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trutura semelbante 20 castelhano, ov 20 alemio, mina de ritmos, No que diz respeito ao espanhol, vale pena repetir que 0 apogeu da versificasio ritmica, conseqi Gia da reforma levada a cabo pelos poetas hispano-ame ricanos, 6 na realidade uma volta ao verso espanhol tra ddicional, Mas esse regresso nio teria sido possfvel sem a influéncia de correntes potticas estrangeiras, a francesa ‘em particular, que mostraram a correspondéncia entre ritmo e imagem poética. Repito: ritmo e imagem sfo in- separéveis. Essa longa digressio nos leva a0 ponto de ppartida: s6 a imagem poderé nos dizer como 0 verso, que € frase ritmica, ¢ também frase que possui sentido. A IMAGEM ‘A palavra imagem possui, como todos os vocébulos, vyersas significapses. Por exemplo: vito, repress, ‘como quando falamos de uma imagem cu esculture de Apolo ou da Virgem. Ou figura real ou ireal que evoce. ‘mos ou produzimos com a imaginacio. Nesse sents: vyootibulo possui um valor psicolégico: as imagens tio ‘produtos imaginérios. Nao sio esses seus tnicos signifi. ‘eados, nem 0s que aqui nos interessam. Convém adver. tit, pois, que designamos com a palavta imagem toda forma verbal, frase ou conjunto de frases, que o poeta diz e que, unidas, compdem um poema,' Essas expres ‘mam comparagées, similes, metiforas, jogos de palavras, Paronomésias, simbolos, alegorias, mitos, fébulas, etc. que sejam as diferengas que as separam, to- das tm em comum a preservacéo da pluralidade de sig- nificados da palavra sem quebrar a unidade sintéti Poema composto de imagens — contém muitos signifi ‘cados contrérios ou dispares, aos quais abarca ou recon- cilia sem suprimi-los. Assim, San Juan de la Cruz fala de la miisica callada, expressio na qual se aliam dois ‘termos em aparéncia irreconcilidveis. O herdi trégico, ‘ease sentido, também é uma imagem. Exemplificando: de Antigona, despedacada entre a piedade divi- ‘a-e as leis humanas. A c6lera de Aquiles tampouco & Jodiberto Vermengo propse, para evita contends, « expres “mensio 9 simples € nela se unem 0s contririos: 0 amor por Pitro Gere a piedade por Priamo, o fascinio ante uma morte floriosa e 0 desejo de uma vida longa, Em Sigismundo HP rigilia.e 0 sonho se enlagam de mancira indissohivel misteriosa, Em Edipo a liberdade © 0 destino... imagem é cifra da condigio humana. Fpica, dramética ou lirica, condensada numa frase ou esenyoivida em mil paginas, toda imagem aproxima ou onjuga realidades opostas, indiferentes ou distanciadas nite si, Isto é, submete & unidade a pluralidade do teal. Conceitos e leis cientificas nfo pretendem outra ‘coisa, Grasas a uma mesma redugio racional, individuos f objetos — plumas leves e pedras pesadas — conver- tem-se em unidades homogéneas. Nao sem um justfi- ado essombro as criangas descobrem um dia que um quilo de pedras pesa © mesmo que um quilo de plumas. Custalhes muito reduzir pedras ¢ plumas & abstr quilo. Daose conta de que pedras ¢ plumas abandona- am sua maneira prépria de ser e que, por uma escamo- teaglo, perderam todas as suas qualidades sua auto- nomia, A operaco unificadora da ciéncia mutila-as © empobrece-as. © mesmo no ocorre com a poesia. O Porta nomeia as coisas: estas so plumas, aquelas so pedras. isto € aquilo. Os elementos da imagem nfo perdem seu ca- iter concreto ¢ singular: as pedras continuam sendo edras, dsperas, duras, impenetraveis, amarelas de sol de musgo: pedras pesadas. E as plumas, plu- A imagem resulta escandalosa porque de- salia io de contradi¢éo: 0 pesado € 0 leve. identidade dos contrérios, atenta contra de nosso pensar. Portanto, a realidade i A verdade, O