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ssio caves asconce.as Referéncias LUCENA, André Queiroz. De Pufendarfa Ranssean apantamentos. acerca da representacdo e vontade geral. Revista cientifica da FFC, v. 8, n. 3 de 2008 (Faculdade de Filosofia e Ciéncias) Marilia: UNESP. Disponivel em: Acesso em: 03 abr. 2010. ‘OKUNIS, Oscar. Tratado elemental de historia de la filosofia del estado y del Derecho. Buenos Aires: Editores.1997. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Séo Paulo : Martin Claret, 2006, SOARES, Mario Lticio Quintao. Teoria do estado: o substrato classico € 0s novos paradigmas como pré-compreensdo para o direito cons- titucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. SOUZA FILHO, Oscar d’Alva, A Ideologia do direito natural. Fortale- za: ABC, 2008 TABOSA, Agerson. Teoria Geral do Estado. Fortaleza : Imprensa Uni- versitana, 20vz, VIGO, Rodolfo Luis. Visién critica de la Historia de la Filosofia del De- echo. Argentina: Rubinzal Y Culzoni S. C. C Editores, 1984. 90 scat ¢AAE SOUZA FtHOfoRE) A Natureza Do HOMEM E O Contrato Soctat SEGUNDO LOCKE Aglats Cristina Gondim Tabosa Freire Aluna do curso de Direito da Universidade de Fortaleza — UNIFOR ‘ristabosa@hotmail,com JOHN LOCKE 29 de agosto de 1632 28 de outubro de 1704) ‘John Locke (Wringtown, 29 de agosto de 1632 — Harlow, 28 de ou~ tubro de 1704) foi um fildsofo ingles ¢ idedlogo do liberalismo, sendo considerado o principal representante do empirismo britanico € um dos principais teéricos do contrato social. Locke rejeitava a doutrina das iteias inatas e afirmava que todas as nos- sa ideias tinham origem no que era percebido pelos sentidos. Escreveu ‘6 Ensaio acerca do Entendimento Humano, onde desenvolve sua teoria sobre a origem ea natureza de nossos conhecimentos, Dedicou-se também a filosofia politica. No Primeiro tratado sobre governo civil, critica a tradigio que afirmava o dircito divino dos reis, declarando que a vida politica € uma invengio humana, completa- ‘mente independente das questées divinas. No Segundo tratado sobre il, enpée oua teoris do Eetado liberal #2 prapriedade Para John Locke a busca do conhecimento deveria ocorrer através de experiéncias e nao por dedug6es ou especulagées. Desta forma, as ex periéncias cientificas devem ser baseadas na observagao do mundo. O Empirismo filoséfico descaria também as explicagdes baseadas na fe Locke também afirmava que a mente de uma pessoa ao nascer era luma tabula rasa, ou seja, uma espécie de folha em branco. As ex- perigncias que esta pessoa passa pela vida é que vio formando seus Conhecimentos ¢ personalidade, Defendia também que todos os seres humanos nascem bons, iguais e independentes. Desta forma é a socie- dade a responsavel pela formacio do individuo. Locke criticou a teotia do direito divino os reis, formulada pelo filé- sofo Thomas Hobbes, Para Locke, a soberania néo reside no Estado, mas sim na populacio, Embora admitisse a supremacia do Estado, Locke dizia que este deve respeitar as leis natural e civil. Locke também defenden a separacio da Igreja do Estado e a liberdade religiosa, recebendo por estas ideias forte oposigio da Igreja Catolica Para Locke, 0 poder deveria ser dividido em wés: Executivo, Legis- lative e Judiciario. De acordo cot 10, 0 Poder Legislativo, por representar 0 povo, era o mais importante. 1 Introdugao A partir de uma pesquisa de cunho basicamente bibliografi- co, este estudo pretende nao sé dissertar acerca do Contratualismo sob a éptica da doutrina lockeana, mas demonstrar que, com base nas interpretagoes e valorizag6es dadas aos conceitos de “estado de natureza” ¢ de “contrato social”, as diferentes vertentes da te- oria do contrato social se estruturam a fim de justificar, de modo racional, a origem do Estado Modemno e a legitimidade do Direito Positivo. Para uma melhor compreensao, inicialmente, ser apresen- tado um panorama historico da Europa desde a queda do sistema feudal até a formagao do Estado Moderno, e, em seguida, seré ex- planada a teoria do contrato soci Posteriormente, serdo objetos de estudo a vida, a obra a doutrina do filésofo contratualista John Locke, e, finalmente sera apresentadas, resumidamente, as teorias contratualistas de Thomas Hobbes ¢ Jean-Jacques Rousseau, evidenciando as diferentes acep¢des acerca da natureza humana e da formagéo do Estado. Fst400 HODERNO. DOUTRAS CONTRATUALSTAS 93 cus custo Gowou T8054 FRERE 2 Panorama Histérico Logo apés o seu apoceu, o Feudalismo experimentou 0 seu Proceso de decadéncia. A retomada das relagdes comerciais, 0 crescimento das cidades e 0 desenvolvimento de novas técnicas e instrumentos agricolas foram fatores de transformagao determi- nantes para © cotidiano feudal e possibilitaram a ascensio da burguesia como classe social, detentora de uma ideologia revolu- ciondria que ia de encontro & dominagao hegeménica da Igreja Catélica, que condenava a usura e o