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ICMS © Autor, na apresentagao deste livro, faz duas observagée: muito importantes: primeiramente diz que “praticamente todos 6s assuntos desenvolvidos neste trabalho so muito pglémicos, Para cathy ain deles encontram-se juristas de expressio defendendo posicdes diametralmente opostas”, alertando, assim, “o leitor para 0s perigos © eventuais desencantos da busca da ‘resposta-certa’ Infelizmente, a *resposta certa’ —ainda mais em matéria de ICMS— sempre dependera das premissas eleitas”, Assim. colocando as suas premissas, afirma: “E nosso propé: to levarines. cabo umn estudo juridice do ICMS, procurando poi: Jo nos principics © normas constitucionais que pautam a tributa- do, em nosso Pais, Afinal, todas as normas infracenstitucionais, Inclusive © especialmente as tributarias, deve ser interpretadas ho sentido sais congruente possivel com a Constituigao”, Roque Antonio Carrazza Com Ixtse nessas duas colocagdes 0 Autor desenvolve neste livro um estudo rigorosamente juridico sobre v ICMS, enfrentando todos os pontos polémicos que se colocam na sua legislacao espe- cial, sempre subordinando a aplicacao das normas infraconstitucio- nais as premissas e principios constitucionais relativos a esse tribu- to. Produziu, assim, uma das obras mais importantes sobre a maté- ria, essencial ¢ indispensavel para solugao das questdes controver- tidas ¢ para a fiel aplica¢do das normas relativas a0 ICMS. Roque Antomo Carrazza 11* edigao, revistae ampliada, até a EC 52/2006, de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificagdes ==MALHEIROS ©. FEEDITORES 3606" Roque Antonio Carrazza ICMS II edicdo revista e ampliada, até a Emenda Constitucional 52/2006, ede acordo com a Lei Complementar 8711996, ‘com suas ulteriores modificagées =MALHEIROS SSEEDITORES Capitulo It OICMS NA CONSTITUICAO 1. Consideragées gerais © ICMS vem genericament Ic jcamente previsto no art. 155, I, da CR, que estatui: “Compete aos Estados ¢ 20 Distrito Federal instituir impostas sobre: operagies relativas & circulagao de mercadorias e sobre presta- ges de servigos de transporte interestadval e internnunicipal e de co- smuniago, ainda qu as erases eas presages se niciem no exte- se oPetccbemeos, assim, com failidade, que o TMS ¢ um iniposto dde competéncia estadual e distrtal. Os Estados e o Distrito Federal mediante lei ordinaria, podem insttu-lo (ou sobre ele dispor). cing seme Bom lemibrarmos que «Unio também est ereden- ciada a eriar 0 imposto, por fren do que exabelecem os arts 147% IL? ambos da CF. De fato é esta pessoa politica que poders fazer hascer, in abstracto (no plano legislativo), o ICMS, seja nos Territérios (se voltarem a ser ctiados, jé que, no momento, inexistem), seja em todo 0 territério nacional, “na iminéncia ou no caso de guerra exter- na, Sto das hipétesesexcepcionlissimas, ¢ certo, masque no in imam a assertive de que a Unio também desfruta de competé legislativa para criar 0 ICMS. onpsises soe, Sta FEMS" aber polo menos cinco imposes diferentes, aber’ a) 0 imposto sobre operacdes mercantis (operagies relativas & 1.CF, an 167:"Competom @ Unido, em Tertrio Fe he tm & Unido, em Tertrio Federal, os imposts esta = tai 9 Tei ne fr dio em Mui, cumlivament pesos munca a Distilo Federal abe et inpeste mini gifs). sands F214" Unit poet ini) tom mina d gra externa, impostos extaotdinios, compreendicos ou nfo em sua compete tributieia, 08 quais sera supe ina jprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua 3, Dizemos pelo menor cincoin 5 soni Plo menos co inpooderenes pose dane ate considerar, ¥.g., © imposto sobre a produgao de lubrificantes di- ‘0 ICMS NA CONSTITUIGAO 2 cireulagio de mercadorias), que, de