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SEMINÁRIO TEOLÓGICO CONGREGACIONAL COSTA DO SOL

Raízes do Congregacionalismo no Brasil


(Lorena Serpa de S. Ribeiro)

INTRODUÇÃO

A história de nossas vidas pessoais e das instituições atravessa períodos, fases,


épocas e momentos. Trata-se de um inevitável processo que a condição humana nos
impõe. E, tal como Davi, que serviu a Deus conforme os Seus desígnios na sua
geração, da mesma forma nós, hoje, nos encontramos com o mesmo desafio de servi-
Lo de acordo com as condições de nosso tempo e de acordo com a Sua vontade. Esse
tempo é dinâmico porque está sujeito às mudanças e transformações e estas vêm sem
que as façamos ou acontecem porque nós assim agimos para mudar.
Neste sentido, entendo que chegamos a um momento crítico e singular de nossa
caminhada cristã, evangélica e Congregacional no Brasil que exige de nós uma tomada
de consciência, de postura e de atitude. Não somos senhores da história e do tempo,
sabemos Quem os governa em todas as circunstâncias e situações.
No entanto, somos Seus agentes, cooperadores, chamados a fazer e agir de
acordo com a revelação de Sua vontade e de acordo com as nossas consciências,
percepções e intuições, além de responsabilidades éticas, assim como referido no texto
de Romanos 12:1 “E não vos conformeis com este mundo, mas transforma-vos pela
renovação do vosso entendimento...”. Tomar posição implica em assumir
responsabilidades que podem trazer custos, mas também, carregam em si mesmos
avanços qualitativos para mudança.

1 – Passeando pela história do Congregacionalismo

O Congregacionalismo que se implanta no Brasil está ligado à herança puritana


que surge na Europa, no século dezessete. O modelo trazido pelo Dr. Robert R. Kalley
é, sem dúvida, fortemente inspirado no ideal de igrejas congregacionais surgidas na
Europa. Entretanto, para melhor compreensão de nossas raízes históricas, falando um
pouco sobre História Eclesiástica para relembrar como se deu a Reforma e o
puritanismo na Europa e, mais especificamente, na Inglaterra.

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Diferente de outros países da Europa, na Inglaterra, a Reforma surge como
iniciativa do próprio Rei Henrique VIII. As causas que levou a Inglaterra a romper com
Roma são múltiplas, está ligada a questões de ordem intelectual, política, religiosa e
pessoal que se tornou a causa direta da ruptura, pois o desejo do Rei de contrair um
novo casamento não era aprovado pela igreja.
O fato é que a igreja da Inglaterra separa-se de Roma administrativamente,
mas, em sua teologia e eclesiologia, mantém o mesmo paradigma romano. Passa por
várias fases e essas fases são determinadas pelas tendências teológicas que seus
monarcas defendem. Por isso que, na Inglaterra, ora o pêndulo teológico estava para o
romanismo ora para o protestantismo.
Neste clima de indefinição teológica e de forte presença na igreja anglicana,
tanto em sua liturgia como também em sua eclesiologia de elementos romanistas, é
que surge o puritanismo. O grande lema apresentado e defendido pelos puritanos era o
de libertar a igreja da Inglaterra dos elementos papistas, ou seja, da teologia Romana.
Uma das grandes bandeiras defendidas e discutidas entre teólogos puritanos foi à
questão da eclesiologia. Portanto, desses embates teológicos surgirão dois grupos que
se opõem ao modelo episcopal defendido e aplicado nas igrejas anglicanas: são eles
os independentes, também conhecidos como congregacionais, e os separatistas.
O que se buscava entender era qual deve ser a relação da Igreja com o Estado.
Até que ponto o Estado deve intervir na vida e nos caminhos da Igreja. Os
independentes queriam a separação entre a Igreja e o Estado e a adoção do sistema
Congregacional para a igreja. Essencialmente foi isto que se aconteceu ao longo da
história do Congregacionalismo: a isenção da intervenção estatal e a aplicação da
democracia no governo da igreja, buscando quebrar o abismo entre o clero e o leigo,
aplicando a doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes, relacionando-a não
apenas ao serviço ministerial e à liberdade de acesso à presença de Deus, mas
também a questões de ordem administrativa.
Entendendo um pouco de como se deu a história, podemos falar de dois
grandes servos do Senhor: os Kalley’s, que chegaram ao Rio de Janeiro em 1855,
onde Robert fundou, juntamente com cidadãos portugueses e brasileiros, a Igreja
Evangélica Fluminense, que desempenhou um importante papel na divulgação da
doutrina evangelista no país.

