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FRNGOS Anna, Mantovani CENOGRAFIA is Areas deinteresse do-volume USE - BieLieyECA CON Jesu ¢ Arquitetura ¢ Ar Outras treas da série pologia * Artes © Ciéncias 7 ToHBO BOTH armacia @ Fi a ¢ Odontologia * Pol Satide ¢ Sociologia } a) o 8 3 Ea @ Anna Mantovani CHNOGRAFTA Areas de interesse do- volume use LEGTECA COR Jesu eA ° . ne ll | Outras treas, da série Administracao ° A FonmD BOTH } Ca Direcdo Benjamin Abdala Junior ‘Samira Youssef Campedelli Preparacao de texto ‘Sergio Roberto Torres Edigdo de arte (miolo) ‘Milton Takeda Divina Rocha Corte Composigao/Diagramacao em video Eliana Aparecida Fernandes Santos Rosa Hatsue Abe Capa Ary Normanha Antonio Ubirajara Domiencio Barroco Na Inglaterra, o teatro elisabetano —_11 Influéncia do teatro a italiana no Brasil _______ 11 Cenografia hoje ___ O cendgrafo _ es 2 O termo cenografia. Pequeno hist6rico 1B 3. Nascem novas propostas... no fim do século XIX Os Meininger 19 Richard) Wagnets Ss Sidhe uae a TT Antoine e Stanislavsky —____22 * é Sumario 1. Introdugao ——" SS 2. O lugar teatral. A cenografia _______ 7 Grécia. Roma, Idade Média __ 7 O Renascimento 8 | 9 i { Paul Fort 28 | Bijgnd: Poe MAES Saas li. Aa ir NETS) ih Meyerhold 2D | t 4, No século XX 29 ISBN 85 08 034490 Appia 30 Craig 31 Ballets Russos eee EEE 4989 Futurismo 36 Jodo 08 diraltos zsewades, " Expressionismo = 37 Editora Atica S.A, — Rua Bardo de \guape, 1 ‘Tels (PABX) 278-9822 — Caixa Postal 8656 A Vanguarda Russa 39 End. Telegratico “Bomlivro” — So Paulo Bauhaus —__ 4 Gropius. Schlemmer —_____ 4 Moholy-Nagy —______— 42 inne iigaeeenioea eee 44 5. Voltando ao lugar teatral —____ 46 presferielhaug © ee ee 49 Peter Behrens ea 49 Georg Fuchs — ea TT) Jacques Copeaut ie OOS TS Max Reinhardt SS Ra aire seen meee SS Fee ean ie irate ome ee anes ST 6. (A)pos 1945 63 Introdugao paeeebi Fer panama Se Brecht eee Theo Otto 8 Nos Estados Unidos ee 69 ‘Tones, Simonson e Bel Geddes ____. 69 fo) fearon gO Living Theatre I 2 Outros grupos fh ita) Pa ropa a ee Peter Brook 16 Jerzy Grotowski —______——. 78 Josef Svoboda 81 Enquanto isso, no Brasil wares 22) Santa Rosa aan IN 83 © Teatro Brasileiro de Comédia _______— 84 © Teatro de Arena _________— 84 O\Teatro Oficina === eee 85 Em cartaz,.. —___ die heciorhiched BB 7. Vocabulario critico 1 8. Bibliografia comentada —_______— 93 | | | | Introdugao Vamos ao cinema, & pera, ao balé ¢ ao teatro, ou Os assistimos na televisio, além de novelas, filmes publicitérios, nusicais, videoclipes ¢ shows. Em todos encontramos um tlemento que sempre faz parte do espetculo: a cenografia. Entao, um espetaculo composto por virios elemen- tos organizados e orquestrados de tal forma que o especta dor possa aprecid-los no seu conjunto, Podemos dizer que todo e qualquer tipo de espetéculo é 0 resultado de um tra- alho coletivo. No espetaculo teatral, em geral a equipe é composta por varios profissionais especializados, O encenador ou dire tor concebe © espeléculo como um todo (a partir do texto dramitico a ser encenado ou de outra proposta sem uso do texto), ditige 0 trabalho dos atores e coordena todo 0 gr po. Os atores etiam as personagens, atuam. 0 cendgrafo oria a cenografia, acompanha a exeeusdo dos ‘cendrios pelos Smnotécnicos, pintores ou outros profissionais (como por exer. plo 0s aderecistas, os que fazem os efeitos especiais ete.). © figurinista cria os figurinos e'acompanha a sua execuedo Pe- Jas costureiras. O iluminador cria ¢ esquematiza a luz. pro. gramador visual cria 0 catdlogo ¢ o cartaz do espetéculo. O Sonoplasta eria o-som. © coredgrafo — ou outro profissio- hal especializado em expressio corporal — cria ¢ coordena © movimento dos atores em cena, Existe, ainda, uma equi pe administrativa e de producao, responsével pela divulga- cao, pela compra de materiais e objetos necessirios, contra- tos, pagamentos, enfim, que cuida da parte financeira, Existem diretores que também so cendarafos ou criam a iluminagao; ou cenégrafos que também fazem figurinos, Ha muitos profissionais que atuam em reas ao mes- mo tempo. De qualquer forma, o espeticulo & sempre fru- to do trabalho coletivo. A formacdo de uma equipe de trabalho depende da Proposta e objetivos do espetdculo e até do dinheiro de que & produedo dispde. Por isso, no ha regras: cada espetécu- lo é nico na sua concepgao e resultado. Além disso, no ca- so de Teatro, mesmo depois de pronto o trabalho, cada apresentacdo é “diferente” da anterior, porque a relacao cena/piiblico muda de acordo com este € com a disposigao do ator, que, no sendo uma maquina, tem uma mancira de se expressar em cada apresentagao. A cenografia, 0 figurino, a luz e, de certa forma, o ator so elementos visuais do espetéculo, A cenografia pode ser considerada uma composicdo em um espaco tridimensional — o lugar teatral, Utiliza-se de elementos basicos, como cor, Juz, formas, volumes e linhas. Sendo uma composicao, tem eso, tensdes, equilfbrio ou desequilfbrio, movimento e contrastes, Nao podemos confundir cenografia com decoracdo. Ce- nografia ¢ um elemento do espetdculo (teatral, cinematogré- fico etc,), ¢ decoracdo é sindnimo de arquitetura de interiores. Cada um dos espetdculos mencionados — cinema, épe- ra, balé etc. — 6 diferente, tem proposta e objetivo diferen- tes, possui uma linguagem especifica. Assim, como elemen- 10 desses espeticulos, a cenografia também tem propostas € objetivos adequados a cada espetaculo. Aqui, vamos tratar especificamente da cenografia no ‘Teatro Dramético. "0 termo Teatro se refere no universo teatral — desde a © espetéculo. © termo teatro se refere ao edificio teatral ramavurgia até 2 O lugar teatral. A cenografia Falamos que a cenografia é uma composigdo e um es- pago tridimensional — o lugar teatral. Chamamos de lugar teatral o lugar onde é apresentado o espetsculo teatral e on- de se estabelece a relacdo cena/piiblico. Usamos o termo Iu- gar teatral em vez de teatro, porque esi tltimo significa so- mente o edificio teatral. Na verdade, 0 espetdiculo pode ser apresentado em qualquer lugar, desde a praca a um lugar alternative — um galpao, por exemplo —, e nao necessaria- mente em um teatro institucionalizado, que é um lugar fi- Xo na cidade, com uma fungdo sécio-cultural estabelecida, dependendo da época e do pais. ugar teatral é composto pelo lugar do espectador e pelo lugar cénico — onde atua o ator e acontece a cena. No teatro, o lugar cénico é 0 paleo, que, como edificio, mu- da de uma época para outra e de um pais para outro, Grécia. Roma. Idade Média No inicio, as representagdes teatrais na Grécia eram ao ar livre,.os primeiros teatros foram construfdos em ma: deira.¢ sé no século V se passou a construi-los em pedra Fram concéntricos e circulares. O Teatro tinha um cardter religidso, e no edificio ndo havia divisdes para o puiblico fem classes sociais. A estrutura era: orkh@stra, o circulo cen- tral onde atuava 0 coro; Kéilon, lugar do espectador, um anfiteatro em degrau que envolvia o circulo central; pros: Kénion, lugar onde atuavam os atores, situado dentro do circulo central; e-a skené, uma parede maior que o dia ‘metro do circulo central, com entradas e saidas para os alores. (© teatro romano era diferente do grego. Era divi por classe social, onde os melhores lugares eram reservados para uns poucos privilegiados. O Teatro perde 0 carditer reli- gi0so, porque para os romanos significava divertimento, © edificio era concéntrico e circular. Elimina-s¢ 0 cfrculo cen- tral — que passa a ser um semiessule —} praticamente se dispensa 0 coro; eo anfiteatro — lugar do espectador — acon panha este formato hemicicliso, © proscénio se amplia, ¢ © muro correspondent skend envolve todo 0 edificio, Os tea- tros eram grandiosos e ricamente decorados: 0 Teatro de ‘Marcello tinha 150 metros de diémetro ¢ 14 000 lugares. ( teatro grego era um lugar de reunio de uma comu- nidade, enquanto 0 teatro romano era um edifieio fecha- do para oferecer diverstio a um grande piiblico. Na [dade Média no se construiram edificios. O lugar teatral era a praca; 0 piiblico passeava a frente dos palcos ae mansion. A representagao era um acontecimento na cida- de e todos participavam, O Teatro oficial era o religios no qual se representavam os Mistérios. ee G Renascimento © edificio teatral, como nés conhecemos até hoje, tem suas raizes nesse periodo histérico. © cardter religioso vai desaparecendo € 0 Teatro profano volta a ser apresentaclo inicialmente nos sales dos paldcios dos principes, onde eram constiuidos os palcos ¢ 0 publico era somente a cor te, O Teatro passou a ser considerado uma arte erudita ¢ as- sim foi estudado e analisado a partir do Teatro Greco-Roma- no. O edificio também foi pensado a partir do modelo gre- co-romano e era entendido como um lugar de abrigo pa- ta um povo ideal, com divisdes hierdrquicas, onde esse pur desse celebrar seus faustos. Por isso foi pensado com luga res definidos para cada classe social. Entre as propostas te6- ricas e a construgao dos edificios, se passaram muitos anos, Um dos primeiros foi o Teatro Olimpico (1585) de Vi- cenza, do arquiteto Andrea di Pietro, 0 Palladio, No pal co, um cenario fixo — Tuas e paldcios — construido em perspectiva. Na frente, um anfiteatro, E uma construgao de transicdo, com influéncia tanto da Grécia e de Roma co- mo da Idade Média. ‘A redescoberta da perspectiva é de extrema importdn- cia. Através dela se representa a terceira dimensio em um plano bidimensional, Ao ver um quadro onde foi usada, 0 espectador tem a ilusdo de que esta terceira dimensdo exis- te realmente no plano bidimensional da obra. Ela nos indi- ca como era a relagao do homem com 0 mundo, no Renas- cimento e nas épocas sucessivas até sua destruigdo no sécu- io XX. Brunelleschi a redescobriu, e Alberti a teorizou (1436). 14 nos teatros palacianos era utilizada para os cend- tios. E alguns destes foram pintados por artistas de reno- me, como Raffaello Sanzio ¢ Baldassare Peruzzi. A perspec- tiva utilizada no Renascimento é central, isto é com um \inico ponto de fuga para onde convergem todas as Tinhas. O Barroco No Barroco, o Teatro Farnese (1628) de Parma, do ar- quiteto Giovanni Batista Aleotti, tinha uma estrutura on- de ficava determinado o lugar do espectador — enormes es- cadarias para abrigar um grande mimero de pessoas (na rea- lidade eram o principe, seus héspedes e a corte). A platéia era livre e parecia uma praca, servia para os torneios. \ 10 Nas construcdes que se sucederam, as escadarias sao substituidas por balcdes construidos em andares. Concreti- za-se entio 0 teatro & italiana, resultado das teorias que surgiram no Renascimento e da necessidade de atender a um piblico pagante e, portanto, dividi-lo, dependendo de sua classe social. Nesta época o povo, em pé, ocupava & platéia, e os nobres e os ricos ficavam nos balcées. O edificio teatral vai gradativamente assumindo seu lu- gar nas cidades e se tornando grandioso ¢ luxuoso. O Tea- tro Alla Scala (1778) de Milao, do arquiteto Giuseppe Pier- marini, foi o modelo para esse tipo de edificio teatral que se espalhou pelo mundo ocidental ¢ ¢ usado até hoje, mes- mo nao correspondendo mais &s propostas contempordneas de encenagao. X__ 0 teatro italiana, internamente, tem uma sala em for- mma de ferradura; poltronas na platéia; frisas ou camarotes, quase ao nivel da platéia; baledes ¢ camarotes divididos em andares ou ordens; galerias (a galeria da tiltima ordem é cha- mada também de galinheiro ou poleiro, e ¢ o lugar onde 0 ingresso é mais médico). As ante-salas so saldes luxuosos, salas de gala, com grandes escadarias. O espetaculo inici nessas ante-salas, com os espectadores desfilando até ocupa- rem seus lugares segundo uma hierarquizagao social. O pal- co tem medidas minimas para espetaculos de grande porte, como a dpera. O palco que é visto pelo espectador tem as mesmas medidas embaixo, em cima e nas laterais, como se existissem cinco palcos, em que um é visivel e quatro nao. Ele é feito assim para permitir a utilizagdo das mdquinas ¢8- nicas e para a mudanca rdpida de cenarios, que podem su- bir, descer, ou entrar pelas laterais. © palco é uma caixa mé- gica. A Opera (1875) de Paris, do arquiteto Charles Garnier, um bom exemplo do teatro a italiana no dpice de sua gléria. No teatro a italiana ha a separacdo entre: palco (lugar cénico) e platéia (lugar do espectador). A representacao na caixa ética — 0 palco — fica distante do pablico como se fosse uma janela aberta para um “outro mundo”, ao, i 7 ui Na Inglaterra, 0 teatro elisabetano Até a construcdio dos primeiros edificios teatrais, os es- peticulos eram apresentados nos saldes dos palicios ou em lugares abertos, como as pracas é os patios. Em 1576 foi construido o The Theatre. O ator James Burbage, seu idealizador, 0 desenhou sob influéncia dos lugares abertos: 0s patios das tavernas. Era um edificio “publico’’, onde se pagava 0 ingresso, Outros apareceram posteriormente. mais famoso € 0 Globe, em forma circular. Podia abri- gar de 1 600 a 2 300 espectadores. A planta desses teatros podia ser quadrada, circular ou octogonal. O edificio era recoberto por um telhado de palha deixando a parte central aberta. Internamente havia © palco, de forma retangular ou trapezdide; tinha 7 a 10 me- ros de profundidade e ocupava boa parte da platéia. Atrés dele, complementando-o, havia uma construgdo que termi- nava com uma pequena torre onde era colocada a bandei- ra com o emblema do teatro. As galerias envolviam a pla- téia e o palco. Eram dispostas em trés andares para o pili co mais abastado, que, dependendo de o quanto podia pa- gar, ocupava os"quartos dos senhores ou alugava um assen- to € ocupava mesmo o paleo. O resto da platéia era ocupa- do pelo povo em pé, A estrutura arquitet6nica do edificio permitia a ocupagiio do espaco na altura, largura, compri- mento e profundidade, e é nessas trés dimensOes que se da- va a relacdo puiblico/cena. William Shakespeare viveu ¢ apre- sentow os seus dramas nessa época. Todos os teatros foram fechados em 1642 por decreto do governo, que considerava 6 Teatro uma arte imoral. Os edificios foram todos demolidos. Influéncia do teatro 4 italiana no Brasil No Brasil temos varios exemplos de teatros & italiana, como © Municipal do Rio de Janeiro ou 0 Municipal de a Cn ‘Sao Paulo — e em todas as eapitais do pais. Todos siio gran- diosos € luxuosos. © ptiblico, ao ingressar, encont las eseadarias ¢ sal6es antes da platéia — a parte res da ao ptiblico. Esta é dividida em poltronas, frisas, camaro- tes, baledes, galerias numeradas e gerais. A platéia é, co- mo vimos, em forma de ferradura. A frente dela encontra- mos 0 conjunto composto pelos camarins e outras depen- déncias para atores e técnicos, além do paleo. Este ¢ com- Posto pelas coxias ou bastidores, a boca de cena, o proscé- nio, o urdimento e 0 pordo. Uma vez sentado, 0 especta- dor verd a boca de cena fechada por uma cortina — 0 pa- no de boca —, que ao abrir-se deixard a mostra os cené- tios emoldurados pelas bambolinas e reguladores. Quase todos os teatros no Brasil derivam desta forma simplificada, isto é, de cena frontal e platéia. a Cenografia hoje Cenografia hoje ¢ um ato criativo — aliado a0 conhe- cimento de teorias e técnicas especificas — que tem a prio- 17a intencao de organizar visualmente o lugar teatral para que nele se estabeleca a relagdo cena/puiblico. O cenétio, co- mo produto deste ato criativo, tem que traduzir esta inten- 40 e, portanto, sé pode ser analisado dentro do contexto especifico da montagem teatral encenada, Em outras palavras, criar e projetar um cendrio signi- fica fazer cenografia. Assim qualquer proposta, sendo ade- quada a concepsao do espetdculo, pode ser um cenério. A qualidade deste esta tanto em ser perfeitamente integrado a proposta central da encenacdo quanto na inventividade e no uso adequado dos elementos e materiais propostos. O cenégrafo O cendgrafo é o profissional que adquiriu conhecimen- tos que Ihe permitem criar a cenografia. Ele conhece teo- tias e técnicas especificas, como por exemplo histéria da ar- te e do espetaculo, desenho, pintura, escultura, modelagem, composigao e cenotécnica, entre outros, Ele se expressa atra. vés de uma linguagem visual, e encena plasticamente um texto dramatico ou outra proposta de espetdculo, Uma vez convidado a fazer parte de uma equipe, 0 cendgrafo deve entrar em contato com os outros profissionais, se inteirar do trabalho. Passard depois a estudar e analisar a propos- ta ou texto dramético, para iniciar uma pesquisa antes de criar a cenografia. Esbocard ¢ desenhard a sua proposta até a execugio da maquete, que sera apresentada a0 grupo e, se aprovada, iniciard a fase propriamente dita de execuco dos cendrios. Essa fase, dependendo do que sejam os cené- ios, necessita de outros profissionais para ser executada Este processo de trabalho é genérico, pois cada profissio- nal ¢ equipe estabelece o seu, Lembramos que os cendrios so habitados por atores e constituem um dos elementos do espetdculo. Assim sendo, tém que ser adequados a ele, € no podem sobressair aos outros elementos, Definimos a cenografia e apontamos o que é 0 proces- so de trabalho do cendgrafo hoje, Entao nao foi sempre assim? O termo cenografia. Pequeno histérico O termo cenografia (skenographie, que composto de skené, cena, e graphein, escrever, desenhar, pintar, colo- rir) se encontra nos textos gregos — A poetica, de Aristéte- les, por exemplo. Servia para designar certos embelezamen- tos da skené. Posteriormente é encontrado nos textos em la- tim (De architectura, de Vitruvio): scenographia. Era usa- do provavelmente para definir no desenho uma noeao de profundidade. No Renascimento 0s textos de Vitruvio fo- tam traduzidos, e 0 termo cenografia passou a ser usado para designar os tragos em perspectiva e notadamente os tragos em perspectiva do cendrio no espetaculo teatral a ‘A cenografia existe desde que existe o espeticulo tea- tral na Grécia Antiga, mas em cada época teve um significa- do diferente, dependendo da proposta do espeticulo tea tral. O Teatro como toda arte, intimamente relacionado com o meio social onde surge, e sera definido conforme o pensamento de cada época. Assim, 0 Teatro ¢ a cenografia da Grécia Antiga so diferentes dos de Roma, da Idade Mé- dia, do Renascimento e do Barroco. O cenario da Antigitidade era fixo, tinha poucos elemen- tos e servia de ornamentago para a cena. Na Idade Médi adquire um cardter mistico e religioso, como o proprio Tea- tro: representava um lugar — 0 céu, a terra, o inferno — on- deo ator ia atuar. O espetdculo nesse periodo foi apresenta- do primeiro nas igrejas e posteriormente nas pracas. © Renascimento na Itilia trouxe os cendirios construi- dos em trés dimensGes. Eram pintados utilizando-se a téc- nica da perspectiva central e recriavam paisagens urbanas, ‘ou campestres, acompanhando 0 tipo de encenagao (tragé- dia, comédia ou sétira), Na Inglaterra o Renascimento trouxe a cena elisabeta- na, onde 0 cenério construido é permanente, e nele podem set aerescidos alguns elementos cénicos adequados & encenacao. No Barroco a perspectiva usada é a obliqua, os cend- rios construfdos em trés dimensdes, como no Renascimen- to, so extremamente ricos em detalhes grandiosos. O pal- co passou a ser uma caixa de magica e de truques. Deixar © piiblico maravilhado era a principal funcZo da cenografia. ‘A Reyolugdo Francesa muda 0 contexto social, ¢ conse- qiientemente o artista e sua obra. Outras mudangas foram provocadas pela Revoluco Industrial. O aparecimento da lo- comotiva ¢ da velocidade muda o olhar. A fotografia altera 0 panorama artistico. O sistema de fabrica muda o comporta- mento e forma uma nova classe social: 0 proletariado. A luz artificial altera o tempo do cotidiano e também muda o olhar. A partir da metade do século XIX a filosofia positivista de Comite e Spencer propicia o aparecimento do Naturalismo, ¢ neste movimento @ concepgao da cenografia também muda. Grego Arcaico Grego Classico Helenico Romano Primitivo 18 & época romana. Reprodugaio de foto. (WAA. Le Théatre. sit, Bordas, 1980, p.12) A — Evolugéo do lugar teatral antigo das origen: (2 direita). 