Você está na página 1de 5
A Historia da Micologia Brasileira: | Brasil Colénia’ ‘Oswaldo Fidalgo® De tempos em tempos, vérios trabalhos contri- ‘buiram para a atualizagéo de dados de fragmentos de nossa hist6ria (Puttemans, 1937, 1940; Fidalgo, 1968; Fonseca Filho, 1973; Milanez, 1977, 198]; Lacaz, 1983). So trabalhos mais historiogréficos. A verda- deira historia da micologia, encarada a Iuz de nossa evolugéo ¢ da sucesso dos eventos histéricos, ainda no foi contada. Considerando a origem de nossa cultura, seria altamente enriquecedor caso duas distintas histrias da micologia brasileira pudessem ser reconstituidas ¢ es- critas. Lamentavelmente, daquela ligada & sobrevivén- cia do nosso indio e ao fungo por ele usado como ali- mento ou remédio, muito pouco se sabe, face 3s agressdes do homem branco ao seu meio & tura. Emerge, pois, o invasor europeu, 0 dito bridor”, como 0 principal responsdvel pela perda des- sas informagdes. Nao tendo ele incorporado os hbitos dos nativos da terra no que tange a utilizacao dos fun- 40s, séculos se passaram até que informacGes esparsas viessom a ser coligidas. Essas ndo foram propriamente uma hist6ria, mas apenas um conjunto de fatos estéti- ‘¢0s, enfocados num determinado momento, todos, até © presente, ligados de certa forma a algum uso do fungo, sem a evidéncia de qualquer vinculo a culto re- ligioso como ocorre com os indios mexicanos. Por falta de alternativa, € nosso silvicola, por falta de hist6ria, de hist6ria micol6gica, deixada de la- do, marginalizado uma vez mais, para se tratar de ou- tra hist6ria, a do branco invasor, o da “‘descoberta” do Brasil ¢, também, ap6s ela, dos provenientes de cul- turas diversas que, aqui chegando ou por aqui passan- do, desenvolveram uma micologia, fruto da miscige- nagdo de conhecimentos que, a duras penas, partiu para rumos mais préprios, com raizes firmadas nas condigdes ecol6gicas do pais, alimentando ramos bro- tados ‘pelas tendéncias ¢ necessidades de sua gente, 1. Parte de trabalho apresen ado no II Encontro Nacional de Micologia, Recife, Pernambuco, a 28/X/1985, com auxflio. do Conselho Nacional de Desenvolvimento’ Cientffico © Teenol6gico. 2. Micologista; Av. Prof, Ascendido Reis, 1300 —Indianépo- lis 04027 - Sto Paulo~SP. 47 € direcionados ao sabor dos imperativos da sua hist6- tia. Nao se pode dizer que a micologia brasileira te- tha se iniciado, efetivamente, com a chegada do colo- nizador portugués. Ao desembarcar em costas brasi- leiras, este, revelou-se nitidamente micéfobo e, se nossa fulgurante natureza maravilhou Pero Vaz de Caminha e muitos vegetais em particular atrafram sua atengdo (Andrade-Lima, 1984), nada revelou ele em sua missiva a D. Manoel I sobre nossa micota. Em seus primérdios, o modelo de colonizagao do Brasil revelava-se voltado para a exploragio . Nao era propésito dos portugueses povoar 0 territ6rio recém- descoberto. Procuravam explorar a terra e sua gente, localizando ¢ extraindo as riquezas naturais com mer- cado em Portugal, para onde as transferiam, bem co- ‘mo, tentando subjulgar o indio para apropriar-se dele, de sua forca de trabalho. O comportamento pragméti- 0 dos portugueses, nessa época direcionado A expk ragio de produtos primérios, fica patente na prépria mudanca do nome de Vera Cruz, ou Santa Cruz, para Brasil, identificando 0 novo territ6rio com 0 nome do “pau de tingir panos”, entdo entendido como sua ri- queza principal (Simonsen, 1978). No entanto, no sendo os portugueses mic6filos por sua prépria natu- reza, os fungos escaparam dessa firria exploradora. Também, para a micologia brasileira, limitada foi a contribuicéo dos holandeses, por ocasifo da invasio de Pernambuco financiada pela Companhia Holandesa das Tridias Ocidentais em 1630, ap6s 9 mal-sucedido