge- racgio em geragao, ao individuo ¢ ao grupo social. Jé.o teolégico ¢ um conhecimento que apresenta um conjunto de verdades aceitas pelos homens a partir da revelacio divina, e 0 @ se revela é a vontade do deus em que 0 crente confia ¢ cujos designios ele deve cumprit. © homem busca'respostas na entidade divina para quest6es que nem sempre o conhecimento filoséfico, (O conhecimento filoséfico trabalha com idéias, relagdes concep- tuais cocrentes nao redutiveis a realidades materiai Procura com- preender a realidade em um_contexto universal que possa ser per- cebido pelo homem, Propée fornecer contetidos reflexivos e légicos de mudanga ¢ transformacio da realidade. Indaga sobre 0 homem eas coisas da vida. O conhecimento cientifico € aquele que € produzido pela in- vestigagao cientifica, por meio de métodos ¢ de técnicas, A ciéncia contemporanea tem sido principalmente operativa, buscando co- nhecer a realidade para poder intervir na natureza. De acordo com Cervo e Bervian (1996, p. 9), a ciéncia, como se apresenta hoje, é um conhecimento recente. Contudo, desde o inicio da humanidade j4 se encontravam os primeiros elementos rudimentares de conhecimentos ¢ técnicas que constituiriam_a futura ciéncia, As descobertas ocasionais e empiricas de técnicas conhecimentos referentes & natureza @ ao homem — existentes desde os antigos babilénios e egipcios — passam pela contribuicao dos gregos sintetizadas e ampliadas por Aristételes, até as inven- ¢6es feitas na época das conquistas. Elas prepararam 0 surgimento do método cientifico € 0 espirito de objetividade que vai caracteri- zat a ciéncia a partir do século XVI. Assim, a revolugao cientifica ocorrida no século XVI e XVI, com Copérnico, Galileu, Bacon e seu método experimental, contribufram significativamente para a ciéncia que temos hoje. 12 + Geografia - mropucio A ciéncia ceocrarica Ainda segundo os autores, as poucos 0 método experimental foi sendo aperfeigoado e aplicado em novos setores. No século XVIII, desenvolveu-se 0 estudo da Quimica e da Biologia, e surgin um conhecimento mais objetivo ¢ sistematico da estrutura € das fancies dos organismos vivos. No século seguinte, houve uma modificagao geral nas atividades cientificas e industriais. Surgiram novos dados © explicacdes relativas A evolugio, a0 étomo, a luz, & eletricidade, a0 magnetismo, a energia etc. Enfim no século XX, a ciéncia, com seus métodos, desenvolveu a pesquisa em todas as frentes do mundo fisico ¢ humano, proporcionando um grau de precisio surpreendente em diversas Areas, a exemplo da navegacao espacial e dos transplantes. Em decorréncia da complexidade do mundo e da diversidade de fendmenos, aliada A necessidade humana de estudé-los e enten- dé-los, a ciéncia foi dividida em varias outras ciéncias, ou, melhor dizendo, em varios campos de conhecimento especializado, Tal fato decorre da dificuldade de um unico individuo conseguir estudar a ciéncia na totalidade, pois 0 mundo fica cada vez mais complexo. Também, devido a influéncia do Positivismo, no século XIX, aten- dendo & expansio do capicalismo, aparece a necessidade de indivi- duos especializados, com entendimento mais profundo em deter- minado campo de conhecimento. Nesse contexto, considerando os diversos campos de conheci- mento, as ciéncias podem ser assim classificadas: a) Ciéncias formais — trabalham com elementos abstratos, que nao existem na realidade. Exemplos: a Logica e a Matematica, b) Ciéncias factuais — trabalham com os fendmenos que existem na realidade (fendmenos naturais ¢ sociais). Exemplos: a Biolo- gia, a Histéria, a Sociologia, 0 Direito, a Quimica, a Economia, a Antropologia, a Medicina. No caso da Geografia, objeto de nosso enfoque, ela é considerada uma ciéncia factual. Todavia, as ciéncias factuais tém sido classificadas em: tule um © GEOGRARIA: CIENCIA, METODO E OBIETO - 13, a) Ciencias naturais — exemplos: Fisica, Quimica, Biologia. 