poe- ‘ou verdes. E i so ¢ 0 do ser, mas 0 do “impossivel verossimil” de ‘Apesar dessa sentenga adversa, 0s poctas se obstinam fm tfiemar que a imagem revela 0 que ¢ € néo o que ser. E ainda mais: dizem que a imagem recria t. Desejosos de restaurar a dignidade filosGfica da ‘alguns nfo vacilam em buscar o amparo da 1. Com efeito, muitas imagens se ajustam do processo: a pedra ¢ um momento retlidade; a pluma, outro; de seu choque surge a Tealidade. Nao € necessério recorrer a jimpossivel enumeracio das imagens para se dar de que a dialética ndo abarca a todas. Algumas primeiro termo devora 0 segundo. Outras, 0 se- neutraliza 0 primeiro. Ou nio se produz o tercei- € 0s dois elementos aparecem frente a frente, ik VF THEE Aine : se ‘que de uma verdadeira identidade. No processo dialéti- © pedras ¢ plumas desaparecem em favor de uma ter- ceira realidade, que j4 néo é nem pedras nem plumas, ‘Contudo, em algumas imagens — pre- sisamente as mais altas — continuam sendo 0 que sio: © aquilo € aquilo; ¢ a0 mesmo tempo, isto € Pedras sio plumas, sem deixar de ser pedras. © leve. Néo hé a transmutacio qualitative i i i sificltocia — porque € insufieitncia nto poder explicar Aigo que esté af, diante dos noss0s olhos, tho teal como G resto da chamada realidade — talvez. consista em que f dialtica € uma tentativa de salvar 08 principios loy. fos — em especial 0 de contradigio — ameasados por fun cada yee mais visivel incapacidade de digetir 0 ca iter contraditério da realidade. A tese nio se dé ao ‘mesmo tempo que a antitese; e ambas desaparecem para dar Tagar a wma nova afirmagio que, 20 englobé-las, fransmuta-as, Em cada um dos trés momentos reina o principio de contradigo, Nunca afirmago e negario se dio como realidades simultineas, pois isso implicaria a ‘supressio da propria idéia de proceso. Ao deixar in- tacto o prinefpio de contradigao a l6gica dialética con- dena a imagem, que dispensa esse principio. ‘Como as outras ciéncias, a ldgica no deixou de se fazer a pergunta critica que toda disciplina deve se fazer em dado momento; a de seus fundamentos. Tal é, se ni me equivoco, o sentido dos paradoxos de Bertrand Russell e, no extremo oposto, o das investigagSes de ‘Husserl, Assim, surgiram novos sistemas légicos. Alguns poetas se interessaram pelas investigagdes de S. Lupasco, ‘que se propie a desenvolver séries de proposigdes fun- dadas no que se chama de principio de contradi¢ao com- plementéria, Lupasco deixa intactos os termos contré- ios, mas sublinka sua interdependéncia. Cada termo pode se atualizar em seu contrério, de que depende em ‘razio direta ¢ contraditéria. A vive em fungio contradi- téria de B; cada alteragio em A produz conseqiiente- ‘mente uma modificacdo, em sentido inverso, em B.* Ne~ ‘poling Lareco, Le orincze danagnione etl lope de Perl im ¢€ afirmagfo, isto © aquilo, pedras ¢ plumas, fimultaneamente © em fungio Paes ae sna seu © principio de contradicso complementiia gumas imagens, mas nio todas, O mesmo tlver ng ge dizer de outros sistemas logicos. Ora, 0 posma 36 proclama a coexisténcia dinimica ¢ necesstia de seus contrérios como sua identidede final. E essa recon. tilisgdo, que no implica redugio nem transmutagio de singularidade de cada termo, 6 um muro que até tgora o to ocidental se recusou a saltar ou a perfurar Desde Parménides nosso mundo tem sido o da distingio nitida e incisiva entre o que é ¢ 0 que no é. © ser do €0 nloser. Esse primeio desnraizamento — porque como arrancar 0 ser do caos primordial — constitu @ fndamento de nosso pensar. Sobre esa concepts gonstruivse o edificio das “idéias claras e distntas” que, Bes ses Dita do Ocidec, amb son uma espécie