algum modo, compreende © que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) 0 imposto sobre servicos de transporte interestadual ¢ intermunicipal; ¢) o posto sobre servigos de comunicagio} d) o imposto sobre produgio, importagdo, circulagéo, distribuigo ou consumo de lubrificantes © ‘combustiveis liquidos ¢ gasosos ¢ de energia olétrica; ¢ e) 0 imposto sobre a extragio, circulagio, distribuigéo ou consumo de minerals. Di- ‘emos diferentes, porque estes tributos t&m hipéteses de incidéncia € bases de célculo diferentes. Hé, pois, pelo menos cinco niicleos dis- tintos de incidéncia do ICMS. ‘A formula adotada pela Constituigéo de 1988, de aglutinar im- postos diferentes debaixo do mesmo rétulo (ICMS), além de no ser das mais louvéveis, sob o aspecto cientifico, esté, na prética, causan- do grandes confus0es. De fato, o legislador ordinério, nem sempre afeito a melhor técnica, tem, com freqiéncia, dispensado o mesmo tra- tamento juridico aos distintos fatos econémicos que o ICMS pode al- cangars Mas, embora estes impostos nao se confundam, possuem um “nd cleo central comum”, que permite sejam estudades conjuntamente. Todos, por exemplo, deverio, obedecer ao “regime da no-cumulati- vidade”, “Antes, porém, de estudarmos este “nicleo central comum”, veja- os quais so os tragos caracteristicos de cada um dos aludidos cinco impostos. Empregaremos, neste trabalho, crtérios exclusivamente ju- ridico-formais. ferente do imposto sobre o consumo de energia elética. Neste caso seriam mais de 20 impostos diferentes (justamente por tetem hipéteses de incidéncia ow bar s¢3 de eélculo diferentes). 4.0 que distingue um tributo de outro é seu bindmio hpétese de incidéncia ‘base de eéleula, A base de eélculo,além de coluborar na determinagéo da divide tribuiia, dimensionando 0 foto imponive, afirma o cxtério material da hipétese de incidéncia do tribsto. Em suma, a base de céleulo deve apontar para a hipotese 4 incidéncia do tributo, confirmando-s. Do contétio, 0 tributo teré sido mal ins ‘utd e, por isso mesmo, serd inexig(vel. Donde podemes conclir que a base de clculo é absolutamente indispensével, para qualquer tribuo ‘5, NEo'hé como, por exemplo, dispensar 0 mesmo tramento jurtdico 3s ope- ragdesrelativas Bcirculagio de mercadorias (que envolvem abrigagdes de dar) 2s operagies de prestagSo de servigos (que envolvem obrigardes de fazer). 8 revs 2. Imposto sobre operagdes mercantis (o ICMS sobre as operacdes mercantis) 21 Preliminares Ao iniciarmos a anilise deste ICMS, queremos deixar repistrado aque ele é de todos 0s cinco, 0 economicamente mais importante. E ele que envolve maiores quantias de dinheiro e, certamente por isso, aquele que, de longe, mais controvérsias suscita.” , ‘A regra-matriz do ICMS sobre as operagSes mercants encontra-se nas seguintes partes do art, 155, Il, da CF: “Compete aos Estados @ 20 Distrito Federal insttuir impostos sobre (..) operagies relativas & circula- gio de mercadorias(...) ainda que as operagdes se iniciem no exterior”. “abo, como vemos ini sobre a realizagdo de operagées slivas seal de mereaoran. A lei que veicular sua hipdtese incidéncia 56 sera valide se descrever um o relativa & cir- calagio de mereadorias, reverum cpesio sive 6, E ese ICMS que “descende” Ineo Sprite ore ve Me reo TEMS ( ‘de contribuigdes sociais, € assim avante. ° ose ne pnb sue ee carmen pet set ufl versus em less do Debts "A Unie fea com © a cove 08 Beniee 0 para o Distrito Federal 0 o Hecoiplde gaat as 1W, Ine ® SETA? vencidos de que o si ic it c ‘istenimeats se Sea a a hte Ape ao ere a Se Coe ee eameceelh 8 a ee ne OICMS NA CONSTITUIGAO 30 E bom esclarecermos, desde logo, que tal cireulaglo s6 pode ser Jjuridiea (e néo