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FUNDAGAO EDITORA DA UNE FABIANA DE SOUZA FREDRIGO GUERRAS E ESCRITAS | A CORRESPONDENCIA DE SIMON BoLivar (1799-1830) editora unesp 2 GUERRA, HONRA E GLORIA: ATOS E VALORES DO MUNDO DE SIMON BOLIVAR 17/05/1816. Tomo I, R171, p.276, Cépia O universo bolivariano e o sentido de comunidade: os principios constitutivos da escrita epistolar A correspondéncia de Simén Bolivar surpreende o leitor porque presenta confitos que a historiografia parecia ter resolvido em sua ‘operacao de limpeza e filtragem da fonte. A novidade oferecida pelas cartes abre perspectivas para reformular perguntas feitas quando do ‘tratamento da independé: América do Sul, de colonizagao espa- conseque ser reposto pela historiografia mais tradicional, laentreduasabordagens: orahé um quadrodistintoe distante revelado pela operagio historiografica, ora ha um quadro proximo demais que nZo apresenta, contudo, a devida mediagao critica, a ser ‘estabelecida por ocasifo do contato entre o docums 80 rasiaa ne souza FREDRIGO construir uma histéria da América do Sul na qual nio se discorresse sobre a importincia da figura de Bolivar. Nesse sentido, se, por um gtifica que desconsiderou a critica da fonte, ‘vel capez de apagar a centralidade uma leitura acritica e uma lei- tura estrutural que privasse os atores histéricos de um lugar ~ eram apenas parte de uma classe — interpunha-se um vazio explicativo. A centralidade da figura bolivariana na construgdo das independéncias io podia ser negada, pois definitivamente Simén Bolivar tornou-se um ator histérico referencial para o desvendamento desse processo. a centralidade da figura de Bolivar no poderia impedir a -da fonte, mas foi essa a manobra que se configurou. O desprezo & critica também atendeu a interesses especificos. As icas que cuidaram de fundar uma nacionalidadeeuma nagodesconsideraram na fonte o quendo servia aointeresse explicito de forjar a coesio politica & recém-nascida repuiblica —esse foi o caso da Venezuela, Eniretanto, incbmoda é permanéncia de uma narra- tiva histérica que despreza a necesséria critica do documento. Como ‘ocultocriadoem tornoda figura ide exclusiva da historiografia venezuelana (Carrera-Damas, 1969), esse culto, analisado em 1969, ainda nZofoj superado,o que permitea Nikita Harwich (2003) discutir sobre uin “labirinto historiogréfico”. A incapacidadeda historiografia, especialmente a venezuelana, de fixar a critica do documento como parte da operagao historiogrifica e de fugir do seu cariter testemu- shal aponta para uma importante consideragao: a histéria rendeu-se Amemeéria doa lida em duas tendéncias, no ‘caso, uma leitura bolivariana e uma antibolivariana. Narrada assim, historia assumia a centralidade do personagem, ora para defen Guemeaseesceras 81 ora para detraté-lo. No primeiro caso, as fontes foram apropriadas de modo testemunbal, portanto, ndo houvea mediagao critica. As agdes de Bolivar foram justificadas pela fala do proprio ator «Bes de opasitores de Bolivar, como Hipp ? foram utilizados para contestar a narrativa bolivariana. Apesar desse us ana rebateu as citicas apoiadas nos relatos de Ducoudray ¢ Hippisley, descaracteri- zando moralmente a validade de seus testemunhos. Essa atitude era considerada saudével e necessiria pelos historiadores bol Os testemunhos que serviam eram aqueles em concordincia com o testemunho de Bolivar e, seassim nao fosse, era preciso desqualificar ‘ testemunho contrério antes de apresentd-lo publicamente. O histo- riador Mariano Picén-Salas, em