de ilegaidade todas as tentativas de apreender o ser por caminhos que nio fossem os des- $e exo da poesia sto cadn dia mais evidentse aera Aoras: 0 homem & um desterrado do fuireSsmico e de ‘mesmo. Pois ninguém ignora que a metafisica ociden- termina num solipsismo. Para rompélo, Hegel re- até Herdclito, Sua tentativa nao nos devolveu a O castelo de cristal da dialética revela-se a0 fim ky um labirinto de espelhos. Husserl coloca de no- todos os problemas e proclama a necessidade de “vol- ‘20s fatos”. Mas o idealismo de Husserl parece de também num solipsismo. Heidegger retorna ‘Para se fazer a mesma pergunta que rea) 2 se fer Parménides e encontrar uma resposta que iio imo bilize © ser. No conhecemos ainda a ultima palavra ve Heidegger, mas sabemos que sua tentativa de encom ‘ser na existéncia tropegou num muro, Agora, segunda Imostram alguns dos seus wltimos escritos, voltase pry a poesia, Qualquer que seja 0 desenlace de sua aventurs Geerto€ que, deste Angulo, a historia do Ocidents ser vista como a histéria de um erro, um extravior no uplo sentido da palavra: distanciamo-nos de nds mes. mos 20 nos perdermos no mundo. Hé que comecar ou tra vez. © pensamento oriental nfo sofreu desse horror a0 “ou. fro", a0 que € e no é a0 mesmo tempo. O mundo oci dental € o do “isto ou aquilo”. J4 no mais antigo upani- Xade se afirma sem reticEncias o principio da identidade dos contrérios: “Tu és mulher. Tu é homem. Es 0 ra- az e também a donzela. Tu, como um velho, te apdias num cajado... Tu 5 0 passaro azul-escuro ¢ 0 verde dde olhos vermelhos... Tu és as estacGes e os mares.”* E essas afirmagSes 0 upanixade Chandogya condense-as na célebre f6rmula: “Tu és aquilo”. Toda a histéria do Pensamento oriental parte dessa antiquissima afirmacio, do mesmo modo que a do Ocidente se origina da de Par- ‘ménides. Esse € 0 tema constante da especulacdo dos grandes fildsofos budistas © dos exegetas do hindufsmo ‘© taofsmo revela as mesmas tendéncias. Todas essas doutrinas reiteram qe a oposi¢ao entre isto e aquilo é, simultaneamente, relativa ¢ necesséria, mas que hé um ‘momento em que cessa a inimizade entre os termos que ‘nos pareciam excludentes. | Sueamatars Upanishad. The thiten principal, upanishads, arlated “he Sonshel by RE. Hume, Oxford University Press 1951 8, Chuangetsé assim explica 0 ariter funcional ¢ relativo dos opostos: “'Nio hi nada {Que nio seja isto; niio hi nada que no seja aquilo. Isto vive em fungio daquilo. Tal é a doutrina da interdepen- déncia disto © daquilo. A vida ¢ vida diante da morte. E viceversa. A afirmacio 0 ¢ diante da negagio. E vice-versa. Portanto, se alguém se apéia nisto, teria de negar aquilo. Mas isto possui sua afirmaglo © sua ne- ‘gacio e também engendra seu isto e seu aquilo. Portanto, ‘© verdadeiro shbio despreza 0 isto © o aquilo ¢ se refugia no Tao...” Hé um ponto em que isto © aquilo, pedras © Plumas, se fundem. E esse momento néo esté antes nem depois, no principio ou no fim dos tempos. Néo é Paraiso natal ou prénatal nem céu supraterreno. Néo vvive no reino da sucesso, que é precisamente 0 dos con- {trétios relatives, mas esté em cada momento. E cada ‘momento. E 0 préprio tempo engendrando-se, fluindo- se, abrindo-se a um acabar que é um continuo comesar. Jorro, fonte. Af, no proprio scio do existir — ou melhor, do existindo-se —, pedras © plumas, o leve € 0 pesado, neceree © morrerse, ers, slo uma e mesa coisa. conhecimento que as doutrinas orientais nos pro- Oem nio ¢ transmissivel em férmulas ou raciocinios. A 0 corpo ¢ do espirito. A meditacgo no nos esting we want”, © feauecimento de todos os ensinamentos ¢ a 8 todos os conhecimentos. Ao fim