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NS
chegado o dia.
Sem perda de tempo, fui ler a Gazeta.
Que leram os meus olhos? (a expresso
exata: naquele momento os meus olhos
eram assim como uma caneta, como uma
rgua, objetos que se agarram, que se
sentem na mo; os meus olhos eram me
estranhos, eram instrumentos).
A proclamao era escrita em letras to
grandes que ocupavam toda a primeira
pgina:
OS INIMIGOS DA FELICIDADE
NO DORMEM. AGARRAI A
FELICIDADE COM AMBAS AS
MOS. AMANH SER
SUSPENSA TODA A ATIVIDADE.
TODOS VO SER SUJEITOS
OPERAO. OS FALTOSOS SO
CANDIDATOS MQUINA DO
BENFEITOR.
Amanh! Ser possvel, ir haver
amanh?
Com gesto rotineiro levanto a mo (um
instrumento) at prateleira da estante
para colocar a Gazeta junto das outras,
dentro duma pasta com ornatos
dourados. E, ao fazer este gesto,
ocorreu-me: Para que serve isto? Que
diferena faz? Se nunca mais vou entrar
neste quarto
E deixei cair o jornal no cho. Mas pus-
me de p e olhei em redor do quarto, de
todo o quarto, centmetro a centmetro;
pressa, febrilmente reuni numa capa
invisvel todas as coisas que lamentava
deixar ali. Mesa.
Livros. Cadeiras. E-tinha estado sentada
na cadeira, uma vez, enquanto eu me
sentava no cho, aos ps dela A cama.
E durante um ou dois minutos esperei
no sei que milagre: talvez tocasse o
telefone, talvez ela me dissesse que
No. Nenhum milagre.
Vou-me embora, direito ao
desconhecido. So estas as ltimas
linhas que escrevo. Adeus, leitores meus
desconhecidos, a quem amei, com quem
vivi durante tantas pginas, a quem eu,
que entretanto contra a doena da alma,
revelei tudo o que h dentro de mim,
tudo, at o parafuso mais torto, at a
mola mais escangalhada.
Vou-me embora.
Trigsima Quarta
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UMA NOITE DE SOL
UMA VALQURIA NA
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