um preficio escrito em 1960 ac livro 1 Em 1817, Gustavus Mathias Hippisle (1776-1831), ofial do exéeto ines, contatou Luts per Méndez perasealistarno exéritapatriotaveneruelano. Suns imsimeras pets, digas particularmentea Blivarcom ocbetivode aleangar sweensfona careira mila, foram recharadas,oqueimpediu Hippisley de atingie postos hisrarquizamente superiors em relario a0 que possula na Inglaterra. Segundoos bidgrafos ce Simén Bolivar oe reseentimentos de Hippisley nasceram de pereepeto de que fora lesado. Dante disso, depoisde renunciar ao cargo que ‘cupava no Hikares de Venezwlaedeembarcas pa {nica a uma contenda judicial conta Luts Lopez M and joined the patriotic forces in Venezuela por John Muray na empreneslondeina. ponfvelem: . Aces em: 28 dez, 200 queescreveuepublicou em Boston, no anode 1829, Memoirs go foi catalogado entrees obras de detrago da lideranga da ‘emaneipagio, Se livroalcangou um grau de noteredade porque servis de base , portante, no possivelavalarsobreoprojstoconatitucinal do mais, oabetve de memériaque permeavacsm, Ihedebatomaisfta Aolerafonecreltrsobreahinesogra evident Jogode dstanciamento eaproximarioentreas pontas da opera hieoriogriica, 92. Fee1aNA DE SOUZA FREDRIGO (O fato é que ganhemos uma insigne vitéria contra adesordem geal A moderagio do general Paez, conselbos ea0s atagues da in 19s proporeionou uma vantagem verdadeiramente a, unida a massa de energia que opunha opovoa guerra; nos perderam, entretanto eueo general Paez salvamosa epiblica, Deus que este exemplo sirva de algo no esprito de nossos conciiadios (Carta para Andeés de Santa Cruz,’ Caracas, 16/01/1827. Tomo V, R. 1.619, p.348-349. Original) ‘Quando me falam de valor e audicia,sinto reviver todo.o meu ser, ce volto a nascer, por assim dizer, para a pitria e para gléria. Ah! Qua famos sido senossasabedoria sedeixasse conduzir pea fortaleza! smeméria, Quando a lei me autoriza, nfo conhero o imposs jactancias nem presungGes vis essas ofertas de meu coragio ede meu pa tritismo: no, amigo, quem pode presidir tantos prodigios tem direitode esperar tudo. (CartaparaJ. M, Del Castillo Bucaramanga, 15/08/1828, ‘TomoVI,R.2.086,p.304-305, Retirada de Blancoy Azpurva, XI p436) Ao apresentaro mundo do missivista, em consideracio as “impo- sigdes estruturais proprias de seu tempo e espago", seré preciso expor também os limites de uma América que lidava com a faléncia institu- , posteriorments, tomnou-se minis da fizenda da ‘Nova Granada, Venezuela e Quito). rT GuERRAS EEsceiTas 93 cional e financeira, com os conflitos étnicos, com a definigdo de uma “identidade nacional”, Para tanto, o contexto histérico estabelecido, que trata desde as anilises sobre as causas da emancipagio até siias contraposto 4 narrativa de Simén var. E nesse jogo entre a fonte a historiografia que se mostrar coma ambas constroem natrativas ora convergentes, ora divergentes, Antes de analisar como as questdes préprias a0 manejo do poder aparecem no epistolitio ~ 0 que se fara em tempo certo, quando se tratar do que se denomina “discurso da rentincia” e “discurso do ressentimento” ~ entendeu-se que era fundamental apresentar 0 Bolivar missivista, E preciso entender 0 aposto: quer-se apresentar 0 Nesse sentido, o objetivoéodeexporo hamem que se constréi por meio das cartas. Apresenta-se esse sujeito-mis por meio deseu mundo, Seu mundo é apenas parcial mente. metade do século XIX, momento das independéncias na Ami Parcialmente, porqué quando se diz “primeira metadedo século XIX” remete-seapenasaos acontecimentos datados, os