dessas pro- ‘empreender a viagem e nos defroniar com a mirada fe vazia da verdade. Vertiginosa em sua imo hilidade; vazia em sua plenitude. Muitos sécutlos antes ‘que Hegel descobrisse a equivaléncia final entre o nada absoluto © 0 pleno ser, os upanixades tinham definido ‘5 estados de vazio como instantes de comunhio com o ser: “O mais alto estado se alcanga quando os cinco instrumentos do conhecer permanecem quietos © juntos tna mente ¢ esta no se move.” Pensar é respirar. Reter ‘oalento, deter a circulagio da idéia: produzit 0 vazio para que o ser aflore. Pensar é respirar porque pensa ‘mento e vida no so universos separados e sim vasos comunicantes: isto é aquilo. A identidade dltima entre © homem ¢ o mundo, a consciéncia ¢ 0 ser, o sere a exis- téncia, € a crenga mais antiga do homem e a raiz da cigncia e da religiio, magia © poesia. Todas as nossas ‘empresas se orientam para descobrir 0 velho cami- tho, a via esquecida da comunicagao entre os dois mundos. Nossa busca tende a redescobrir ou a verificar ‘a universal correspondéncia dos contrérios, reflexo de sua identidade original. Inspirados nesse principio, os sistemas tintricos concebem 0 corpo como metéfora ou imagem do cosmo. Os centros sensiveis sfo nés de ener gia, confluéncias de correntes estclares, sanguineas, ner- vyosas, Cada uma das posturas dos corpos abragados & © signo de um zodiaco regido pelo ritmo triplice da seiva, ddo sangue ¢ da luz. O templo de Konarak ¢ coberto por uma delirante selva de corpos enlagados: esses corpos so também s6is que se levantam de seu leito de chamas, ‘estrelas que se acoplam. A pedra arde, as substincias ‘enamoradas se entrelagam. As bodas alquimicas no so | Katha Upanishad; ver note anterior. diversas das humanas, Po-Chu-1 nos conta num poema autobiogrético que: In the middle of the night I stole a furtive glance; The two ingredients were in affable embrace, Their attitude was most unexpected They were locked together in the posture of man (and wife, Intertwined as dragons, coil with coil. * Para a tradigfo oriental a verdade € uma experiéncia pessoal. Portanto, em sentido estrito, € incomunicével Cada um deve comesar ¢ refazer por si o processo da verdade. E ninguém, exceto aquele que empreende a aventura, pode saber se chegou ou nio a plenitude, & jidentidade com o ser. 2 ‘conhecimento € inefével. As veres, esse “estar no saber” se exprime numa gargalha- 4a, num sorriso ou num paradoxo. Mas esse sortiso po- de também indicar que 0 adepto nfo encontrou nada. ‘Todo conhecimento se reduziria entio a saber que 0 co- ‘hecimento € impossivel. Uma vez ou outra os textos teal com esse género de ambigiiidades. A dou- Povo, em siléncio. O Tao é indefinivel e ino- ‘mindvel: ‘© Tao que pode ser nomeado nfo é 0 Tao ‘Absoluto; os Nomes que podem ser pronunciados no io 0s = ae ‘Chuang-tsé afirma que a lin- uagem, por sua pr natureza, néo pode exprimir 0 Pera ciieslAnde nt nao é muito distinta da que se ladores da Idgica simbdlica. “O Tao nfo fi sr defn... ‘Aquele que conhece nao fala. E rs ue fala nio conhece. Portanto, © Sébio prega a dou- + Auth Waley, The le and timer o} Pohl, Lone, 148 dh trina sem palavras." A condenagio das palavras origina se da incapacidade da linguagem de transcender o mun, 4 dos opostos relatives ¢ interdependentes, do isto em fungo do aquilo, “Quando se fala de apreender a ver dade, pensase nos livros, Mas of livros so feitos de palavras, As palavras, é claro, t&m um valor. O valor das palavres reside no sentido que ocultam. Ora, esse sentido niio é sendo um esforgo para alcansar algo que tno pode ser aleangado realmente pelas palavras.”