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Claudia Stella LB (org) ES. ay Psicologia Comunitaria Contribuicdes te6ricas, cman eCatalog mobi (IP) Cappel on encontros e experiéncias Brasil icloga Comunitra contsbukgbes tris, encontos © ‘experiencia, ~ Petropolis, Vres, 204 (mara Brasil Virios stores Bibograt SUN S78 85-326-4800-4 |. Pico Sosa Stel, Claudia, y EDITORA. ase54 epp-s02 raves Tadic pa atloge ate 1 Pscoogia social 32 Petropolis Psicologia Social Comunitéria como politizagio da vida cotidiana: desafios a pratica em comunidade Maria de Fatima Quintal de Freitas Hoje, passados mais de 50 anos do infeio dos trabalhos de in- tervengio psieossocial em comunidade e diante de uma "nova" politiea de valorizaglo dessas priticas comunitatias, verifica-se haver uma grande diversidade no eampo da Psicologia (Social) Comunitéria em termos de tipo de trabalho desenyolvido, meto- dologias empregadas e referenciais tebrico-Alosoficos adotados. Em um primeiro balango, pode-se dizer que trés aspectos emer- gem. Um, relativo ao fato de que nfo hi uma base consensual que rina 0s trabalhos dentro de uma mesma terminologia, indiean- do aproximagées tebrico-conceituais. Outro, que revela a neces- sidade de serem feitas andlises epistemol6gicas sobre as priticas \desenvolvidas com o intuito de se analisar criticamente as ineoe- rncias e pseudoconciliagdes no campo da dimensio te6rica eme- todoligica. E, também, o fato de ser nevessério discutir 0 grau de impacto e importdneia dessas préticas na vida comunitéria, a fim ‘de se fazer uma reflexio erica sobre o tipo de compromisso im- plicitoe as aliangas estabelecidas nesses trabalhos e em favor de «que interesses, Promover esta discussfo, em nosso entendimen- lo, signifiea apontar possfveis eaminhos que contribuam para um processo de politizagdo da consciéncia, buseando-se uma mai ppartieipagdo da prOpria populagZo em torno de suas necessidac imediatas e mediatas. Fazer isto significa, também, detectar ppectos inteinsecos a propria dinamica dos trabalhos desenvolvidos ‘que podem contribuir, tanto para fortalecer como enfraquecer rnis, podem continuar a existir ¢, infeliamente, tém continuado mesmo em sociedades altamente democriticas, como bem mostra ‘nossa histéria contempordnea. Como ajudar a tornar 0 mundo mais justo e digno, permitin- do a convivéneia das diversidades e diferencas e enfrentanda os, preconceitos e iniquidades vividos cotidianamente? Esta 6 uma Indagagdo relevante a qualquer tipo de pratica profissional e que se constitui em foco de andlises ¢ reflexes que tém sido consi- \eradas no provesso de formagio dos diferentes profissionais no ‘mundo atual. aparecimento ce uma consciéncia critica eo desenvolvimento formas de partiipagio cotidiana, independentemente do fato agentes comunitiios estarem comprometides eom a transforms 60 social (MONTERO, 1994, 2003; SANCHEZ, 2000; FRETY 19982, 1998, 1999, 2000, 20112, 2011b, 2012; SANDOVAL, 1 2000; SENRA & GUZZ0, 2012). Dessa forma, depreende-se dag ‘ae 0s processos de conscientizagioe de participagio podem alterados em fungio das relagGes travadas na vide eotiiana, signifieados que taisrelagbes vio tendo para a pessoas, dos dosde comunidade que eonseguem construirem seudia a diae importancia de tas setidos para sua vida, 0 presente capitulo seré desenvolvido ao redor de trés es prineipas: um, ditigido aos questionamentos relacionados & ‘macio do profissonal como trabalhador comunitério, a0 tipo compromisso assumido e ao seu. papel social e cientifen; 0 ‘Tendo como referéncia 0 compromisso com a construgio de telagGes e redes de eonvivéncia e sobrevivéncia psicossocial mais solidrias e humanas, pode-se dizer que um grande desafio, colo- ado a todos nds, refere-se a responder a esta indagacio. Assim, na perspectiva da Psicologia Social Comunitaria, fazer esta radiealizagio da democracia, no dia a dia, implica dar conta lo conhecimento historico a respeito da vida social dos diferen- les grupos e comunidades, relacionando-o as dimensées locais, ‘egionais e globais, Isto permite que se compreenda a vida dessa! pessoas, seja nos seus problemas cotidianos, seja nas suas possibi- idiades de enfrentamento © esperanga assim como na construgao de agées coletivas:e-eoinunitiasyPara isso torna-se necessrio que se articulem e se eomprometam os diferentes movimentos so- ‘ais, 08 grupos comunitérios eos diversos segmentos da socieds- tle em torno de uma proposta coletiva, evoltada a fins