quaisahistoriografia convencionot chamar de “contexto”, Falta ainda perguntar sobre 0 contexto a ser depreendido da correspondéncia, uma vez que 0 que importa éapresenta: o missivista. © trabalho com a correspondéncia exigiu garimpar, em meio narrativa estabelecida pelo epistolério, as pegas definidoras do mundo de Bolivar. Conhecer como 0 homem que escreve apresenta-se aos seus con- temporiincos ei posteridade era o mesmo que se perguntar acerca dos talores expressos ecultivados por meio da pratica da correspondéncia Esse mundo deveria nascer das cartas, setiam elasas corresponsiveis pela construgdo de um sentido que permitisse explorara compreensio do missivista sobre a realidade circundante. E relevante reforsar: a ‘compreensio do remetente sobre o seu mundo imediatamentese toma- va coletiva,legitimada pela compreenstio subjacente dos seus distintos cediversos destinatdrios. Colocadaa necessidade de apresentaromundo do missivista foi preciso encontrar quais elementos funcionavam no epistolétio como elementos ordenadores do mundo de Simén Bolivar seus generais, Algum consenso foi aleancado, permitindo separar, 94 FABIANA DE SOUZA FREDRIGO mapear eanalisar os elementos definiu-se queapresentaromundo de rada perspectiva vendaro mundo epistolar bolivariano, outras questées imediatamente emergiram, tal como o discurso no quel Bolivar argumentava sobre as diferentes perspectivas anunciadas pela guerra interna ees ‘Atento‘aos problemas nada féceis apresentadosa América do Sul, decolonizagio espanhola, Bolivar sabia bem que os desentendimentos zndo terminariam com o estabelecimento da paz externa. Ao contri- rio, desentendimentos e desavengas seriam aprofundades a partie da inexisténcia da guerra externa, pois, no final das contas, ela concedia ligaecoesio interna is distintas e famintas elites locais. Oseu discurso sobreas diferentes perspectivas trazidas por essas também diferentes tipificagées da guerra revela que a legitimidade que Bolivar buscava alcangar econservar, além de estratigia necessiria a sua sobrevivencia politica, era um meio de garantir estabilidade ao territérioamericano, fa, do mesmo modo, era preciso considerar a guerra como impor- tante mecanismo regulador das tenses étnicas ¢ sociais da Amé ‘A miragem desses prismas revela a guerra como elemento central para desvendar o personagem-missiviste, pis era por meiodoconfiitoe da vitéria que Bolivar equacionava sua pritica, retirava sua autoridade e definia sua cosmogonia, A partir dos anos de 1820, a guerra externa como fator de coesio ce omedo do futuro tornaram-se preocupagao constante de Bolivar. A década de 20 do século XIX marcaria a expansio do movimento de independéncia para ovice-reinadodo Peru. Bo tropas para, segundo ele, A lute nesses terrtérios. # necessirio ter claro que o apoio a causa da independéncia nas regides da América do Sul foi heterogéneo, fosseda parte dos setores da elite criala,fosse da parte da populagio. Comoa historiografia mais recentedemonstra, de inicio, o processo de emanci pasfonio se fez contrao reiou contra oantigoregime. Foi, exatamente, a sensagio de orfandade dos siiditos que aprofundou o “ever” da Ccuermas eescriras 95 uma cronologia posterior, anos di ue, marcadas pelas difculdades dos confi -anos podiam se tornar vaia es quanto os espanhéis, mnicas, recorrlam a ordem qual creditavam 0 poder de controlar os rebeldes. Especialmente no Peru, as dificuldades enfrentadas pelo exército ta foram imensas. Bolivar nio se cansou de sublinhar em suas do general, os obsticulos