2. Thumelé; 3. Orkhéstra; 7, Cavea; 8. Vomitoria; 9. Cadeiras de honra; 10. Vomitorium principal; 11. Proscenium (Pulpitum); 12. Frons grego ( esquerda) eo romano 4, Parodos; 5. Proskénion; 8. Skené; Scenae; 13. Scena. Reproducao de foto. (VA. Le Théatre. Op. cit., p. 12) B — Esquema comparativo entre o teatro 1. Theatron; 8 1 n 2 3 4% Teatro Olimpico, arquiteto Palladio, 1585, Vieenzalttali. Plants interior. ‘Op. cit., p. 197) tp a ho do interior do Teatro Swan. Reprodugao de oe foto. (VWAA, Le Théatre. Op. cit., p. 45.) Exemplo do teatro a italiana no seu malor esplendor. Viena. Arquiteto E. Bolten Stem. Reprodugao de foto. (WAA. Le Théatre. Op. cit, p. 198.) Nascem novas propostas... no fim do século XIX O século XIX, 0 século das revolugdes, Mudangas so- ciais, aceleramento do tempo cotidiano, pesquisa histérica, a busca constante do novo, a ruptura com 0 pasado, os descobrimentos cientificos, 0 papel da mulher, Anarquis- mo, Socialismo, Marxismo, 0 homem muda a forma de olhar € a sua relagao com o mundo. © artista se assume co- mo intelectual, as propostas artisticas traduzem essas mu- dangas e se inovam. Romantismo e Naturalismo, os Arqui- tetos do Ferro, os Neos ¢ 0 Art Nouveau. Pintores como Delacroix, Corot e Courbet; misicos como Liszt, Chopin e Tehaikovski; e dperas de Verdi e Wagner. Escritores co- mo Dickens, Edgard A. Poe, Vitor Hugo, Balzac, Dostoievs- ki, J. M. Sand. Sem contar os filésofos Kant, Marx, Hegel etzsche. Todos vivem este século de mudangas. O Teatro nao fica alheio a todo este fervilhar, ¢ tam- bém se questiona. Nascem novas propostas. Os Meininger O estudo da historia da arte ¢ dos estilos arquitetni- cos marca o século XIX, e esta atitude influencia também 20 ‘© Teatro, O duque Georg II von Meininger (1826-1914) reti- ne um grupo dirigido por Ludwig Chronegk (1837-1891) pa- ra eneenar peas sob esta dtica: a busca da realidade histé- rica, uma atitude desconhecida até entio, Inaugura assim a pesquisa como atitude obrigatéria ao se encenar um tex- to dramatico. Em cada montagem o cendgrafo buscava uma reproducio fiel da época e dos costumes, que tivesse realismo tanto nos detalhes como no conjunto. O grupo se- guia uma disciplina rigida de trabalho; ninguém tinha mais importancia do que o outro; combateu-se 0 vedetismo to em voga na época. O diretor coordenava 0 grupo, numa atitude que corresponde 4 atual. A cenografia deixa de ser um mero elemento decorativo, de apoio aos atores, para fa- zer parte do conjunto do espeticulo: assim, muda a relacao entre cenarios e atores. A cenografia organiza o lugar c& co, ndo é autOnoma e independente, mas parte do todo, in- tegrando-se, sendo vivenciada pelos atores, que deverdo uti- lizé-la e explord-la como um recurso para a atuiagao. Essa busca de unidade é uma atitude totalmente nova no século XIX. Os cenéios formam um espaco verdadei- ro para a atuacdo. Esses agora tém que respeitar as propor- g6es reais. Antes, havia o contraste entre os cenirios pinta- dos € 0 corpo do ator movimentando-se a frente deles. Até © advento da luz artificial, o ator declamava praticamente no proseénio, para poder ser visto, ¢ os cendirios atras nao chamavam muita atengdio. Com a chegada da luz elétrica, a possibilidade de iluminar a cena faz com que se perceba nitidamente 0 contraste entre os teldes pintados e a tridi- mensionalidade do corpo do ator. Agora, 0 ator pode ser visto até no fundo do palco. A influéncia dos Meininger foi grande. Antoine, Sta- nislavsky, assim como Wagner, Appia, Craig e Reinhardt conhecem seus principios e os desenvolvem. Quais foram estes prine{pios? A busca de uma unidade na concepeao de cada cena e do espetdculo. Cada elemento tem que ser pensado ¢ estar interligado ao outro, O cenario ¢ subordina- 21 ——— ez do a agao € ao texto dramatico; existe uma relagdo dinami- ca do ator com o cenario: o ator se movimenta em cena, is- to 6, no cenario. Richard Wagner © advento da luz artificial favorece 0 escurecimento da platéia. Antes disso, a sala ficava iluminada, teria sido muito diffeil apagar as velas que eram acesas antes da entra- da do puiblico. Ja a iluminago a gas permitia a variagdo da intensidade da luz, bem como a possibilidade de o pal- co ter maior luminosidade. Isto favoreceu a concepeao da pera de Richard Wagner como espetiiculo total. O Fesispie- Jhaus (1876) de Bayreuth foi uma renovagao na arquitetu- Ya teatral criada em funcdo da concepedo wagneriana. Quais sflo as inovagdes? A platéia é um grande anfiteatro om forma de trapézio, sdo eliminados balcdes, galerias ete. Ela € escurecida para que a atenco do piiblico seja direcio- nada totalmente para o palco. A orquestra é retirada do palco, ¢ se cria 0 vao para a orquestra entre ele ea platéia, abaixo ¢ a frente do proscénio, A distancia entre 0 palco ¢ a platéia ¢ aumentada. E com tudo isso o carter ilusionis- ta do espeticulo é acentuado. A proposta é que se estabele- ga uma relagio magica entre ptiblico ¢ cena, que foi chama- da de Golfo Mistico ou Abismo Mistico. Uma vez com a atencdo direcionada s6 para o paleo, 0 piiblico é envolvi- do com o que esta acontecendo: a aedo ¢ a atuagio dos ato- res, a mtisica, os cendrios ¢ especialmente a cor. Muda en- to 0 comportamento do espectador: antes, ir ao teatro sig- nificava, mais que nada, um encontro social. Agora, este encontro ficou em segundo plano; em primeiro ficou 0 “ver’” o espetiiculo. Por outro lado, com a iluminagio da cena 0 ptiblico percebia também o que havia de errado. Nessa época os cend- grafos eram cendgrafos-pintores, os teldes ¢ os panos de fun- 2 do pintados compunham os elementos dos cenarios, ¢ isso contrastava com 0 ator ea sua movimentagao em cena. Os cendrios eram ricos, anedéticos — porque nao se baseavam em uma pesquisa histérica — e ilusionistas — porque 0 pair blico era levado a ver algo que parecia verdadeiro mas nao era. Wagner influenciou 0 Teatro com suas teorias ¢ inova- des, como a do lugar teatral — ¢ nele, por exemplo, o vio da orquestra, que passou a fazer parte de todos os teatros a italiana, Antoine e Stanislavsky Por volta da metade do século XIX, com influéncias do pensamento positivista e do contexto social, o Naturalis- mo surge ¢ se manifesta em todas as linguagens artisticas. © Positivismo prega a crenga no progresso ¢ no cientificis- mo. O seu lema é “‘Ordem e Progresso", ¢ naquela época favoreceu a atitude dos artistas de transpor os métodos © espirito cientifico para os seus trabalhos. Emile Zola dis- se que a ‘Arte € conhecimento”. O artista terd que absor- ver ¢ analisar a realidade, e sua obra deverd mostrar esta atitude, Todos os assuntos so importantes, pois todos fa- zem parte da realidade, e melhor sera quem souber capta- lac analisé-la, Retratar objetivamente, descrever exatamen- te os fatos, a obra como uma “fatia’” da vida, estes so 08 objetivos dos artistas do Naturalismo. No Teatro estes objetivos chegaram mais lentamente, A sociedade tinha mu- dado, ¢ se, como disse 0 préprio Zola, para cada época ha um Teatro que corresponde as suas necessidades, 0 espi- rito experimental e cientifico passa a influenciar a drama- turgia e posteriormente 0 espetdculo. ‘André Antoine funda em 1887 0 Thédtre-Libre, que funcionaré até 1896, Durante esses nove anos so apresenta~ dos 124 trabalhos de autores novos. Antoine (1858-1943) foi ator, diretor teatral e cinematogréfico. SSCL + Ligado ao Naturalismo, Antoine colocou em pratica seus prineipios ¢ objetivos em varias montagens no Théatre- Libre. Muitos foram os cendgrafos que trabalharam com ele: Ménessier, Cornil, Jusseaume, Bertin, Ponsin. A fun- do dos cendrios nao € representar, mas ser um ambiente onde nascem, vivem e morrem as personagens. Hé uma re- lacdo precisa entre ator e cenario, e os cendrios nao sao um lugar, mas ambientes. Como a vida do homem é condi- onada ao ambiente em que vive, assim 0 serao as persona- gens aos cendrios. Elas serao influenciadas por eles em to- das as suas caracteristicas, comportamentos, cardter e habi- tos, O cendirio passa a ter uma utilidade precisa ¢ se torna indispensavel ao espetdculo. Assim sendo, cada peca tem que ter 0 seu cenario especifico. O proceso de criago da cenografia compreende uma profunda preparacdo e obser- vagiio, que vai da pesquisa arqueologica a histérica e social. Nao 6 Antoine teve estas atitudes; Stanislavsky, com © cendgrafo Simov, chegaram mais longe, Buscavam nas pesquisas captar 0 “estado de alma” para ser extremamen- te figis, Quando montaram A ralé, de Gorki, em 1903, co- mo este texto dramatico retrata a vida dos mendigos, pati- fes e miserdveis, vao visitar o mercado de Khitrov, os abri- gos noturnos, conversam com estas pessoas, descobrem co- mo vivem, véem a miséria e a exploracdo. Como os pesqui- sadores cientificos, que analisam através do microscspio, 05 artistas analisam ¢ se possivel vivem a realidade que que- rem transpor para suas obras. Aatitude de pesquisar iniciada por Meininger é amplia- da e aprofundada, Penetra-se nos ambientes, leva-se as titi- mas conseqiiéncias os detalhes para mostrar a realidade; a preocupacdio 6 ser-se exato e auténtico. Famosas sto as montagens de Antoine, como Les Bouchers, onde os cend- ios eram um agougue com pedagos de carne sangrando. ‘A proposta é ser tudo e todos os detalhes verdadeiros: 0 ce- nario nao representa, ele € 0 ambiente. Os teldes pintados siio abolidos. A luz elétrica contribui, ¢ a iluminagio pas- 24 sa.a ser um dos elementos do espeticulo. Antoine dizia que a luz era a alma da encenagio, acentuando a atmosfera, dando vida ao espetdculo, O mesmo valor foi dado & ilumi- nacdo por Stanislavsky e Simov, que procuravam imprimir ao espetéculo um tom natural. Cabe a estes dois diretores, Antoine e Stanislavsky, a descoberta e a utilizagfio de sons integrados a0 conjunto dos elementos do espetdculo. Os atores deviam representar de uma forma tao natural como se ndo existisse o ptiblico, sem nunca se dirigir a ele, e 0 piblico devia assistir como se olhasse através de um buraco de fechadura. Para isso se convencionou que na boca de cena passaria a existir uma quarta parede invisivel e opaca, para os atores e para o pi- blico, Ha uma separagdo radical entre cena e puiblico. A caixa dtica é um espago ctibico, fechado e independente, uma janela para uma realidade que pretende ser a verdade Os questionamentos surgem, a critica se manifesta con- a a este excesso de verdade em cena, Aponta que Tea- tro é Teatro e vida é vida, e que o Naturalismo confunde obra de arte com virtuosismo. Nao existe uma verdade ou uma realidade, elas so multiplas e variadas. O ptiblico é le- vado a verificar se a reprodugdo é exata: ele apenas obser- va, nao é levado a imaginar. Outro problema levantado & 0 da impossibilidade de usar estes principios p: formas dramiticas. Eles servem s6 para os textos que so naturalistas. Mesmo assim 0 Naturalismo deixou contribuigdes im- portantes para a historia do espetdculo e da cenografia. A necessidade de uma equipe de trabalho afinada, o papel do encenador como criador do espetdculo, a homogeneida- dea interligacdo de todos os elementos. Para que isso acon- teca, 0 cendgrafo deve participar da equipe e, principalmen- te, deve haver um entendimento ¢ uma colaboragao muitua entre cendgrafo e diretor. Os que contribufram para a renovacdo do Teatro e da cenografia partem da negarao do Naturalismo, mas nao 25 se esquecem do que ele deixou como contribuigao na histé- ria do Teatro. Paul Fort A época moderna inicia no século XIX e se prolonga até a II Guerra Mundial: nela todas as linguagens artisticas possuem caracteristicas comuns, todas pertencem a Moder- nidade. A aceleracao do tempo faz com que, ao contrario de antes, os movimentos tenham uma duragao curta e en- cerrem neles mesmos a sua critica, Isto quer dizer que se au- todestroem e ao mesmo tempo propiciam o aparecimento de um novo movimento. Esse novo movimento critica o an- terior ¢ se instaura como novo, Este ao mesmo tempo é cri- tico de si mesmo, tem vida breve e serd substitufdo por ou tro. E assim por diante. Este romper constante também é uma caracteristica da Modernidade, como o € a busca da perfeigdo, que, como é impossivel, estard sempre no futu- ro. A crenga no futuro é uma caracteristica do homem mo- demo. O Impressionismo tem seu épice na exposigdo de 1874, no esitidio do fotégrafo Nadar; a segunda exposigdo foi em 1877, a tltima em 1886. Bm 1884 acontece a ruptura com 0 Neo-Impressionismo. Por outro lado, 0 Simbolis- mo surge em antitese ao Neo-Impressionismo e como supe- racio do Impressionismo. Mallarmé é © representante na poesia, e, entre outros, Gustave Moreau na pintura. A bus- ca da realidade além do visivel, a fantasia como fonte pa- ra revelar esta realidade, estas so as caracteristicas gerais clo Simbolismo, que terd também no Teatro seus represen- tantes. Antoine funda o Thédtre-Libre em 1887, e em 1890, numa reagéo ao Naturalismo, Paul Fort funda em Paris 0 Théatre d’Art: 0 Simbolismo chega aos palcos. Rompe ¢ critica 0 Naturalismo, nega os cendrios que reproduzem 26 uma ‘“fatia’” da realidade e propde cenarios que sugiram e evoquem, que despertem a imaginagao do espectador. O es- petdculo simbolista da primazia a palavra, e afirma que es- ta cria a cenografia. Entdo os cenarios serao um fundo pic- t6rico e, como esoreveu Pierre Quillard — autor da peca simbolista La fille aux mains coupées — na Revue d’Art Dramatique de 1? de maio de 1891, no texto intitulado “Da inutilidade absoluta da encenagao exata’”: 0 décor deve ser uma pura fragao ornamental que complete a ilusdo através de analogias e linhas com o drama. A maio- ria das vezes sera suficiente um fundo e algumas cortinas méveis para dar a impressao de o Infinito multiplicar-se do ‘tempo e do lugar. Assim, os cenérlos deverdo ser simples ¢ deverao ser completados pela imaginagao do espectador, A proposta do Teatro Simbolista é de ser um Teatro mental, colocando-se contra 0 Teatro comercial ou aquele que é s6 uma diversdo para o piiblico»Para poderter uma equivalén- cia no cenétio, sao buscados pintores para executi-lo. O ce- nario, de produto artesanal, passa a produto artistico. Ar- tistas como Paul Sérusier, Maurice Denis, Pierre Bonnard eriaram um décor artistico para os espetaculos A cenografia simbolista enfatiza a cor como linguagem sim- bolica, a imaginagao ea emogio, e nega a reproducio foto- grafica. Nao descreve; ¢ uma evocagao imprecisa com a fun- co de ser um fator emocional que levard o puiblico a uma receptividade maxima. O ‘Teatro Simbolista, por seu herme- tismo, foi um Teatro de elite, e dentro da cenografia inaugu- ra uma corrente que passaré a utilizar-se da pintura como elemento do espetaculo. Lugné-Poe Lugné-Poe (1869-1940) se encontra nesta corrente, ¢ 0s espeticulos apresentados no Théatre d’Oeuvre, desde 1 sua inauguragdo em 1893 em Paris, tem cendgrafos-pinto- res como Bonnard, Denis, Munch, Sérusier, Toulouse-Lau- tree ¢ Vuillard, um de seus fundadores junto com Lugné- Poe. Convivendo com os Nabis, Lugné-Poe verifica que a evolucao cenografica depende das artes plasticas. Condena todo e qualquer exagero ¢ diz que os cendrios tém a funcao de sugerir ¢ traduzir a atmosfera do espeticulo. A montagem de Peliéas e Mélisande em 1893, de Mau- rice Maeterlinck, poeta e dramaturgo belga, foi um marco na histéria do Teatro. A ago do texto se desenrolava em dezenove quadros; os cenarios eram dois, que, sem méyei e acessérios, foram baseados apenas na cor, em tons que traduziam 0 mistério ¢ a melancolia do texto dramitico: azuis, laranjas, verdes; a luz acentuava o cardter € a atmos- fera da peca. Cenografia como ato criativo, cendrios conce- bidos como uma composi¢ao cromatica. O cendgrafo co- mo artista cria ¢ se liberta das rubri¢as do dramaturgo, is to é, ndo faz mais o que este manda e indica no seu texto. Em 1896, 0 D'Oeuvre apresenta Ubu-Rei de Alfred Jarry (1873-1907, precursor de Artaud). Os cendgrafos sao os pin- tores Sérusier e Bonnard, assistidos por Vuillard, Toulouse- Lautree e Ranson. Um cenério tinico que tem a func&o de traduzir visualmente a farsa. O ator criard o resto através de sua acdo, movimento ¢ atuagdo. Meyerhold Stanislavsky passou a questionar o Naturalismo, e es- pecialmente o fez Meyerhold (1874-1942), ator e diretor rus- so, no Teatro Studio, Este rompe com esse movimento ¢ propée, a partir de 1905, uma modernizacéo na encenacdo correspondente as necessidades do puiblico e & dramaturgia da época. A func&o dos cenérios é indicar ao espectador uma direco para sua imaginagao, Meyerhold substitui_ 0 universo cénico realista por um jogo de planos; tentard 28 reduzit a cena as duas dimensdes de um quadro, Os pinto- res que trabalham com ele buscam a estilizagao, a simp! cagtio, a busca do essencial, O cendrio ndo devera chamar aatengao do espectador em detrimentoda atuacdio dos