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OBRADA AUTORA, Direito penal empresarial (org). S80 Paulo : Dialética, 2001 HELOISA ESTELLITA SALOMAO A TUTELA PENAL e as obrigagées tributdrias na Constituigdo Federal Bibliografa, ISBN" 85203-20088 1. Brasil ~ Consiniio (1988) 2. Diteito penal ~ Bra 3, Mads ral 4 Obigugso busin — Brasil Tilo EDITORA rae REVISTA DOS TRIBUNAIS 202 A TUTBLA PENAL continuaria a ser indireto, por exemplo, até 0 ponto de insergdo dos valores irreais no Livro de Apuracao do ICMS. Sua insergao na GIA porém, jé configuraria perigo direto para 0 bem juridico, pois que ne- hum elemento se interpbe, aqui, entre o perigo e a lesao. Finalmente, com 0 pagamento inferior a0 devido, configurada estaria a lesio a0 bem juridico tutelado. Podemos empregar a mesma hipétese para ilustrar a necessidade de verificagio da instrumentalidade da obrigacdo acesséria relativa- ‘mente & obrigagdo principal de pagar tributo. Obrigacdo acess6ria do contribuinte do ICMS, na emissao da nota fiscal, é, por exemplo, fazer consignar a forma de pagamento (a vista/a prazo), cujo descumpri ‘mento, porém, é totalmente irrelevante para o pagamento da obrigacao principal de pagar tributo, Nesse caso, como se percebe, no ha perigo sequer indireto para o bem juridico da arrecadagao tributéria, portanto, ‘odescumprimento de tal obrigagao acesséria ¢ irrelevante para a tutela penal Pode-se, ainda, pensar em termos de extrafiscalidade na modalida- de de um incentivo fiscal, como a isengdo. Digamos que se estabelega a isengo do pagamento de ICMS para a empresa cujo volume de vendas rmensais ndo exceda a R$ 20,000,00 (vinte mil reais). Para que se possa averiguar a regularidade no desfrute do incentivo, necessério cumpri- mento de obrigagdes acess6rias relativas A emissio e escrituracZo das notas fiscais de venda. Imaginemos, ento, que um contribuinte que desfrute dessa isengio deixe de emitir e escriturar a nota fiscal corres pondente a uma venda de RS 1.200,00 (um mil e duzentos reais). Ora, se © volume de vendas naquele més, excetuada a operagio nao registrada, for equivalente a R$ 12.000,00 (doze mil reais), por exemplo, niio se poders falar em perigo, a0 menos direto, para o bem juridico tutelado. Por outro lado, se 0 volume das vendas atingiu, por exemplo, RS 19,000.00 (dezenove mil reais), excetuada a operacao nao registrada, © descumprimento da obrigagio acesséria pode ser tido como meio pelo qual se praticou a lesio do bem juridico tutelado. 4.5 Bem juridico tutelado, antecipago da tutela e obrigagies tri- butirias: alguns aspectos relevantes no direito positive ‘As ponderagdes acerca da anilise das obrigagdes tributarias & luz do bem juridico da arrecadagdo tributaria, capaz de funcionar como li- ATUTELA PENAL EAS OBRIGAGOES TRIBUTARIASNACF 203, mite ao ius puniendi e como instrumento permitiram-nos propor alguns critérios para a antecipacao da tutela do bem juridico. Critérios que, como procuraremos demonstrar agora, tem efeitos sobre a constitucionalidade e amplitude das normas incrimina- doras. Para tanto, sero analisados os tipos legais de crime previstos nos, arts. 1.°¢ 2.° da Lei 8.137/90 e, por sua aproximago com o tipo penal inserido no inc. If deste tltimo artigo, também o tipo incriminador des- crito pelo art. 168-A, § 1. I, do Cédigo Penal. 4.5.1 Os arts. 1.° ¢ 2.° da Lei 8,137, de 27 de dezembro de 1990 A Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, trata, em seu Capitulo I, dos por ela denominados crimes contra a ordem tributdria. Interessam- nos, ento, os crimes previstos em seus arts. 1.° € 2° “Art. 1.° Constitui crime contra a ordem tributéria suprimir ou re duzir tributo, ou contribuigao social e qualquer acessério, mediante as seguintes condutas: 1 - omitir informagio, ou prestar declaragdo falsa as autoridades fazendéti ‘Sérgio Salomdo Shecaira acentua que a estrutura tipica materializa o que se concebe axiologicamente no plano da protegdo dos bens juridicos, ou, em outras palavras, “o tipo é uma mera expressao sintética, crstalizadora, de ‘uma ope politico-criminat” (op. cit, p. 136). 