impostos aos exércitos patriotas estiveram relacionados ao fato de seus exércitos serem sustentados pela Nova Granada, o que facultava a presenga de um _nimero excessivo de colombianos nas tropas. Evidente, a explicagao de Bolivar é parcial. Sea resisténcia no Peru aos patriotas teve a ver com fidelidade peruana aos realistas e com aidentidade localista que 1s separava de venezuelanos e de colombiznos, a disputa territorial, ‘cuja pretensao era impedir a perda de espago geogrifico das antigas fronteiras, anteriores & edificagio das repiblicas, também é um dado a serconsiderado, A declaragiio de guerra de repiiblicasresultaram para o Peruem perdas terri disputas constantes coma Gra-Colémbia, ‘Todavia, importante é reter que 0 apoio ao rompimento com a Espanha nio fora conseguido de imediato e totalmente: segundo Garrido Alcézar (1995), 0 Peru 6 um caso singular, quando se trata do processo de emancipagio. Nesse ter de San Martin foram recebidos cor composigfodastropasrevelou de Simon Bolivar: as tropas r oficiais peninsulares ecrillos, com o grossoda forca mil mestigos—os mesmos que se recusavam alutar no e iferensa e, mais adiante, a lareclamagao e dodesespero istas do Peru estavam formadas por 96 Fasiana De SOUZA FREDRIGO Embora a presenga de Bolivar provoque uma boa acolhida, “depois cde sua partida, seu representante sera expulso no inicio da declaragzo de guerra que o Peru fara a Colombia bolivariana” (Garrido Aledzar, p.13). As cartas em sequéncia revelam a preacupagio com o cendrio exposto, exemplificando, conformean: Indubitavelmente, desde 1821, os ter tinham tanta certeza de quererem a liberdade: um discurso recorrente. ibertados ndo 8 a se esticheia deescravose' ‘americans padecemos dessas doengas ¢ por isso mesmo devemos bus- car algo especifico [2 cura] por meio de um medo externo, O remédio é ‘custoso etalver soja um caustico cruel, masele evitarda gangrena quenos tabega. O senhor pode consultar, meditareaplicar essa se for aprovada pelos conselheiros do governo. Também, acrescento que a apresente como minha porque niio acho inconveniente cexpressicla publicamente [..] A Inglaterra vera sempre a Espanha na América com édio as sim como os norte-americanos. Nés soremos mais fortes tanto quanto «teams mais unidos,e esta unio no nos vied nunca da satisfagio que ‘a independéneia e a confianga sem limites nos dardo; porque, no dia em ‘que nada temermos, comecario todos os perigos da Colémbia; nesse dia essonarao as trombetas da guerra civil, Guard esta carta ese puder mance gravé-la em bronze para quealgum dia possa secomparar os fats. (Carta para Francisco de Paula Santander. Quito, 30/01/1823. Tomo, R918, p.344. Or {J Quanto mais penso em nossa stuagfo, mais me perauadode que rarmos em nossos propri pela expansio que nos prop nossos mais crugis perigos sen a verdadeira guerra ea verdadcira anarquia reunidas em massa para nos fo da liberdade e os sacificios. Eu temo amigo, 0 futuro adiante: mais horrivel me parece 0 porvir do que © passado. Invada-se esse sentimento doloroso que eu padego com essa consideragao, ¢ Gusnase escrmmas 97 evitaremos por essa antecipagio alguma quantidade de agudos pesares, ‘Ao menos, nfo seremos culpados pela nfo previsio. (Carta para Fran- cisco de Paula Santander. Guayaquil, 14/02/1823. Tomo III, R. 920, p.350-351, Original) Com muito euidado, pontos importantes do epistolério transfor matam-seem elementos basais, capazesde permitira configuragiodo mundo do sujeito que escrevia. A guerra, a honraea gléria formaram uma triade apropriada