atores. No texto “As técnicas e a histéria”, de 1907, Meyerhold escreve: © corpo do homem e os acessérios — mesas, cadeiras, ca- mas, armarios — tém trés dimens6es. Portanto o Teatro, on. de o ator é objeto principal, precisa recorrer ao trabalho das artes plasticas e nao da pintura. Para o ator, a base é a ar te da escultura, Com isso, sem abolir os cenarios, dara prioridade aos mo- vimentos plasticos do ator. Tentou também estabelecer uma nova relagao sala/cena, onde o cendgrafo tinha a fungéo de aproximar 0 ator do piiblico. Lembramos que a importancia de Meyerhold nao fica s6 no seu desempenho como encenador; foi pedagogo ¢ ted- rico, e inova o trabalho do ator através da teoria da “bio- mecdnica”’, que se opde ao que propunha Stanislavsky. De- pois da Revolugdo de Outubro, participa do Teatro de Agit- prop. Desapareceu misteriosamente em 1938, ou, segundo alguns historiadores, foi preso ¢ fuzilado em 1940, depois de ter sido uma personalidade no panorama teatral russo. Foi o principal encenador da dramaturgia de Maiakovski, como veremos, onde se utiliza das propostas da Vanguar- da Russa para realizar 0 cendrio. No século XX O fim do século XIX e inicio do século XX correspon- de a Belle Epoque. A Exposicdo Universal de 1889 consa- gra o Art Nouveau. A crenga no progresso exalta a maqui- na, 0 carro, 0 avido, o telefone. ‘A fotografia se aperfeicoa ¢ é considerada uma lingua- gem artistica. Os meios de comunicagéo, como o cartaz, passam a fazer parte do cotidiano. A imprensa se torna uma poténcia e o cinema, uma indiistria que modificaré 0 comportamento das pessoas. A ciéncia se desenvolve rapidamente. Einstein revolu- ciona 0 pensamento com a Teoria da Relatividade. Freud abre caminho para o conhecimento do ser humano com seus estudos. Tudo contribui para que o homem mude a sua vistio de mundo e a forma de inserir-se nele. Nas artes plasticas, os ismos se sucedem: 0 Expressionis- mo, 0 Cubismo, o Futurismo. A destruigéo da perspectiva in- dica uma nova concepeao do espaco pictérico, a cor é exalta- da, a maquina também. O homem nao vé mais 0 mundo da mesma forma, e as Vanguardas mostram este novo olhar. Surge 0 desenho industrial na Werkbund, na Alema- nha, ¢ com ele a andlise do objeto em relacdo a sua funcao @ & fabricaedo em série, Continua uma discusso iniciada 30 por William Morris, na metade do século XIX: quantida- de versus qualidade. ‘A dramaturgia e 0 espetéculo também inovam. Tudo € questionado, do grupo teatral ao ator, da dramaturgia fungao de cada elemento e cada profissional em uma mon- tagem teatral. Appia Adolphe Appia (1862-1928), diretor, cendgrafo ¢ teéri- co suigo, escreveu textos sobre a obra e a teoria de Wagner: ‘A encenagao do drama wagneriano (1895) ¢ A musica ea encenagdo (1899). Em 1921 foi publicada A obra de arte viva. A reflexdo de Appia parte da aniilise da obra de Wag- ner em relagdo & situacdo teatral da época. As mudangas que ele propée nao se limitam a cenografia, mas abrangem todos os elementos que compdem um espetiiculo teatral. Es- tuda a relagdo entre esses elementos e concebe um espeticu- Jo. como um conjunto harménico once o ator esté em desta- que. Exatamente por considerar 0 ator como volume em movimento, ele vé a necessidade de considerar o espago c8- nico como um “espe ado segundo a verticalidade, a horizonta © chilo — ¢ a profundi- dade onde o ator se a. Nao podemos esquecer que Wagner introduz o ritmo na ditegto teatral, O préxi- mo passo cabe a Appia: a andlise do movimento como ele- mento do espetiiculo. Os Jogos Olimpicos renasceram em 1896 ¢ com eles a revalorizagao do corpo humano. Loie Fuller Isadora Dun- can renovam a danga. Rodin e Medardo Rosso revalorizam a escultura. Appia considera 0 corpo do ator como meio de expressdo. Se 0 corpo humano é um volume se movimen- tando no espago cénico, este é concebido como uma compo- si¢do plastica de volumes dispostos de tal forma que enfati- zem 0 ator € ndo atrapalhem a sua movimentaco. A ilumi- 31 nagdo também teve um papel importante, e Appia definiu, a sua fungdo no espeticulo: o espago/luz tem uma fungao psicolégica, € a “‘alma’’ das personagens transportada ao nivel visual. Assim a luz passa a ser um elemento indispen- sdvel na encenacdo. Appia deixou intimeros croquis de suas propostas ceno- grdficas. Neles vemos como ele abominava elementos deco- rativos intiteis, Usa praticaveis, organizando e compondo © espago horizontal — 0 chao — e ao mesmo tempo estabe- lecendo planos na vertical, através do uso de cortinas, Em muitos trabalhos utiliza escadas, criando planos em alturas, Luz e sombra completam a composigao. A beleza do seu trabalho esta na simplicidade dos elementos plisticos pensa- da em fungdo da encenagao. Encontramos a influéncia de Appia até hoje, como por exemplo em Svoboda. Preocupado com o Teatro, ques- tiona o teatro italiana como arquitetura teatral adequa- da aos tempos modernos e preconiza um lugar teatral con- dizente com uma nova dramaturgia, um lugar leve ¢ trans- formavel para permitir uma novagelagio cena/puiblico. Ho- je estes lugares teatrais ja existem. Craig Edward Gordon Craig (1872-1966) nasceu na Inglater- ra, Ator, diretor, cendgrafo, tedrico e principalmente artis- ta pldstico, deixou intimeros textos onde expde seu pensa- mento € suas reflexdes, Sao documentos importantes seus desenhos, maquetes, fotos de maquetes ¢ gravuras, onde po- demos captar suas propostas cenograficas, como concebia a encenagao ¢ seus sonhos ou idealizagdes. Como admira- dor de William Blake, dos pré-rafaelistas e dos simbolistas, Craig nao poderia aceitar 0 Naturalismo. Ao contrario, 0 desqualifica como uma mera reprodugao; portanto nao é arte. Preocupado com a situagao do Teatro da sua época, 2 como Appia, que este voltasse a ter dignidade e se tornasse uma linguagem artistica, aut6noma e original. Em 1905, em L’art du ThéAtre, define assim a arte teatral: A atte do Teatro néo é nem 0 jogo dos atores, nem a pe¢a, nem a encenacdo, nem a danga; é formada dos elementos que a compéem: do gesto, que 6 a alma do jogo; das pela- vras, que séio 0 corpo da pega; das linhas © das cores, que so a existéncia mesma do cenétio; do ritmo, que é a essén- cia da danga, Entdo, ao contriirio de Appia, nao privilegia nenhum clemen- to, mas valoriza a unidade do espeticulo. Teatro nao é a dra- maturgia, que ele considera obra literdria, mas o espetculo. Espetaculo entendido coma rito “religioso” — obra de arte absoluta — a ser assistido de longe pelo espectador. Propon- do a autonomia da linguagem teatral — nao idera co- mo a unio das artes —, estabelece e trabalha com os ele- mentos proprios do espetaculo. Segundo Craig, esses elemen- tos so as palavras, os gestos, as linhas, as cores, 0 movi- mento, além dos materiais como madeira, tecido, os figuri- nos, @ luz artificial, os atores, os técnicos etc. A unidade do espetaculo ¢ dada pelo diretor, que, como criador, deve- rd também conceber 0 cenirios, a luz, 0 figurino; enfim, cuidar da encenagao. A busca da unidade ¢ da perfeigao faz com que Craig néo delegue fungdes a mais pessoas, mas con- centre em uma sé a concepgio total do espetdculo. Propondo uma mudanea total, a cenografia nao pode- ria deixar de ser nova também, Priorizando a verticalida- de, chega a criar os screens, painéis méveis colocados em sentido vertical onde a cor seria simbdlica, e traduziria a at- mosfera da cena. Por exemplo, na montagem de Hamlet de Shakespeare, no Teatro de Arte de Moscou, dirigido por Stanislavsky, foram usados painéis dourados simboli- zando a riqueza da corte e painéis cinza representando a tristeza da alma de Hamlet. Nao usava nenhum elemento que descrevesse a cena. Gostava de usar materiais pela sua textura e densidade. 33 Considerando a arte teatral essencialmente visual, ti- nha que atingir os sentidos do espectador, especialmente a visio e, através dela a imaginagao. Nem por isso gostava de cendrios que chamassem demais a atengéio do public; simplicidade e estilizagfio foram a base dos seus trabalhos. ‘A cor deveria atingir a sensibilidade do espectador para que ele penetrasse no significado da peca. A luz é um ele- mento belo e revela ao espectador uma realidade espiritual. Priorizando a verticalidade, criou cenografia para reve- lar 0 Universo. © Teatro, para ser arte, tem que ser uma re- velagdo, tem que ser belo, isto é, simples, de uma beleza ab- soluta. Tem que usar simbolos, buscar uma unidade e dar primazia aos elementos visuai Ballets Russos Os Ballets Russos so um marco na danga, nas artes plasticas e no Teatro. Serge de Diaghilev (1872-1929), seu empresdrio, os levara para Paris em 1909, onde terfo um enorme sucesso e voltarfio a apresentar-se anualmente. A atividade dos Ballets vai até 1929. Diaghilev, em 1906 ¢ 1908, organiza no Saléo de Outo- no exposigdes de arte russa; j4 havia realizado na Russia uuma exposicdo de arte européia com grande repercussao. ‘Amante da musica, passa a se interessar pelo balé. Os coredgrafos e bailarinos Fokine e Nijinsky revolu- cionaram a danca. Scheherazade, musica de Rimsky-Korsa- kov; Petrushka, musica de Stravinsky; L’aprés-midi d'un faune, misica de Debussy, foram os espetaculos apresenta- ‘dos em Paris antes da I Guerra Mundial. Os cendgrafos Bakst, Golovine e Benois, e posteriormente Goncharova € Larionov, so pintores russos. A pintura estd em cena nova- mente, Contra o Naturalismo, os cendrios buscavam inspi- raedo nao na imitagao do real, mas na imaginacao. ‘Nao podemos esquecer que conceber os cendrios para um espetdculo de danga é diferente de concebé-los para os \ 34 de arte dramatica, Produto de um trabalho coletivo, 0 espe- taculo era considerado a unido entre musica, pintura ¢ co- reografia. O resultado & um quadro onde 0s corpos dos bailarinos so pinceladas leves e transparentes que se movi- mentam. A utilizago das cores vivas, ao contrario do que era usado anteriormente, tinha que ser uma festa para os olhos dos espectadores, além da riqueza dos figurinos ¢ a perieico dos bailarinos. ‘Traduziram-se em espetéculos que marcaram o inicio do século, onde o cardter exético contribuiu muito para o seu sucesso. Na Belle Epoque, periodo do progresso técni- co € cientifico, mecanizaeao e industrializagao, 0 piiblico procurava esquecer a civilizagao ¢ encontrava no exdtico al- g0 que Ihe possibilitasse uma fuga momentdnea do frenesi da vida cotidiana. Mas revolucionaria mesmo foi a ousadia dos gestos e movimentos, a coreografia. Em 1917 inicia-se uma nova fase dos Ballets Russos, que se estende por doze anos. Perdem o carater russo e 0 exotismo, mas nao a ousadia. A necessidade constante de renovar ¢ ao mesmo tempo de manter-se na ‘moda’? fez com que Diaghilev passasse a convidar artistas da Vanguar- da para projetar cenarios: Goncharova ¢ Larionov (Vanguar- da Russa/Raionismo); Picasso, Braque ¢ Gris (Cubismo); Derain e Matisse (Fauvismo); De Chirico (Metafisica); Ro- bert ¢ Sonia Delaunay (Orfismo); Marie La (prdxi- ma dos cubistas); Gabo e Pevsner (Vanguarda Russa/Cons- trutivismo); Utrillo e Roualt (Escola de Paris); Miré ¢ M. Ernst (Surrealismo). Ele também se europeizou convidan- do miisicos como Satie e De Falla. © escdndalo provocado pelos espetéculos chamava um grande publico. Lembramos de Parade, em 1917, de Cocteau, com cenografia de Massine, tendo como princi- pais bailarinos Lopokova, Shabelska, Massine ¢ Zberev. ‘A miisica de Satie tinha por acompanhamento apitos de si rene e rufdos de maquinas de escrever, os figurinos de Pi- casso eram espetaculares ¢ inusitados. O critico Guillaume ‘Appolinaire em relacio ao espetdculo usou, no programa 35 da primeira apresentacdo, termos como “espirito novo”, “‘poema cénico’”, “‘coreografias audaciosas” e “‘gracas dos movimentos modernos”... Le6n Bakst, no mesmo programa, escreve: Eis Parade, balé cubista; paradoxal pode ser para os miopes — verdadeiro para mim. Picasso nos dé sua visto de um ta- blado de feira, onde os acrobatas, chineses © empresérios se mover em um caleldoscépio a uma s6 vez real e fantasti- co. Uma grande cortina, “\passadista” no desenho, corre entre estas flores do vigésimo século € 0 espectador intrigado. As Personagens so revestidas de dois aspects opostos: algu: mas, construgées ambulantes, um monte de trabalhos cubis: tas dos mais espirituais; 0s outros, acrobatas tipicos de um clrco de hoje em dia. A coreogratla as assimila ¢ torna “rea sta’ estas duas espécies: algumas, cOpias fiéis; outras, nas: cldas do cérebro de Picasso. Este grande pintor achou mais um ramo na sua atte, Eumcenégrato também. Eo publico valou, Os pintores, ou melhor, os artistas plisticos que se tor- naram cendgrafos, acidentais ou assumindo essa atividade, foram e sao iniimeros: Kandinsky, Mondrian, Moholy-Nagy, Debuffet. A contribuigdo é rica, a troca ¢ importante. Des- de o seu aparecimento contribuiram para a inovacao, che- maram a atengdo em rela¢do & cor como linguagem expres- siva, negaram a ‘‘decoracdo”” como sinénimo de cenogra- fia, Além disso, sua imaginacao fértil levou a criagdo de ce- narios intrigantes e muito bonitos, Por outro lado, as criticas surgiram. Nem todos, espe- cialmente os que fazem cenografia por acidente, sabem lidar com as questdes préprias da cena, como por exemplo cor ¢ uz: no lugar cénico, sao totalmente diferentes que no qua- dro. Para tornar-se cendgrafo o artista plastico deve conhe- cer os principios da cenotécnica, histéria do Teatro ete. A ce- nografia tem que ser um elemento do espetaculo e, para ela ser adequada, nao pode chamar a atengdo s6 sobre si mes- ‘ma em detrimento dos outros elementos, especialmente do ator. O papel da critica ¢ refletir e levantar questdes pertinen- tes em relagdo a obra de qualquer linguagem artistica. 36 Futurismo #m 1907, a obra de Picasso Les demoiselles d’Avignon ‘rompe com 0 passado imediato ¢ se abre para um novo mo- ‘vimento: 0 Cubismo, em 1908. A principal contribuicao é a negacdo do espaco perspéctico e a introducao da simulta- neidade do olhar. Em 1909 surge o Movimento Futurista, na Itélia defasa- da do resto da Europa. Supervalorizando a maquina ¢ 0 pro- stesso, inova a relagio pblico/artista. As Noitadas Futuris- tas so espetdculos onde se usam varias linguagens artisticas — miisica, poesia, pintura — para provocar 0 espectador. Em 1913 € publicado 0 manifesto “‘O Teatro de Variedade em oposi¢do ao Teatro Dramatico, onde se afirma que 0 espe taculo deve possuir uma excitagdo erética ¢ provocar um estu- por imaginativo e, principalmente, que o puiblico nao pode ficar passivo, tem que participar. Em 1915, no manifesto “Teatro Futurista e Sintético”’, isto é, “um teatro sintético, atécnico, dinamico, simultineo, auténomo, alégico, irreal”, encontramos que 0 piiblico tem que deixar de ser preguico- so, € para que isso acontega a cena deve invadir a platéia. A situago teatral na Itdlia estava estagnada, presa a0 passado e no tinha absorvido as mudaneas que haviam aparecido no resto da Europa, Com a cenografia nao podia ser diferente, Para romper com o passado ¢ inovar, Pram- polini, no “Manifesto da cenografia futurista” de 1915, diz que “‘a cena deve viver a acdo teatral na sua sintese dinami- ca, deve exprimir, como o ator exprime e vive em si mes- mo de maneira imediata, a alma da personagem coneebida pelo autor’’, Nega o Naturalismo ¢ a reconstrugio histéri- ca. A cenografia deve fazer parte do espetaculo, ser dina- ica como o é a acdo teatral, - as cores da cena deverdo susc)tér nos espectadores valores emotivos que nao podem serdados nem pela palavra do poe: ta nem pelo gesto do atoy“A cena mesma, portanto, nao se- 4 um fundo colorido, ma uma arquitetura eletromecanica in- color fortemente resSaltada por emanagdes cromaticas de 37 uma nascente de luz, produzida por refletores elétricos, com vidros de varias cores, colocados e coordenados analogica mente ao espirito de cada aco cénica A luz se torna personagem. Em 1924, Prampolini escreve um outro manifesto, “A atmosfera cénica futurista”, onde propde que no futuro 0 es- paco cénico seja polidimensional e poliexpressivo, isto é, que seja a unido das quatro dimensées do espaco teatral através de uma cena-sintese, uma cena-plastica e uma cena-dindmica. Participaram do Movimento Futurista: Balla, Depero, Bragaglia e Ricciardi, Este wltimo cria 0 Teatro da Cor em 1919, onde propde a cor como “personagem auténo- ma’, Cor entendida como cor/luz. ‘AI Guerra Mundial acaba com a idolatria ao progres- so ¢ A maquina, Anos turbulentos e conturbados mas ricos em propostas artisticas se seguirdo em todo o mundo ociden- tal. O Dadé explode internacionalmente (Zurique, Nova York, Berlim, Paris) um ano apés 0 io da Guerra, e ser segui- do pelo Surrealismo, em 1924, Os movimentos que desde o inicio do séeulo se sucederam, se multiplicam e se sobrepdem. Expressionismo © Expressionismo surge como ruptura com o pasado no inicio do século XX. Ele é um “estado de espirito” e atin- ge todas as linguagens artisticas, propondo uma nova visdo do mundo, Na Franca, a vertente na pintura foi o Fauvis- mo} na Alemanha, o grupo A Ponte e’posteriormente O Ca- valeiro Azul. Se a dramaturgia expressionista tem em Strind- berg (1849-1912) um de seus precursores (A estrada de Da- masco é de 1898), a cena expressionista aparece mais tarde, nos anos 20, influenciada pelas artes plasticas. Os cendgra- fos foram Sievert, Reigbert, Pirchan, Klein, entre outros. _Qual era a proposta-da-cenografia-expressionista? Co- mo nas artes plasticas, hd uma recusa ao Naturalismo e 38. ao Impressionismo. © que se busca é olhar além da superfi- cie das coisas. A realidade compreende o sentir, o espiri tual. O artista cria a partir desses dados. Os cendrios nao deverdo mais que transmitir ao espectador este sentir e in= terpretar do artista E muito importante colocar que nao existe um estilo expressionista para os cendrios; e nao s6: nao existe esti Jo em se falar em cenografia. Isto porque nao existem formu- Jas que possam ser aplicadas. Cada espetaculo ¢ efémero € tinico, no é possivel ser reproduzido. Assim sendo, todos ‘0s seus elementos so pensados e criados para cada encena- cdo: cenétios, luzes, figurinos, sem contar a atuagio do ator, Ao falarmos em geral, nao significa que estamos rotu- ando este ou aquele cenario, isto seria incoerente com o fa- to de cenografia ser um ato criativo, Alids, 0 termo estilo sofreu uma degeneragio ¢ deveria ser usado com todo 0 cuidado. ‘Os cendgrafos expressionistas rejeitam tudo 0 que for supérfluo, os seus trabalhos buscam o sentido