1a, podem ser consultadas a seguintes obras: ‘© novo Cédigo Penal espanhol: RANCANO MARTIN, M. A., El delito de defraudacién tributaria; MUNOZ CONDE, E., Derecho penal: part especi Derecho penal tribuario; VILLEGAS, H. argentino: e\ derecho penal tributario, la evasién fiscal y otros delitos tributarios, los del infracciones de la ley 11.683, la clausura de establecimientos; na It SANTAMARIA, B., La frode fiscale; BERSANI, G., LANZI, A., I nuo impresa; FIANDACA, G., MUSCO,E. (Coord), Dirittopenale trbutario; em Portugal: DIAS, J. F., ANDRADE, M. C. O crime de fraude fiscal no ‘novo direito penal tributério portugues: consideragses sobre a factualidade tipica e 0 concursa de infracghes. 204 ATUTELA PENAL II fraudar a fiscalizagao ibutaria, inserindo elementos inex: vo & operagao tributév IV ~ elaborar, distribuir, fornecer, emi que saiba ou deva saber falso ou inexato; \V—negar ou deixar de fornecer, quando obrigatério, nota fiscal o documento equival aa venda de mercadoria ou prestagio de servigo, efetivamente realizada, ou fomecé-la em desacordo com a le- gislagao: Pena — reclusdo, de 2(dois) a 5(cinco) anos, e multa. Pariigrafo tnico. A falta de atendimento da exigéncia da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poders ser convertido em horas em razdo da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto 20 entendimento da exigéncia, caracteriza a infragdo prevista no inc. V. Art 2° Const 1 - fazer declaragdo falsa ou omitir declaragao sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmen- te, de pagamento de tributo; Ga) IIL - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte benefi- cidrio, qualquer percentagem sobre a parcela dedutivel ou deduzida de imposto ou de contribuigdo como incentivo fiscal; i crime da mesma natureza: Pena ~ detengao, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e mult Quanto ao bem juridico: “© Aristides Junqueira Alvarenga, in MARTINS, L. a ordem tributdria, p. 48, S.(Coord,, Crimes contra ATUTELA PENAL EAS OBRIGAGOES TRIBUTARIAS NACF 205 exério ou patriménio pablico, receita tributaria,® Administragio Pabl ca pretensio do Estado ao recebimento integral de cada um dos tribu- 05," direito que o Estado tem de instituir e cobrar impostos e contribui- gdes.* Nao faltaram, ainda, aqueles que identficaram diferentes “bens jurfdicos” no interior das hipsteses tipicas previstas.” Deve-se advertir, em principio, que nao se deve confundir bem Juridico tutelado e ratio da norma incriminadora, procedimento préprio da concep¢ao metodolégica do bem juridico, que Ihe subtrai as possibi- lidades de operar com fungdo limitadora do ius puniendi e critica do Direito posto. Nesse sentido, jé advertia Ayala Gomez que a importincia de uma ccorreta delimitagdo do bem jurfdico é fundamental na hora de submeter ‘© preceito incriminador as limitagSes que tal conceito representa no tra- ‘© Wagner Balera, in MARTINS, I.G. S. (Coord .p- 156; José Eduar- Alcantara Del-Campo ‘coordenada por Miguel ‘© Gilberto de Ulhda Canto e Luiz Felipe Gongalves de Carvalho, in MARTINS, I. G. S. (Coor p66. |, 201. Quanto 149, 163, 206 ATUTELA PENAL icando 0 bem juridico com a ratio da incriminacio, com o objeto de to pela Lei, dado que este entendimento ances é para que desempenhe a fungio de g mado a cumprir: servir de Lo Mont festando-se a respeito dos que procu- ram 0 bem juridico nas concretas normas incriminadoras, adverte que esse proceder opera uma desvalorizagdo do bem juridico, a ponto de identificé-lo com a ratio da tutel 20 de uma con- cepcdo meramente metodol6gi Essa concepgio, além de favorecer a proliferagao