5) Ciencias sociais ~ exemplos: Antropologia, Diteito, Economia, Sociologia. 7A Geografia é considerada uma ciéncia social, mas trabalha com fenémenos naturais (clima, rios, vegetacao, 2 etc.) € so- Giais (cidade, transporte, indistsia, populagio etc.) /O estudo do conjunto desses fendmenos causou muita discussao na histéria do Pensamento geogréfico, gerando uma divisio em: Geografia Fisi- ca ¢ Geografia Humana. Muitos gedgrafos se especializavam ora no campo da Geografia Fisica (estudo de fendmenos naturais), or no campo da Geografia Humana (estudo dos fendmenos 0. Ciats), levando a fragmentacao da Geografia. Mas essa separacio tem sido contestada e considerada waned Geografia é hoje definida como. uma.ciéncia Unica, que trabalha no contexte da relagio socic dade-natureza,, : A’Geografia € um dos conhecimentos mais antigos que existem; desde 0s povos primitivos jé se fazia Geografia, Ela se estabelecen, inicialmente, como um conhecimento prético para resolver proble- mas imediatos, Somente com 0 desenvolvimento dos povos, das so- ciedades em estagios mais adia tados, que esse conhecimento.passa , 0 sentido da ciéncia moderna, Isso sé ocorren a partir do século XIX, com a contribuicao de dois estudio- Sos germanicos, Alexander von, 1 Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859), que fizeram importantes estudos no campo da Geo- Brafia. Assim, na Pré-Histéria, na Antigitidade e na Idade Média, 0 homem jé aplicava a Geografia como um conhecimento elaborado e praticado pelo juizo vulgar (senso comum), filoséfico ¢ teoldgico. Adade Moderna que a Geografia ser4 considerada ciéncia, A ciéncia geografica apresenta quatro campos gerais de estudo: na * Geografia Regional; * Geografia Geral: 14 + Geografia - mmeopucio A ciéncia czoarArca © Geografia Humaiias, « Geografia Fisica. Andrade (1998, p. 22) esclarece que_a divisdo da, Geografia em Sistematica ou Geral ¢ Geografia Regional é mais para efei- to didatico, € muitos autores consideram n_que tal divisio seja_o- resultado apenas de escala adotada. Assim, o geral se refere a grandes reas: continentes ou paises; ¢ o regional a pequenas Areas: as regides. Mas, para o autor, na verdade faz-se Geografia Sistematica quando se toma um. elemento do Ambito geografico, como a vegetacio, o clima, o solo, a agricultura, @ populacio ccc. estudendo o isoladamente para toda a superficie terrestre. Jé a Geografia Regional é feita quando se seguem os modelos de Vidal de La Blache, utilizando uma drea determinada, e se procura obter uma visdéo de conjunto, observando tanto os ele- mentos naturais — relevo, clima, vegetaco — como os humanos — populagio, agricultura, pecudria, industria, comércio por meio de acao integrada. Ampliando ainda mais a explicagio, Ferreira ¢ Simées (1986, p. 22-23) esclarecem que, na Geografia Regional, busca-se “estu- dar a regiao como um fenémeno nico, cujas combinagées nao sé repetem, nao se podendo encontrar leis a aplicar em Areas ainda nao estudadas”. Nesse caso, a Geografia.é considerada essencial- “mente ideogrdfica. As ciéncias ideograficas “sig as que fazem a descrigao dos pos particulares ou, .singulares. Esto na \ base das cigncias do espitito que se dedicam ao estudo de fendmenos tni- universal” (idem). cos € ndo pretendem formular leis de aplicaca Jaa Geografia Sistematica * “procura o método cientifico como o ico possivel em investigacao, na tentativa de descobrir as leis i que regem os fenémenos geograficos” (idem). Assim, a Geogra- fia € essencialmente nomotética. Ciéncias nomotéticas “sAo.as que procuram leis gerais de aplicagio universal. As ciéncias naturais” v9 capitulo um + GEOGRAFIA: CIENCIA, METODO EOBsETO + 15 (idem). A Geografia Sistematica fica mais complexa quando se consideram os dois ramos: a Geografia Fisica e a Geografia Hu- mana, pois a Geografia Fisica utiliza muitos conceitos e métodos das ciéncias naturais (Biologia, Geologia etc.) enquanto a Geo- grafia Humana utiliza conceitos e métodos de ciéncias humanas (Sociologia, Economia ete.). 