profundo do texto dramatiirgico, na esséncia. Tocar a alma do espec- tador é 0 seu objetivo. Desta forma, os cenirios tendiam para a expresso simbélica, ando objetivo, mas 0 mundo povoado pelo sentir e ver através dos sentidos. As linhas sao distorcidas, nao existe a linha reta no mundo dos sentidos ¢ das emogées. A cor também é acentuada. Co- ‘mo 0 sao 0s contrastes entre elas. Os planos seguem a dis- torc&io das linhas, ea luz completa os contrastes das cores. Qs cendrios nfo so lugares, mas ‘‘visdes”” sugeridas pela pega e, como 0s atores, personagens, porque refletem 0 es tado de espirito desses, valorizando a relagao interior, ¢ le- vam o espectador a perceber 0 desenrolar das situagdes. ‘A cenografia organiza um espaco funcional e expressi- vo a servico dos atores e especialmente do texto dramitico. ‘Como exemplo temos os cendrios de Kokoschka, artista plas- tico e dramaturgo expressionista, para Hiob (montagem de 1917) e Orfeu e Euripedes (montagem de 1921), de sua 9 autoria, onde a deformacao mostra a angiistia e o desespe- ro das personagens. A mesma deformagdo é usada por Cé- sar Klein, que além de cendgrafo era pintor, em Da auro- ra @ meia-noite, de G. Kaiser (montagem de 1921), com di- reco de Barnowsky, onde se vé sair de uma enorme € as- sustadora Arvore um esqueleto. E nos cendrios de Ludwig Sievert tudo parece desmoronar ¢ torna-se ameacador, nas montagens de A cidade morta, de E. W. Korngold, em 1921, com diregdo de Lert, e em A grande rua, de J. A. Strindberg, em 1923, com diregao de Buch. A mesma at- mosfera de catdstrofe estd nos cendirios de Otto Reigbert pa- ra O filho, de W. Hasenclaver, em 1919, e em Os tambores da meia-noite, de B. Brecht, em 1922, sendo diretor Wei- chert. Nos cendrios para Otelo, de W. Shakespeare, com diregao de Jessner, Emil Pirchan tende para a abstracdo, onde a cor realga as tensdes do drama e 0 objeto tinico em cena carrega todo o seu significado como a cama de Desdémona (a influéncia ¢ de Craig: ele dizia que uma arvo- re em cena pode significar uma floresta). Lembramos que o cinema expressionista produziu obras memoraveis, como O gabinete do doutor Caligari, de 1920, dirigido por Robert Wiene, com cendrios de Her- man Warm, Walter Réhrig e Walter Reimann, trés pintores do grupo Der Sturm, A Vanguarda Russa A Vanguarda Russa compreende trés movimentos: 0 Raionismo, o Suprematismo e 0 Construtivismo. O seu de- senvolvimento se da paralelamente & Revolugdo ¢ atinge to- das as linguagens artisticas. Miheil Larionov e Natalja Goncharova fazem parte do Raionismo, e criaro cenérios para os Ballets Russos. Malévitch é o eriador do Suprematismo e também cenégra- fo, assim como Tatlin, El Lissitzky, artistas plasticos cons- | | 0 trutivistas. Maiakovski, Meyerhold, Eisenstein (este, antes de se dedicar ao cinema foi encenador), séio nomes inesque- ciyeis, Na cenografia encontramos duas mulheres, Alexan- dra Exter (1882-1949) e Liubov Popova (1889-1924), que além de cendgrafas foram artistas plésticas. A época era propicia: todos participavam tanto da Revolugéio como tran- sitavam em varias linguagens artisticas. ‘A cenografia se toma uma obra abstrata. Lembramos que a abstracio nas artes plisticas surge antes da I Guerra Mundial, mas na Ciéncia o pensamento abstrato ja existia no final do século XIX e se torna o fundamento principal do. pensamento cientifico contempordneo. O abstracionis- mo se encontra em toda a Vanguarda Russa, das obras raio- nistas ao Suprematismo ¢ ao Construtivismo. A cenografia integrada a esses movimentos reflete essa corrente. Rejeitan- do todas as tendéncias figurativas, se utiliza de elementos geométricos e estabelece planos t ‘zontal quan- to na vertical. O palco passa a ser organizado através de vo- jumes ¢ planos, formas absiratas. A tridimensionalidade ressaltada, 0 ator a usa na sua plenitude: a horizontalida- de, a verticalidade e a profundidade, Na dramaturgia de Maiakovski percebemos como ele a imaginava em um palco. Um ponto levantado pelos tedricos em relagdo a sua obra € 0 fator hiperbélico, caracteristica das personagens, ¢ no s6 delas como do espaco que as en- volve. Maiakovski pede algo mais que um palco tradicional ou um palco & italiana para suas peras. Quebra paredes, exi- ‘ge espacos enormes, A influéncia do circo nas suas obras se reflete também no espaco, tanto pelo formato arena, como pela altura e largura, Tudo para conter a explosao tao presen- te nos seus dramas. As suas pegas vao ao encontro dos pro- pésitos de Meyerhold, no s6 em relagio ao contetido como em relagaio ao espago ¢ & concepgao plastica. E2 istiria em am- bos a proposta de levar as apresentagdes ao ar livre, espago a perder de vista, 0 que infelizmente ndo se concretizou. © objetivo principal: a comunicago com o puiblico ¢ a sua participaco no espetdculo. Para isso havia necessida- 4 de de romper com os padrdes existentes no Naturalismo, derrubar a quarta parede. Nos dramas de Maiakovski essa parede € arrebentada, como é arrebentado qualquer artifi- cio, permanecendo porém a “magia”, algo forte e colori- do em todos os sentidos. Nao é, sem duivida, 0 meio-tom, caracterfstica do Teatro Naturalista, Maiakovski acompanhou a montagem de seus textos dramaticos criadas por Meyerhold. A unio desses dois ar- tistas resultou em espeticulos onde a busca do novo foi um meio para se chegar a transmitir toda a concepcao do texto como a mensagem que ele continha. Os cendgrafos so Lavinsky, Crakovskij, Nakhtangov, Rodtehenko. No palco nenhuma rotunda ou cortina. Os ma- teriais: madeira, vidro, ferro, que se transformam em pratica- veis, rampas, pontes, escadas, plataformas, grades ¢ rodas. ‘Também na montagem de Le cocu magnifique, de Crom- melynck, ditigida por Meyerhold em 1922, a cendgrafa Liu- bov Popova deixa A mostra o paleo, ndo esconde os refleto- res e € construido 0 cenario: uma estrutura aparente com escadas, rampas, rodas. Tairoy e Vachtangoy sao também diretores deste movi- mento. Os cenarios chegam a ter uma dindmica, se tornam méveis, como o so as engrenagens do mundo mecanico. Bauhaus Fundada por Walter Gropius, a Bauhaus (termo que significa ‘casa de construgdo”), na Alemanha, de 1919 a 1933, foi uma escola voltada a formacao, 4 pesquisa c & re- flexdo no campo das artes visuais: arquitetura, urbanismo, pintura, escultura, desenho industrial e Teatro. Gropius. Schlemmer CO interesse de Gropius pela area teatral é anterior & Bau- haus. Ele comega fabricando méscaras, passa a se interessar 2 pelo movimento, pelo gesto e pela dana, pelo corpo inseri- do no espago. Propée uma reforma teatral, especialmente da danga, contra as propostas naturalistas ¢ também contra a posic&o dos Ballets Russos, nos quais o bailarino era um elemento do conjunto, um traco dos cenérios, Coloca o intér- prete (ator ou bailarino) no ponto central do espetdculo, ¢ to- dos 0s outros elementos giram em volta desse ponto central. Oskar Schlemmer, no texto ‘“Homem e figura artistica”’, escreve: A histéria do Teatro é a histéria da transmudagao da figura do homem: © homem como ator que representa os aconteci- mentos do corpo e da alma no intercémbio entre pureza e re- flexéo, entre natureza e artificio. Coadjuvantes desta transmu- dagao de figura sdo a forma e a cor, meics usados pelo pin- tor e pelo escultor, 0 lugar em que acontece 6 [...] no espago fe na arquitetura, campo de atividade do construtor. Com isso fica determinado o papel do artista figurativo, isto é, daquele {que procede coma sintese de tais elementos no campo do Teatro, Entdo temos o homem no centro do espago tridimen- sional, com suas leis e mistérios, irradiando sua energia. Oskar Schlemmer analisa, sistematiza e cria em uma épo- ca onde dominava a mecanizagao ¢ a abstragio. Busca nos seus espeticulos 0 jogo das formas e das cores. Uma abstra- do na busca do essencial, uma unidade — uma arte total néio-mecanizada, uma busca do espiritual (niio do sentimen- tal) através da simplicidade (nao da pobreza). O espago — universo humanizado — envolve 0 homem, que se dei- xa envolver por ele para encontrar a pureza origindria: 0 ponto, a linha, a superficie, as cores primérias — amarelo, vermelho, azul — mais 0 preto e 0 branco. Materiais de di- ferentes texturas — vidro, metal e madeira. Tudo organiza- doe integrado, Movimento, cor, luz, formas e gestos. Obje- tivo final: 0 homem, a construgdo do homem. Moholy-Nagy Lazlo Moholy-Nagy (1895-1946), hiingaro, ensinou na Bauhaus de 1922 a 1928. Ble tinha uma forte influéncia 8 do Construtivismo, e sua pesquisa era ligada a visio ¢ ao movimento (visual-cinétiea). Quando é convidado para fa- zer parte do corpo dovente, a escola se encontrava em uma época de conflito, estava modificando o seu pensamento, do Expressionismo tardio para o Racionalismo e, portanto, a uma postura mais ligada A ciéncia ¢ a técnica. Moholy- Nagy é ligado ao Racionalismo. Entra como professor do laboratério dos metais e critica o pensamento que encontra na escola como ligado ao “‘Romantismo ¢ Naturalismo”, portanto “coisas do passado”’. As criticas se estendem ao laboratorio de Teatro e a obra de Schlemmer (segundo ele, expressionista ¢ romantica), colocando-se em uma posigao diametralmente oposta. Referindo-se a Schlemmer, diz: ‘Somente se o senhor deixa de lado os homens, pode mexer nna obra teatral do século XX. Ao contrario, construa um me- canismo fantéstico de luzes e de sombras, nas quais luz © sombra, cores, formas, sons e, pode até ser, gestos de ho: mens (melhor sem estes) sejam reunidos para dar uma ima- ‘gem mecanica do mundo, de tal forma que possa ser coloca- da em movimento com um botdo ou uma manivela. Portanto é uma proposta desvinculada do texto drama- tico ¢ literério. E assim teremos um espetdculo entendido como um conjunto mecinico em movimento, onde 0 ho- mem deixa de ter o papel principal — ser o eixo central, co- mo na proposta de Schlemmer — mas, primeiro, passa a fa zer parte do conjunto e, segundo, contribui para criar 0 evento com a acdo e ndo com a palavra. ‘A climinagao total do homem do espetaculo foi pro- posta por Prampolini (falamos dele no Teatro Futurista) no seu Teatro Antipsicolégico Abstrato, em 1925. ‘Além disso Moholy-Nagy observa que, em uma épo- ca moderna, 0 espetdculo tem que atingir as massas ¢ no um pequeno e seleto publica. Para que isso acontega, deve estar & disposicao do diretor toda a técnica recente, inclusi- ve o cinema, além de uma nova arquitetura teatral. ‘A Bauhaus provavelmente teria terminado por confli- tos internos, mas antes que isso acontecesse 0 nazismo en- carregou-se de fechd-la definitivamente. Hitler considerava ‘as obras das Vanguardas arte degenerada, consideragdo ex- tensiva aos artistas, que tiveram que buscar fora da Alema- nha paises onde pudessem continuar 0 seu trabalho. Walter Gropius e Moholy-Nagy foram para os Estados Unidos. Al- guns ficaram, como Schlemmer, ¢ tiveram uma vida dificil. Outros infelizmente deixaram de existir. Piscator Erwin Piscator (1893-1969), diretor alemao, discipulo de Max Reinhardt, estabelece um programa — teorias ¢ uma forma — para o Teatro Politico, onde afirma que, antes de mais nada, precisa eliminar a palavra arte, simbolo de um teatro burgués. O Teatro é politica, é consciéncia, deve mos- trar a luta de classes, € uma missAo revolucionsiria. Piscator elabora um novo coneeito de espetiiculo teatral, para que es- te se torne um veiculo de propaganda e analise politica e social. Muda 0 conceito, mudam os objetivos. O espetdculo deve estabelecer uma nova relagao com o piiblico, deve ser pedagdgico. Nao pode criar no espectador emogdes estéti- cas ou sentimentais, mas despertar a conseigneia sobre os acontecimentos sociais. Em 1919 funda 0 Teatro Proletdrio (1920/21), com . Hermann Schiller, Lembramos que a Alemanha na época estava em uma crise profunda, econémica ¢ social: so os anos que antecedem a subida ao poder do Reich. Piscator esta ligado ao clima politico, as teorias marxistas de Rosa de Luxemburgo e Karl Liebknecht, relacionadas a0 tema da democracia operdria e diferentes da posigao assumida pelo partido comunista na época. ‘Ao mesmo tempo na Alemanha pés,1 Guerra, 0 Da- daismo é a Vanguarda. Ruptura do Expressionismo e de to- das as Vanguardas passadas, a vertente alema do Dadé (a verdadeira arte é a antiarte) no nega suas propostas con- testatorias, especialmente em relacao ao social. Deste movi- 45 mento faz parte George Grosz (1893-1959), artista plastico — cria caricaturas politicas e fotomontagens —, fundador, em 1925, da Nova Objetividade — que jé tinha substitui- do 0 slogan expressionista “O homem é bom” pela seca an- titese “O homem ¢ um animal’. Erwin Piseator faz 0 mes- mo ha montagem de Oba! Estamos vivos!, de E. Toller, em 1927, onde troca o mito expressionista, fundado sobre a bondade humana, por um grande pessimismo. G. Grosz colaborard com Piscator em mais de um espeticulo. Para um novo Teatro, uma nova cenografia. Tudo es- té em fungo do objetivo final, o ptiblico tem que entender ‘a mensagem, assim todos os elementos so usados com es- te fim. Também com este objetivo Piscator busca novas téc- nicas para serem introduzidas na montagem. Ha uma rela- co entre a revolugdo técnica e a social. Em 1920 apresentou A hora da Russia no Teatro Prole- tario, com cenarids de John Heartfield. Um mapa mostra a situagao geografica, o objetivo é evidenciar o significado politico da cena, cendrio nao & um elemento decorativo, ‘mas um elemento que mostra uma situacdo social, ensina, tem uma fungdo didética e ao mesmo tempo é um elemen- to dramatico. Nesta perspectiva, usaré uma estrutura meta- lica (sob a influéneia do Construtivismo) na vertical, com andares para cenas simultaneas, em Oba! Estamos vivos!, cenarios de Traugott Miller. Ele também vai se utilizar de proje¢des miiltiplas, de fo- tomontagens, de esteiras rolantes, como simbolo do desenro- lar de uma condiggo social. Nao s6 isso: usard também o ci- nema, que passard a ter um papel essencial nos seus espetdcu- los; 0 filme didatico, por mostrar os fatos objetivamente; 0 filme dramatico, substituindo a palavra do ator; ¢ 0 docu- mentério, com func&o de coro. Tudo para levar 0 piiblico a ‘uma conscientizagAo e & reflexdo. Com sua pesquisa abriu um novo campo para enriquecer o Teatro e a cenografia. 5 Voltando ao lugar teatral ‘A busca de um lugar teatral condizente com as novas propostas permeia todo 0 nosso século. O teatro a italiana é questionado, ele representa o passado e, se para cada épo- ca corresponde uma arquitetura teatral que representa o seu pensamento, & medida que a sociedade muda deveria modi- ficar-se também o lugar teatral. Por isso, desde o final do século XIX aparecem as criticas ao teatro a italiana, como propostas concretas para um novo teatro, que se multipli- cam ao longo do século XX. Além disso, sfio usados ou- tros espacos que nao o teatro para as montagens. O teatro a italiana ¢ criticado sob varios angulos. Em relagfo ao social, porque apresenta uma nitida diferencia cdo na sua estrutura entre as classes sociais, isto &, 0 publi- co vé € ouve conforme suas posses. Lembramos que real- mente ele foi pensado assim: como também no teatro elisa- betano, na sala havia diferenciagdo em classes sociais. Em relaglo A condicio de visibilidade ¢ audicao, ja em 1890 André Antoine escrevi ‘A estrutura em ferradura, geralmente adotada, condena os espectadores dos andares superiores a se sentarem liters ‘mente uns na cara dos outros, sem exagero. Eles no podem seguir a agao dramatica sendo girando penosamente a cabe- ———— ee ga. Se, a rigor, todas as pessoas sentadas na primeira fila dos baleses podem seguir 0 espetdculo ao prego de uma tor- tura insuportavel, aqueles que ocupam as trés ou quatro fi- Ieiras atras 840 obrigados a ficar de pé, a se pendurar no va- io para poder ver uma pequena parte do palco [...] Pode-se dizer, sem nenhum erro, que em 1 200 pessoas, existem 600, — 300, A esquerda, 300 a direita — que nao véem o espetacu- Jo na sua totalidade. De fato, pegando como exemplo o Municipal de Sao Paulo, se formos sentar nos baledes a direita, s6 veremos uma parte do palco a esquerda. O mesmo teremos, inverten- do 0 lado, se nos sentarmos nos balcdes a esquerda. Além disso, dependendo da altura, s6 veremos 0 cho do paleo. Sem contar que no poleiro — tiltimo andar — nao se verd absolutamente nada. Na verdade, os tinicos espectadores que realmente tém uma visdo total do palco so aqueles que sentam no meio da platéia, Por isso este lugar era chamado de “lugar do prineipe’’. Outro problema que este tipo de estrutura apresenta, mesmo nos teatros que a simplificaram retirando frisas ¢ balede’ ¢ deixando somente a platéia com o paleo frontal, € a separacdo nitida entre a sala e a cena. A sala, lugar do piblico, corresponde ao real; a cena, lugar da atuagéo, cor- responde a ficgdo. Tém como tinico contato a abertura do palco — a boca de cena — emoldurada, como se fosse uma janela para fora, onde é apresentado um mundo magico e ilus6rio distante do mundo do espectador, que o vé passiva- mente através de uma quarta parede invisivel, Sao dois mundos separados e distintos. Esse Teatro se tornou o sim- bolo de uma classe social, a burguesia, com a tinica funcao de divertir. A partir de 1870 retomam esta discuss varias corren- tes: aquela que quer dar um objetivo ao Teatro que nao se- Ja s6 diversdo; aquela que quer um lugar mais democriti- co onde todos possam ver e ouvir bem; aquela que acha que 0 puiblico deve participar mais ou pelo menos se envol- 48 yer mais com 0 espeticulo. A corrente que, aliada 4 idéia de que 0 Teatro deve recuperar a sua dignidade artistica & deinat de ser um acontecimento comercial, quer adequar 0 ugar as novas propostas. Contra o Naturalismo, analisa © jugar cénico nas suas caracteristicas proprias. Isto é, © lu- gar onde acontece o espetdculo é um espaco tridimensional e nele vai atuar o ator através de palavra, gesto e movimen- to. O ator tem primazia em relagdo aos outros elementos do espetaculo. (© fato é que os que refletiam sobre 0 Teatro e 0 inova- ram pensavam nele como um todo, ¢ 0 lugar teatral nao fi- ‘cou de fora. Por exemplo, Appia condena a separacdo, no teatro a italiana, entre sala e cena. Craig prenuncia que © teatro do futuro seré completamente diferente do de sua época, Enfim, todos concordam que a condigao essencial de uma renovacdo da arte teatral passa necessariamente por uma nova arquitetura ou pela descoberta de um novo ugar teatral, uma nova relagdo sala/cena