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Numa tarde de Domingo, a 19 de agosto de 1855, Kalley e sua esposa
instalaram em sua residência a primeira classe de Escola Dominical, contando com
cinco crianças, filhos de cidadãos americanos. Foi contada a história do profeta Jonas.
A obra missionária em solo brasileiro era muito grande e as pessoas estavam
abertas para receber o evangelho das boas novas, da salvação. Acreditando nessa
obra, Kalley escreveu para Jacksonville pedindo auxílio, vindo Wiliam Pitt, um inglês
educado por D. Sarah na Inglaterra, Francisco de Souza Jardim e família, Manuel
Fernandes e esposa e Francisco da Gama e família.
Kalley batizou o português José Pereira de Souza Louro em 8 de novembro de
1857. No dia 11 de julho de 1858 organizou a Igreja Evangélica Fluminense, uma igreja
evangélica brasileira, sem nenhum vínculo com denominações até então existentes.
Foi organizada com 14 membros, sendo batizado naquele dia o primeiro brasileiro
Pedro Nolasco de Andrade.
Apesar de ter sido batizado na Igreja da Escócia (presbiteriana), Kalley não
possuía vínculos com nenhuma denominação. Em certa ocasião Kalley escreveu: "eu
não sou presbiteriano e nem estou em contato com qualquer tipo de igreja - sou irmão
de qualquer cristão independente de sua denominação". Neste ponto, suas crenças
eram bem parecidas com a dos Irmãos de Plymouth (Casa de Oração), que, no Brasil,
teve origem na mesma Igreja Evangélica Fluminense. Em outros pontos, como
atestado pelo Dr. Kalley no folheto "Darbismo", ele discordava dos Irmãos de Plymouth,
por exemplo quanto a dispensar, doutrina a qual se opunha radicalmente.
Ao estabelecer igrejas no Brasil, Kalley se afastou da tradição presbiteriana,
rígida em matéria de organização eclesiástica, e introduziu, quanto à forma de governo,
uma estrutura congregacionalista, onde cada igreja local é independente e autônoma.
Além disso, Kalley deixou também a prática do batismo infantil, que é realizado tanto
por presbiterianos quanto por congregacionais. Acerca do batismo infantil, Kalley
escreveu: As condições essenciais para o batismo eram duas: a) entender claramente
a mensagem; b) de coração aberto, aceitá-la. Fé em exercício e alegria inteligente
eram os pré-requisitos deste rito cristão - totalmente nulos nos recém-nascidos". Essa
rejeição ao batismo infantil distanciava as igrejas que fundara de serem classificadas
tanto de presbiterianas como de congregacionais. Por isso, algumas pessoas
identificaram as igrejas que Kalley fundou como batistas. Quando o missionário William
Bowers foi enviado ao Recife para pastorear a Igreja Evangélica Pernambucana, por
um equívoco foi divulgado que ele estava sendo ordenado para o pastorado de uma

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igreja batista. Acerca disso Kalley se pronunciou e escreveu enfaticamente
demonstrando sua desaprovação:
"Desde o início o nome da igreja tem sido, 'Igreja
Evangélica', e ela é filha da Igreja Evangélica do Rio, e
nenhuma das duas têm sido igrejas batistas… Eu não
sou batista; não tenho nada a ver com diferenças
denominacionais… Eu sabia que ele [Bowers] foi
batizado como crente e que se opõe ao batismo de
crianças. Eu sabia que ele não considera a imersão
como essencial ao batismo cristão em água, e me dispus
a conduzi-lo ao pastorado da igreja sem nenhuma
inovação, e fiquei feliz por poder ajudá-lo a ir e trabalhar
como ministro cristão (como eu sempre tenho sido), sem
restrições denominacionais"

Era dessa forma que Kalley definia a si mesmo: um ministro cristão, sem
restrições denominacionais. Ainda acerca da Igreja Evangélica Pernambucana, Kalley
escreveu em outra ocasião:
"A Igreja Evangélica Pernambucana não pertence a
nenhuma denominação estrangeira; não é presbiteriana
porque esta considera válido o batismo romano e pratica
o batismo de crianças; aproxima-se mais da
denominação batista, mas prefere ter a liberdade de
admitir à comunhão qualquer crente fiel e obediente ao
Senhor… É, pois, uma igreja evangélica brasileira".