* Com feito, o sentido aponta para as coisas, assinala-as, mas jamais as alcanga. Os objetos e ‘além das pa- lavras. Apesar de sua critica da linguagem, Chuang-sé nio renuneiou 2 palavra. O mesmo acontece com 0 budismo Zen, dovtrina que se resolve em paradoxos ¢ em silén- cio, mas & qual devemos duas das mais altas criagdes ‘yerbais do homem: 0 teatro NO e o haiku de Basho. ‘Como explicar essa contradicao? Chuang-sé afirma que ‘0 sabio “prega a doutrina sem palavras”. Ora, 0 taofs- ‘mo — diversamente do cristianismo — nio eré nas boas agées. Tampouco nas més: simplesmente nfo cré nas ages. A prédica sem palavras a que alude 0 fildsofo ‘chines no é a do exemplo, mas a de uma linguagem que seja algo mais que a linguagem: palavra que diga o in- izivel. Embora Chuangetsé jamais tenha pensado na poesia como lis ‘eapaz de transcender 0 sentido disto e daquilo e de dizer 0 indizivel, nfo se pode seps- rar seu raciocinio das imagens, jogos de palavras ¢ ou tras formas posticas. Poesia e pensamento se entretecem fem Chuangsé até formar uma sé tela, uma dinica mo- ‘éria insdlita. © mesmo se deve dizer das outras dovtri 1 Anhur Waley, The way and its power, A study of the Tao Te Chine lent muh Cas. 18, to taoksta, ° ae Ort te comprecsia, Quando Chumng ‘do Tao implica um retor Ho ena cape de conscldncia element ou original, fcados relativos da linguagem se mostram see cae tam ro de paavas sie € 0m postico, Diz que essa experiéncia de regresso a0 == cme @ “entrar na gaicla dos pésss- fos sem fazt-los cantar”. Fan 6 gaiola ¢ regresso; ming G canto e nomes.' Assim, a frase quer dizer também: “yegressar para ali onde Os nomes nio s80 necessérios”, a0 siléncio, reino das evidéncias. Ou ao lugar onde os fomes e as coisas se fundem ¢ so a mesma coisa: & ‘poesia, reino onde nomear & ser. A imagem diz o indi- ivel: as plumas leves so pedras pesadas. Hé que re- tornar & linguagem para ver como a imagem pode dizer ‘© que, por natureza, a linguagem parece incapaz de di- er. significado: sentido disto ou daquilo. As Sivas, o podrie pean’ © tre €'ave ot 40 pesado, o escuro diante do Iuminoso, ete. To- comunicagio vivem no mundo ‘eferéncias © dos significados relativos. Daf que se Conjuintos de signos dotados de certa mobilidade. Por Gamo, no caso dos niimeros, um zero & esquerda nfo fea Mesmo que um zero a dircita: as cifras modificam sienificado de acordo com sua posigdo. Outro tanto Graig eS lnguagem, s6 que sua gama de mobilidade comuniceot 38 de outros processs de signiticagdo . voedbulo possui vérios significa- * Autr Waly, op. dos, mais ow menos conexos entre si, Esses significados fe ondenam ¢ se precisam de acordo com 0 lugar da pa favra na orago. Os outros desaparecem ou se atenuam, Gv, dizendo' de outro modo: em si mesmo o idioma é ‘uma infinita possibilidade de significados; ao se atualizar frase, ao se converter verdadeiramente em lingua- iidade se fixa numa tinica diregio. Na ‘a imagem, encerrando dois ou mais sentidos, ser una ¢ resistir & fensdo de tantas forgas contrérias, sem se con- Yerter num mero disparate? Hé muitas proposigSes, per- feitamente corretas quanto ao que chamariamos de sintaxe gramatical e Iégica, que terminam por ser um ‘contra-senso. Outras desembocam num sem-sentido, co- ‘mo as citadas por Garcia Lorca em sua Introduccién a a Idgica moderna (“o mimero dois € duas pedras”). Mas imagem nfo é nem um contra-senso nem um sem-senti- ‘Assim, a unidade da imagem deve ser algo mais que ‘meramente formal que se d4 nos contra-sensos e em ‘geral em todas as proposicOes que ndo significam nada ‘ou que constituem simples incoeréncias. Qual pode ser ‘© sentido da imagem, se vérios ¢ dispares significados