para desvendar o universo desse representan- teda elite criolla, Ressalte-se que essa mesma trilogia foi utilizada, exaustivamente, na composigio de um tipo de histéria a qual se pode comum A escrita de histérias nacionais 0 cultivo de hetéis, esses ilti- mos responsiiveis pela criaglo e fundagao da identidade nacional eda Nagio. Desse tipo deescrita de historia, desprenderam-se argumentos amparacis pela mesma base de elementos: nessa narrativa, a guerra vinha sempre associada a honra e4 gloria, ‘A guerra entrea coléniae a metrépole 60 ponto queagrega a fonte (o epistolétio) e a historiografia. Em ambas a guerra é um aconteci que chama a atengdo.* Todavia, nas mais recentes abordagens historiograficas, ela torna-se subalterna aos meandros da politica e . Acessoem: 8 mar.2008) 104 rasianane souzaFREDRIGO efetivava a pritica da correspondéncis com um grupo particular, esse grupo era também defendido pelo mi péstumas era demarcar um espago de importinela superior junto aos ‘companheiros dearmas. Enfim, no universo das honrarias, nfocabiam representantes comuns, tl camo se depreende da carta que segue: {..] © sucesso em Coral tna sido admirado como devia, mas dar o nomede homens comunsanavios da exquaitharetirar oméritodosque ip, oquemetemlembrado da cwvalar do general Zaraza eda zombariaque fizeram os espanhdis. muitos dias, deja da o nome de Anzoategui so bata comandado por quero que se déonomede Cirardat aba em Antioquia, para quea sua pétria © nome “Cauca” se dari aalgum bata de La Guardia, porque assim, merece Cauca’ (Carta para Santander, El Resiio, 12/07/1820. Tomo TR. 606, p.380-381. Original) A profisslo de fé quixotescaslardeada por Bolivar eos elementos romanticos!” que se encontram atados a sua escrita possibilitariam as queltrepssrowae fronteiras da are, da iteratura eda bnttia. Nointeriordesse debate, a dofinigio de romantismo foi exaustivamenteprocurada, no havendo consenso minim aesterespeit, Parase ter uma idea dadifculdadede deinigio, ‘oremantismo foradefni tanta come "revolucionaii” quantoeoma"eontrarte- cor" elementos rominticos” detectados na narativa epistolar. Desst elementos, oslo sae destacados crenga no herfsmo como uma virwdlehurang;aszela- Ges tragadas coma naturezaopessimismoea melancolianerentes ao discuso ‘GuERRAS EESCRITAS 105 analises futurastragararelagao desse general criallocomum conhecido personagem literério, Dom Quixote. Miguel de Unamuno foi respon. sivel poressa vinculagdo que, no entanto, seviu sugerida noepistoléio do proprio Bolivar. Importaapontar essa andlisede Unamuno porque ocultivodahonra, ago obsessiva do general explorada por meio da es- crita, nainterpretagio do préprio Bolivar, Ihe garantiriaaimortalidade, Ao resenhar 0 livro de Gil Fourtoul, Historia Conttitucional de Venezuela, Miguel de Unamuno (1983) explica sua preferéncia por colocar no centro de suas andlises o individuo. Atesta sua predilesdo pelapsicologiaa sociologia ou, entio, pela biografia is obras de histéria «geal. Dadaa explicagao, oautor buscaas possiveis comparagées entre Simén Bolivare Dom Quixote. Para jusificar de imediato tal compa- raGao, utiliza-se de uma fala do proprio Simén Bolivar: Sim, espanhol e quixotesco, Bolivar foi um dos mais fis adeptos smo. & conhecida a anedote que li em Ricardo Palma (Mis clones peruanas y cackivacherias, Barcelona, 1906) sobre a quando este, em seus dltimos dias, perguntou ao seu frase de Bol médico se ele suspeitava quais teriam sido os tts mais representativos néscios do mundo, ¢ ao the dizer 0 médico que nio sabia, contestou-the