ataque a Salvador em 1623 - 1625. A’fim de promo- ver a ocupacéo da rea, a Companhia apontou, como Governador-Geral, 0 Conde (depois Principe) Johann Moritz van Nassau-Siegen, conbecido no Brasil como Mauricio de Nassau. Tendo este chegado a pernambu- co em 1637 ¢ se estabelecido em Recife com 2.700 homens sob seu comando, fez-se acompanhar de pin- tores ¢ naturalistas, destacando-se entre estes o bota- nico Georg Marggraf ‘“Marcgrave” [20/IX/1610 — ‘V/VIII/1644), natural de Liebstad, Misnia, Saxénia © seu médico, 0 zodlogo holindes, Wilhelm Pies “Pi- so” (Martius, 1853). Grande parte da colegio botanica feita, e publicada por ambos, acha-se hoje na Univer- sidade de Copenhague (C)'e, apenas uma pequena parte, na universidade de Oxford (OXF) — ver Andra- de-Lima, Maule, Pedersen & Rahn (197). Nessas partes da colegio, nenhum fungo € encontrado. No entanto, no relato das atividades desses dois viajantes, publicado em 1648 por joannes de Laet sob o titulo “Historia naturalis Brasiliae” fica demonstrado que Piso teve maior oportunidade de lidar com as plantas do que o proprio Marcgrave. Assim, enquanto no tra- balho de Marcgrave nada consta sobre fungos, Piso, ‘em seu terceiro livro “De Venenis corumque antido- tis” publicado em 1648 reconheceu as pp. 47 sete es- pécies diferentes de Fungi que na lingua tupi eram co- nhecidas sob 0 nome geral de Carapucu. Aquelas que, a0 serem quebradas, perdiam a cor natural eram por ele consideradas venenosas. Plantas nativas conhecidas como jaborand{ (Artanthe luschnathiana Mig. A. cau- data Mig, e Serronia anisum Marcgr.) eram recomen- dadas como antidotos, assim como uma erva vulgar mente chamada de nhambu (planta da familia Compo- sitae pr6xima a Grangea). Essas, informacées, segun- do Martius (1853), Piso as repete em 1658, em sua istoria naturalis”, a5 pp. 309, acompanhadas de ilustrag6es que mais sugerem reprodugdes de figuras de fungos europeus do que espécies brasileiras, como € 0 caso da ilustragio de Agaricus (Amanita) musca- rrius L., copiada de um herbal antigo. Nio é de se admirar, pois, que a coleta mais anti- ga tenha sido feita, no por brasileiros, portugueses ou holandeses, mas sim, por um botlinico francés, Phili- bert Commerson [18/X1/1727 — 13/I11/1773}, natural de Chitillon-les-Dombes, Aisne, Franga, que acom- panhando o Comandante Louis Antoine de Bougain- ville passou pelo Rio de Janeiro, entdo cidade de So Sebastiéo, poucos anos apés o ataque de Duguay Trouin. Na ocasiso, ou seja, em 1767, perto do Rio de Janeiro (bafa de Guanabara), foi coletado um exem- plar de Pycnoporus sanguineus ((L.] G. Meier: Fr.) Murr. hoje depositado no Laboratério de Criptogamia do Museu de Histéria Natural (PC) de Paris, Franca (Fidalgo, 1970). ‘A Metr6pole para assegurar a posse do Brasil ¢ usufruir de continuo proveito da exploragéo de suas Tiquezas, povoou a col6nia estabelecendo uma situaggo de dependéncia para cla, limitando 0 ensino as escolas fundadas por jesuftas que permaneceram mantidas por seus ex-alunos ap6s a expulso da Companhia de Je- sus (Castro, 1955). Tal ensino nao se propunha a di- vulgar os avancos da cincia daqueles tempos, mas ti- tha em ira primordialmente, a catequese ¢ a renovacao dos préprios quadros (Cardoso, Novais & D’Ambr6- sio, 1985). A possibilidade que se oferecia aos brasi- leiros com recursos, ansiosos por saciar a fome de maiores conhecimentos era visualizada to somente, fora dos limites da costa, na extensio da pétria, no além-mar, junto as oringens lusitanas, na Universidade de Coimbré, onde, com a reforma iniciada em 1768 Marqués de Pombal, instalara-se a Faculdade de ilosofia, tendo como reitor reformador o beneditino brasileiro, natural da freguesia de Santo Anténio de Jacutinga, Rio de