para uma maior participagaio do piblico. (© que se entende por participacdo? Nao ¢ que o publi- co deve atuar junto com os atores, mas que a encenagao fa- a.com que ele se desloque dentro da ago, que tenha uma atividade criativa através da sua imaginacio, que seja atin- gido nos seus sentidos, mesmo estando sentado. Enfim, gue pense e reflita. Nos dias de hoje, como veremos, a Pro posta de participacio do pliblico inclui uma mobilidade ~ 69 piiblico muitas vezes ndo fica mais sentado, ¢ sim em pé — e até uma atuagdo espontanea junto com os atores. ‘Outro fator que contribuiu para questionar 0 Teatro fo- ram as descobertas técnicas ¢ principalmente as modifica (goes que elas provocaram na sociedade. © Cinema rapida- mente provoca mudangas ao nivel social e na percepeo do publico atingindo diretamente o Teatro. Lembramos que no inicio do século o Cinema ja era uma indiistria e rapida- mente atingiu a massa. Ele oferece ao espectador uma no- va forma de perceber 0 espaco, 0 espaco no qual se desen- 49 volve a histori i Ke aes eo ae eu principal é a mobilida- le , a multiplicidade dos angulos de visa pidez com que se passa di a oeeeae le um plano a outr: visao global: pode-se aie -se passar de um detalhe i versa. Era impossivel a li aes a linguagem cine a fi yr 3 jematogréfica no in- f ba sao e ndo produzir polémicas. Lembramos ann nga basica entre ir ao cit Pt cinema e ir ao teati aie t i ro € que no primeiro veremos imagens distantes de nds no a bere rrceete dos atores e estamos, mesmo como pectadores, participando de um acontecimento. ie Festspielhaus As idéias de Wagner, como vimos, resultar: eee ae em Bayreuth, na Alemanha, anand tain bas wald © Semper, em 1876. E uma modifica- pacer _ teatro a italiana. A sala deixa de ser uma ce ae a ser um anfiteatro com uma actistica me- oy eee Aegraus, permite melhor visibilidade. cand s6 os balebes de fundo, Mantem ds etrtura do ow tro eens a divisao Shi Salta Santon oe corrente que da primazia ao ator cria XX, Peter ee Peas eed coor mann eo cendgrafo Fritz Lie mat aad ee’ Peter Behrens pa Be aa (1868-1940) inicia sua atividade na pintu- peau rifica, Mais tarde trabalha com arquitetura e, nse aie ees design (é considerado 0 primeiro desig peje iat do desenho industrial; projeta objetos pa- istria a partir de 1906). Foi também o primeiro fed 50 rico alemdo contra o ilusionismo da perspectiva, ¢ em 1900 escreve um trabalho que influenciaré Georg Fuchs. Para fle o Teatro tem que ser “uma festa da vida ¢ da arte’. Nao deve representar de uma maneira falsa a natureza, mas mostrar com a arte os simbolos de cultura. O piiblico deve participar, para isso a sala tem que ser um anfitea- tro onde a frente da cena plana deve ter um proscénio que avanca na platéia. O lugar cénico se torna mais largo que profundo para ressaltar o ator. E 0 retorno ao palco elisa betano que Peter Behrens recriou como sintese dele mes- mo e dos prinefpios do Simbolismo. Georg Fuchs Georg Fuchs (1868-1949), ator, diretor e tedrico do ‘Teatro, colaborou com Peter Behrens para um espeticulo ao ar livre em 1901. Tem a mesma posigao de seu precursor. Inspirando-se nos teatros da Antigiiidade e no japonts, pro- p&e um Teatro que atenda &s necessidades da sociedade de sua época. Em 1904 escreve Schoubithne der Zukunft (A ce- na do futuro) ¢ posteriormente Die Revolution des Thea- ters, em 1909. Nas suas teorias ataca 0 Naturalismo ¢ diz que 0 Teatro deve conservar seu ‘‘cardter de jogo”, ¢ que como representacéo nfo deve iludir o puiblico mostrando ser o que nao é, mas afirmar o cardter emocional da repre- sentagéo dramatica. Com isso condena o cendrio realista. ‘Afirma que o primeiro elemento de um espetdculo € o ‘‘mo- ‘vimento ritmico do corpo humano no espaco’’. B que 0 principal objetivo é fazer com que o publico sinta uma gran- de emocdo. Portanto a arquitetura teatral tem que favore- cer este objetivo ao mesmo tempo em que coloca 0 ator em relevo € 0 une ao piiblico. Ele justifica suas teorias dizendo que na sua origem o ‘Teatro tinha como objetivo ‘elevar’” uma sociedade. A sala que cle propde é composta por um vasto anfiteatro onde © lugar cénico seja mais largo que profundo. Em A cena do futuro escreve: Nés no queremos nem uma caixa ética nem um panorar mas uma organizagao do espaco tao favoravel que possi te os movimentos dos corpos humanos. © proscénio avanga na platéia. Atrés dele panos em niveis ligeiramente diferentes constituem o lugar cénico. Nega tam- bém a perspectiva ilusionista e, mesmo se utilizando da pin- tura como fundo para as cenas — com fungao de animar um fundo plano com o jogo das cores ¢ do desenho —, es- ta deve sugerir 0 lugar da agao, limitar 0 espago cénico. Lembramos que Meyerhold, admirando, como Fuchs, Bias Geeta lien bene ation teatros antigos, clisabetanos e jay a éni lene ea japoneses, usaré o proscénio penetran- Em 1907/8, 0 arquiteto constréi 0 Kiinstler-Theater (Teatro dos Artistas) em Munique, onde colocaré em priti- ca as idéias de Fuchs. A ‘cena em relevo”” serve unicamen- te como plano para o drama. Em um texto sobre o Teatro dos Artistas, Fuchs declar: Lal a8 propostas que nés fizemos de um nov. no tim mals como objlvo ciara liso de pretunddade, mas, a0 contrario, produzir um efeito de relevo. A cena é pen: Sade logleamonts om fungao de gevs objotivoo © concebida unicamente enquanto plano arquiteténico do drama. O lugar da agto nfo 6 male representado, mas indicader cenérios e uma tela de fundo pintados, simplificados, est Zedos, ue provoquer amaginagdo do espoctador,esufclen tes para ihes sugerir todos 8 tne para It s8pagos Necessdrios a agao A sala do Teatro dos Artistas era anfiteatro ¢ 0 palco em trés planos, exatamente como previa Fuchs. Os espetdculos apresentados nesse teatro usaram a ‘cena em relevo”” como antitese da “‘cena profunda”. Com isso foi dado mais um. asso para repensar o lugar cénico e com ele o lugar teatral, 52 Jacques Copeau Jacques Copeau (1879-1949), ator, diretor e tedrico fran- és, em 1913 abre o teatro Vieux-Colombier. Em 1917 vai para Nova York, voltando a Franga em 1920, para o seu reatro, que fechard em 1924, De 1936 a 1941 dirige a Comé- idie-Francaise, Neste mesmo ano escreve um livro sobre 0 ‘Teatro Popular. A encenagao, segundo Copeau, é 0 conjun- to que compde a ago dramética. © ator, seu desempenho, seus movimentos e gestos devem criar as personagens, suas Telagdes ¢ ages. E para isso, ele afirma, “basta um tabla- Ele combate todo e qualquer artificio que desvie fr atensdo do drama e dos atores. Faz tabula rasa para po- der existir uma nova cena. E contra todas as propostas pas- sadas de cenografia, assim como as técnicas introduzidas ho teatro, Recusa os mecanismos complexos, a cena a ital tna, 0 Teatro comercial e exibicionista. Ele condena assim Oe Ballets Russos, to em moda na época. Tem necessida- de de purificar o Teatro, e para isso precisa adotar uma dis- Ciplina ascéptica, O tablado ¢ a maneira como deve atuar © ator lembram a Commedia del!’Arte e a frase atribuida @ Lope de Vega: “Um tablado, dois atores ¢ uma paixio sho suficientes para se fazer um drama’’. (0 cenégrafo Francis Jourdain transformou um teatro de palco a italiana de Paris, seguindo indicagdes de Copeau, assim nasee 0 Vieux-Colombier, em 1913. © pequenissi- ‘no teatro tinha um palco com elementos fixos. Em 1919, quando foram feitas outras modificagdes, ele ainda conser- va a moldura que o separa do publico. Junto com Louis Jouvet, Copeau eliminou esta moldura e aproximou 0 pal- co da platéia, unindo-os através de uma escada. © cenério fixo, porém, permanecera. Este cendrio fixo é parte integran- te de um grande proscénio ¢ composto de escadas, uma ar- ‘cada no fundo, duas portas laterais. ‘Nas suas montagens, Copeau simplificava ao maximo os cendrios — compostos dos elementos cénicos estritamen- 3 te necesséirios para fornecer indicagdes — e nao reconstruia © lugar da agéo dramatica, O ator era ressaltado pelo fun- do neutro. A luz era usada para sugerir a atmosfera, e 0s figurinos eram pensados para ressaltar as personagens. O objetivo era chegar ao jogo dramitico em seu estado ‘puro’ Esta estrutura fixa nao se adapta a todas as propostas de encenacto, e 0 préprio Copeau se dé conta disso. Mes- ‘mo assim essa concepcdo de cenografia influencia muitos espeticulos a0 longo do século XX. Max Reinhardt Max Reinhardt (1873-1943), ator e diretor austriaco, tra- balhow na Alemanha e nos Estados Unidos, para onde foi em 1933 fugindo do nazismo. A trajetéria de Reinhardt tem dois objetivos: atingir o maior niimero de pessoas possivel ¢ a busca e a experimentacio de lugares teatrais. Ble acredita que para cada espeticulo ¢ necesstrio achar o lugar que mais se adapte a ele. Gordon Craig jé tinha escrito que 0 es- petdculo deveria ser para 0 povo e que o lugar deveria ser to grande para que nele coubessem milhares de pessoas. Os textos draméticos usados por Reinhardt vio des- de obras gregas até Ibsen. Por isso € considerado eclético. Mas a miiltipla escolha tinha como finalidade atingir 0 pie blico, envolvé-lo através de um espeticulo total, recriar as grandes emogses coletivas do Teatro Grego e da Idad Média. * Cada montagem é uma criagdo ¢ um novo lugar tea- tral. No comego colaboraram com ele pintores, como Munch, em 1906, na montagem de Os espectros, de H. Ib- sen, Posteriormente usaré a cenografia pensada plistiea ¢ tridimensionalmente. Os cendgrafos stio Ernst Stern, Oskar Stmad, Emil Orlik, Edward Suhr, Oskar Laske, Traugott Miiller. Um ponto importante a ser ressaltado: 0 uso da luz para criar efeitos, sempre para envolver o piiblico na se magia do espetdculo. Para obter esses efeitos, supera 0 uso dos refletores colocados em um tinico lugar ao deslocéi-los para varios, tanto na sala como no palco. Usa-os de tal for- ma que consegue criar um ritmo através da variedade de 20- nas de luz e sombra de intensidades diferentes. Na sua pesquisa realizou espetdculos em arena: Edipo- Rei, de Séfocles, e O milagre, de Karl Vollmétler e E. Mum- perdinek. O primeiro, em 1910, foi encenado no Circo Sehu- mann, com capacidade para 5 000 espectadores, com ceno- grafia de A. Roller ¢ figurinos de Stern. O circo parece 0 melhor lugar para ser adaptado aos objetivos de Reinhardt: mostrar os principios ¢ a arquitetura do Teatro Grego. A pista servia para o coro, uma escada a ligava a um podium de quatro colunas, e no fundo ficava a fachada do paldcio de Edipo (corresponde ao muro da skené). O ptiblico nas arquibancadas envolvendo a cena participa de uma emoc&o coletiva, Aqui ele rompe com a perspectiva ilusionista, com 0 espaco tradicional e com o lugar cénico frontal. Em uma entrevista, Reinhardt disse: Montel a encenacdo em um circo porque a forma desse editi- clo fol aquela que melhor se adaptou aos nossos propésitos, Os atores se moviam realmente no meio dos espectadores, representando seu pequeno drama nomelo de seus semelhan tes, exatamente como nossos grandes dramas se represen: tam sobre a terra em cada dia de nossas vidas. © segundo espetdculo foi montado no Olympia-Hall de Londres, 0 cenégrafo foi Stern. Tentando recriar um mistério medieval, ele transforma o enorme recinto desta sa- Ja de exposigées (145 metros de comprimento por 82 de lar- gura ¢ 33 de altura) em uma imensa catedral gética. A ceno- grafia ocupava todo o lugar teatral para fazer com que 0 liblico se sentisse dentro de um universo dramatico. A luz, em feixes, assumiu um papel importante. Em um espaco li- yre, a acdo acontecia em varios lugares: na arena, no po- dium central, no fundo. A luz determinava, diminuia ou am- ss pliava o lugar c&nico, Para Reinhardt, nao bastava avancar com o proscénio na sala, mas elimina a divisao sala/cena, eliminar cortinas, trabalhar 0 espaco como um todo atra. vés da cenografia para realmente envolver 0 espectador. "Em 19196 inaugurado o teatro de arena Grosses Schaus- pielhaus de Berlim, do arquiteto Hans Poelzig. O consultor Max Reinhardt, que nele apresenta Danton, de Romain Rolland, transformando toda a sala em assembiéia popular, onde 0 piiblico ¢ convidado a participar. As divisdes entre sala e cena acabaram, e M. Reinhardt torna-se um precur- sor de uma atitude contempordnea. Muitas de suas montagens foram feitas no Deutsches Theater, em Berlim. Outras no Kammerspiele; entre elas, Sumuriin, de F. Freksa ¢ V. Hollaender, com cenografia de E. Stern, onde usow uma parte da estrutura do Teatro Kabuki (a Hanamitchi, ou “caminho das flores”, um tipo de passarela). | pha Em 1921, Jadermann, de H. yon Hofmannsthal, foi apre- sentada na pequena praca diante da catedral, no Festival de Salzbourg, Na mesma cidade apresentou O grande Teatro do ‘mundo, de Hofmanasthal, dentro de uma igreja. E, em 1933, montou Faso, de Goethe, em um ample espero da cidade, sempre quetendo atingir um grande nti bs Xe autendo ating um gtd nimero de especies, nao existe uma forma de Teatro que seja a 0 n ja. a Unica realmente artistica. Vocés podem fazer os bons atores representarem hoje num celeiro ou num teatro e amanha num botequim. Influenciou e influencia até hoje muitos diretores na Buro- pa e nos Estados Unidos. Walter Gropius Piscator escreveu no seu livro Teatro politico que A arquitetura do Teatro esta em estrelta ligagdo com a for. ma da respectiva dramaturgia. Ambas se encontram em mi tua relacéo. Dramaturgla @ argultetura juntas, em suas raizes, partem da forma social de sua época. A forma do palco do- minante em nossa época é a forma sobrevivente do absol\ tismo, 4 0 teatro da corte. Com a sua divisdo em platéia, 37 dos acessérios e das cenas pintadas pode ser reduzido de ma- neira relevante. Deste modo, o teatro mesmo, resolvido no es- ago maleav is6rio da imaginago, se transformarla em. ‘e8pag0 cénico. Um teatro como esse estimularia a criagao e sas, camarotes e galerias, ele reproduz as camadas socials: da Sociedade feudal, Essa forma tinha que entrar em contras: te com a verdadeira missao do Teatro no momento em que a dramaturgia ou entdo as condig6es sociais sofressem uma mudanga. Quando, com Walter Gropius, me entraguei a0 8s: ogo de uma forma de teatro adequada as condigdes muda: das, ndo 0 fiz pela necessidade de uma ampliagao ou de um aperfeigoamento técnico; pelo contrario, nessa forma se manifestavam simultaneamente determinadas condigées. \ sociais @ dramaticas para uma nova dramaturgia e uma no: 4 va fungao da enesnagao, uma nova arquitetura teatral, i © Total-Theatre (Teatro Total) de Walter Gropius foi t projetado em 1927, De forma oval, possuia um palco cen- | tral (arena), um paleo com proscénio e um em profundida- 8 fantasia do dramaturgo e do dirtor, visto que, como 0 esp- Fito edifica © corpo, assim 0 edificlo transforma o espirito. A proposta do Teatro Total de Walter Gropius se inse- re no que ele acredita ser a fungéo do Teatro: arte para 0 po- vo onde no deveria existir uma separagio entre a cena — mundo das aparéncias do ator — e a sala — “mundo real” do espectaclor. Isso para despertar a criatividade. Estes mes- mos propésitos e crengas encontramos na Bauhaus de Gro- pius e na Arte Moderna, que questiona a relaco arte—vida. _ Por problemas financeiros este teatro nunca foi cons- truido, mas permanece nos sonhos de muitos como um lu- gar teatral ideal e influencia até hoje os que se dedicam & arquitetura teatrs sentos dispostos em anfiteatro. A mudanga do paleo podia j acontecer, se houvese necessidade, mesmo durante os espeté- Gropius di Farkas Molnar culos. A respeito de seu teatro, J procurei elaborar uma estrutura flexivel, que possi diretor uma livre escolha entre as trés formas de teatro, com Moi ‘0 uso de simples e disponivels equipamentos. O custo para ly-Nagy, Farkas Molnar projeta 0 Teatro em U. Com uma maquina teatral deste tipo, conversivel, seria compensa- quatro palcos e a platéia disposta em forma de U, assento: do pelas multiplas formas de utllizagao do edificio: por exem- méveise giratérios para melhor visiblidade, tinha como ob- plo, para encenacoes e espetdculos como dpera, cinema, dan- jetivo transformar 0 espeticulo teatral em espetaculo de oe nUsioa coral ou inlturental, para espetdculos eopor- eee teatral em espeticulo de tivos; para reuniées, Nele poderiam ser apresentados espetécu- embramos que nessa época havia uma corrente . too toatrais convencionals e também ctiagées experimentals que acreditava nesta possibilidade. Posteriormente, na me- i fantasticas de um diretor do futuro. O piblico perdera a sua in dida em que 0 Cinema se expande e aparece a Televisa: Golbnela, Bo logo experimentaro efeto eutpreendento do es — 0$ dois realmente atingem a massa —, o Teatro volta a questionar 0 scu papel social. Muitos se colocarao contra Na Bauhaus e especialmente ligado as teorias de Mo- pago conversivel. Através do deslocamento da agao de uma posigéo cénica para outra, no andamento da representagao, essa eens 6 através de um sistema de projecdes e de maquinas cinema I, tograficas; através dele as paredes e a cobertura podem trans: fotmar-se em cenas em movimento, todo 0 edificio seria 0 re sultado de efeitos tridimensionals, ao contrério dos efeitos achatados do teatro tradicional. E também todo 0 transtorno 6161 Wo vies & rodugao de foto. Teatro Total, projeto do arquiteto W. Gropius, 1927. Reprodug (WAA. Le Théatre. Op. cit., p. 208) | Desenho. Cena central. a = (B. MELLO. Trattato a Arena Stage de Washington. Arquiteto H. Weese, 1961. Seenotecnica, p. 27.) Reproducao de foto. (WAA. Le Théatre. Op. cit., p. 202) (A)pos 1945 Cambridge, Mass., 1960. Plantas. Reproducao de foto. (VVAA. Le Lieu Théatre dans fa Société Moderne, P1. XIV.) Introdugiio A II Guerra Mundial (1939-1945) marca a civilizagao com dois fatos: 0 primeiro é 0 exterminio em massa nos cam- Pos de concentra¢o nazistas através de camaras de gas e ou- tros meios to terriveis quanto. O segundo: a bomba atémi- ca. E, para alguns tedricos, encerra um capitulo — a Moder- nidade — para abrir outro: a era dos Pés. Pos-histéria, pés- industrial, Pés-Modernidade. A sociedade, de 1945 aos dias de hoje, sofreu grandes mudangas, assim como o sistema econémico que a rege. Da televisio ao computador, do simu- lacro (simulagdo por imagens) ao chip (mictoprocessador de tamanhos minimos), a sociedade se transformou em So- ciedade do Espetaculo, e o Estado em Estado-Fspetaculo. Das teorias que se multiplicaram a partir da década de 60 (ver a respeito, entre outros: Mandel, Bell, Haber- mas, Lyotard, Lasch, Paz, Eco, Baudrillard, Burger, Porto ghesi...) ao nosso cotidiano, a