4 gp(fmye) Alp Pode-se dizer que a questao da divisio da Geografia em Siste- matica ou Geral ¢ Regional nio se estende apenas as definigdes explicagées dos autores. Na verdade é um problema que existe na Geografia, desde 0 processo de formagio como ciéncia, ¢ envolve embates ideolégicos, tedricos e metodolégicos. E uma questao que, ainda hoje, se encontra em discussao se for considerada em uma andlise mais profunda da ciéncia geografica. Também é bom lembrar que, tendo em vista 0 fato de a Geo- grafia trabalhar com a relagio homem-natureza, ela tem sido considerada uma ciéncia charn a; ciéncia ponte; uma ciéncia de sintese entre 0 homem e a natureza. Contudo, ainda muitos trabalhos em Geografia sao elaborados ora no contexto da Geo- grafia Fisica, ora no contexto da Geografia Humana, expressan- do dicotomia. ‘Todavia, considerando-se a integragao entre a Geografia Fisica ¢ a Geografia Humana, ¢ o fato de que a Geografia trabalha no contexto da relacio sociedade-natureza, os gedgrafos mantém contato e se utilizam de conhecimentos das mais variadas cién- cias que contribuem para o estudo de fendmenos de interesse geografico. Daj a necessidade, pelos que fazem Geografia, de recorrer a ou- tras Areas, como as ciéncias sociais: Historia, Economia, Sociologia, Psicologia, Antropologia, Politica; as ciéncias da natureza: Biolo- gia, Geologia, Pedologia, Mineralogia, Hidrologia, Meteorologia, Astronomia, Oceanografia; e, também, as ciéncias exatas e tecno- légicas: Cartografia, Estatistica, Computagao. 16 » Geogratia - namooucko A cine croonAnicn 3 Em contato com essas ciéncias, surgiram campos intermedia- rios de conhecimento, ¢ muitos deles se tornaram parte da ciéncia geografica, por exemplo: Hidrografia, que estuda as 4guas nos con- tinentes e oceans (Geografia, Hidrologia, Oceanografia); Geomor- fologia, que estuda o relevo terrestre (Geografia e Geologia); Biogeo- grafia, que estuda a vida animal e vegetal (Geografia € Biologia); Climatologia, que estuda o clima (Geografia e Meteorologia). Assim, a interdisciplinaridade é um fato comum a todas as ciéncias, sejam elas naturais ou sociais. Também nao pode ser aceita a idéia de que a Geografia é uma ciéncia que estuda o homem e a natureza separadamente, pois ela é essencialmente enriquecida pela aproximagao com as outras ciéncias. ‘Tal apro- ximacao resulta nao sé no seu desenvolvimento, como no das demais ciéncias (ANDRADE, 1989, p. 21-24). A Geografia, portanto, é considerada uma ciéncia que estuda o espaco. Dentro do espaco geografico, sao trabalhadas categorias como: paisagem, lugar, regio, territério, fundamentais para a andlise geogrfica. Todavia, 0 espaco é a categoria mais abrangen- te da Geografia. Ele é estudado no contexto da relagio sociedade- natureza. 1.2 Método Cientifico e Geografia Pode-se dizer que 0 método cientifico consiste em um conjunto de atividades racionais ¢ sisteméticas que possibilita alcangar determi- nado objetivo. E um caminho planejado que se segue na investiga cio cientifica. O método cientifico é de grande importncia, pois, organizando © esforco mental, ele proporciona a seguranca do fazer, do agir e do pensar. Sobretudo, na pesquisa cientifica, possibilita economia de tempo ¢ ordenamento das etapas de investigacao. Métodos € técnicas nao séio a mesma coisa, pois: capitulo v m + GEOGRAFIA: CIENCIA, METODO E OBJETO + 177 a) 0 método estabelece o que fazer — € o orientador geral da ativi- dade; b) a técnica é 0 como fiexer ~ a vética da acao. O método consiste na