Janeiro, D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho (5/IV/1735 — 16/1V/1822] — ver Rheinboldt, 1955. ‘Assim, e fécil também entender que tenha ocorri- do em Portugal o primeiro contato de brasileiro com a micologia na pessoa de Vicente Coelho de Seabra Sil- va Telles [1764 — 1824], mineiro, natural de Congo- has do Campo que, em 1787, publicou uma “disser- taco sobre a fermentacdo em geral ¢ suas espécies (Rheinboldt, 1955). Também em Coimbra, sob a orientagdo “de Domenico Vandelli [ca. 1730 ~ 27VI/1816}, italiano, natural de Pédua, que foi professor de Hist6ria Natural e de Quimica da Facul- dade de Filosofia, bem como, diretor do Real Gabinete de Hist6ria Natural dos Trés Reinos, estudou Alexan- dre Rodrigues Ferreira (27/1V/1756 ~ 23/IV/1815}, médico baiano, natural de Salvador, considerado como © primeiro naturalista brasileiro. Por indicagao de seu mestre e aprovacdo da congregacéo da Universidade, foi ele designado a pesquisar os recursos naturais da ‘Amaz6nia. Por ela viajou no periodo de 7/X1/1783 a 15/X/1792, enviando todo material para o Real Gabi- nete, do qual cram partes 0 Real Museu ¢ o Jardim Botinico da Ajuda. Se, no meio desse material, havia algum fungo, & hoje dificil provar. No entanto, Van- delli, em obra sobre a flora do Brasil e a de Portugal, fem que homenageia seu discfpulo com a proposigo do género Ferreira de Rubiaceae (Vandelli, 1788), apre- senta uma lista de doze fungos. Lamentavelmente, da- da a auséncia de informagées adicionais, torna-se im- possivel a exata procedéncia dessas espécies, ou seja, se brasileiras ou portuguesas. Em 1790, outro estudante da Universidade, 0 frei franciscano mineiro, José Marianno da Conceicao Vellozo (1741 — 13/VI/1811}, natural de So José del Rei, hoje Tiradentes, conclufa sua “Flora Fluminense”, na qual trés pranchas, as de nimeros 117, 118 ¢ 119, sdo de fungos; as duas primeiras identificadas como Phallus sp. € a tltima como Peziza sp. A primeira lembra Lepiota Procera (Scop.): Fr., a segunda a Dict- yophora indusiata (Vent.) Desv., enquanto a dltima corresponde a0 Lentinus velutinus Fr. (Fidalgo, 1968). despropésito das identificacdes sugeridas na obra revelam, mesmo para a época, os limitados conheci- mentos micol6gicos de seu autor. ‘As visitas de nao portugueses a0 Brasil cram pouco comuns, seus portos estavam fechados a outras rages. Nao obstante, sabe-se que no herbrio de Jo- han Centurius Graf von Hoffmannsegg [1766 — 1849) havia material coletado no Brasil por Friedrich Wilhelm Sieber [1789 — 1844] no perfodo de 1801 ~ 1807 no Pard. Hoffmannsegg viveu em Portugal entre 1795 e 1801 quando esteve com Johann Heinrich Friedrich Link [1767 — 1851]. Assim, na falta de maiores esclarecimentos torna-se problematica a defi- nico da origem do material cedido por Hoffmannsegg a Link que, a partir deste, em seu livro “Observationes in Ordines plantarum naturales”, descreveu, mais tar- de, cinco espécies novas como sendo brasileiras: Me- rulius daedaleus, Daedalea fusca, Boletus ursinus, Boletus vulpinus ¢ Stereum damicorne (Link, 1809). Tanto 0 material de Hoffmannsegg como o de Link achavam-se depositados no Museu de Berlin (B) onde foram destruidos durante a II Grande Guerra. Em 1807, Napoledo Bonaparte ordena a invasdo de Portugal. Com as tropas francesas comandadas por Junot, chega a esse pais o evolucionista Etienne Geoffroy de Saint-Hilaire (1772 ~ 1844]. Ao retornar 2 Franga, este leva consigo 595 vertebrados, 508 in- a setos, 488 conchas, os herbdrios de Vellozo ¢ 0 de Rodrigues Ferreira com 1.114 exsicatas ¢ mais os ma- nuscritos da “Flora Fluminense”, “Projecture flumi- nensis”, “Specimen Florae americana meridionalis” ¢ “Lepidopteri _profectures fluminensis” de Vellozo, bem como, “Plantas do Paré” ¢ “Zoologia