merarent fisca). A cielo jurfdiea pressupio 2 ‘wrosferéncia (Zo uma pess0a pera oulra) da posse ou da propritdade Ga rmereadoria, Sem mudance da titularidade da mercedoria, nio hé falar em trbutagio por meio do ICMS. Esta idéia, abonada pela melhor dlouttina (Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Ca- ‘tho, Cléber Giardino etc), encontrou tessonéncia no préprio STE Salfentamos que a Constituigo néo prevé a tributagio de merca- dorias por meio de TCMS, mas, sim, a tibutagéo das “operagoes rela~ tivas b cireulagao de mercadorias”, isto é, das operagoes que tém met tadorias por objeto. Os termos “circulagio” “mereadorias” qualifi ‘cam as operagoes tributadas por via de ICMS. Nio slo todas as ope, ragbes jurdicas que podem ser tributadas, mas apenas as relativas 8 Circulagao de mercadorias. O ICMS s6 pode incidir sobre operactes Gue cosduzem mercadoris, mediante sucessivos conratos mercantis, dos produtores originérios aos consumidores finals, ‘Como melhor procuraremos demonstrat, para que um ate confir gure uma operagdo mercantilé mister que: a) Saja regido pelo Disco Comercial; b) tenha sido praticado num contexte de atividades em presarias ) tna par finalidade, pelo menos em linha de principio, Olucto; ed) tenha por objeto uma mercadoria. 22 Sujeitos passives E quem pode promover & realizagio de tais operagGes? Entende- ros que 86 6 produtor, 0 industrial on 0 comerciante, O particular (Gona-de-casa,operirio, aposentado ee.) que vende um objeto seu N80 realiza uma operagio relativa & citculago de mercadorias; apenas ven, Je um bem mével qualquer. © mesmo podemos dizer do profissional Hiberal (médien, dentista, advogado), do professor, do funcionério pi- blico, enfim, de todos os que nio revestirem uma destastrés condi- ‘gées: comerciante, industrial ou produtor. Embora a Carta atual (a0 contrério da anterior, em relagio 20 TCM, que também incidia sobre operagies relativas & cievlagio de 8. REY 64538. 9, Entendemos que este ICMS é, mudatis mutandis, igual 20 antigo \CMy aque, previso no at 23, I, da Carta d 1967/1969, toms inca sobre “operse (Goes relatives &circulagdo de mercadorias”. este modo, foram recepcionad inormes compatveis que regulovem & 0 ems mercadorias) no tenha indicado expressamente 0 agente capaz: de fazer nascer a obrigagio de pagar este ICMS, este, pox excluséo, & facilmente identficdvel e continua a ser, repetimos, o comerciante, © industrial e 0 produtor Ai ia, porém, carece de melhor explicitagéo. ‘Ao veiculd-la, nfo queremos absolutamente significar que ape- nas as pessoas dotadas de personalidade juridica de comerciante, in- dustrial ou produtor, conforme as regras de Direito Privado, podem ser validamente compelidas a ocupat a posigio de sujeitos passivos Uo ICMS. Também pode ser alcangedo por este imposto quem Ihes faz as vezes, como, ug., 0 comerciante de fato, 0 comerciante irregu- lar, um agregado familiar que, ainda que de modo clandestino, pro- mova, em cariter de habitualidade, atos de comércio ou, mesmo, um ‘menot absolutamente incapaz que, repetidamente, pratique opevagbes relativas & circulagio de mercadorias ¢ assim avante. Esta idéia, aids, vem a0 encontro do disposto no art. 126 do CTN: “A cupacidude pas- siva independe: I ~ da capacidade civil das pessoas naturais; II - de achar-se a pessoa natural sujeita 2 medidas que importem privagio ou limitagio do exereicio de atividades civis, comerciais ou profissionsis, ‘ou da administragao direta de seus bens ou negocios; III ~ de estar a pessoa juridicu regularmente constituida, bastando que configure uma unidade econdmica ou profissional” (grifames). Em suma, para fins de tributagdo por meio de ICMS, as nogbes de “comerciante”, “industrial” ou “produtor” adquirem uma dimenséo ‘maior que as dadas pelo Direito Civil ou pelo Direito Comercial. Pensamos, portanto, no ser excessivamente arrojada a idéia de que pode ser contribuinte do ICMS qualquer pessoa (fisica, juridica tou, até, sem personificacio de Direito) envolvida, em cardter de habi- twalidade, com a prética de operagdes mercantis. E 0 que, aliés, ex- pressamente estipulam 0 art, 4° da Lei Complementar 87/1996 (Let Kandi) ¢ 0 art. 72 da Lei paulista 6.374/1989. Carlos da Rocha Guimaraes € de idéntico pensar: “Assim, a habitualidade € 0 critério que nos guia no diferenciar 0 ntuito objetivo do subjetivo, ¢ que transforma a simples circulagio juridica de bens em citculagao juridica de mercadorias. sidade, em tigor, da edigio do conv@nio referido no § 8 do art 34 do ADCT, para {egular provisoriamente # tibutacio, por via de TCMS, das operagées msrcentis, Mas tal convénio, infeliemente, aeabou editado (¢ 0 Convénio 66/1988 ~ sem efi- cia, em virtude da edigho da Lei Complementar 87/1996) (© ICMS NA CONSTITUIGAO a “ue conseqiéncia © nessa ordem de idéias, achamos que outs ess0as, que nfo exergam propriamente a mercancia, possam vit 2 $F Abunda se sagiien eolienarem bens com habituaidade, obtendo Tuoros nessa atividade.”"” “Mesmo assim, a'matéria ha de ser entendida com uma certa cau tela, $6 poderd ser contribuinte do [CMS quem esté coligado com & regré-matiz deste tributo é dizer, pode paticar (¢ efetivament Pra cca) operagdes mercantis. B por isso que nfo ‘chegamos 20 pans te boner inteiramente 0 paragrafo ‘nico do art. 21 do Convénio 1CM- {66/1988."" Ali eram considerados contribuintes do ICMS pessoas a0 fifo realizam operagbes mercants e, por isso mesmo, no podem set ‘compelidas a pagar 2 exagio. £0 caso, segundo pensamos: a) do are ratente ou adouirente de mercadcrias importadas; b) das cooperatives Tnquanto prticam atos cooperados (no enquanto efetuam vendas » fereeizos).c) dos bancos comerciis; d) da seguradora que aliend SS ‘atos; 2) das sociedades civis de fins econbmicos, que, até por IMPS iments legal nfo praticam operagoes mercantis;/) do fornecedor Slimentagao, bebidas e outras mercadorias em qualquer estabelec> mento (que, & nosso sentir, presta servigo tributével apenas por meio de ISS); ete. panna scans teat PT ee ana te wee es Crates nai it opus ea cep sere igetecinaroro Somes be tip en rmeeadois; Xo Pe svnvam fornecimenta de mereaoras esalvadas em oe in Wesco ean Seater fa fart neon Sarena 2 lems Soliente-se que o art. 4 da Lei Complemeutar 87/1996, acertada- mente, estipula ser contribuinte de ICMS a pessoa que “realize, com hubitaidade ou em volume que caacterize ituto Comerial, opera- ‘gGes de circulagio de mercadorias (..) ainda que as operagoes (..) Se iniciem no exterior”. Confirma-se, destarte, ser requisito da incidén- cia de tibuto a pritica, revelada pela hubitualidade e pelo volume, de ‘operagbes mercantis, ’ 23 Ambito de incidéncia Por outro lado, 0 imposto em tela incide sobre operag ido, i peragdes com metering (e no sobre a sinpescteulaio de metesdois). $6 a sagem de meredorin do ma pesto gars our por fogs dep ‘ica am negcio jt, & qe are espago a wibuagdo por meio Nest sentido, encampamos vlha lig de Geraldo Ataiba "A sua perfita comprecnsio ¢ exegese dos textos normativos a Em sintese, este ICMS deve ter por hipdtese de incidéncia a ope- ragio jurfdica que, praticada por comerciante, {industrial ou produtor, fcarteta circulacio de mercadoria, isto é, transmissao de sua titular dade. S6 hé falar em ICMS se comprovadamente houver uma opera- (gio mercantil - ou seja, um negécio juridico que implique circulagso de mercadoria. Seja-nos permitido ressaltar que néo se enquadram no rol das ope- raghes mercantis -tributéveis, pois, por meio de ICMS ~ as atividades desprovidas de substincia juridica negocial (as ransferéncias, as remes- sas para industrializagio, as perdas de estoque etc.), as prestagées de servigos de qualquer natureza a que alude 0 art. 156, Il, da CF © as prestagoes de servigos piblicos (4. 