Tatam em sew interior? ‘As imagens do poeta tém sentido em diversos niveis. [Em primeiro lugar, possuem autenticidade: 0 poeta as vviu ow ouviu, sio a expresso genuina de sua visio ¢ ge essas imagens constituem uma realid sh mesma: sho obras. Uma paaagem ea’, ie sagem de Géngora nko tural, mas ama dade: a de tém a sua propria légica © ninguém se escandslia Gis 0 poets dign ges Spun € rsa ow gn ps es del sauce” (Carlos Pellicer). Mas essa ve sie Sa in a ae ‘verso, Finalmente, o poeta afirma que suas imagens nos dizem algo sobre’o mundo ¢ sobre née mesmos que tH86 algo, ainda que paresa um disparate, nor revels de fato © que somos. Essa pretensio das imagens poftcas een gum fundamento objeto? © aprent cnt senso ou. sem-sent : ico encerra = postico algun ‘Quando percebemos um objeto qualquer, este se nos ‘apresenta como uma pluralidade de qualidades, sensa- 66s e significados. Essa pluralidade se unifca instan Yaneamente no momento da percepeio. © elemento uni- ficador de todo esse conjunto de qualidades de forms: 00 sentido. As coisas possuem um sentido. Mesmo no ‘Sts0 da mais simples, casual e distraida percepglo, ve- tifica-se uma certa intencionalidade, segundo demons- ‘traram 98 andlises fenomenol6gicas. Assim, o sentido nio ‘86 6 0 fundamento da linguagem como também de toda {que nfo seja comum ao resto dos homens ‘em que consiste a operasio unificadora para diferencié-la das outras formas de ex- ‘da realidade. Todas as nossas versGes do real — silogismos, descri- es, firmults cientificas, comentiios de ordem priti- fa, etc. — nfo recriam aquilo que pretendem exprimir. Limitamse a representé-lo ou descrevé-lo, Se vemos uma cadeira, por exemplo, percebemos instantaneamente sua ‘cor, sus forma, os materiais com que foi construfda, etc. ‘A apreensio de todas essas caracteristicas dispersas nao € obsticulo para que, no mesmo ato, nos seja dado 0 significado da.cadeira: 0 de ser um mével, um utensilio. ‘Mas, se queremos descrever nossa percepgio da cadeira, teremos de ir a0s poucos ¢ por partes: primeiro sua for- ma, depois sua cor, e assim sucessivamente até chegat 20 significado. No curso do processo descritivo foi se per- endo pouco a pouco a totalidade do objeto. A princi- Bio a cadeira foi apenas forma, mais tarde uma certa ‘spécie de madeira, ¢ finalmente puro significado abs- ‘rato: a cadeira € um objeto que serve para sentar. No ‘poema a cadeira é uma presenca instanténea e total, que fere de um golpe a nossa aten¢o. O poeta ndo descreve ‘t cadeira: coloce-a diante de nés. Como no momento da percepao, a cadeira nos ¢ dada com todas as suas quali- ‘dades contrérias €, no épice, o significado. Assim, a ima- {Bem reproduz o momento de percepeao ¢ forca o leitor i ura ¢ remota. © poema now faz recong Moe: 0 que somos realmente, "THY © aue exquee. ‘A ccadeira € muitas coisas 20 sentar, mas também pode ter corre com as palavras. Tio logo tees nitude, readquirem seus signifcados ¢ A ambigiidade da realidade, tal come momento da percepgio: no obstante, possuidor. obra da imagem produz ‘mesmo tem ato tempo: serve para 808. Outro tanto nguistam sua ple "aloe pride, 4 apreendemos no imediata, contraditéria, plural fa de um sentido rectndito, Por © a insantoes resents entre © nome e o objeto, ene reprecatns ee lidade. Portanto, 0 acordo entre 0 sujcto c o soja Fence ene eg eco de ‘poeta nfo usasse da linguagem c se esa linguagem, por meio da imagem, nao recuperasse sua rigueza orginal ‘Mas essa volta das palavras a sua natureza primeira — isto é, & sua pluralidade de significados — ¢ apenas 0 primeiro ato da operagdo poética. Ainda néo apreende- ‘Mos completamente o sentido da