paraense” de Rodrigues Ferreira, materiais que se encontravam no Real Gabinete (Mello-Leitéo, 1917), alem de 554 chapas da “Flora” de Vellozo retiradas da Imprensa Régia de Lisboa (Ferri, 1955). Felizmente, Vellozo conseguiu salvar os originais dos manuscritos e das estampas da “Flora Fluminense” que foram trazidos para o convento de Santo Anténio no Rio de Janeiro, em 1809. Apés sua morte, esse material foi encami- nhado & Real Biblioteca em 13/X1/1811 (Borgmeier, 1961), onde nao the deram maior atengéo ¢ ficou per- dido. Outra consequéncia dessa invaséo, foi a mudan- ga do Principe Regente D. Jodo e sua familia para o Brasil, onde chegaram a 22/1/1808. Do ponto de vista da Corte é de se supor que nada mudava, pois, obvia~ mente o Brasil continuava a ser visto por ela como ‘colénia. Porém, o simples fato de passar a sediar 0 Po- der Decis6rio dé infcio a um perfodo em que grandes transformagGes acontecem. Assim, no Rio de Janeiro, perto da Fabrica de Pélvora, 0 Principe Regente D. Joao, por Decreto de 13 de junho de 1808 mandou preparar uma érea destinada & aclimatagao ¢ cultura de cespeciarias das Indias Orientais que, por decreto de 11 de outubro do mesmo ano, passou a chamar-se Real Horto, embriéo do atual Jardim Boténico do Rio de Janeiro. Anos mais tarde, ou seja, a 6 de junho de 1818 foi criado o Museu Real, depois Museu Nacional onde as ciéncias naturais comecaram a ser cultivadas (Mathias, 1982). Indubitavelmente, ambas as institui- ges desempenharam significante papel no desenvol- ‘Vimento das ciéncias naturais no Brasil, muito embora sem maior realce na evolugéo do conhecimento mico- 6gico do pais. Para esta evolucdo, 0 fato mais expres- sivo na época foi a Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 que abria os portos do Brasil ao livre comércio Anavegagao das nagées amigas. Néo mais tendo Portugal como barreira, os portos brasileiros abriram-se, no apenas para o comércio € navegacées internacionais, mas implicitamente, tam- bém pra a inteligéncia de outras nacées, para a satisfa- do da curiosidade de scus estudiosos, permitindo a visita de naturalistas interessados nas coisas do Brasil. ‘Assim, integrando expedicao russa sob os auspicios de Romanzoff, Louis Charles Adelaide Chamisseau de Boncourt, mais conhecido como Adalbert von Cha- misso (27/1/81 ~ 21/VII/1838}, natural de Boncourt, ‘Champagne, Franca, viajou ao redor do mundo na Rurik de 1815 a 1818 e, nessa viagem, teve a oportu- nidade de coletar ‘fungos, no periodo de 12-27/XI1/1815, na Itha de Santa Catarina, mais tar- de descritos pelo bidlogo germénico Christian Gott- fried Ehrenberg [1785 — 1876] sob os nomes de Thamnomyces chamissonis, Campsotrichum unicolor, Hypochnus rubrocinccutus, Hypochnus nigrocinccus, Agaricus copulatus Boletus sector; além dessas espé- ‘cies mencionou ainda duas Sphaeriae sp., Tubercularia vulgaris Pers., Stereum rubiginosum Link (2), agaricus coriaceus Pers. (2) ¢ Boletus fomentarius Pers. (Ehren- berg, 1820). 49 E nesse ano, ou melhor, a 18 de dezembro de 1815, que o Brasil passa a integrar Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Assim, o Brasil do ponto de vista politico, deixa de ser oficialmente colénia de Portugal, muito embora, a condigdo de dependéncia, implicitamente permanecesse. Com o falecimento de D. Maria I em Portugal o Principe Regente assume 0 titulo de D. Joao VI a 20/I11/ 1816. E, nesse ano, por influéncia do Duque de Luxemburgo, veio ao Brasil Augustin Frangois César Prouvensal, conhecido no meio botdnico como Au- guste de Saint-Hilaire (4/X/1779 — 30/IX/1853), na- tural de Orleans, Franga ¢ que foi discipulo de Antoi- ne Laurent de Jussieu Louiche Desfontaines [1750 — 1833]. Permaneceu no pais até 1822 viajando pelos estados do Espirito Santo, Rio