orientagao geral para chegar a determina- do fim. A forma de aplicagao do método é a técnica. Lakatos e Marconi (1991, p. 83) afirmam que o método cien- tifico corresponde ao conjunto das atividades racionais e sistem4- ticas que, com maior seguranga ¢ economia, possibilita chegar ao objetivo, viabilizando 0 caminho a ser seguido, localizando erros ¢ orientando as decisées do cientista. No caso da Geografia, segundo Andrade (1998, p. 25-26), des- de 0 século XIX até os primeiros anos do século XX, consolidou-se a idéia de que 0 métedo geogrdfico se baseava nos cinco princfpios enunciados por ilustres mestres, como Alexander von Humboldt, Karl Ritter, Friedrich Ratzel ¢ Jean Brunhes. Assim, em um traba- Iho geografico, devia o estudioso aplicar os seguintes principios: a) da extensao, emunciado por Friedrich Ratzel, segundo 0 qual © ge6grafo, ao estudar um dos fatores geogréficos ou uma area, deveria, inicialmente, procurar localizar e estabelecer os limites, usando os mapas disponiveis o conhecimento direto da area; b) da geografia geral ou da analogia, enunciado por Karl Ritter, se- gundo 0 qual, delimitada ¢ observada uma 4rea em estudo, ela deveria ser comparada com o que se observa em oueras Areas, estabelecendo semelhancas e diferencas existentes; ©) da causalidade, enunciado por Alexander von Humboldt, segundo qual, observados os fatos, devem-se procurar as causas que os determinaram, estabelecendo relacao de causa © efeico; 4) da conexidade, enunciado por Jean Brunhes, que chamava a atengio para o fato de que fatores fisicos e humanos, ao elabo- 18 + Geografia - wropusio AciNCIA GEOGRAFICA rarem as paisagens, no agiram separada e independentemcn= te, havendo interpenetsacao na aco dos varios fatores fisicos entre si, ¢ ainda dos dois grandes grupos de fatores. Na elabo- racio das paisagens, nenhum dos fatoresfisicos e humanos 38° isoladamente; a acao é sempre feita de forma integrada com outros fatores; ©) da atividade, também enunciado por Jean Brunhes, no qual o mestre francés assinala o carder dinamico do fato geogrifico, j4 que o espaco esté em perpécua reorganizagao, em constante transformacio, graces @ aco ininterrupta dos vérios facores (ANDRADE, 1998, p- 25-26). Esses principios foram. claborados no processo de formacao da ciéncia geografica € tidos como verdadeiros € inquestionaveis. les seriam conhecimentos definitivos sobre 0 universo de ana- lise, e 0 gedgrafo deveria utiliz4-los nos estudos. Atuavam como regras de procedimentos, possibilitando a unidade para a Geo- grafia (MORAES, 1987, p. 25). Foram desenvolvidos no contexto da Geografia Tradicional, que estava assentada sobre as bases do Positivismo. E nessa concep¢ao filo- s6fica e metodolbgica que, segundo Moraes (1987, p. 21), 08 geogra- fos vio buscar orientagSes gerais. Os fundamentos do Positivismo vio formar as bases ou os princfpios norteadores sobre os quais se erBuc © pensamento geografico tradicional, proporcionando-lhe unidade. Léwy (1994, p. 17) afirma que 0 “Positivismo — em sua figuragio ‘jdeal-tfpica’ — est4 fundamentado num certo néimero de premissas que estruturam um ‘sistema’ coerente € operacional”: L. A ssociedade € regida por leis naturais, isto é, leis invaridvels, independentes da vontade e da acio humana; na vida social, reina uma harmonia natural 2. A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimi- lada pela nacureza (0 que classficaremos como “naturalismo capitulo um * GEOGRAFIA: CIENCIA, METODO E OB:ETO + 19 positivista”) ¢ ser estudada pelos mesmos métodos, {...