imagem poética. Toda frase possui uma referéncia a outra, € suscett- vel de ser explicada por outra, Grazas 3 mobildads dos ‘signos, as palavras podem ser explicadas pelas palavras. Quando tropecamos numa sentenca obscura, dizemos: © que essas palayras querem dizer ¢ isto ou aquilo.” E Para dizer “isto ou aquilo” recorremos a outras palavras. Toda frase quer dizer algo que pode ser dito ou expli- ‘eado por outra frase. Em conseqiiéncia, o sentido ou sig- Mificado € um querer dizer. Ou seja: um dizer que se Pode dizer de outra mancira. © sentido da imagem, elo contrério, 6 a propria imagem: nBo se pode om outras palavras. A imagem explicase si mene Nada, exceto ela, pode dizer o que quet dizer. Seat © imagem. so a mesma coisa. Um poema nio (em TS Sentido que suas imagens. Ao vera cadre, #Pre= 13 instantaneamente seu sentido: sem necessidade de re- correr & palayra, sentamo-nos. © mesmo ocorre com o fpoema: suas imagens no nos levam a outra coisa, como ‘corre com a prosa, mas nos colocam diante de uma rea- fidade concreta. Quando 0 poeta diz dos ldbios de sua ‘mada; “pronuncian con desdén sonoro hielo”, nao faz ‘um simbolo da brancura ou do orgulho. Coloca-nos diante de um fato sem recorrer & demonstragio: dentes, pala. ‘vras, gelos, lébios, realidades dispares, apresentam-se de ‘um 86 golpe diante de nossos olhos, Goya no nos descre- ‘ye os horrores da guerra: oferece-nos simplesmente a imagem da guerra. Os comentérios, as referencias ¢ as explicagSes ficam sobrando. O pocta nfo quer dizer: diz, Oragtes ¢ frases so meios. A imagem nao € meio; susten- tada em si mesma, ela é seu sentido. Nela acaba ¢ nela ‘comeca. © sentido do poema é o proprio poema. As ima- gens séo irredutiveis a qualquer explicagio ¢ inter- pretagio. Assim, as palavras — que haviam recupe- ado sua ambigiidade original — sofrem agora outra desconcertante e mais radical transformago. Em que consiste? Derivados da natureza significante da linguagem, dois atributos distinguem as palavras: primeiro, sua mobi dade ou intermutabilidade; segundo, em virtude de sua mobilidade, » cepacidade de uma palavra poder scr cexplicada por outra. Podemos dizer de muitas manciras idéia mais simples. Qu mudar as palavras de um texto ‘ou de uma frase sem alterar gravemente 0 sentido. Ou explicar uma sentenga por outra. Nada disso ¢ possivel ‘com a imagem. Hé muitas manciras de dizer a mesma ‘coisa em prosa; s6 existe uma em poesia. Nao é a mes- ‘ma coisa dizer “de desnuda que esté brilla 1a estrella’ ‘ela estrella brilla porque esté desnuda”. © sentido se al degrado na segunda vers em explicag gs le afirmagio cop rasteira. A corrent verte baixa de tensio. A imagem far com Petes ‘ofr um am sun mobilidadentrmtap i a8 pe fe foram insubtutcnrepurn 05, ton instrumentos. A linguagem deixa de sey 82 de sex etorno da linguagem & natureza ongach “iio. O ser 0 fim Gltimo da imagem, ¢ apenas» pais Paria far para wma operasio ainda mais radical gett tocada pela poesia, cessa imediatemens so neiaee™ gem. Ou seja conjunto de signs moves get © poema transcende a linguagem. Fica ager ce © que eu disse ao comesar este livro: 0 posta fing, eee me te: pe ag prose ou da conversagio —, mas € tambéa algens oisa mais. E esse algo mais ¢ inexplicdvel pela lingua em, embora s6 possa ser alcangado por ela. Nascido da alavra, o poema desemboce cm algo que a ultrapassa ‘A experiéncia pottica & irredutivel & palavra e, nio Obstante, s6 2 palavra a exprime. A imagem reconciia 8 contrérios, mas essa reconcliagio ndo pode ser Plicada pelas palavras — exceto pelas da imagem, que jé deixaram de sélo. Assim, a imagem € um recurso dese erado contra o siléncio que nos