soidarios. essa maneira, pode-se dizer que a Psicologia Social Comunitéria {em uma tarefa importante a cumprir, no momento em que tome ‘omo matriz principal, nos traballhos eomunitérios, os eotidianos ile existéncia das pessoas e as redes de convivéneia comul que constroem. relativ a intervengio psicossocial em comunidade, identifican as parcerias com os campos da educagio popular e da fo de agentes comunitries critcos , 0 tercero, teeendo uma xo exitien a respeito da prtica da Psicologia Social Comunita compreendendo-a como uma agio de poliizacio na vida cotidi 1, que pode contsbuir para a eonstrugio de politicas pabl comprometidas com uma vida social mais digna e justa 1 Campo de atuago da Psicologia Social Comunitéri desafios ¢ prioridades (0s trabalhos comunitiios eomprometidos com a implementa- (ilo de ages coletivas voltadas para uma melhoria das condigdes (0s problemas relatives & injustiga, A pobreza e ao softimel ‘numano, assim como seus determinantes estruturais e conju * or de vida, como ji apontado em outras ocasides (FREITAS, 2¢ 2005, 2007, 20118; SENRA & GUZZO, 2012), pode-se dizer q enfientam trés situages desafiadoras para a sua realizagae ‘Uma delas relaciona-se a como construir e cultivar uma cult democrtica, que seja vivenciada no cotidiano da sociedade ci ‘em que sejam compartithados valores de justica e de dignidac nos mbitos da vida pibliea e privada de cada individuo. 0 out desafio refere-se a como consolidar relagdes e redes comunité associativas guiadas por valores de solidariedade e dignida climinando posturas individualistas ¢ egoistas dentro da come nidade. E 0 terceiro desafio estaria em como fazer com que pessoas acreditem que vale a pena participar, também nas este ras piblicas, como um aspecto necessario para as redes e projet ‘comunitarios. A anélise sobre estes desafios, vividos no cotiiat dos trabalhos, permite desvelar os caminhos do compromisso litieo presente na ago e intervened comunitirias. Neste momento faz sentido indagar a respeito dos impa das priticas em comunidade, que podem ser detectados a pe «da andlise sobre as necessidades e prioridades do trabalho com nitério, Ou seja, torna-se importante perguntar: O trabalho é, {ato, prioritrio? Estaria atendendo aque necessidades ede qu Serd que traria mudangas relevantes ¢, se sim, na perspectiva: quem? Estes questionamentos levam a considerar as dinamic ce relagies presentes no desenvolvimento dos trabalhos, entre diversos agentes (internos e externos) envolvides, em torno sseguintes dimensdes: a) das razGes para a realizacio do traby 1na perspectiva de cada tipo de ator social envolvido; b) rela cstabelecidas entre equipe de profissionais e comunidade e ti de participagdo construida entre eles; c) caracteristicas (indi usis e/ou coletivas) do trabalho e frutos obtidos. Assim, prot der a uma anilise, enfocando-se estas trés dimensées, permite q se earacterize 0 tipo de trabalho que vem sendo realizado, assi ‘como os temas e problemiticas enfrentados, e as relagdes que so construfdas entre comunidacle e profissio, Deriva disto, entio, ‘uma compreensdo tanto sobre os compromissos estabelecidos por ‘ambos os agentes como também sobre os resultados que a aco « intervengZo comunitérias produzem. Isto se manifesta em dife- 1es formas de convivéncia, relagio, eomunicagio e interagdo na vida cotidiana das pessoas integrantes dos traballos comunita- rios, Além disto, torna-se também possivel detectar os diferentes hiveis de participagéo nas atividades realizadas, e cujas repereus- ses psicossociais em cada um dos atores vai permitir compreen- Aeros diferentes processos psicossociais de participagio e cons- cientizagao, seja da comunidad, seja das profissionais. Formagéo profissional, priticas em comunidade e politicas piiblicas Quando se questiona a respeito das condigBes que existem e (que seriam necessérias para a realizagio dos trabalhos comunits- rios também se esta indagando a respeito das condigées tedricas e ‘metodolégicas que sustentam as priticas realizadas, assim como sobre as relagées estabelecidas com as politieas piblieas, que po- \eriam eontribuir para a consolidagdo desses trabalhos. Signifca, ‘endo, indagar sobre o que jé existe de conhecimento sobre as di- ferentes dindmicas comunititias e sobre o que jéestaria sistema- tizado sobre essas priticas, em termos tedriens e metodolégions. Em continuidade, faz sentido, também, perguntar sobre os instru ‘entos e recursos metodol6gicos