As igrejas fundadas por Kalley não tinham qualquer vínculo pelo qual pudesse
se estabelecer uma continuidade histórica em relação a qualquer tradição
denominacional, até então existente. Eram igrejas com uma identidade própria.
Kalley voltou para a Escócia em 10 de julho de 1876. Foi sucedido por João
Manoel Gonçalves dos Santos no pastorado da Igreja Evangélica Fluminense e
elaborou uma súmula doutrinária composta por 28 artigos conhecida como "Breve
Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo", documento cujo propósito era
o de ser o que seu próprio nome expressa: breve e fundamental. O próprio Kalley
afirmou:
"A Breve Exposição não contém todo o ensino
apostólico, mas somente as doutrinas fundamentais do
Cristianismo, sobre as quais todos os crentes devem ter
um conhecimento claro e inteligente, para, na frase do
apóstolo Pedro (I Pe 3:15), estardes aparelhados para
responder a todo o que vos pedir razão daquela
esperança que há em vós"

Os Kalley ficariam no Brasil por 21 anos, atuando como missionários e cuidando


de enfermos. Foi apenas em 1913 que as igrejas kalleyanas se reuniram para a

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formação de um ente associativo chamado União das Igrejas Evangélicas
Indenominacionais. Mais tarde, seria inserida a designação Congregacional como
indicação da forma de governo pelo qual essas comunidades eclesiásticas eram
regidas, mas, sem que houvesse uma identidade histórica com os Congregacionais
britânicos e norte-americanos. Assim surgiu a atual União das Igrejas Evangélicas
Congregacionais do Brasil.

II – Algumas das datas de importante relevância

a) Em 1982 foi fundado “O CRISTÃO”;


b) 1855 à 1876: Instalação da primeira convenção das Igrejas Evangélicas, tendo
13 Igrejas representadas: Fluminense, Pernambucana, Niterói, Passa Três,
Caçador, Encantado, Vitória de Santo Antão. Jaboatão, Monte Alegre,
Paranaguá, Paulistana e Santista;
c) Instalação do Seminário Evangélico Congregacional em 03 de março de 1914,
com 11 alunos;
d) 1913 a 1942: “O CRISTÃO” tornou-se p órgão informativo oficial da
Denominação;
e) A União divide o campo Congregacional em três uniões federais: Norte, Sul e
Portugal;
f) 1942 a União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil e a Igreja
Cristã Evangélica do Brasil, fundiram-se num conjunto que recebeu o nome de
União das Igrejas Evangélicas Congregacionais e Cristãs do Brasil. Esta fusão
se deu na Convenção de Santos;
g) 1944 criação do Instituto Bíblico da Pedra, que mais tarde passou a ser internato
do Seminário;
h) 1945 surge “O EXEMPLO”, primeiro órgão oficial da Mocidade Congregacional;
i) 1950 Publicação das primeiras revistas para Escola Dominical;
j) 1953 criação da revista VIDA CRISTÔ órgão da União Feminina;
k) 1960 ocorreu uma separação de 51 Igrejas, que não concordavam com as
diversidades entre a Igreja Congregacional e a Cristã do Brasil, organizando-se
assim, como União das Igrejas Evangélicas do Brasil;
l) 1968 desfaz-se a União Congregacionais e Cristãs, sendo criada a Igreja
Evangélica Congregacional do Brasil;

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m) 1969 os dois ramos congregacionais se reagrupam, formando a atual UIECB.
Em Portugal, algumas Igrejas passaram para o grupo Presbiteriano e outras
para o Metodista. Somente 3 permaneceram fiéis ao Congregacionalismo;
n) 1969 início da aprovação da Constituição e Instituição da atual UIECB.

A partir da criação da Instituição UIECB, temos os seguintes acontecimentos:


a) Remodelagem dos quadros administrativos, criando-se novas Regiões
Administrativas;
b) Adota-se o uso de um Plano Diretor para normatizar o programa denominacional
em cada gestão da Junta Geral;
c) Adquire-se uma sede própria para a Denominação;
d) Grande impulso é dado à obra missionária, com autonomia concedida a vários
campos e abertura de outros;
e) Reativa-se o Seminário de Recife, hoje Seminário do Nordeste, com aquisição
de sede própria;
f) Reorganiza-se o Seminário do Rio, com uma seção de internato da Pedra de
Guaratiba e algumas de estabelecimento de instrução;
g) A Igreja muda sua sede de São Cristóvão para o Centro do Rio de Janeiro, na
Rua Visconde de Inhaúma, nº 134, onde no ano de 2001 comprou todo o 19º
andar.