d ada hipertrofia da crimi vez que o bem juridico seja reduzido interpretago das normas, ‘20 poder punitivo estatal Por outro lado, acrescenta que, do ponto de vista politico-cri inibilidade de comportamentos que se consubstanciam em simples transgressdes ao ditado normativo, sem qualquer ofensa ao bem juridico 0 se chega com a utilizagio do conceito de ratio como objeto de inidOnea para fundar aquela fungao de limite ao poder estatal omo vimos, da lei fundament: J que, “uma todo de construgao ou vvé esvaziado da peculiar funcdo de limite que deriva, le-se incorrer no risco rspecie legal, desprendendo-a do prinefpio de determi- nagdo-taxatividade e daquele de necesséria ofensividade do delito. Com a ulterior conseqiiéncia de qu p.223, 1. ibidem, p. 241 p.243, Ider |ACTUTELA PENALE AS OBRIGACOES TRIBUTARIAS NACF 207 Alguns estudiosos, por sua vez, partindo do préprio texto le coneluiram, em consoniincia com nosso entendimento, sera arrecada- Gio tributiria o bem juridico tutelado naqueles delitos.™ ‘Nossa abordagem, porém, parte da perspectiva constitucional para jonal. Assim, partindo-se da pro- Quanto ao art. 1%, deve-se ponder |. do fato gerador, ! as condutas descritas nos diversos incisos do dispos | sua existencia, a partir de sua genese, nfo pode seralterada por ato do sujeito passivo, contribuinte ou responsavel. Tal circunstancia nfo escapou 2 anilise meticulosa de Malheiros Iho: mas penais concretos, 92-3). Jéna vigencia da Lei 4.729, de mnegacdo fiscal”, entendiam ser os ‘0 bem juridico tutelado Manoel Pedro 1.p-211)e Ana Maria Rangel Pestana (A 203). 1965, que definia o crime: zados & arrecadagio tribute gagto fiscal - Temas controvertidos, p. 325); Miguel Reale J ATUTELA PENAL. quis significar ‘obrigagao tributéria’”.”5 (© mesmo se poders dizer, ainda, quanto a0 emprego do term analisar 0 langamento. Usando o conceito legal de um procedimento, veremos que nao raro 0 contri- le, seja nos casos de homologacio, seja Parece fora de diivida — endo s6 por exclusio ~ que ao utilizar a caput do art. 1°, a Lei 8.137/90 quis se referir a0 {do pelo langamento. Entendemos, portanto, que o termo “tributo" s6 pode ter sido em- pregado em forma eliptica no sentido de “quantia exigida a titulo de tributo”. Essa quantia, sim, pode ser suprimida ou reduzida pel (os presumidos, p.220- se deve lero capi MALHEIROS FILHO, A., op. cit, p. 221 ATUTELA PENAL EAS OBRIGAGOES TRIBUTARIAS NACF 209 © emprego da expressio qualquer acessério no caput do art. 1.°, relativamente as obrigagdes tributarias, deve ser devidamente delimita- do. Como vimos, as obrigagdes tributérias principais que tém por objeto co pagamento de penalidade pecunidtia, nao integrando o niiclco do bem jurfdico da arrecadagao tributéria, nfo podem ser erigidas a pressuposto de figura tipica destinada & tutela do bem juridico, Por essa razao, nao se pode compreender, dentro daquela expressao, que a tutela penal se es- tenda ao descumprimento desta espécie de obrigacZo tributéria princi- de recomposi¢ao do valor da moeda, itulo de corrego monetaria do valor do tributo devido, e dos juros.”* Relativamente ao bem juridico tutelado, percebe-se que 0 ti hipOtese de lesio e, segundo o entendimento vel, sob 0 Angulo do merecimento de pena, a ‘cominagao de pena restrtiva da liberdade as condutas delituosas ali des- critas. No que concerne ao pardgrafo tinico do art, 1.°, porém, algumas, observagies devem ser feitas. Afora a péssima redagdo do disposi legal, pode: sum bem juridico-penal claramente defini mnal, e como tal deve ser declarada pelos tribunais jonais ou pelos tribunais ordindrios aos quais compita aferir da aude” relativa 3 obrigag%o tributéria principal ia deverd resolver-se no seio mesmo das nor- O entendimento proposto tem reflexos diretos na andlise da reparagio do

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