0s servigos de entrega da posts). Do exposto, é fécil coneluirmos que 0 nascimento do dever de recolher ICMS encontra-se indissociavelmente ligado & concomitin- tia dos seguintes pressupostos: a) a realizagio de operagbes (negocios juriicos) mercantis;b) a cireslagio juridica (transmisséo da posse ou da propriedade); ec) aexisténcia de mercadoria enquanto objeto Por isso mesmo, entendemos que a remessa de mereadoria de um estabelecimento para cutro, de una mesma empresa, configura sim- ples transporte e, por isso mesmo, ¢ intributével por meio de ICMS. De fato, nela nao h4 transmissio de mercadoria e, por via de conse- qiéncia, ciculagio juridica. S6 havers eirculagdo juridica, quando tima operagéo for realizada entre duas pessoas distintas. Este € 0 coro- litio de irreflexividade das relagdes juridicas, tao bem estudada por Lourival Vilanova, para quem: “A bipolaridade da relagio juridica nfo € oma imposigdo da légica. E um dado estrutural do fato do direito”.* José Nabantino Ramos era de idéntico pensar: “Para haver, pois, ‘citculagao de mercadorias’, sobre a qual recai © imposto de que tratamos, faz-se mister que a mercadoria mude de proprietério ou de possuido: (.. 33, Comentérias & Constituigdo de 1967, 24 ¢8, 2 tit, vol. Il, Sto Paulo, 4, RT, 1973, p. 507. "34, Caswaidade e Relagdo no Direito, Sto Paulo, Saraiva, 1988, p: 104. 56 tems “G). “Considerar circulagdo a transferéncia de mercadorias de um es- tabelecimento para outro do mesmo proprietdrio é tanto quanto afir- mar que o dinheiro circula quando Pedro o passa da mfo direita para a mao esquerda, Em nenhuma dessas duas hipéteses o bem sai do poder da pessoa com quem esté, embora os percursos sejam de muito dife- rentes extensdes. E inexistindo transmissdo de uma a outra pessoa, j6 no ha circulagio.”™5 ‘Também Geraldo de Camargo Vidigal aderiu a esta corzente, 20 aveibar. “Neo hd, pois, cireulayio oa simples operagio de transporte ou de deslocagdo de mercadorias. O conceito de circulagao esté inti ‘mamente ligado a0 de troca””* Reiteramos que a remessa de mercadoria da matriz pata a filial (ou entre duas filiais da mesma empresa) néo pode ser confundida com sua transferéncia para terceiros. S6 ocorre o fato impontvel do ICMS quando a mercadoria passa de um patriménio a outro, por forca de tuma operagao jucfdica (compra e venda, doacdo, permuta etc.). Do nntrario, deocrerd unia movimentagao de mercadoria juridicamente levante, pelo menos para fins de tributagio por meio de ICMS. Diante do exposto, entendemos inconstitucional o art. 6% § 2%, do Decreto-lei 406/1968, que consagrou o principio da “autonomia do es- tabelecimento”, equiparando a filial a um terceiro. E que, 20 assim estatuit, desnaturou a regra-matriz constitucional do ICMS, ferindo 0 direito que a Carta Magna dé aos contribuintes de s6 pagar este im- posto quando realmente se configura uraa operagdo mercantil, Remes- sas de mercadorias dentro da mesma empresa nao séo operagbes mez- ants. E nem se digr que, neste ponto, ocorreu uma equiparagdo legal. Como adverte, a propésito, Celso Anténio Bandeira de Mello, “se 0 legislador ou © aplicador da regra pudessem delineat, a seu talante, 0 campo de restrigées a que estiv submetidos, através da redefinigéo das palavras constitucionais, assumiriam, destarte a fungio de ccnsti- wintes”.” Somos os primeiros a concordar que 0 Direito cria suas proprias realidades, muita vez com 0 emprego de ficgbes, presungoes e equi- 35. “Conceito de citeulagio", RDP 2/38 (os grifos so do autor). 