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Universidade Federal Fluminense

Graduação de Relações Internacionais, 2008/01

Paulo Henrique Schau Guerra

Ode ao Intelectual

“Não houve nenhuma grande revolução na história moderna sem intelectuais”.

Intelectual é uma pessoa que usa o seu intelecto para estudar, refletir ou especular acerca
das idéias. Para além da definição formal, o intelectual é popularmente definido como um ser
superior que das alturas enxerga a movimentação do mundo aos seus pés. Sendo assim, a
grande massa tende a compartilhar da idéia de Julien Benda, para quem intelectuais formam
um grupo minúsculo de reis-filósofos superdotados e com grande sentido moral.

Segundo Gramsci, porém, “todos os homens são intelectuais, embora se possa dizer: mas
nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais”. Logo, a
definição popular supracitada se esvai por essa perspectiva, passando a ser redelineada por
Edward Said em termos de verdade. Para ele, qualquer pessoa pode ser denominada um
intelectual de facto caso tome para si o dever de “representar a verdade de forma ativa e da
melhor maneira possível”.

Definições da constituição subjetiva do intelectual à parte, qual é, enfim, o papel do


intelectual na sociedade?

O intelectual é o representante de um estrato social responsável pela vanguarda teórica e


possivelmente prática do movimento em que está inserido, apresentando, no entanto, um
senso crítico superior capaz de avaliar racionalmente até mesmo a ordem estabelecida pelo
próprio grupo que lidera, fundamentando sua análise em seus preceitos morais e em
concepções universais de verdade.

Para ilustrar essa afirmação, eu considero válida a referência à obra “Meu Casaco de
General” do sociólogo Luiz Eduardo Soares. Neste livro Soares discorre a respeito da
reforma das instituições policiais, focando suas aspirações no estado do Rio de Janeiro.
Enquanto subsecretário de segurança do governo carioca, ele estabeleceu de fato mudanças
inovadoras na polícia do estado, identificadas com a nova nomenclatura: Delegacia Legal.
Seu caráter verdadeiramente intelectual torna-se evidente quando Luiz Eduardo instala uma
ouvidoria independente na Polícia Militar. Como intelectual, ele possuía a capacidade de
analisar as políticas públicas semelhantemente a um outsider, mesmo estando imerso na
criação destas, e utilizou-se das reclamações e sugestões captadas na ouvidoria para
auxiliá-lo nesta missão.

Outro exemplo não menos ilustrativo vem a ser o de um conceituado professor da UFRJ,
José Luís Fiori, que ao ser perguntado em uma conferência se a tristeza das suas
conclusões a respeito do Brasil não lhe impulsionava a largar a sua profissão respondeu de
antemão que a sua busca vital é pela verdade, e se na verdade ele encontra tristeza ou
alegria é um detalhe. Concluiu dizendo que esse seu espírito inquisidor se deve em grande
parte ao longo tempo em que esteve no exílio, permitindo-lhe enxergar o mundo com o teor
de détachament necessário a qualquer intelectual. Nas palavras do Edward Said, Fiori
personifica literalmente o intelectual enquanto um exilado.

Uma pessoa que se propõe a tornar-se intelectual e que se filia cegamente ao poder
dominante ou a uma linha ideológica qualquer perde sua flexibilidade de argumentação e de
questionamento, porque “no fundo do nosso inconsciente há o pensamento de que se deve
agradar, e não desagradar”. Esse enrijecimento surte efeitos maléficos na produção
intelectual e pode ser identificado como “o triunfo do maniqueísmo impensado sobre a
análise racional e a autocrítica”.

O verdadeiro intelectual, segundo Said, é e precisa ser um ator independente no teatro de


operações, para que dessa forma ele seja capaz de perturbar o status quo, pendendo o
estado de coisas para a justiça e a eqüidade e em última instância para a verdade. Um
intelectual secular, em suas palavras, desfruta de extrema liberdade sem, no entanto,
apresentar-se como um solitário. Pois, apesar de tratar-se de uma voz reflexiva, logo,
solitária, essa voz da intelectualidade tem ressonância porque se associa livremente à
realidade de um movimento, às aspirações de um povo, à busca comum de um ideal
partilhado.

O intelectual ideal é, enfim, uma pessoa imbuída de valores universais e atemporais que seja
capaz de utilizar as suas propriedades intelectuais criticamente frente ao status quo e
angariar o apoio dos que são desfavorecidos por este. Sua importância para a sociedade
pode ser sintetizada em uma única frase: “Não houve nenhuma grande revolução na história
moderna sem intelectuais”.

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