de Janeiro, Minas Ge- mais, Goids, Sao Paulo, Santa Catarina ¢ Rio Grande do Sul, devendo-se a ele as primeiras observacées fi- topatolégicas aqui feitas, ao mencionar, em suas notas de viagem, o estado dos trigais atacados por Puccinia sp., nas diversas localidades percorridas (Jenkins, 1945) ¢ que se instalaram na regiéo dos Pampas a par tir de 1695 (Seep, ). Estando, ha muito, interessado em ampliar as co- logées cientificas do Estado, Maximiliano José I, rei da Baviera, aproveitando a vinda ao Brasil, em 1817, da Arquiduquesa da Austria, D. Maria Leopoldina, que contratara casamento com D. Pedro de Alcantara, principe herdeiro, filho de D. Joao VI, organizou uma comissao cientifica para acompanhé-la, Dessa equipe fizeram parte 0s botinicos: Karl Freidrich Phillip Von Martius [17/IV/1794 — 13/XI1/1868}, nascido em Erlangen, Baviera; Johann Christian Mikan [5/X1I/ 1769 — 24/X1Y 1844}, natural de Teplitz e seu discipulo Johann Emmanuel Pobl [22/11/1782 — 221V/ 1834], nascido em Kamnitz, ambos na Boémia; € Giuseppe Raddi {9/ VII/1770 — 6/IX/1829], natural de Firenze, Itélia, além de dois zo6logos: Johann Bap- tist von Spix e Johann Naterrer; um jardineiro coletor de plantas vivas: Heirinch Wilhelm Schott; um dese- nhista-paisagista, Th. Ender ¢ um desenhista-boténi- co, Johann Buchberger (Martius & Eichler, 1906). Deve-se entender como um fato extraordinério, 0 desembarque a 15 de julho de 1817, no Rio de Janeiro, dessa piéiade naturalista. ‘Ainda nesse_mesmo ano, Charles Gaudichaud- Beaupré (8/IX/1789 ~ 16/1/1864], natural de An- gouléme, Franca, viajando a bordo da corveta Uranic, aportou a 8/XII/1817 no Rio de Janeiro onde perma- neceu até 29/1/1818. Entdo partiu para o Cabo da Boa Esperanca de onde enviou para a Franca quatro caixas contendo plantas (e alguns fungos), cerca de duzentos lepid6pteros e quinhentos outros insetos do Brasil. Ao retornar de Nova Gales do Sul a Uranie, a 15/11/1820, colidiu com um rochedo na baia de Soledad, has Malvinas, naufragando. Seu comandante Freycinet, adquiriu entao o barco argentino Mercury, rebatizan- do-o para La Physicienne. Nele Gaudichaud-Beaupré partiu a 4/V/1820 em direcdo a0 Rio de Janeiro onde permaneceu de 19/VI a 13/X/1820 (Mello-Leitéo, 1941). Se por um lado 0 ano de 1821 estabelece para a micologia uma fase exploratéria de limitadas coletas, por outro, constitui um bom ponto de partida para melhor conhecimento de nossa micota, com as publi- cagdes de Martius (/82/)-e Elias Magnus Fries (15/VIN1/1794 — 8/11/1878}, natural de Femsjo, Sma- land, Suécia (Fries, 1821). 'No campo politico, D. Pedro de Alcantara é in- vestido da posicao de Principe Regente do Brasil a 21 de abril de 1821, fato que propiciou a 7 de setembro do ano seguinte, a proclamagiio da independéncia e sua ascenséo a Imperador do Brasil, como D. Pedro I. Analisando-se esse periodo colonial, dois aspec- tos importantes devem ser destacados: 1. que a U: versidade de Coimbra desempenhou relevante papel na formagéo dos primeiros naturalistas brasileiros, ‘mas por conta disso, também passou a acurnular rele- vante material brasileiro, posteriormente transferido para a Franca; 2. que a abertura dos portos néo apenas favoreceu 0 comércio e a navegagao, mas, ofereceu li- vre acesso As nossas matas a naturalistas estrangeiros que, ao retornarem a Europa, levaram preciosas cole- g0es cientfficas para as instituicdes de origem, de onde foram distribuidas para outras. Assim, se 0 perfodo de 1815 — 1820 mostrou-se especialmente fervilhante, por conta do grande nfimero de visitas de naturalistas das_mais diversas nacionalidades, por outro lado, viu-se 0 Velho Mundo acumulado material boténico brasileiro, como também um pequeno nimero de fun- gos. E evidente 0 excepcional interesse