36, “Sistemstica constitucional do ICM", RDP 11/103. 37. “Imposto sobre a renda ~ Dep6sitos bancaios ~ queza”, RDTributério 73.24/92. is exterlores de i- © ICMS NA CONSTITUIGAO 3 paragées. Hé, porém, um limite inafastével para isso: o emprego de fiegGes, presungoes ¢ equiparacées néo ha de violar direitos constitu. cionais, como este de as pessoas s6 poderem ser tributadas, por via de ICMS, quando promoverem operacées relativas & circulagao de mer- cadorias. Melhor explicitando, se admitirmos que o legislador (complemen tar ou ordindrio) é livre para equiparar a filial a outro estabelecimento ‘comercial, restaria anulada a rigidez de nosso sistema constitucional tributério, E, no caso do ICMS, estaria aberta a porta para que ele al- ccangasse qualquer fato que o legislador considerasse revelador de ca- pacidade econdmice, da parte de quem o pi Inteira razio tinha, pois, o Min. Luiz Gallotti, quando, em voto proferido no RE 71.758, ponderou: “Se a lei pudesse chamar de com- pra o que nio é compra, de importagéo 0 que néo ¢ importaglo, de exportagio 0 que nio é exportacio, de renda o que néo é renda, ri todo o sistema tributério inscrito na Constituigao”.** Logo, fato que nic configure operagao mercantil, isto 6 que nao implique mudanga da propriedade de mereadoria, nio pode ensejar a tributagio por meio de ICMS. Qualquer tei — complementar ou ordi- ntia — que disponha de inodo diverso deve ser afastada, por inconsti- tucional. Assim pensava Geraldo Ataliba ao atacar a “inconstitucionali- dade da lei estadual ~ e de ‘convénios’ — que, a parti da ficgio da ‘autonomia dos estabelecimentos (valida para outros fins, mas no para contomar a Constituigao), pretende tributar a passagem de ma- téria-prima- do setor rural para o industrial da mesma pessoa. Nao pode a lei (a Constituigdo no o permite) alterar ou desprezar as defi- nigSes do direito privado, para satisfagao de pretensdes fiscalistas. Enfim, o legislador néo pode manipular a propria competéncia, da mesma forma que 0 mandatério no pode dilargar 0 proprio manda- mento. Onde houver operagio jurfdica, a lei nao pode prever inci- déncia de ICMS".? Por isto tudo, é inconstitucional o art. 12, , da Lei Complementar 87/1996, que estabelece ser faio impontvel do ICMS a circunstancia de a mercadoria sair do estabelecimento de contribuinte, “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”. Inconstitucional, igual- 38. RIY 66/166. 39. SICMS - Competéncia impositiva na Constituiglo de 1988", RDA 195/ 32 (0S gifos estfo no original). se lems mente, 0 art. 11, § 38, II, do mesmo ato normativo quando considera “auténomo”, para fins de tributagao por meio de ICMS, “cada esiabe- Iecimento do mesmo titular”, ‘Tais dispositivos da Lei Complementar 87/1996, pot assim dizer, “alargaram” a hipdtese de incidéncia do ICMS, de modo a “permitir” que ele alcance simples movimentagoes de metcadorias. Inconstitucio- nalidade manifesta, a demandar rigorosas providéncias juridicas para ue cesse. Nunca podemos perder de vista que as transferéncias de merca- dorias, entre matriz ¢ filial, sio meros deslocamentos fisicos entre uni- dades da mesma empresa. Neste particular, nfo pode ser abandonada a idéia da unidade da pessoa jurfdica e de seus estabelecimentos, sob a dptica do Diseito Privado (arts. 109 € 110 do CTN). 