que jé foram construfdos, sobre queles que j4 conhecemos e sobre os que jé foram incorporados «quando da atuaeao e desenvolvimento dos trabalhos em comuni ‘lade, Em certa medida estas reflexses constituem-se como uma specie de “estado da arte”, neste eampo, tanto em termos teéricos como instrumentals e que ainda no se encontra sistematizada em nosso campo. Estas indagagdes apontam, dessa forma, para uma necessérfa) reflexdo a respeito de virins aspectos, entre os quais se destacam (08 processos de formagio dos novos quadros de profssionais, ‘pesquisadores etraballhadores sociais para atuarem nas diferentes dindimieas comunitarias. Esta rede intrincada entre priticas em comunidade, tipo de profssional eligagées com os planos de agia da sociedade aparece esquematizada na Figura 1. Figura 1 Aspectos a considerar na telacio poitcas pibliease pritieas comunitérias (ie CONPRONISSO? SETI [aaron bY as FORMAGAO PROFISSIONAL | POLITIGAS POBLICAS Fonte: Adaptagio da autora Isto traz para o debate uma preoeupago, cada vez mais prest te nos tiltimos anos, quanto aos cursos de formagio, no sentido: ‘que se capacitam, cientfica e politicamente, os futures prof nais para que desenvolvam intervengBes comunitarias, tendo umi sensiblidade historica para com a populagéo e um compromi ‘com a transformagio social. Apesar de haver, por parte de vir sotores da sociedade civil, um crescente movimento na busca de profissionais comprometidos com a realidade conereta ~ seja para ftuarem junto as probleméticas sociais, as demandas dos setores| populares ou As politicas pablicas em vérias éreas como satide, ‘edueagio, moradia, cidadania e direitos humanos entre outros ~, 4 Psicologia, no seu processo de formagZo, ainda mantém para ligmas tradicionais e conserva visbes individualizantes ¢ psicolo- sizantes a respeito dos condicionantes de tais fen6menos sociais. Infelizmente conhecimento eritico e historico, 0 compromisso politic-social ea proximidade da Psicologia para com a realidade ‘da maioria da populagio e de seus problemas concretos, nio so diretamente proporeionais ~ em ntimero e contetido politico ~ quantidade de trabalhos e/ou ONGs que surgem a cada dia dirig {os @algum problema da populagio. ‘Além da preocupacio com o processo de formagiio de novos, profissionais, depreende-se, também aqui, a necessidade de inda- gar sobre o tipo de relaglo e rede que tem sido construido com as diferentes poiticas piblicas, sejam clas mais sensiveis, ou nfo, as problematicas com as quais nossa prea se rlaciona. Com isto evi- ise aimportncia de seidentificar o tipo de compromisso que ‘emerge das pritieas eomunitias implementadas nessa relagao co- rmunidade-profissionais. Intimamente ligado e tenlo um forte im pacto nas ages relizadas, esto as diferentes concepgies que esses, ‘agentes possuem a respeito do que cireunscrevem como Fenémeno psieolégieo dentro da dinimica comunitaria,e cujas bases ontologi- ‘as imprimem cursos distintos aos trabalhos realizados. 2 Dimensbes e parcerias da intervengao em comunidade Diferentemente do que acontecia nos anos em que a Psicologia Comunitiria inieiou a sua trajet6ria de construc, nas décadas de 1960 1970, pode-se dizer que, no Brasil, hoje, hé uma certa 1” ampliagdo e reconhecimento destes trabalhos na dtica de diferen ‘tes setores e entidades da sociedade civil. Pelo fato de passarem, cexistir mais profissionais envolvidos em diferentes propostas des: tinadas a trabalhar com os chamados problemas sociais, parce haver uma “maior® preocupagdo com setores antes desconsidera dos nos trabalhos da psicologia, ao mesmo tempo em que hé a ideia de que a populagio estaria sendo atendida em suas necessi= dades basicas. Entretanto, esta proximidade nfo é garantia nem de :mudangas paradigméticas nas formas de trabalhar da psicologia, @ nem de que a populacao seja de fato, o foco central das prticas em ‘uma perspectiva critica eemaneipatoria, Hoje, em verdade, pode-se afirmar que se torna politicamente incorreto nlo incluir 0 cognome “social” em qualquer tipo de agio profissionalecidada ou em proje= to de intervenedo nos contextos e dinamicas comunitarios. A heterogeneidade eo uso banalizado do termo [social] como constituinte de modismos e de vocabulério poli- ticamente correto no meio dos profisionais sem uma correspondente mudanca na realidade do trabalho dif cultam o aprofundamento ea compreensio das questées cenvolvidas eesvaziam de sentido um projeto téenico-po- Iitico