Pés-Modernidade faz parte de nossa vida — ou melhor, nés fazemos parte da Pés-Mo- dernidade, Todas as © lugar teatral transformAvel. Loeb Drama Center em Harvard University, iguagens artisticas apresentaram movimen- tos ou artistas com caracteristicas diferentes. Nas Artes Plasticas, por exemplo, na década de 50 o informal deslo- ca 0 ponto de interesse da obra para o processo de crid- la, Do Pop Art ao Body Art, do Arte Povera ao Land ‘Art, os movimentos se multiplicaram e se sobrepuseram. ‘A participagio efetiva do piblico € um ponto alto nos Happenings. A utilizagdio de varias linguagens acontece em diversas manifestag6es, como na Performance. A Ar quitetura, depois de.negar o Funcionalismo (Le Corbusier ¢ F. L. Wright), mergulha na era Pés (Robert Venturi ¢ Aldo Rossi). © fato de os tedricos nao usarem este termo em rela~ cdo ao Teatro ndo quer dizer que esta linguagem artistica do esteja também em uma fase P6s. Mas, independendo ‘do nome ou da qualificacdo, 0 que podemos verificar é que houve novas propostas. E quando se fala em Teatro depois de 1945, temos que comecar por dois nomes: Artaud Brecht, que formam a base do Teatro deste periodo Artaud ‘Antonin Artaud (1896-1948), ator de Teatro ¢ Cinema, dramaturgo, diretor, poeta e tedrico. Faz parte do Movi mento Dadaista e, mais tarde, do Surrealismo. Em. 1927 funda junto com Vitrac 0 Teatro Alfred Jarry. Em 1932 es- creve O Teatro e a crueldade, e, em 1938, O Teatro e seu du- plo. No Teatro de Bali (a Companhia do Teatro Balinés ‘atuou em Paris durante a Exposigio Colonial, em 1931) en- contra uma criagZo auténoma e pura, coisa que nilo existe mais no Teatro Ocidental. Propée fazer tabula rasa na tra digo ocidental e um espeticulo — para ele o Teatro ¢ 0 es- petéculo — que seja um ritual, uma criagdo onde a palavra nao é suprimida mas tem “mais ou menos a importancia ‘que tem nos sonhos’’. Dava primazia ao corpo € seu movi- mento: “Proponho um Teatro onde violentar imagens fisi- iolem ¢ hipnotizem a sensibilidade do espectador, que 6s abandone a psicologi gia e narre 0 extraordinari aordin za a0 transe”’. O Teatro e a peste: meee © Teatto essencial ¢ > como a fi enero peste, néo porque ele & conta: eo Go do um fundo do enctdace aioe nese een 0 bum indi ou numa popusgdo tos as pervesas poser les do espirito. [...] A repres z ak Aes nS a [-]A representagao teatral 6 um d A encenagio e a metafisi No Teato Oriental dot ; ino metats Ceidental dot Ordeal do to pacalbie, ed conto compen », Sinais, atitudes e de sonoridade qu: Hoe te Suagem do espatéculo e ds cena ~ tnguagem que do vole ted a8 suas conseabecla ions © puss soee 08 plas de conscincine en feces conten va ne ariamente o pensamento @ Sarit das que poderiam Ser Getnides "mataisioa aon eo ico, diversamente daquele A negacio do Teatro Ocidental 9 i com infu do Testo Orel Sao no goo ee for, NO uso das mAscaras e outros elementos Sart ge ‘primir uma forma de tomunicagao total . Este € 0 objetivo do espeticulo, ae O Teatro ¢ a crueldade — primeiro manifesto: 110 Teatro, por ava com , nponentetiea r bresoto ro eparo", a unica sfelMnento raat gagie aos Ielos mégicos da are e da palava agit orgaricamente ¢ ‘ua totalidade, como exorclemos renavacig omen? & Em relagao ao lugar teatralem “Agena”, descreve a sal: ; las és supriminos @ 22na 2 i, Soatuinoae po ie Unico, sem divisérias, sém be tee g6ner0, quo tard teatromesmada ago, Serdestane, Ieida uma eomuneagio deta ontwespecagers sgnticg y a re espectador @ ator, porque cespectad: ees an ro da ago, sera por ela circundado e nel: See te cerco acontecerédevido &coniagay da sla Asi, andanando os teats atuaimentees ions nics tes, tomaremo 8 um barracéio ou um celeiro qualquer, que faremos reconstruir segundo os procedimentos utilizados na arquitetura de cer. tas Igrejas ou lugares sacros em geral, ¢ certos templos do Alto Tibete. No interior desta construcao teremos determina: ‘das proporgGes de altura e profundidade. A sala serd clroun- dada por quatro paredes absolutamente sem ornamentos, & © piblico estaré sentado no meio em assentos giratorios pax ra poder seguir 0 espetaculo que aconteceré em volta dele. De fato a falta de uma cena como nés a conhecemos tard com que a agdo se desenvolva em todos os pontos da sala, Areas especiais nos quatro pontos cardeais da sala sero re- servadas aos atores @ A ago. As cenas individuals seréo de- clamadas sobre um fundo de paredes brancas para melhor absorver a luz. [..] Em relacdo a cenografia, nega o uso de cenrios. Bastam ‘as personagens hieroglificas, os costumes rituais, os bone- cos altos de 10 metros [...] os instrumentos musicals gran- des como os homens, os objetos de forma e destinacao ig- norada. Por ter-se adiantado ao seu tempo, por suas teorias e pela sua vida, foi considerado um profeta, um inovador, um mistico. Influenciou desde Peter Brook a Grotowski, de Arrabal ao grupo Bread and Puppet. Entrando em contato com as teorias de Artaud ou Ien- do seus poemas ou sobre a sua vida, ninguém, amando-o ou odiando-o, fica indiferente. O mesmo fascinio, mesmo propondo teorias opostas, exerce Brecht. Brecht Bertolt Brecht (1898-1956), poeta, dramaturgo, diretor e teérico alemao. Seu primeiro texto dramatirgico é de 1918 — Baal. Em 1924 vai para Berlim a convite de Max Reinhardt e passa a ser 0 dramaturgo do Deuisches Thea- tre. Entra em contato com artistas Dadé, como Georg Grosz. Estuda 0 marxismo (se aproxima do pensamento 7 de Rosa de Luxemburgo ¢ da democracia operéria), que Ihe da bases para o Teatro Didatico ¢ o Teatro Epico. Em 1932 foge para os Estados Unidos, de onde tem que sair em 1948. Na volta a Alemanha funda em Berlim o seu tea- tro Berliner Ensemble. Nos Drainas diddticos (1928/33) discute a relagao en tre a liberdade individual e a coletiva, Sao considerados de grande beleza, assim como os poemas da época, inovado- res e originais na sua estrutura. O Teatro Epico é esquema- tizado por ele nos Escritos teatrais. © Teatro Epico narra o drama. Este tem que transmi- tir conhecimentos. Nele 0 homem como ser mutével é estu- dado ¢ pesquisado. As tenses so colocadas ao longo ¢ nao no fim, Cada cena é independente, O objetivo é levar © espectador a tomar consciéneia, refletir e tomar atitudes. O Teatro Bpico tem um cardter cientifico-sociolégico: ele no quer ser somente um documento, uma demtincia, mas quer converter o espectador A luta de classe. Para que o espectador se mantenha hicido e capaz de pensar e discutir objetivamente, a fungi do drama nao po- de ser catartica, mas se contrapée a este, Com este abjeti- vo, Brecht usow 0 “efeito de distanciamento”. Ao contra- rio das propostas de Stanislavsky, 0 ator deve mostrar a petsonagem e n&o pode envolver-se com ela. Os elementos que compdem o espeticulo, isto é, a cenografia e os figuri- nos, as luzes, a miisica, devem servir para 0 mesmo fim ressaltar 0 “efeito de distanciamento Opondo-se a qualquer efeito ilusionistico, sugestivo, alegérico, Brecht tira do palco tudo 0 que possa esconder que 0 que ele faz ali € Teatro: o puiblico tem que ver os re- fletores ¢ as gambiarras, como acontecem os efeitos, para que eles ndo sejam entendidos como mégicas, mas como trabalhos feitos por homens. Nada é camuflado. O especta- dor tem que ter a consciéncia das maquinarias e de que é¢ através delas que surgem os efeitos. os Os principais cendgrafos que trabalharam com Brecht S80 Kaspar Neher, que colaborou con cle na elaboracao do que seria uma Cenografia no Teatro Epic da mesma forma, sem efeitos, para clare; buir para 0 “feito de distanciamento” Como Piscator, sempre usa cartazes e projegdes co- dor is didaticos. A intengdo é fazer com Que 0 especta- tudados até hoje. Sua obra continua influindo ditetores ¢ cendgrafos, como cendgrafo em 1924. Trabal ios diretores até fixar-se no Berliner Ensemble, Sobre seu trabalho, afirmou: Ruando fago uma conogratia, devo esquscer tudo 0 que jé fiz antes. Cada autor necesita de meios espectticos. Se o Genégrato tem um estilo detinido no Teatro, ele se torna um t | j ; ler, Albee, Tennessee Wi 8 como Arthur Mil- liams, Eugene O'Neill. Muitos ce. négrafos foram influenciados Pelas companhias que passa. ram a se apresentar por | ques Copeau; Robert Ed man Bel Geddes sio os nesse panorama, 4, como a de Max Reinhardt ¢ Tac. mond Jones, Lee Simonson ¢ Nor. Primeiros cendgrafos a se destacar Jones, Simonson © Bel Geddes Segundo R. E. Jones, um estado de espirito, um grande vento que um eco, ressalta, to, uma tensao, Em 1913 apresenta Cenci, de Shelley, em un acomPanhamento sintonico da pova tem que acender o drama, Ele re vevoluilondriay Oy N Leatro de arena, m ee Lee Simonson acha que “‘o cenério ¢ um plano de agdo’’, enquanto Norman Bel Geddes diz que © aue Importa antes de mais nada |... ¢ orquestrar o conjun- to da apresentacao pelo conjunto dos meios que procura. mos ritmicamente assoclados: 0 cenério, os costumes, os movimentos dos atores © dos figurantes, a dicgdo [..] © a |u2, elementos feéricos mas ndo superlores ao jogo das inter. pretagées. teatro de arena © teatro de arena, ou como chamam os franceses, 0 thédtre en rond (teatro em circulo), surgiu nos Estados Uni. dos principalmente por problemas econémicos, A Depres- sao dos anos 30 determinou uma crise no Teatro, O sonho do diretor Margo Jones era que cada cidade americana vol. tasse a ter um teatro. O teatro de arena, por ser mais bara- to, seria, segundo ele, o tinico possivel. ‘Também por problemas de ordem econdmica, os dire- tores Glenn Hughes — que gostava de utilizar este tipo de sala e conhecia outros teéricos e diretores europeus — ¢ Ed. ward Margum tém a mesma atitude de M. Jones. Outro fa. tor que contribui para a crise teatral dos anos 30 € 0 Cine. ma. Nao que houvesse uma rivalidade, mas este roubava © piiblico do Teatro. Na década de 40 e dai em diante, muitos teatros com esta forma surgirao nos Estados Unidos, na Europa e tam. bém no Brasil, A Capital das Artes, como era chamada Paris até 1945, perde o titulo definitivamente para Nova York apés a Il Guerra Mundial. Isto nfo quer dizer que a Europa deixou de ser o berco das Novas Vanguardas, ou melhor, dos mo- imentos Pés, mas as atengdes estdo sempre voltadas para 08 Estados Unidos. © fator econémico mais uma vez nao ode ser desprezado para se entender essa mudanca n nf Living Theatre A discussao nos Estados Unidos, como na Europa, se coloca entre © chamado Teatro comercial e 0 nao comer. cial. Quando perguntaram a Joseph Chaikin (ator e dire. tor, atuou no Living Theatre e fundou e ditigiu 0 Open Theatre, em 1964) qual era a situac&o do Teatro na atualida. de, ele respondeu que o Teatro era igual a qualquer diverti- ‘mento, tipo tomar um drinque, ver um show, ir a uma boa. te. Era esse 0 tipo de espetéculo oferecido na Broadway ¢ na Off-Broadway, um Teatro que serve para mostrar um status de classe média, Mas que havia também um outro ti. po de Teatro, aquele que alimenta espiritualmente e 6 opos- to ao Teatro Oficial. Esta discussio, como vimos, no é nova, Nos anos 50, o Living Theatre se posiciona contra o Teatro da Broad. way ¢ inaugura uma corrente nos Estados Unidos, a dos grupos inicialmente da Off-Broadway ¢ posteriormente, pe- la mesma razdo, da Off-Off-Broadway. Ou seja, fora dos esquemas comerciais da Broadway, um Teatro baseado na experiéncia e no intelecto, O Living (0 termo significa ‘‘vida”) foi fundado em 1951 por Julien Beck (1925-1985) e Judith Malina. A trajet6- tia do Living ¢ intensa e conturbada. Comeca em 1948, num S6to que foi fechado pela policia, Até 1951 trabalham na sala de seu apartamento. Depois conseguem um contrato de um ano com o Teatro Cherry Lane. Passam para um galpao ¢ se utilizam da rua como lugar-teatro, Artaud 08 influenciou de uma maneira determinante Teatro-Vida, espetéculo como rito, grupo de atores como uma comunidade. O Living usou textos dramatirgicos, Posteriormente os espetdculos se tornaram criacdes coleti. vas. Suas pecas falam do homem e de seus problemas con. temporaneos. Judith Malina ¢ atriz, estudou na New School's Dra- matic Workshop, escola de Erwin Piscator, que foi seu pro- R fessor. Julien Beck é pintor. Para eles o espetziculo tem que ter: participagao fisica do espectador, narragdo e transcen- déneia para aleancar seus objetivos; tem que colocar 0 pii- blico frente a si mesmo, ampliar a consciéncia e aleangar o entendimento da natureza das coisas. S40 contra o Natu- ralismo, contra a versio americana de Stanislavsky e contra a Broadway: segundo eles, nada de novo pode acontecer em um lugar confortavel. Julien Beck cuida dos cendrios e dos figurinos. Usa materiais pobres para confecciond-los. A beleza nasce da criagéo, e n&o do material usado. Os cenarios, desde 0 co- mego econdmicos, aos poucos desaparecem. A cenografia serd o lugar escolhido — a rua, por exemplo —, sem ou- tras interferéncias mais que o corpo do ator e os movimen- tos no lugar cénico e o piiblico com sua participacao. A importéncia do Living esta tanto na descoberta de que qualquer lugar pode se transformar em teatral e na ce- nografia usada para organizar estes lugares como também no reforgo da atuacdo do ator: tudo em fungao da palavra ¢ da mensagem que ele traz. Por exemplo, em The Brig (no- me de uma prisdo para militares), apresentada em 1963 nos Estados Unidos e em 1966 na Europa, o lugar cénico é ocu- pado por beliches, existindo & frente deles uma grade de arame farpado ¢ em parte fechado com tela. The Brig é um inferno para um ser humano, é onde ele vai se desinte- grando e destruindo. Para o Living Theatre, ““é 0 microcos- mo de um mundo dominado pelo dinheiro, pela autorida- de, e voltado para a morte, a menos que 0 homem reaja’”’, O piblico deveria ficar horrorizado, para reagir contra. Em 1963 vao viver na Europa, pois tiveram problemas nos Estados Unidos: foram despejados ¢ processados por falta de pagamento de impostos. Voltardo aos Estados Uni- dos em 1968, Neste periodo vivem como uma comunidade. Living vem para o Brasil em 1970, quando trabalha- 14 junto ao Teatro Oficina. Apresenta duas criagdes coleti- vas: O légado de Caim ¢ Visdes, rituais e transformacées. 2B ‘A primeira pega tratava da escravidao do homem pelo ho- ‘mem nas suas mais variadas manifestagdes. Foi pensada pa- ra ser apresentada em fAbricas, pracas e galpdes. A segun- da discutia temas como a guerra, o Estado, a propriedade, © amor ¢a morte, Nao havia palavras. Ocupou toda a cida- de do Embu. Comecava com uma procisstio em diferentes ruas até a praca central. Duas mil pessoas acompanharam a encenacao. Outros grupos Depois do Living Theatre muitos grupos surgiram: em 1962 0 Bread and Puppet, um grupo de protesto, apresenta ‘Teatro Politico. Se apresentou na periferia, em pragas ¢ ruas. Participaram de passeatas e manifestagdes, especialmente as que eram contra a Guerra do Vietna. Foi fundado por Pe- ter Schumann, de origem alema, escultor ¢ bailarino, que diz: “O Bread and Puppet ndo ¢ um teatro para criancas, mas para a crianga adormecida dentro de cada adulto””. Nas suas apresentagGes se utiliza de bonecos, como propunha Ar- taud, que eram feitos de papel prensado ou de outros mate- riais leves. Eles t8m até $ metros de altura e sao fantasticos no seu feitio, nas cores e nos tamanhos. Apresentam-se em poucos lugares fechados, ¢ quando isto acontece nao fazem nenhuma interferéncia: os cendrios so os bonecos. Cry of people for meat (Choro do povo por carne) foi apresentado em um teatro. Utilizaram enormes méscaras representando Tio Fatso, a Dama Vietnamita, o Grande Guerreiro. E ence- naram uma sintese da histéria do mundo, O Open Theatre foi fundado por Joseph Chaikin e Pe- ter Feldman, em 1963, em Nova York. Em 1965 se profissio- naliza o Firehouse Theatre, em Minneapolis; e em Delano, Califérnia, nasce o grupo Teatro Campesino, com uma fun- ¢fo didatica — como a proposta de Brecht — que conscien- tizou 0s trabalhadores rurais de seus direitos, Richard Schech- ner funda, em 1962, 0 Performance Group. “ Em 1959, um grupo que inventou 0 termo “teatro de guerrilha’’ (chegar, representar, comover e fugir), o San Francisco Mime Troup, se torna mais radical do que 0 Li- ving Theatre. Outros grupos surgem questionando tudo: ar- te marginal, grupos underground, arte de protesto, grupos radicais, Todos contribuiram para alargar as possibilidades de se achar um lugar teatral nZo-convencional e uma ceno- gratia criativa e adequada aos seus objetivos. Na Europa Na Franca, Jean Vilar (1912-1971), ator e diretor, fun- da em 1947 o Festival d’ Avignon e em 1951 assume a dire- 0 do TNP (Teatro Nacional Popular). O TNP tinha co- mo objetivo alcancar um grande piblico, uma reflexao cole- tiva, Usava textos dramatirgicos importantes onde a mensa- gem era passada principalmente pela palavra com cenérios simples. Mas também é contra o teatro 4 italiana por este nao permitir 0 contato vivo ¢ eficiente com o piblico. O ce- négrafo Léon Gischia, também artista pldstico, cria as ceno- grafias e os figurinos da maioria dos espetaculos dirigidos por Jean Vilar desde 1945. A identidade absoluta de visio entre cendgrafo e diretor possibilitou a criacdo de espetcu- los onde os cendrios ¢ os figurinos traduziam perfeitamen- te 0s objetivos da encenagio. Segundo L. Gischia, 0 artis- ta plastico no Teatro tem a funcdo de fundir os valores plas- ticos ¢ os valores draméticos em uma sintese harmoniosa. Nos seus cenérios s6 usa elementos que tenham uma fun- ¢0 precisa, dando destaque aos figurinos para alcancar © equilibrio visual necessério & proposta de J. Vilar, onde o ator e 0 texto esto em destaque. Desde primeiro Festival d’ Avignon so usados luga- res teatrais como a praca em frente ao Palicio do Papa, on- de foi montado um enorme tablado retangular com duas passarelas saindo da parte da frente e indo em dirego opos- 8 ta até o chao, Para cada peca o lugar cénico é repensado € os acessGrios completam a composicao segundo 0 objeti- vo desejado. Como diz o cendgrafo Léon Gischia, ‘um tro- no em Teatro nao deve ser um verdadeiro trono, mas dar a idéia de trono. Estes elementos atuam em relaedo aos ato- res. Nada pode ser gratuito’’. A cenografia tem como obje- tivo esclarecer 0s movimentos ¢ as relagdes das persona- gens e participar diretamente do significado do drama, ao mesmo tempo que estimular a fantasia do espectador, que “completara’” mentalmente os ambientes. O Festival d’Avignon existe até hoje e continua apre- sentando encenagdes onde a pesquisa ¢ a experimentagao tém prioridade. Além disso segue