o Libertador: ‘Ostrés grandes néscios foram Jesus Cristo, Dom Quixote ecu’, (Unamuno, p.134) Em sequéncia, Unamuno (1983) apresenta as bases para a compa: ragio entre Bolivar e Dom Quixote a partir dos seguintes eventos: a perdada esposa, Maria Teresa Rodriguez Del Toro, pois, com amorte, cla se convertera na Dulcinéia de Bolivar; aatitude heroica e enérgica de Simén, quando ium terremoto atingiu Caracas em 26 de margode 1821, Parareforgar seu argumento, o autor citao proprio Bolivar: “Se a Natureza se opdea nés, lutaremos contra ela e faremos com que ela nos obedeca” a disposigdo do general em enfrentaros exércitos espa- abéis para a libertagdo de Cuba e Porto Rico e; por fim, a capacidade filosofica de Bolivar. Para além da questo da honra, o desejo eocultivo da imortalidade ficaram patentes também no registro de variadas comparagdesdiscur- sivas tecidas por Bolivar em suas cartas. Dom Quixote ndo foio Gnico 1106 FABIANADE SOUZA REDRIGO personagem a ser sugerido no epistoldrio do general. Figuras como as também foram utilizadas em suascartas, comparou-sea essas personalidades, + Em algumas sentengas, [Em seus momentos de desencanto, a sugestao do sentimento quixo- tesco aparece evidente nas missivas. Nessas circunstincias, Bol colocava-se como um homem s6 contra o mundo (¢ seus moinhos) ‘Accarta que segue, escrita para José Fernandez Madrid, foi fel a este tipo de construgdo retérica: “TodasasnaySes americanasestioem marcha paraa runa,segundoas noticia que vémde todasas partes. A federagonio funciona, Buenos Ai- res prova sso; Chile, Guatemalae Méxicoestio perdidos. Sea Europanio pensaremnis, Deussabeoqueacontecer. Unilhomem sécontratodosnio podeconseguirnada; este mundo émuito vast, (Carta para fosé Fernén doz Madrid. Bogots, 07/02/1828. Tomo VI, R 1.973, 175-176. Cépia) ‘A figura de Napoleio apareceria em 1828, quando escrevia para Pedro Bricefio Mendez: ‘como possivel queeundo trabalheconforme vocécréqueeu poderiat-laabandonado? ‘No, meuquerido Briefio, souomesmodosanos passados endocreiogue ‘mudarei nunca porque resistena medula de meus ost0s6 fundamentade ‘meu carter. Eu sintoqueaenergia de minha alma se eleva lat jquala semprea magnitude dos perigos. Meu médicomedizqueam alma precisa aimentar-se do perigo para que eu mantenha 0 juizo, de maneira que ao ctiar-me Deus, permitiv esta tempestuosarevolusdo para ‘que eu pudese viver cupade de um destino especial, Se Madame Stael ‘me emprestassesua escrta, dria com ela, que sou génio datempestade, como aplicouessa frase a Napoledo. Enfim, vocéscolocaram-medevoltaa atividade-, por conseguinte, nfo devem temer que ew osabandonecomno ‘oct chegou a suspeitar. Cumpram, pois, como seu dever, que eu fareio ‘neu, (Carta para Pedco Brief Méndez, Buca, 4/06/1828, Tomo VI, R 2.113, p.336-337. Original) Em outra carta, tomado pelo pessimismo dos iltimos anos de vida e magoado com artigos que foram publicados arseu respeito uerraseescamas 107 hado de forsas,(Cartapara Manvel Restrepo. Guay R, 2.538, p.277-278, Miroflme) ‘Aaproximagio entre fonte historiografiaaponta para um universo complexo e assim o demonstram as leituras que foram feitas sobre dlise reforgou uma i presente na fonte que, nido por acaso, foi eriada pelo ator his Assim como Unamuno, também Gabriel Garcia Marquez tomou uma imagem constru‘da por Bolivar e evidenciada no epistolario: ade um + general perdido em seu labitinto, Da mesma forma, no campo da Histéria, fica evidente que, em alguns momentos, a historiografia funciona como um filtro que mo- dlifica.o