para a profissao e para os profissionais em exerci- cio (SENRA & GUZZO, 2012, p. 297) Entretanto, esta ampliagdo das priticas da psicologia para. virios contextos comunitirios, ainda assim, revela varios aspee- tos, alguns positivos, outros desafiacores, ‘Tem se tornado mais comum e frequente que o profissional se insira em espagos dife- rentes dos campos tradicionais da psicologia, aproximando-se dos setores populares (ALMEIDA ACOSTA, 2011; MONTERO & SERRANO-GARCIA, 2011; FREITAS, 2005, 20118, 2011b, 2013; PAPA & FREITAS, 2011; BOMFIM, 2010; MELO & LOPES, 20103 DIMENSTEIN, 2008; FERRARINI, 2008; JIMENEZ-DOMIN- 2 GURZ, 2008; ROSA; SOUZA & AVELLAR, 2008; FLORES 0SO- RIO, 2007; CORDEIRO; VIEIRA &XIMENES, 2007; GOIS, 2005; SARRIERA, 2004; SAFORCADA, 2002), Este 6 0 eas0 dos traba- hos da psicologia nos contextos de violencia doméstica, urbana e rural; nos problemas ligados ao desenvolvimento educacional ede formagio profissional; nas préticas dirigidas aos diversos progra- ‘mas de agfio ligados aos foruns e gestdo da satide, edueacao, mo- radia, trabalho; nos trabathos de enfrentamento de calamidades crises socioambientais; nas interagdes hummanas mediatizadas pelos artefatos tecnolégicos que trazem desafios contemporéncos participago em contextos urbanos e rurais; nos problemas re- Jacionaidos &territorialidade e relagOes de exclusdo e de desigual- dade, gerando formas injustas de convivéncia; nas sutis formas de estigmatizagio © proconeeito nas relagdes cotidianas, entre lantos outros. Ao lado disto, a prépria sociedade e muitos planos de governo tém demandado “novas’ formas de intervengio por parte dos diferentes profissionais, de tal modo que haja uma com= preensio comunitéria, histérica e psicossocial dos problemas vi- vidos (MONTERO, 20032, 200gb; MONTENEGRO MARTINEZ, 2009; FREITAS, 2002, 2003, 2011, 2012; GABORIT, 2011). Isto, por sua ver, apresentou & Psicologia e aos cursos de formaciio de- safios tanto de ordlem teérica e paradigmatica como metodol6gica « instrumental, no sentido de que seja necesséria a apropriaglo de ferramentas qualitativas e quantitativas para a compreensio da realidade psicossocial e para a produgdo de um conhecimento re- levante, pertinente eprofieuo quanto. dimens6es psicologicas no Aambito social e comunitério. Dai tém sido varias as denominagées atvibufdas & pritica da psicologia em comunidade, como Psicolo- sia Comunitéria, priticas psicossociais em comunidade, interven ‘do comunitéria em contextos adversos, trabalhos psicossoctais ‘em comunidade, trabalhos ou praticas comunitirias, intervengio n em programas comunitarios, atuagao em politics comunitérias, entre tantos outros. Embora nao seja aqut o objetivo fazer uma discussio sobre esta “hetero nomeagio, vale destacar que isto, de algum modo, traz aspectos positivos, e um deles refere-se ao fato de que ficam explicitadas as dimensSes interdisciplinares e, por isso, exige-se, entdo, do profissional que passe a ter um eonheci= ‘mento ampliado sobre outras éreas e temiéticas que atravessam distintos eampos diseiplinares, Commo j4 apontado em outros trabalhos (FREITAS, 1999, 2003, 2007, 2011, 2012), pode-se aqui indicar as caracteristicas e dind~ micas prineipais que estariam presentes quando da realizagio dos trabalhos em comunidade e que sio guiados pelo campo da Psico- logia Social Comunitéria. Este campo tem se construido também através de rlagies muito préximas com a educacio popular, ha seada em Paulo Freite (BARREIRO, 1974; FREITAS, 2007, 2013; ASSUMPGAO, 2009) ¢ com os aportes da investigacio-acko-par= ticjpante, apoiada na perspeetiva de Orlando Fals Borda (FALS BORDA, 1986; BRANDAO & ASSUMPGAO, 2009).. estacam-se, a seguir, cinco caracteristicas e condigBes relatic vas is pritieas em Psicologia Social Comunitaria que, ao longo dos “iltimos anos, tm se mostrado como importantes e que colaboram para sua diferenciagio em relagao as outras pritieas em comuni« dade, quais sejam: 1) Trata-se de uma pritica que tem claramente um compro- miso com os setores mais desfavorecidos da populagio, tenda como meta o fortalesimento dos processos de conscientizagia e participagdo nas relagdes cotidianas. Por isto, tem um card pedagégico de formagio e politizagao no cotidiano, visto niio € um trabalho assistencialista, nem centrado em explie 68es psicologizantes e reducionistas a réspeito dos problems que as pessoas vivem, ¢ ao deparar-se com o “

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