atingindo um grande pui- blico, na maioria jovens, estudantes e trabalhadores. Tem. mais de vinte lugares teatrais & disposicZo dos grupos que Id se apresentam. . René Allio e Polieri so cenégrafos que, na Franga, no se limitam a criar no ambito cenografico, mas propdem novos lugares teatrais. René Allio trabalha com Roger Plan- chon. Em 1960, em um texto intitulado Novos autores e formas novas, preconiza um teatro-laboratério onde tudo pode ser feito © pesquisado. O projeto consta de uma sala montada em estruturas modulares que podem ser alteradas conforme o desejo do diretor e o objetivo da peca. As salas transforméveis hoje ja existem ¢ so conside- radas o lugar teatral correspondente & época atual. Por exem- plo, o Teatro Experimental da Universidade de Miami tem possibilidade de varias combinagdes diferentes. O Teatro Mars, em S%o Paulo, é um lugar teatral transformavel ou polivalente: 0 projeto oferece quatro alternativas. Jacques Polieri, cenégrafo e encenador, tem inameros textos tedricos, manifestos e projetos de lugares teatrais. Entre outros, 0 “Teatro de Movimento Total””. Em 1960 cria um Centro Experimental do Espetdculo. Ariane Mnouchkine funda e dirige Le Théatre du So- leil. Os espetaculos so representados em lugares alternati- 16 vos, até 0 grupo fixar-se em uma fabrica desativada em Vin- cennes — Cartoucherie —, em 1970. No espetaculo 1789 ¢ posteriormente no 1793 (criagSes coletivas), 0 piiblico acom- panha a cena que acontece em uma série de tablados, A ce- nografia organiza ¢ compée 0 espaco. O figurino ¢ a ma- quiagem exagerados ressaltam as personagens. Na Itdlia, Luca Ronconi, ator, cendgrafo e diretor, ja tinha abandonado 0 palco tradicional quando, em 1969 com a encenagao de Orlando furioso, de Ariosto, procurou a praga como lugar teatral com cenas simultangas, multipli- cidade que dificultava 0 espectador: para ver a peca intei- ra devia assisti-la mais de uma vez. O cenégrafo foi Umber- to Bertacca; Elena Mannini criou os figurinos. O espetécu- lo foi apresentado em Spoleto, no Festival dos Dois Mundos. Peter Brook Peter Brook, diretor © cendgrafo inglés, apresentou nas décadas de 60 e 70 montagens que marcaram época por sua engenhosidade. Com a Royal Shakespeare Com- pany, monta trés espetaculos sob influéncia das teorias de Artaud. Marat-Sade ou A perseguigio e assassinato de Jean- Paul Marat conforme foi encenado pelos enfermos do hos- picio de Charenton sob a directo do Marqués de Sade, de Peter Weiss, foi o terceiro — uma sintese das propostas do Teatro do Absurdo, do Teatro Epico e do Teatro da Crueldade —, onde se utiliza de cenarios simples. O paleo esti praticamente nu, com um praticavel ao fundo ¢ alguns objetos essenciais. Tudo no para atrair a atenc&o do espec- tador mas indicar a aco do drama. As teorias de Peter Brook esto no seu livro O Teatro e sew espaco, onde escreve: © cenério e 08 figurinos podem, as vezes, evoluir durante os ensalos ao mesmo tempo que evolul o resto do espetaculo [.., Trabalhando com um cenégrato, 0 que mais importa é uma compreensao semelhante do tempo. Tive o prazer de traba- lhar com muitos cendgrafos maravilhosos, mas as vezes ful 1 apanhado em armadithas estranhas, como quando o cendgra fo rapido demais chega a uma solugdo que se impée, de mo: do que me vi forcado a aceltar ou recusa’ formas antes de tor sentido quais formes me parecessem imanentesao texto. Quan do aceitava a forma errada, por ndo ter achado nenfuma ra- 240 légica para me opor & conviegao do cenégrafo, trancava- me numa armaditha da qual a diregao néo consequia mais sair e, em consequéncia, obtinha um péssimo resultado. Te- niho verificado com freqiéncia que 0 cenério 6 a geometria do espetéculo definitive, de modo que um cenério errado tor- na muitas cenas impossiveis de serem representadas, chegan- do mesmo a destruir muitas possibilidades dos atores. O me: lihor cendgrafo avanga passo a passo com o diretor, voltando airs, mudando, reformando & medida que gracualmente se delineia uma concepgao do conjunto, [.] Entretanto, muitos cenégrafos tendem a achar que, com a entrega dos projetos de cenérios e figurinos, a parte mais importante de seu traba- iho eriativo esta substancialmente completa. Nessas suas teorias também ressalta a diferenga entre a guagem cenografica, a pintura e a escultura. ‘As propostas de Peter Brook sdo de que a encenagio se desenvolva em unissono, como uma criagao coletiva on- de a participacio de todos é essencial, e assim se possa ob- ter uma real unidade no espeticulo. Isso s6 & possivel se houver uma perfeita sintonia entre 0 diretor e 0 cendgraf como isso nfo é facil, apareceram varios diretores-cendgra- fos, como por exemplo o proprio Peter Brook, Lucchino Visconti, Franco Zeffirelli, Eugenio Barba. Entre as montagens de Peter Brook indicamos Sonho de uma noite de veréo, de William Shakespeare, com ceno- grafia de Sally Jacobs; com um espago simples mas funcio- nal, com elementos necessdrios, como trapézios ¢ escadas méveis, o ator se tornou um acrobata. Os Iks, criago cole- tiva, adaptacdo do livro de Colin Turnbull, foi apresenta- do no Teatro de Bouffes-du-Nord, parcialmente em ruinas. Foi deixado assim ¢ nada melhor para esse texto ¢ objeti- vos do espetéculo. © piiblico ficava sentado em semicireu- lo no chao de terra, e os atores jam se transformando em 8 Iks — uma tribo que, por problemas econdmicos, regrediu a um estdgio mais que selvagem. 4 Depois da década de 70, Brook passou a sofrer influén- cia de Grotowski. Jerzy Grotowski Grotowski, diretor polonés, funda 0 Teatro-Laborato- rio em 1959, em Opale; em 1965 muda para a cidade de Vroclave, no oeste da Polénia. Em 1968 escreve Para um Teatro Pobre, onde expde suas teorias. Sofre influéncia de Artaud, do Teatro Oriental (a Opera de Pequim, o Kathaka- Ii indiano e o Né japonés), do método de formagao do ator de Meyerhold, a “‘Biomecnica””, e também revalida a metodologia de Stanislavsky. O Teatro-Laboratério nao é um teatro mas um lugar teairal. E também um instituto que se dedica a pesquisa de Teatro, especialmente em relac&o ao ator. Surge 0 méto- do de Grotowski para a formacao do ator. A proposta des- se diretor parte da discussio a respeito do que seria Teatro. Negando que quer atingir as massas, propde um lugar tea- tral pequeno para que realmente aconteca a comunhao — © espetdculo é um rito — entre cada espectador ¢ a cena. Nega, portanto, o Teatro Politico e 0 Teatro como diversao, 0 Teatro sintese ¢ 0 Teatro total. Todo seu trabalho da pri- mazia ao ator. Para isso acha totalmente desnecessarios qualquer coisa que seja supérflua, cenérios decorativos, ma- quiagem, efeitos. Segundo ele, 0 Teatro pode perfeitamen- te existir sem tudo isso, mas “nao pode, ao contrario, exis- tir sem uma relag&o direta e palpavel, uma comunicacéo de vida entre ator ¢ espectador”. Portanto define Teatro como aquilo que tem lugar entre espectador € ator. Todo o resto & suplementar — talvez acessério, mas suplementar |... Todos 08 outros elementos visuals — Isto é, plasticos — sdo cons- truidos pelo corpo do ator; ¢ 08 efeitos actistices © musicais, pela sua voz. © que Grotowski propde com suas teorias é voltar ‘a0 momento magico das origens””. Portanto 0 Teatro ‘tem que ser ascético, um Teatro Pobre’’. Em relagio ao cendgrafo, d Para 0 cendgrafo, o Teatro 6, acima de tudo, uma arte plas- tica — 0 que pode ter conseqdéncias positivas [.... Na pré- tica, 08 cendgrafos mais originais sugerem um confronto entre 0 texto e essa visdo plastica que ultrapassa e revela a Imaginagéo do escritor. [..] [0 cendgrafo devera criar] um espago organizado de maneira adequada e que faz “‘bro- tar” a maior parte dos valores plasticos e musicals da aco do ator. Os objetos colocados em cena nao séo privados de significa- do, a0 contrério ¢ além disso t¢m uma fungao bem preci- sa: confrontar-se com as personagens. Em Caim, de George G. Byron, 1960, usa ainda a ce- na frontal. Os atores se utilizam do prose@nio, indo atuar no meio dos espectadores durante trés momentos da encena- edo. Em 1961, usa a cena central retangular. No espetdcu- lo seguinte atuam diretamente entre o piiblico. Em Kordian, de Juliusz Slowacki, em 1962, a sala é transformada em um corredor de uma clinica psiquidtrica onde os pacientes so em parte os espectadores, que esto sentados nos leitos junto aos atores, O cendgrafo destes espeticulos foi o ar- quiteto Jerzy Gurawski, Ainda em 1962, montou Akropolis, de Stanislaw Wyspianski, com 0 mesmo cendgrafo, figuri- nos € acessérios de Jozef Szajna. Representando a civiliza- s80 contemporanea, a acrépole moderna foi pensada co- mo ‘‘cemitério que consome””, ambientado em Auschwitz. Os espectadores representam os vivos. Os acessérios sao tu. bos, dois carrinhos de mao, uma banheira toda enferruja- da, que se torna um altar ou um leito nupcial, mas mantém um significado mais profundo — a banheira era usada pa- ra. a preparacdo dos cadaveres para fabricar sabao. Ha ain- da um monte de cordas que passam despercebidas no inicio do espetdculo, mas no fim os espectadores ficam presos 80 em uma enorme gaiola. Os costumes eram feitos de tela de saco, envelhecidos e rasgados. Em A trdgica histdria do Doutor Fausto, de Christo- pher Marlowe, com cenografia de J, Gurawski e figurinos de Waldemar Krygier, em 1963, a sala tinha duas mesas enor- mes que representavam 0 passado, uma ao lado da outra, e uma menor em frente, que representava 0 presente, com cadeiras em volta onde sentavam os espectadores. B agora © refeitério de um convento onde acontecerd a tltima ceia. Fausto representa 0 cientista atémico e cibernético. Em 1965, montou O principe Constante, adaptacdo da obra de Calderén de La Barca, de autoria de Juliusz Slowacki, cenografia de Jerzy Gurawski, figurinos de Waldemar Krygier. Havia lugar para trinta espectadores, que ficavam atrds de uma parede de madeira tio alta que apareciam s6 suas cabecas. Estdo excluidos, s6 observam. No centro da arena retangular, a mesa do sacrificio. Tudo em madeira es- cura. A luz acentua a agdo. Grotowski escreve: Por mais que o Teatro disponha de meios materials ¢ por mais que explore os seus recursos mecénicos, continuaré tecnologicamente inferior ao cinema e & televisdo. Por conse- guinte, prefiro 2 pobreza do Teatro. Contentamo-nos com o ‘esquema palcolauditério: em cada espetéculo, designam-se 08 espagos para 08 atores @ espectadores. Logo, toma-se possivel variar infinitamente a relagao ator/espectador. [..] Acliminagao da dicotomia palcolplatéia nao é mais importan- te — crla simplesmente uma area adequada da investigacdo. (0 essencial reside em encontrar a relacdo espectadorlator adequada a cada tipo de espetaculo |. Grotowski questiona nos seus trabalhos as figuras mi- ticas da nossa civilizagdo, e o protagonista é 20 mesmo tem- po vitima e rebelde. Eugenio Barba, diretor italiano, aluno de Grotowski, funda o Teatro Odin em Oslo, em 1964, Posteriormente mu- da para a cidade de Holsterbro, na Dinamarca. Usa, co- at mo 0 mestre, uma sala vazia adaptavel conforme as necessi- dades. Segundo ele, © valor do Teatro hoje nao esta na sua fungao sociolégica, que € difundida e indefinivel, mas no sentide psicolégico pre- iso ¢ distinto que este assume para cada ator e para cada espectador. A questo que ele levanta nao é “‘o que € o Teatro” mas ‘o que é o Teatro para mim’’. A resposta é uma acdo ver- dadeira, e nela esta a revolugdo do Teatro, Apresenta mui- tos espetdculos pela Europa e esteve recentemente no Bra- sil. Em Séo Paulo, na época, nao havia uma sala que cor- respondesse aos seus objetivos; assim, adaptou 0 Teatro Sérgio Cardoso: eliminou totalmente a platéia. Usou o enor- me palco como lugar teatral, dispondo o puiblico em semi- circulo, sentado em arquibancadas, ¢ no meio a cena. O Odin se apresenta também em ruas e pracas. Nos espetaculos de Grotowski e E. Barba, a “pobre- za’’ no significa absolutamente feitira ou desleixo. Ao con trdrio, so belissimos. Usando poucos elementos ou econo- mia de cores, tudo, a partir de um trabalho de ator de qua- lidade, & pensado e estabelecido para formar uma imagem cénica de forga visual clara e envolvente. Josef Svoboda Nao podemos deixar de mencionar um dos mais céle- bres cendgrafos da nossa época: Josef Svoboda, tchecoslo- vaco, nasceu em 1920, Sua formagao passa pelas Artes Plis- ticas, Arquitetura ¢ Teatro. E nomeado chefe dos cendgra- fos e diretor téenico do Teatro Nacional de Praga, em 1951. Atua até hoje tanto na Europa como fora dela. Pesquisa- dor incansavel, considera que nao existe coisa mais fasci- nante que um palco vazio: é sempre um desafio. Disse que ‘a cenografia é a encenagao visual do drama’, enquanto 82 uma criagao que respeita e age conforme o objetivo do es- petaculo. Em todos os seus trabalhos podemos observar que colocou em pratica a sua definig&o. Todos apresentam a qualidade de uma obra onde se percebe a incansével bus- ca da perfeicdo. E para cle a cenografia perfeita aquela que consegue “dliluirse” no espetdculo, ao ponto em que o diretor e os atores a sintam. ‘como necesséria, como Unico espago dado expresso do significado da obra. Enquanto isso, no Brasil... Falar em cenografia no Brasil que nao seja entendida como ambientacao de cena e pano de fundo faz com que comecemos pelo cendgrafo Santa Rosa. Até entéo — e até hoje — o gabinete dominou os palcos. Os gabinetes chega- ram no Brasil como influéncia francesa, 0 décor fermi que surgiu na Comédie Frangaise, em 1827. Bram usados para comédias e especialmente para dramas burgueses. Na definigdio daqui, os gabinetes sio cendrios construidos com trainéis formando as paredes, janelas, portas, que reprodu- zem © interior de uma habitagéo. Quando estes ndo eram usados, eram utilizados teldes pintados colocados no fun- do do palco. Raros os exemplos de espetdculos onde nao sfio usados gabinetes ou teldes. Por exemplo Amor, de Odu- yaldo Vianna, em 1933, sendo o cenégrafo Enrico Manzo. Destaque para A margem da vida, de Tennessee Williams, em 1948, direco de Alfredo Mesquita e cendrios do artis- ta plastico Clovis Graciano. Flavio de Carvalho (1899-1973), arquiteto e artista pla: tico, em 1933 reformou um pequeno armazém e instalou 0 Teatro da Experiéncia, onde encenou a sua pega — falada, cantada e dangada — Bailado do deus morto. Oswaldo Sam- paio, artista plastic e cendgrafo, 0 ajudou no cenario, que era composto de um fundo preto, uma coluna de aluminio, 83 vazada em trés disténcias simétricas. Os atores usavam mas- caras de aluminio e camisolas brancas. A luz ressaltava 0 metal ¢ os panos brancos. O espetdculo foi proibido ¢ 0 lu- gar teatral fechado pela policia, e de nada adiantou o pro- testo dos intelectuais da época: Caio Prado, Procépio Fer- reira, Mario Pedrosa, Geraldo Ferraz etc. Em 1956, cria o cendrio para o bailado Ritmos de Pro- kofiev, no Teatro Cultura Artistica. Usa a linha como tii: co elemento: fitas plasticas que formam desenhos junto aos bailarinos. Infelizmente, Flavio de Carvalho nao se dedicou a ce- nografia teatral. Santa Rosa Santa Rosa (1909-1956) inicia sua carreira em 1937, mas 0 seu cendrio revoluciondrio é 0 da montagem Vesti- do de noiva, de Nélson Rodrigues, com diregdo de Ziembins- ki, em 1943. Espetaculo esse que foi um marco no panora- ma do Teatro no Brasil. Apresentado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A cenografia foi pensada em relacio ao significado do drama. O cenério era construfdo em dois planos: em cima, a realidade; embaixo, a meméria ¢ a alu- cinagao. ‘Como ele mesmo escreveu, em Teatro — realidade md- gica, na medida em que uma fotografia pode significar o SER, 0 cenario retrata 0 DRAMA, e 0 Ideal seria que depois das trés Pancadas de Molire, aberto o pano de boca, penetrasse 0 ‘espectador, de Imediato, no sentido espiritual do texto dra- matico através da poderosa sugestéo do clima cenografico. © cenério “é to importante na sua ligagdo organica com o drama que mesmo em sua auséncia material, quando nio esta representado por pintura ou construgdo que o identifi que, ele existe. E como suporte da realizago dramtica. 4 Uma parede lisa, uma cortina, a caixa vazia do teatro po- dem tornar-se éendrios expressivos [...].”” O Teatro Brasileiro de Comédia © teatro foi inaugurado em 1948: um pequeno local para 356 lugares — que antes era uma garagem — com pal- co frontal. Hoje, depois de sofrer varias modificagdes, fun- cionam no prédio as salas: TBC, Assobradado, Arte, Are- na, Camara. Em Sao Paulo, depois desse, surgiram muitos teatros com as mesmas caracteristicas, De uma simplificagdo dos teatros & italiana, por problemas financeiros, sfo adapta- dos locais e transformados em teatros de cena frontal e pla- téia fixa, O TBC por ser uma companhia permanente possibili- tou uma infra-estrutura para a execugdo dos cendrios ¢ a contrataeao de varios cendgrafos. Com isso, os cenérios eram bem-acabados € adequados aos dramas encenados. Trabalharam no TBC 0s cendgrafos: Aldo Calvo, Bassano Vaccarini, Carlos Jacchieri, Cyro de Nero, Tullio Costa, Ma- ria Bonomi e Gianni Ratto. Gianni Ratto, diretor ¢ cendgrafo, nasceu em Mildo, em 1916. Com uma formagio tedrica ligada & Arquitetura, Artes Plisticas e Teatro, além de uma pratica no Piccolo Teatro ¢ no Teatro Alla Scala de Milao, trouxe para o Bra- sil, a partir de 1954, uma valiosa bagagem de conhecimen- tos. Até hoje é uma personalidade do Teatro no Brasil. Teatro de Arena E no Teatro de Arena que encontramos o primeiro lu- gar teatral que nao seja o tradicional. O grupo se forma am volta do diretor José Renato, que na Escola de Arte Dramitica de Sd Paulo tinha conhecido o texto-proposta de Margo Jones a respeito do Theatre-in-the-Round, ¢ 0 85 adota no Brasil. A primeira companhia se forma em 1953, ea estréia foi no Museu de Arte Moderna (na época instala- do no prédio dos Didrios Associados), ¢ nos noticidrios era destacada “Uma nova técnica de apresentago, em que os atores sao colocados no centro da sala de exibigdo como nos circos, ficando circundados pelos espectadores [...]”