teor ea chnsisténcia de sua substancia (a fonte) e, ela atua como o recipiente que preserva essa substéncia. A distancia ©. distingio entre a fonte e a historiografia, bem como seus pontos discursivos eleitos, no constituem o problema em si. Aqui se quer apenas, ptimeiro, constatara ocorréncia compreensivel dessa distancia edistinglo, e, depois, buscar uma anilise que aproxime esses pontos equidistantes da produgio historiografica (o documento ea suaanilise historiogrfc mesmo tempo, transformou-se em fato e perdu parte de sua fora, De um lado, embora esteja presente em avaliagdes mais recentes, rio consegue guardar 6 mesmo vigo da fonte. De outro, em um tipo _espectfico de histéri a patritica, a guerra ganhou intimeras paginas, ‘sem, contudo, iluminar o processo de independéncia na América 108 FABIANA DE SOUZA FREDRIGO Em sintese, nenhuma dessas “escritas a histéria”, comatengiio deta- Iheda oundo. guerra, explicou sozinha o processo deindependéncia, mas em ambas “escritas da hist6ria” como uma necessidade undinime a andlise. Propae-se a jungio e a sobreposigao dessas escritas para que ia a ser produzida com a subjetividade e com a pportincia dessa subje rna composigia do jogo pa Interessa demonstrat como Bolivar, por meio de seu epistolétio, participou da sua escolha para heréi representative de uma historia que extrapola as fronteiras nacionais. Em outras palavras: 0 ator Ito. Apesar de ter ‘ema da guerra permaneceu a hist histérico colaborou com a construgio de seu mortido desprezado, com poucos amigos, Bolivar deixava em suas cartas o testemunho de que se sabia um homem importante. No entanto, é preciso esclarecer distingSes: a historiografia reconhecer omens a sua-importincia nio tem © mesmo significado que Bolivar ou seus homens apostarem em sua importinciaeconstruitem ‘uma meméria que assim hes permitisse ser avaliados. Esses dois processos sio independentes, a despeito de sua resultante sero cult, mediador das historias patridticas. No caso de Bolivar, ahistoriogra: fia, particularmente a venezuelana, congelou a fonte, tomow-a sem estabelecer nenhum ponto de m meio da critica ao documento, Mesmo assim, o que ‘por que Bolivar foi escolhido como representante méxi r6is da independéncia, mas como o general participou e engendrou sua escolha, Simén Bolivar acreditou que ele podia set o homem a realizar um grande feito ~ a independéncia da América. Além de acreditar, por meio das cartas convenceu seus interlocutores esagrou ‘sua memdria para.a posteridade. O objetivo que queria aleangar ~a imortalidade ea sagragiode seus contempordneos efuturas geragées parece evidente quando B 9 assim escreve: VEE. por seu trago derara generosidade colocou-meacabesa do exér- cite que deveria libertar a Venezuela. Este exército,digno dos mais altos colbaces, me fez triunfar por seu herofsmo na causa de liberdade. tl a GuERRAS EeScRTAS 109 VEE. propde-me aadmirasio da posteridade, Som divide, esses int Jos imortais devem recompensar os benfeitores de sua pitta: ai estio as nzas de Girardot preservadas do esquecime >. O herd que perece stre deixou de existe tio cedo entre nés excelentissimo senhor general de divisio José Félix Ribas, o general de brignda Rafeel Urdaneta, ocomandante D’Elhuyar, comandante Elias, © capitio Planes, todo esse exército de granadinas e venezuclanos, que, , demonstrado pelas méximas da politica, rtirado dos ria, quetodo governolivre quecometeoabusodemanter a escravidin €castigado pela rebelito algumas vezes pelo exterminio, ‘como no Haiti Com eeito,aleidocongresn