despertado, na €poca, pela flora brasileira no exterior, bem como, inegével a aco expoliadora decorrente, que privou a ciéncia brasileira da documentacdo bésica, responsé- vel, em parte, pelas limitagGes que imps a0 seu de- senvolvimentg. Conseqiientemente, néo € apenas de lastimar que Etienne Geoffroy de Saint-Hilaire tenha se apossado dos herbérios e documentos cientificos de Rodrigues Ferreira ¢ de Vellozo apoiado numa posi- ‘so de poder pela forca, mas também, que naturalistas estrangeiros tenham se prevalecido de uma condigao de poder pelo conheciemnto e do descuido dos gover- nantes portugueses na preservacdo dese material cientifico no Brasil e no desenvolvimento de sua cién- cia, levando o material coletado para o exterior. Essa rética, iniciada no perfodo colonial, perpetuou-se no apenas pelo Brasil Império, mas estendeu-se até nos- 0s dias. ‘Assim, da mesma forma como ocorria no comér- cio e na inddstria, restou a0 Brasil o papel de fornece- dor de matéria-prima também para a ciéncia e, em contrapartida, por conta desse perfodo de intensas co- letas de sua exuberante flora, contentar-se, com certo justo orgulho, de ter ericado ‘ais estimulos que culmi- naram com a publicago de monumental obra que € a “Flora Brasiliensis”. Tendo, a dindmica das interrelagbes sociais, pri- vado o Brasil dos documentos cientificos bésicos que, levados do pais pelos botiinicos viajantes, dispersa- ram-se pelas instituig6es cientificas do exterior , tor- na-se da maior relevancia para a ciéncia, o conheci- mento dos fatos hist6ricos pertinentes, pois que, cer- tamente, contribuiro para uma possivel recuperagdo de documentos ¢ informacées, relativos & micologia brasileira, muitos, de paradeiro ainda desconhecido no presente, 50 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ANDRADE-LIMA, Dérdano de. 1984. A botdnica da carta de Pero Vaz de Caminha. Rodriguésia, Rio de Janeiro, 36 (58): 5-8. . MAULE, Anne Fox; PEDERSEN, Troels Myndel & RAHN, Knud. 1977. Marcgrav's Brazilian herbarium. Collected 1638-44. Botanisk Tidss- krift, Kbenhavn, 7/(2): 121-160, fig. 1-5. BORGMEIER, Thomaz. 1981. Flora Fluminensis de Frei Jos€ Mariano da Conceicéo Vellozo. Publi- cago do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 48: 3-148, CARDOSO, Walter; NOVAIS, Femando A. & D'Ambrésio, Ubiratan, 1985. Para uma hist6ria das cigncias no Brasil colonial (em preparo). CASTRO, Francisco Mendes de Oliveira. 1955. A ‘matemética no Brasil, p. 49-77. In AZEVEDO, Femando de. As ciéncias no Brasil. Sao Paulo: Ed, Melhoramentos, vol. 1, 412p., lust. EHRENBERG, Christian Gottfried. 1820. In NEES ‘AB ESENBECK et al. Florae physicae beroli- nenses. Bonn, p. 77, pl. 17-20. FERRI, Mério Guimarées. 1955. A botdnica no Bra- sil, p. 149-200. In AZEVEDO, Fernando de. As ciéncias no Brasil. S40 Paulo: Ed, Melhora- ‘mentos, vol. 2, 397 p,, ilust. FIDALGO, Oswaldo. 1968. Introduc&o & hist6ria da micologia brasileira. Rickia, Sao Paulo, 3: 1-44, 1970. Adigées a hist6ria da micologia brasi- leira. I. A coleta mais antiga. Rickia, Sao Paulo, 51-9, 1 fig. FONSECA FILHO, Olympio da. 1973. Micologia — (© estudo das doencas do homem ¢ de outros animais, produzidas pelos cogumelos . Precur- sores dos estudos de micologia médica no Bra- sil. Sdo Paulo. Oswaldo Cruz Monumenta His- t6rica, vol. 6; Brasiliensis Documenta, vol. 2, 545 p. FRIES, Elias magnus. 1821. Systema mycologicum. Lundae: Offic. Beelingiana, vol. 1, 520 p. JENKINS, E. 1945. Saint-Hilaire’s records of dama- ge from wheat rust in Brazil. Chronica botani- ca, Waltham, 9: 147-150, LACAZ, Carlos da Silva, 1983. Hist6ria da micologia médica no Brasil. Ciéncia e Cultura, S40 Paulo, 35(11): 1599-1607. LINK, Johann Heinrich Friedrich. 1809. Observatio-

Você também pode gostar