. A justificativa dada ao uso do teatro de arena foi de ordem econémica — como nos EUA. Antes de ter 0 seu teatro, 0 grupo se apresentou em lu- gares alternativos (fabrica, clube, colégio), pratica que con- tinuou (nas viagens fora de Sao Paulo, se apresentando em citcos) depois da inauguracao, em 1955, do Teatro de Arena, na rua Theodoro Baima, 94. O pequeno local, an- tes uma loja, tinha 150 lugares ¢ era realmente circular. Em 1964 perdeu parte das suas caracteristicas — o lugar c8- nico se torna retangular € a platéia, em semicireulo, passa ater 170 lugares. Hoje o teatro chama-se Teatro Experimen- tal Eugénio Kusnet, ¢ tem sofrido varias alteracSes. O lu- gar teatral lembra um ‘“teatro elisabetano”’. ‘A dramaturgia condizente surgiu posteriormente, assim como foi dificil adequar ao lugar 0 trabalho dos atores. Mas a novidade atraiu 0 pitblico, eo Arena atuou até 1970, ‘A partir dessa data passou a denominar-se Companhia de ‘Teatro Popular. O cendgrafo, artista plastico ¢ arquiteto Flavio Império (1935-1985) fez varios cendrios para o Are- na, que chamaram atengdo inclusive na Quadrienal de Ce- nografia, de Praga. O critico € tedrico Denis Bablet escre- ve: “Um dos mais interessantes cendgrafos revelados em 1967 foi um jovem brasileiro, Flivio Império, que utiliza de maneira notével a cena aberta ¢ o teatro de arena””. O Teatro Oficina ‘Surge de uma reforma de um teatro, em 1961, e nessa época tinha a platéia nas duas laterais e no meio delas 0 lu- gar teatral. O grupo Oficina ja tinha se apresentado em lu- 86 gares alternativos antes de ter o seu teatro. O diretor José Celso Martinez Correa, lider do grupo, dew a este 0 seu ca- iter de ousadia, que se verifica desde a escolha dos textos dramatiirgicos aos espetdculos. O teatro foi destrufdo em 1966 por um incéndio, A reforma trouxe de volta 0 paleo frontal. Hoje esté destruido e fechado. Varios cendgrafos atuaram no Oficina, Flavio Império, Hélio Eichbauer ¢ a arquiteta Lina Bo Bardi Entre os espetaculos destacamos O ret da vela, em 1967, onde foi usado 0 palco giratério, e os cenérios tinham a mes- ma irreveréncia e atitude andrquica do texto do dramaturgo e poeta Oswald de Andrade. A proposta era fazer uma reava- liaeo do Brasil, e 0 piiblico, por demais apitico, tinha que participar. Segundo Fernando Peixoto, “‘misturando circo ¢ Teatro de Revista, dpera e Teatro Critico, rigor gestual e ava- calhacdo, ritual e pomnografia, protesto e festa. Um ato de ruptura com o passado, um marco no Teatro nacional’’ Daf para a frente, cada espetdculo foi mais ousado agressivo; era preciso questionar tudo, € 0 momento é pro- picio: 1968. Neste ano, além da direcdo de José Celso fora do Oficina (ele encenou Roda Viva, de Chico Buarque de Hollanda), é encenada Galileu Galilei, de B. Brecht, em que 0 cendgrafo foi Joel de Carvalho. Em 1969, Na selva das cidades, de B. Brecht, com cenario de Lina Bo Bardi, destruido a cada espetaculo e onde o material usado foi 0 lixo de Sao Paulo, sendo o lugar cénico um ringue, trans- forma todo o lugar. Em 1970, o Oficina é visitado pelo ving Theatre. Em 1972, Lina Bo Bardi volta a criar a ceno- grafia para Gracias Senhor, criagdo coletiva, sob influéncia do Living, rito com participagao ativa do publico. Em 1973, 0 grupo se transforma na Comunidade Oficina SAMBA (Sociedade Amigos Brasil Animages) e no ano seguinte se muda para Portugal em um auto-exilio. ‘A atriz e empreséria Ruth Escobar movimentou 0 Tea- tro no Brasil de 1959 até 1981. Intimeras montagens, festi- vais internacionais, excurs6es ao exterior, além de debates 87 e eventos mostram a trajetéria de Ruth Escobar no seu tea- tro, na rua dos Ingleses, e em outros lugares teatrais. O primeiro marco foi, em 1968, a montagem de Cemi- tério de automéveis, de Arrabal, dirigida por Victor Garcia. Para ela foi adaptada uma oficina mecanica, 0 Teatro 13 de Maio (desativado em 1979). A cenografia ocupava todo © lugar teatral, os cendrios eram carcacas de carros ¢ lixo urbano e industrial. O conjunto tinha um ar ameacador, um mundo apocaliptico. O espectador tomava assento em bancos méveis em um eixo para poder ter uma visdo total da ago e do lugar. A luz contribui, assim como todos os elementos cénicos, para provocar © espectador, como por exemplo a motocicleta usada como ‘cruz’. Victor Garcia um diretor argentino, emigrou para a Europa em 1962, ‘onde encenou varias pegas inesqueciveis pela concepgao tan- to da cenografia como de todos os seus elementos. Depois de 1967, sai de Paris para trabalhar na Espanha — Compa- nhia de Nuria Espert —, e no Brasil remonta Cemitério de automéveis e dirige O baledo. Nas duas montagens se veri- ica uma forte influéneia de Artaud. Na verdade 0 cendgra- fo Wladimir Pereira Cardoso criou a cenografia que foi usada para a montagem de O balcdo antes, € conta que te- ve mile uma dificuldades. Victor Garcia pensou a encena~ cdo na cenografia e soube desfrutd-la ao maximo. O tedri- co Denis Bablet assim escreve: Este abandono da sacrossanta cena a italiana chega as ve- 20s até a blastémia ou a0 sacrilégio. Garcia a viola ao obrl- ‘gé-la a servir a fins totalmente opostos aos seus, quando, pa ra O baicdo, de Jean Genet, derruba um teatro em Sao Pau: lo para fazer dos espectadores, instalados em uma série de balcbes circulates superpostos, 08 voyeurs do bordel imagi nado por Genet e colocar no lugar da cana tradicional um vo lume cilindrico onde 0 palco mével sobe @ desce, eleva-se ino espago da imensa espiral onde tem lugar a representacao. [1] Aquilo que se procura hoje, mais ainda ontem [..] é tirar © pubblico da sua passividade para fazé-lo participar daquilo que serd rito, ceriménia ou festa, para conduzi-lo a reagit, @ 38 transformar-se ou simplesmente a deixar-se tocar no fundo do seu ser. Destacamos na mesma época Rito do amor selvagem, ctiacéo de José Agripino de Paula, onde era usado como elemento cénico uma enorme bola de material pléstico trans- parente que atua junto com os atores e serve para provocar a participacao do puiblico. O Evangelho segundo Zebecteu, de César Vieira, ence- nada pelo grupo do Teatro Unido e Olho Vivo, foi monta- da em um circo. E, no final da década de 70, 0 espetdculo Macunaima, adaptacao da obra de Mario de Andrade, dire- go de Antunes Filho e cenografia de Naum Alves de Sou- za, que assim descreve seu trabalh © paleo era pintado de azul e, nesse espago colorido, é que 8 alores se movimentavam. Com a cor, os volumes @ 0s ato- res em cena ganhavam uma nova dimensdo, ¢ neles eu tam. bém joguei com as cores e com elementos muito simples. ‘Aliés, minha cenografia sempre tem essa marca das Artes Plasticas, raramente necesita de grandes construgdes em madeira, Durante um longo tempo, usei a cor em tecido, sei brilhos e, depois, em Macunaime, houve o despojamen- toe a sintese desses recursos. Da década de 80 destacamos os trabalhos de Daniela Thomas para as montagens do diretor Gerald Thomas, que com extrema competéncia consegue criar cendrios belos e eficientes, como em Eletra com Creta e na Trilogia Kafka. Além dos cendgrafos mencionados, lembramos: Mar- cos Flaksmann, Marcio Colaferro, Felipe Crescenti, Domin- gos Fuschini, Irineu Chamiso Jr. José Carlos Serroni. Em cartaz... Afinal, 0 que ¢ 0 espetaculo teatral se nao o reflexo dos seus criadores, as suas idéias e credos, tudo fruto de fj 89 um contexto social, de uma época e suas crises, problemas, mitos ¢ meios? Em Milao, 1987, Teatro Studio, & encenada Filoctete ou 0 Tratado das trés morais (0 texto é de 1889), de André Gide, direao de Walter Pagliaro, cendrios e figurinos de Alberto Verso, realizados pelo Laboratério Cenogrifico do Piccolo Teatro de Milo. Em Sa0 Paulo, 1988, no Gal- pio do SESC-Pompéia, é encenada Filoctete, de Heiner Muller, fazendo parte de uma trilogia desse dramatureo apresentada sob 0 nome de Eras, diregio e cenografia de Marcio Aurélio. Filoctete, de Sdfocles, é 0 ponto de parti- da, mas o tratamento dado pelos dois dramaturgos muda o significado da obra. Refletindo esses objetivos diferentes, temos duas cenografias diametralmente opostas. André Gide — Franga — quer exprimir a luta que dia- riamente o homem cumpre entre o bem ¢ o mal para reagir a hipocrisia das leis, & educagao, a convivéncia. E uma pes- quisa sobre a moral. Filoctete no final permanecerd na ilha onde foi confinado, 86 ¢ feliz, Heiner Muller — Alemanha Oriental — aborda as ques- tes como: o homem sob a ameaca nuclear, 0 papel das re- vyoluc6es, o stalinismo, a violéncia, o viver ¢ 0 morrer. Num debate em Sao Paulo, depois de ter assistido & encenacao, H. Muller disse: “Uma guerra nuclear significaria o fim da Historia. Ha, portanto, uma nova alternativa: a decadén- cia ou a barbirie"’. E em relacao ao piiblico: “Eu me diri- jo aos jovens da faixa dos dezesseis aos trinta anos. As pes- soas com mais de quarenta anos esto perdidas, ou so cf- nicas ou esto preocupadas demais com problemas familia- res''. E que: “‘Ninguém quer aprender, se nao sabe a que finalidade serve isso’. Seco e objetivo, H. Muller faz um Teatro da palavra. Filoctete ¢ morto no final. No Teatro Studio — antes um teatro a italiana, hoje um espaco reformado e transformado, restando s6 a estru- tura do yelho teatro —, 0 piiblico senta-se em uma arqui bancada colocada em semicirculo, deixando a area central RRR i © 0 fundo, ao nivel do chao, como lugar cénico (lembra uma espécie de palco elisabetano). Pelos cendrios ¢ pelos fi- gurinos, mesmo estilizados, somos levados & Grécia. Tudo & branco, limpo brilhante, lembra uma ilha de gelo. A es- querda, uma proa de navio afundado, ¢ uma tela branca ¢ semitransparente cobre todo 0 teto do lugar teatral. 0 Galpaio do SESC-Pompéia nao é um teatro, é um lu- gar alternativo, descoberto ha pouco tempo para espetdcu- los teatrais. Ao entrarmos, somos surpreendidos por um la~ birinto formado por praticaveis. O piiblico fica sentado no meio, ¢ os atores atuam em volta e no meio dele. Altos traingis méveis que partem do chao fecham o espago em am- bos os lados. Bombardeado pelas palavras ¢ pelo seu signi- ficado, 0 piiblico fica cada vez mais incomodado, engaiola- do ¢ aflito. A aco € intensa, os atores se deslocam de um ponto para outro. Os objetos cénicos — além dos figurinos expressivos ¢ adequados, hi as mascaras, impressionantes pela feitira mas ao mesmo tempo belas — caracterizam as personagens. E um relégio na parede. A luz ressalta a agao: em muitos momentos ¢ geral, iluminando todo o lugar te- nuamente, incluindo a platéia. Cenografia que organiza 0 lugar teatral. Ato criativo, encena visualmente o drama. Duas propostas cenogréficas perfeitamente adequadas ao objetivo da encenacdo. Duas montagens, duas obras que 36 tém o defeito de serem efémeras, Mas isso faz par- te do espetdculo. a Vocabulario critico Aderecos: objetos que fazem parte do cenétio e do figurino. Bambolina: geralmente preta, é a faixa de pano presa no urdimento que se une as pernas nas laterais. A sucesso das bambolinas ¢ das pernas delimita 0 espaco do paleo ‘onde acontece 0 espeticulo endo permite ver 0 que ha no teto € nos bastidores. Bastidores: também chamados de coxias, sao o lugar nas la- terais do palco e atras dos cenérios. Cenotéenica: compreende todas as téenicas que permitem a construgao de cenarios, assim como a criacdo e 0 uso das méquinas necessarias para fazer com que o espetdculo acon- teca. O profissional que.a dominae executa é 0 cenotéenico. Cortina: também chamada de pano de boca, fecha a boca de cena. Tem uma histéria t20 importante como a do Teatro (ver 0 catélogo L’avventura del sipario, Milano, Ubulibri, 1984). Gambiarra: sustenta os refletores. Antigamente as gambiar- ras eram presas no urdimento, na caixa do palco. Hoje sfio colocadas também fora dele. Maquete: modelo em miniatura dos cenérios. E util para © cenotécnico e para o diretor. 2 Maquilagem: ¢ usada nas montagens teatrais ¢ em outros espetdculos para caracterizar a personagem. E um ele- mento do conjunto, portanto integrado na proposta geral. Maquinaria: todo 0 conjunto de maquinas ¢ eq que fazem com que acontega o espetdculo. Méscara; é um dos aderegos. Tem uma historia e significa- do, além de técnicas especificas para ser construida (ver, por exemplo, o livro Maschera e maschere, produzido pelo Centro de Mascaras e Estruturas Gestuais, Itdlia). Praticdvel: estrutura de madeira coberta por cima e dos 1a- dos, dependendo do uso. Pode ter varias dimensdes formatos. Serve como elemento do cenario. Proscénio: parte do palco, geralmente em curva, que vai da boca de cena até a platéia. Pode ser fixo ou nao. O seu tamanho depende do teatro. Ribalta: luzes colocadas na curva do proscénio, ao nivel do assoalho, com a finalidade de iluminar 0 primeiro plano do paleo. Rompimento: também chamado de pena (quando de teci do) ou bastidor (feito com armacdo de madeira forrada de pano). Preso no urdimento, desce ao cho nas late- rais do palco, para limitar o lugar onde acontece 0 espe- taculo e para esconder os bastidores. Rotunda: pano de fundo colocado geralmente em semicircu- Jo no fundo do palco, determinando a profundidade do lugar onde o espetdculo acontece. Pode ser de veludo, flanela ou outro material. Trainel: elemento dos cenéirios, é feito de uma armagao de madeira geralmente recoberta de pano. E usado na verti- cal. Pode ser, por exemplo, o suporte das paredes do gabinete. Urdimento: grade de madeira ou ferro fixada no teto do paleo onde sao presas as gambiarras e os equipamentos, para suspender ou baixar cendrios. Em volta dele encon- tramos uma espécie de passarela chamada varanda. 8 Bibliografia comentada Cenografia internacional Appia, A. A obra de arte viva. Lisboa, Arcédia, s. d. Sao as teorias € o pensamento do cendgrafo onde anali- sa cada elemento da encenacdo ¢ apresenta reflexdes so- bre o Teatro. E 0 ponto de partida para entender o de- senvolvimento da cenografia do século XX e 0 porqué da importancia de Appia neste contexto, Baater, D. Edward Gordon Craig. Paris, L’Arche, 1962. ‘Trajetéria e vida do cendgrafo, com uma anilise critica. Ilustracdes em preto e branco. ——. Le décor de thédtre de 1870 @ 1914. Paris, C. N. R. S., 1976. . Consideramos Denis Bablet um dos melhores te6ricos so- bre cenografia. Neste livro, analisa os cenégrafos e suas obras do periodo romantico ao perfodo que antecede a I Guerra Mundial. Analisa desde o termo décor ao desen- yolvimento da cenografia no periodo indicado. Hustra- des em preto e branco. ——. Les révolutions scéniques du XX siécle. Paris, Art du 20es, 1975. Retoma a cenografia a partir do Naturalismo, ea ruptu- raa partir do Simbolismo. Aborda e analisa 0 desenvol- vimento desta até a década de 70. Ilustragées em cores. —— Svoboda. Paris, La Cité, 1970. Andlise da obra do cenégrafo Svoboda. Ilustragdes em preto e branco, 1 —— et alii, Le liew théitral dans la société moderne. Paris, C.N.R.S., 1963. E uma coletanea de textos de varios autores, como Pie! { re Sontel, Pierre Francastel, Jean Duvignaud, René Allio, I Jacques Polieri etc., onde é analisado o lugar teatral, suas mudangas e fungao na sociedade. Alguns textos sio a respeito do Teatro. Iustragdes em preto e branco, Cratc, E.G. Da arte do Teatro. Lisboa, Arcadia, s. d. As teorias de Craig expostas por ele mesmo. Tao impor- tante como o livro de Appia. | APoar, B. et alii. Le Thédtre. s. 1., Bordas, 1980. } Nao € especificamente sobre cenografia, mas tem um ca- pitulo sobre o assunto ¢ um sobre o lugar teatral, Ilustra- ses em cores. Mancint, F. L evoluzione dello spazio scenico dal Naturalis- mo al Teatro Epico. Bari, Dedalo, 1975. | Como Bablet, é um dos melhores teéricos sobre cenogra- f fia. Aborda e analisa os cendgrafos e seus trabalhos as- t sim como as propostas de Antoine as de Brecht. Ilustra- 1 des em preto € branco e em cores, —.. L'illusione alternativa; lo spazio scenico dal dopoguer- ra ad oggi. Torino, Einaldi, 1980. : Anélise das obras dos cendgrafos depois de 1945 nos Es- tados Unidos e na Europa. Ilustragdes em preto e branco. Met1o, B. Trattato di scenotecnica. Novara, Serie Gérlich, 1984, E um manual onde, através de muitos desenhos, encon- tramos especificadas todas as maquinas teatrais, desde & perspectiva teatral até o material eléttico. 95 Moutari, C. Teatro: lo spettacolo drammatico nei momen- 4 della sua storia dalle origin ad oggi. Milano, Arnal- do Mondadori, 1972, E a historia do espetéculo teatral das suas origens aos dias de hoje. Como ¢ dificil encontrar um livro sobre es- se assunto, sendo mais comuns os livros sobre a historia da dramaturgia, recomendamos. Ilustragdes em cores, Nicott, A. Lo spazio scenico; storia dell’arte teatrale. Ro- ma, Bulzani, 1971, Estudo sobre a arte teatral, da Grécia Antiga até os nos- sos dias. Ilustragdes em preto e branco, Potter, J. Scénographie Sémiographie. Paris, Denoél, 1971. O cenégrafo expée suas andlises, desde 0 termo décor até a critica do teatro a italiana, Apresenta também suas obras. Ilustracdes em preto e branco. Veinstetns, A. Le Thé®tre Experimental. Paris, La Renais- sance du Livre, 1968. Aniilise dos lugares teatrais a partir da Vanguarda até ‘9s nossos dias. Apresenta varias propostas de teatro na Europa e nos Estados Unidos. Iustragées em preto ¢ branco Cenografia no Brasil Awanat, A. Barreto do. Histéria dos vethos teatros de Sao Paulo. S40 Paulo, Governo do Estado de Sao Paulo, 1979. E um estudo sobre os teatros de Sao Paulo, com descri- sAo ¢ documentagdo desde a Casa da Opera ao Teatro Municipal. Tlustragdes em preto e branco. Baxsonte, C. B. Santa Rosa em cena, Rio de Janeiro, Insti tuto Nacional de Artes Cénicas, 1982. ‘Trajetoria completa da vida e da obra do cendgrafo e ar tista pléstico Santa Rosa. Contém documentacao, textos 96, ee de Santa Rosa € de criticos de sua época. Hustracdes em preto e branco. Mantovani, A. Cenografia teatral em Sto Paulo; entre a tradicao ¢ 0 novo. Sao Paulo, ECA/USP, 1986. Disserta- cao de mestrado, Apresenta 0 panorama e a situacdo do lugar teatral, da cenografia e dos cendgrafos em dois momentos: o passa- do € 0 presente. Santa Rosa. Teatro: realidade mdgica. Rio de Janeiro, Mi nistério da Educagao e Sattde, s. d. Pequeno volume com os textos escritos pelo cendgrato. Seu pensamento, suas teorias e um histérico reduzide da cenografia na Europa do fim do século XIX até a dé. cada de 50. Analisa também a situagao no Brasil. Serront, J. C. & Ferrara, J. A.. ores. TBC — 16 anos de cenografia e indumentaria 1948/64, Sa0 Paulo, $. E. C., 1980. E um catélogo onde encontramos na primeira parte al- Buns textos tedricos e, na segunda, fotos dos trabalhos © comentarios dos cendgrafos. Iustragdes em preto branco, Revistas especializadas Revistas como Aujourd Hui, L’Architecture d’Aujourd? Hui, Sipario, The Drama Review, Quaderni di Teatro, Théa- tre en Europe, Cadernos de Teatro trazem artigos sobre ce- nografia ¢ o lugar teatral, ou miimeros dedicados inteira. mente a esses assuntos. emsol io auc Qa

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