2.6 Excegdo a regra geral Hi, porém, uma excecdo a esta regra: quando a mercadoria é transferida para estabelecimento do proprio remetente, mas situado no territ6rio de outra pessoa politica (Estado ou Distrito Federal), nada impede, juridicamente, que a filial venha a ser considerada “estabele~ cimento autGnomo”, para fins de tributago por via de ICMS. Assim 6 para que néo se prejudique o Estado (ou o Distrito Federal) de onde sai a mercadoria, Em outras palavras, cabe ICMS quando a transferéncia de met cadorias dé-se entre estabelecimentos da mesma empresa, mas loca- lizados em territérios de pessoas politicas diferentes, desde que se destinem a venda ¢, portanto, ndo sejam bens de ativo imobilizado. A razio disso é simples: a remessa traz reflexos tributérios &s pessoas politicas envolvidas no processo de transferéncia (a do estabelecimen- to de origem e a do destino). Cra, aplicando-se a regra geral (de que inexiste circulagio na tcansferéneia de mercadorias de um estabelecimento para outro, de um mesmo proprietério) a pessoa politica de origem nada pode arrecadar, a titulo de ICMS: $6 @ localizada no estabelecimento de destino, Logo ~ ¢ também porque 0 prinetpio federativo ¢ o principio da ‘autonomia distrital inadmitem que Estados e Distrito Federal se lo~ cupletem uns &s custas dos outros ~ concordamos que tais estabele- cimentos sejam considerados auténomos, pelo menos para fins de tributagao por meio de ICMS. (© ICMS NA CONSTITUIGAO 9 ‘Noutras palavres, em homenagem a estes dois prinefpios, é de re- cconhecer-se, por ficcio, a existéncia de operagies tributaveis, celebra- das entre estabelecimentos da mesma empresa, nos casos de transfe~ réncia de produtos da matriz para a filial, a fim de se preservar as fon tos de receitas tributérias ¢ financeiras dos Estados. 2.7 Tributagio das importagdes de mercadorias e bens ‘Aqui chegados, 6 0 momento de reiterarmos que 0 [CMS 6 exigi- ‘vel “ainda que as operagies se iniciem no exterior” (art 155, Il, in fine, da CF), Neste caso, como rezava originariamente o art. 155, § 2% IX, “a”, da CF, incidird “sobre a entrada de mercadoria importada do ex terior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ative fixo do estabelecimento (..), cabendo 0 imposto ao Estado onde esti- ver situado 0 estabelecimento destinatério da mercadoria". ‘Note-se que 0 ICMS, de regra, & devido no Estado em que & ope- ragio mercantil se dé (isto 6, no Estedo onde esté localizado o estabe- lecimento industrial, comercial ou produtor, de onde a mercadoria sai, por forga de uma operagio mercantil realizada). Pouco importa se 0 destinatério da mercadoria est situado no mesmo ou em outro Esta- do. 0 ICMS seré devido, sempre, a0 Estado onde a operagio mercan- til se iniciou. Isto é feito para evitar-se que uma mesma operagio mercantil in- terestadual vera tributada duas vezes (uma no Estado de origem ¢ otra no de destino). Assim, as mercadorias oriundas de outra unidade federativa tém, em tese, condigGes de concorrer, em igualdade de con- digdes, com as mercadorias locais, cumprindo-se 0 disposto no art. 152 da CRS No caso, porém, da operacio mercantil haver ocorrido no exterior (0x, na atécnica diego constitucional, haver se iniciado no exterior), inverte-se a diretriz; 0 ICMS 6 devido ao Estado (ou 20 Distrito Fede ral) onde esti localizado o destinatério final da mercadori 0 fato imponivel do ICMS agora ocorte, por injungio constitucio- nal (¢ nio, simplesmente, porque a lei ordindtia assim dispés), com @ 40, A mesma ordem de raciocinio vale para o Distito Federal: ele & que t- buta a operagio metcantl ocorrida em seu tesitéro, ainda que a mercadoria vé ter um Estado-membro da Federagio Brasileira qu, mesmo, a un outro Pats. 41. CF, art, 152: “E vedado aos Estados, ao Distrito Federal ¢ aos Municfpios estabelecer diferenga tributiria entre bens © servigos, de qualquer natureza, em raat de sus procedéncia ou destino”.

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