} € pro- cessos empregados pelas ciéncias da natureza. _ As ciéncias da sociedade, assim como as da natureza, devern limitar-se & observacio e a explicagao causal dos fenémenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamento de valor ou ideologias, descartando previamente todas as prenogoes e pre- conceitos (LOWY, 1994, p. 17). Ainda, o autor esclarece que © Positivismo surge, em fins do século XVIII € inicio do século XIX, como um conjunto de idéias revolucionérias da “burguesia antiabsolutista, para tornar-se, no decorrer do século XIX, até os nossos dias, uma ideologia conserva- dora identificada com a ordem (industrial/burguesa) estabelecida”. ‘A questo da neutralidade nas ciéncias sociais conduz 0 Positivis- mo a negar 0 condicionamento histérico-social do conhecimento LOWY, 1994, p. 18). E quanto ao naturalismo nas ciéncias sociais, especificamente na Geografia, escreveu Santos (2002, p. 43): Os fundadores da Geografia, cheios de zelo no objetivo de dar- The um status cientifico definitivo, estiveram, ent’o, equivoca- dos 0 momento em que acreditaram que o melhor caminho para atingir a sua meta era construir a teoria de uma ciéncia do homem sobre uma base analégica estabelecida nas ciéncias naturais, [...] € igualmente absurdo querer “edificar as cién- cias do espirito sobre os fandamentos das ciéncias da natureza, com a pretensio de fazé-las ciéncias exatas”. Os postulados positivistas vio influenciar os diversos campos cientificos do século XIX, especialmente nas ciéncias sociais e, den- tre estas, a Geografia. A concepgio filoséfica e metodoldgica do Positivismo vai ser assimilada e adotada pelos tedricos da Geografia ‘Tradicional. E, a partir dos fundamentos filoséficos e metodolégi- 20 + Geografia - nsovucio A ciinci ctooninica Cos positivistas, a Geografia pode manter a unidade ¢ se separar da Filosofia e dos demais campos cientificos aos quais estava associada. No século XVIII, a maioria das ci€ncias ainda se encontrava ligada 4 Filosofia e, também, existia uma miscelanea entre elas, nao fican- do nitido o campo de atuagao de cada uma. Por exemplo, no caso da Geografia, existia gedgrafo que atuava, também, como filésofo, botanico, gedlogo, astrénomo etc. A partir do século XIX, com 0 desenvolvimento do capitalismo € @ propagacao e aceitacao dos fundamentos filos6ficos ¢ metodo- l6gicos do Positivismo nos diversos campos cientificos, ocorreu a especializacao das ci€ncias, adquirindo, cada uma delas, autonomia ou campo de estudo especifico. B nesse contexto que a Geografia S¢ tornou uma ciéncia especifica, tendo se separado da Filosofia, da Geologia, da Astronomia e de outros campos de conhecimento, utilizando-se de fundamentos Positivistas, Moraes (1987, p. 2 1-25) apresenta, na obra renomada e de grande divulgacio Geagrafia: pequena histéria critica, a influéncia positivista na Geografia Tradicional, a partir das seguintes maximas: * “A Geografia é uma ciéncia empirica, pautada na observacao” ~ ocorre a reducao da tealidade ao mundo dos sentidos; os trabalhos cientificos so realizados citcunscritos ao dominio da aparéncia dos fenémenos; os procedimentos de andlise dos fendmenos devem ser realizados por meio da indugao e redu- zidos a0 empirismo, fundamentado na descrigio, enumeragio € classificagao dos fatos referentes ao €spago geografico. “A Geografia é uma ciéncia de contato entre o dominio da na- tureza e da humanidade” — aceitando-se a existéncia de um nico método de interpretacéo para todas as ciéncias, no con= siderando a diferenca de qualidade entre o dominio das ciéncias humanas e das ciéncias naturais, a Geografia trabalha com os: fendmenos fisicos e humanos, ) 08 cientistas — como os intelectuais em geral — tendem inevi- tavelmente, qualquer que seja sua autonomia relativa [...} ou sua “flutuagio”, a se vincular a uma das visées de mundo em gue se reparte o universo cultural de uma época determinada al Nesse sentido, Lowy considera que 0 método das ciéncias so- ciais se distingue do método das ciéncias naturais no somente

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