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CLAUDIO WEBER ABRAMO

Presente fictício, futuro estático


Os candidatos são
reacionariamente
situacionistas; tanto faz
quem seja eleito

ELEIÇÕES TÊM a ver com o futuro. Plataformas eleitorais formulam-se em torno de visões
sobre como a comunidade deve orientar-se na projeção do tempo. Para que alguém possa
propor algo a respeito do futuro, é imprescindível que se baseie em alguma espécie de
apreciação sobre o presente.
Qual é o presente que os candidatos "mainstream" à Presidência da República e aos governos
estaduais têm em mente?
Seja porque acreditem, seja porque tenham receio de exprimir claramente o que pensam, para
esses candidatos o Brasil seria mesmo aquele país pujante e cheio de gente otimista dos
reclames publicitários oficiais e das grandes empresas.
Todos, ou quase todos, parecem entregues ao simbolismo fictício dos Brics, como se
realmente fizesse algum sentido mencionar o Brasil na mesma frase em que aparecem China,
Rússia ou Índia. Todos acham que sediar a Copa do Mundo de futebol em 2014 seja algo
sensato. Ninguém tem alguma palavra crítica ao Bolsa Família.
É claro que deve haver quem seja capaz de apresentar argumentos em favor da Copa de 2014,
do Bolsa Família e de outros temas (embora quanto às pretensas condições de
desenvolvimento brasileiras isso seja missão impossível). O que espanta é inexistência de
vozes discordantes.
Enquanto os candidatos jogam o jogo do contente, o país real convive com um poder
Legislativo irrelevante, com partidos com escassa ou nenhuma representatividade política,
com um poder Judiciário incapaz de proporcionar justiça, com agências reguladoras
capturadas pelos interesses que deveriam vigiar, com um funcionalismo público que, com
raras e notáveis exceções, varia de incompetente a aproveitador, com um setor privado avesso
ao risco e à inventividade, com uma academia improdutiva... a lista das disfuncionalidades
brasileiras é inesgotável.
No entanto, nenhuma dessas e outras ineficiências, incompetências e picaretagens aparece
nas plataformas dos candidatos com alguma chance de sucesso eleitoral. Para eles, o presente
está ótimo e nada há a mudar em relação ao futuro.
Na prática, portanto, e independentemente das siglas partidárias sob as quais se apresentam
ou de seus eventuais apoiadores, os candidatos são todos reacionariamente situacionistas.
O que, ao fim e ao cabo, é natural e esperado. Num país que vive de ilusões, eleições
representam apenas mais uma vertente ficcional. De modo que tanto faz quem venha a ser
eleito. Mudarão apenas os personagens, os grupos beneficiados por privilégios e os
aventureiros entre os quais o Estado será repartido.

CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da Transparência Brasil

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