sabia er virion sentidos, Qual omeio edade do que lutando visto morrer na Veneauela toda a populagio livre restar a nd sei se isso politica, mas sei que se na Cundinamarca no ‘empregarmos os escraves ocor tanto, (Carta para Santander. San Cristobal, 20/04/1820. Tome I, R. 568, 308-309. Cépia} 150 FABIANA DESOUZAFREDRIGO apresentados por Bolivar, embora se associem a conjuunturs es da América espanhola, possibilitam comparagéo com argumentos presentes na América portuguesa. A rebelifo de eseravos no Haiti, em fins do século XVIM, cujas exigéncias foram a independéncia de Santo Domingo ea aboligao da escravatura, permiti que omedo das inquietudes étnicasalcancassem outrosrecantos da América, alterando co discurso e a pritica das elites. O haitianismo ineomodou também. luso- brasileira e argumentos civilizadores, assim como os de , estiveram presentes nos discursosde um importante ilustrado brasileiro, quese envolveu no processo de independéncia, José Bonificio Andrada e Silva, Como se sabe, assim como paraa Américahispanica, Ji sobreo processo deindependéncia no Brasil, A extensio bibliografica alcanga igualmenteesse tema (o das independéncias) nahistoriografia brasileira, Outrossir, a figura de Bonifécio foi em tal grau apropriada pelos seus contempordneose pelos quelhes seguiram que Emilia Viott (1999) entendeu ser importante investigar a “lenda Andradina’ Apesar do choque da elite imperial, Bonifécio no poupou seus discursos de temas candentes paraas primeires décadasdo século XIX, tais comora civilizagio dos indios, @aboligdo gradual da escravatura’, 23 Catalogadoentrece pensadoresiluministas, Montesquiew(1689-1785)foiesrtor, jutitae colaborador da Brel pabicada por Diderot em Parisentrecsanos de Ente suasobrasdemaiorinteresse deve-sedestacarOcspiritodas qual analisavaas formasde govero (monarquia,repiblicaedes- potismo, Bolivar manteve biblioteca em vce lugares, algumas colesSeseram itinerantes como le, PérezVilaloclizou cit lists livros nas diversas bibliote cas formadas por Simén Bolivar. Das obras encontradasnasuaresidénciaem La ‘Magdalena, proxina Lima, entre outrosnomesluministas,Vlalistowapresena de Montesquieu eum exemplar de Epi de las les (Belloto; Com, 1983) 24 FE eabido que houve concecsbue de ters is tropas etentativas de aboigio da ‘scravatura na Grl-Colimbia, Sobee esses pontes, alguns comentrio si im- ss concessées de tras as tropas no foram signficatvas. ‘Segundo, ecravido nie foi abolida de uma s6 vez, mas o rerutamento dos gros para oexército, fim do trio de eseravoseaemancipasiolimitada pelo GausRRas eescertas 181 € professava jas a de matriz pombal jo pensava, com toda certeza, em nenhuma: simem possiveis reformas que permitissem a manutengao do st brasileiro como Reino Unido a Portugal e Algarves. Nesse sentido, seus projetos sociais incémodos visivam, exclusivam te, a moder: le Sio da comparagio confirma a ci epistolério manifestagée esto associadas a um col Aeretornar para aa as opgdes de alfors as razdes de ordem militar e p a Santander sobre liberta¢ao dos escravos obedecesse ica, Bolivar ndo deixou de avisar jportancia de expor as razdes humanitécies ro decreto. Da mesma forma, nfo deixou de citar Montesquieu, quando comentou as decisdes legislativas. Na ordem de prioridades para a confeccdo do decreto, as razdes humanitirias apareceram CCongresso de Ciicuta minaram esse tipo de rela cscravos decesce, mas € preciso terem conta aca 4 alcisin da eeurtic.apund Maloon Dear "Derenatla de imporaace

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