invade cada vez que t=- amos exprimir a terrfvel experiéncia do que nos rodeia € de nds mesmos. O poema é linguagem em tensfo: em @xtremo de ser ¢ em ser até o extremo, Extremos da pa Tavra e palavras extremas, voltadas sobre suas préprias fntranhas, mostrando o reverso da fala: o siléacio ¢ ¢ Niio-significagio, Mais aquém da imagem, jaz 0 mundo do idioma, das explicagSes ¢ da histéria, Mais além, abrem-se as portas do real: signifi Certo, nem em todas as imagens 08 opostos se recon. citiam sem se destruir. Algumas descobrem semelhancas fete os termos ou elementos de que se comple a real ade: so as comparagies, segundo Aristételes as defi i sm “realidades contrérias” ¢ produ: como diz Reverdy. insuperdvel ou um semsentido absoluto, que denuncia 0 cardter irisério do ‘mundo, da linguagem ou do homem (a essa classe per tencem 0s disparos do humor e, jé fora do fmbito da poesia, as piadas). Outras nos revelam a pluralidade ¢ interdependéncia do real. Hé, enfim, imagens que rea- lizam 0 que parece ser uma impossibilidade, tanto 16g ‘ca quanto lingiistica: casamentos dos contrérios. Em todas elas — apenas perceptivel ou inteiramente real do — observa-se 0 mesmo processo: a pluralidade do teal manifeste-se ou expressese como unidade sltima, sem que cada elemento perca sua singularidade essencial. As plumas sio pedras, sem deixarem de ser plumas. A linguagein, voltada sobre si mesma, diz 0 que por natu- teza parecia Ihe escapar. © dizer poético diz o indizivel. A censura que Chuangetsé faz & palavra no atinge @ imagem, porque cla jé no é, em sentido estrito, funszo verbal. Com efeito, a linguagem € sentido disto ou da- quilo. © sentido € o nexo entre © nome € aquilo que no- ‘eames. Assim, implica distancia entre um e outro. Ac fenunciarmos certa classe de proposigio (“O telefone & ‘comer”, “Maria € um triingulo”, ete.) produz-se um sem- sentido’ porque a distincia entre a palavra e a coisa, 0 ‘igno ¢ 0 objeto, toma-se insalvvel: ponte, o sentido, ompeuse. O homem fica 56, encerrado em sua lingua: 1a distincia entre a palavra ¢ a coisa se redux ou setae 2 ne compet: © nome eo nomeado slo a meama coisa. O sentido — na medida em que € nexo ‘ou ponte — também desaparece: jé nfo hé nada que fapreender, nada que assinalar. Mas no se produz 0 sem sentido ou 0 contra-sentido, ¢ sim algo que € indizfvel ¢ inexplicdvel, exceto por si mesmo. Outra vez: 0 sentido da imagem 6 a propria imagem. A linguagem ultraps 0 eirculo dos significados relativos, 0 isto © 0 aquilo, pedras sio phimas, isto € aquilo. A representa: apresenta. Nao alude 8 realidade; pretende —e As vezes consegue — recrié-la. Portanto, a poesia é ‘um penetrar, um estar ou ser na realidade. ‘A verdade do poema apéia-se na experincia poética, 4que no difere essencialmente da experiéncia de identi- ficaglo com a “realidade da realidade”, tal como foi des- ita pelo pensamento oriental e uma parte do ocidental. Essa experiéncia, reputada indizivel, expressa-se © co. tmunicase pela imagem. E agui nos defrontamos com ou- tra perturbadora propriedade do poema, que seré exa- minada mais adiante (no ensaio “A revelagdo poet ea"): em virtude de ser inexplicével, exceto por si ‘mesma, a maneira propria de comunicacdo da imagem nll 6 a transmissio conceitual. A imagem néo explica convidarnos a recrié-la e literaimente a tevivela. O di, a? Poeta se encarna na comunhi msmuta 0 homem ¢ conve sem it 6, em espago onde co eonretee is hens a Scat homem, desem consigo quando se faz, ima " ure A Poesia € metamorfose, mudanca’ ona cs. © Por isso confina com a magic, « weigigonc “ magia, a religiio e

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