No ano de 2005, a Igreja Congregacional comemorou, com grande festa, os 150


anos de organização. Com cerca de 356 templos nas cinco regiões e milhares de
frentes missionárias, a igreja já pensa em seu futuro. Desde fevereiro de 2007, foi
organizada uma comissão para estudar um plano de crescimento para os próximos dez
anos. Esta comissão está promovendo fóruns de debates em todas as regiões para
produzir um projeto de ação. “Nós temos trabalhos congregacionais em todos os
estados do Brasil, mas queremos alcançar cada cidade, cada tribo brasileira onde não
há presença evangélica. Duas coisas parecem bastante fortes: uma é o desejo pela
unidade em Cristo, sem a qual não faremos nada. A outra é que em dez anos
queremos triplicar o que somos hoje”, afirma o secretário da comissão e secretário
geral da denominação, pastor Eleazar Duarte. O plano promoveu encontros até o mês
de maio de 2008 nos estados do Acre, Distrito Federal, Recife e Paraná. “Estamos

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chamando o nosso povo para o trabalho do Senhor. Servir mais reafirmando nossa
vocação missionária”, destacou o presidente da União das Igrejas Congregacionais do
Brasil, reverendo Paulo Leite da Costa. Por serem igrejas autônomas, não se tem um
levantamento do tamanho da membresia no Brasil. O que se sabe é que boa parte do
rebanho está concentrada nas regiões Sudeste e Nordeste.

CONCLUSÃO

O termo “congregacional” não é propriamente o nome de uma denominação e,


sim, uma forma de administração que aceita como fonte de autoridade e única regra de
fé e prática as Escrituras Sagradas (Antigo e Novo Testamento) e adota como síntese
doutrinária os 28 artigos da Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do
Cristianismo.
A Igreja Evangélica Congregacional caracteriza-se, entre outras coisas, por
todas as decisões a serem tomadas mediante o voto democrático dos seus membros
reunidos em assembléia, tal como fazia a Igreja Primitiva conforme relatado no livro de
Atos.
O congregacionalismo brasileiro tem suas raízes em Londres, em 1567, quando
o rei de então foi colocado como chefe da Igreja e as comunidades não aceitaram a
determinação por entenderem que as igrejas devem ser autônomas e não sujeitas a
qualquer outra entidade. Essas comunidades eram chamadas originalmente de
“independentes”.
E de fundamental importância, reafirmar nossa herança histórica para realmente
termos o que comemorar. Não olhar para a História apenas com um saudosismo
alienante, mas recordar para avaliar nossas práticas atuais. Perceber até que ponto
temos nos afastado ou não de um modelo de igreja genuinamente Congregacional.
Henry Jacob (1563 – 1624), que pode ser considerado o fundador do
Congregacionalismo puritano, foi preso por crer que cada congregação deveria ser livre
para escolher seu próprio pastor, determinar seu programa e administrar seus
negócios.

É lamentável, nos dias atuais, vermos igrejas que se dizem congregacionais em


suas placas e que, na verdade, têm desenvolvido um sistema de governo que se
assemelha mais ao episcopado monárquico do que a uma participação democrática e

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responsável dos membros da igreja. Muitos até acusam a igreja de incapaz e imatura
de decidir seus próprios caminhos, mas ao afirmarem isto se esquecem de que o
Espírito Santo de Deus habita na Igreja como um todo e não apenas em uma cúpula
administrativa de notáveis.
Outro aspecto que também se torna um motivo de preocupação é o de igrejas
que têm buscado favores políticos, especialmente nos períodos de eleição, a ponto de
perderem sua liberdade “profética”.
Nós, congregacionais, precisamos entender que somos uma igreja que, pela
graça de Deus, nasce buscando ao longo de sua história a liberdade em relação ao
Estado de maneira que a força política estatal representada por seus políticos não
engesse a igreja e seus profetas na sua caminhada histórica.
Lembrando-se sempre: nem por força, nem violência, mas pelo Espírito Santo de
Deus!

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