lucro, e & propria institui- 00 feudal, politicamente descentralizada e baseada no sistema de Produgao servil e na economia agricola de subsisténcia. © processo de desestruturagdio do sistema feudal fora agra- vado pelo enfraquecimento do poder da Igreja, em virtude do fra- asso das Cruzadas, da multiplicagtio dos movimentos heréticos! € do impacto da Reforma Protestante,? pelo desenvolvimento das Grandes Navegagoes e pela conquista do Novo Mundo, 0 que pro- vocou a aproximacao da Europa com outros continentes e a con- versao da economia rural, de subsisténcia e feudal em urbana, monetdria e mercantilista. Para suportar 0 novo e luxuoso padrdo de vida da nobre- 2a, foi necessdria a intensificagdo da exploragao da mao-de-obra servil, que ndo se manteve submissa, respondendo com a migra- "Frain dos como heréticos todos os movimentas que iam de encontro aos dog- mas catélicos. * Movimento contestador surgido no seio da Igreja e iniciado por Martin Lutero: ‘monge agostiniano que, em suas 95 teses, posicionou-se contra os abusos da lgre- Ja, como a simonia, venda de objetos supostamente sagrados, e as indulgéncias. ‘comercializagao da salvagao eterna 94 cAR ALVA SOUZA FLO (ORG) ANATUREZ D0 WOMEN 0 cONTRATO SOIL SEGUNDO LOCKE cao de um grande contingente de trabalhadores do campo para os burgos (centros artesanais e comerciais), com as jacqueries? e com oslevantes urhanos. Diante da conjugagdc doe referidos fatus, win a caréncia de higiene e de saneamento basico nos centros urbanos, @ Peste Negra se difundiu, exterminando um tergo da populacao européia. A necessidade de formagao de um exército nacional, capaz de oferecer resisténcia aos ataques estrangeiros e de servir como ins- trumento de repressao aos levantes populares, somada ao interesse burgués de unificagdo territorial, politica e econémica, permitiu a transferéncia de poder dos senhores fendais @ da Igreja para o mo~ narca. Nesse contexto, surge a ideia de Estado Nacional, isto é de um organismo politico-administrativo que se apresentasse como ‘uma pessoa juridica de direito ptiblico soberana, que ocupasse de- terminado territ6rio, que se regulasse por um governo préprio e que vinculasse seus cidadaos em nome de um “interesse nacional. A formagio do Estado Nacional e da sociedade civil, marca- da pelo dinamismo de suas relagoes, pelo antropocentrismo cul- tural e por uma ideologia racional, cientificista ¢ individualista, foram objetos de estudo de muitos antropélogos, juristas, politicos € filsofos, destacando-se duas correntes: a teoria do direito divino dos reis e a teoria do contrato social. Com a finalidade de justificar absolutismo mondrquico, © monopélio da forga pelo Estado e os abusos de poder impostos *Denominagao pejorativa de revoltas camponesas, em virtude da popularidade do nome “Jacques” | RRAICK, Patricia Ramos; Mota, Myriam Becho. Histérla das cuvernias ao ter- ceiro milénio. 2. ed. Sdo Paulo: Moderna, 2002, p. 123, FSTADO MODERN. DOUTRNAS COMRATUALSTAS 95 cus casting Gon TBs FREE sobre a massa popular, surgiu a teoria do direito divino dos reis, a qual lecionava que © poder real absoluto é concedido ao monar- ca por Deus. Consequentemente, a autoridade do rei, considerado © ministro de Deus na terra, era tida como sagrada e incontestavel, uma vez que questionar a soberania do rei seria o mesmo que con- testar os designios do Criador. Dentre os fil6sofos que aderiram a referida corrente, estdo Jean Bodin e Jacques Bossuet* 3 Contratualismo Nicola Abbagnano, em sua obra Diccionario de filosofia, defi- ne o Contratualismo como a doutrina que reconhece como origem ou fundamento do Estado uma convengao ou estipulagao firmada entre os membros de uma comunidade. Aristételes atribuiu ao so- fista Licofrén a doutrina de que a Jel é uma mera convengdio e uma garantia de reciprocidade de direitos. Essa perspectiva também fora preconizada por Epicuro, ao pregar que o Estado e a lei sao resulta- dos de um contrato cuja tinica finalidade ¢ facilitar as relacoes en- tre os homens, O contrato social retorna, na Modernidade, associa- do @ ideia de Jusnaturalismo, a fim de contestar a teoria de direito divino dos reis. Com conceitos adaptados ao contexto politico e eco- ndmico da Idade Moderna, 0 contrato social ndo configura apenas um contrato de governo que regula as relagdes entre governantes € governados, mas um acordo tacito que serve como fundamento Para as relacdes sociais, politicas e econdmicas da sociedade civil.* FVIGENTING, Cidudio, Historia geral. 8. ed. Sao Paulo: Scipione, 1997, p. 207. “ ABBAGNANO, Nicola, Dieclonario de filosoffa Tradugdo, para espanhol, de Alfe- ‘GON, Gallet. Santafé de Bogota: Fondo de Cultura conémilea LTDA, 1997, p- 237 96 scar LA ESOUEAFLNO (ORG) A TEA D0 HOMEM 0 CONTRATO SOCAL SEGUNDO LOCKE Esse 6 0 micleo da ideia de Contrato social, que gradualmen-, te tornou-se a teoria hegemdnica de justificagdo do poder po- Iitico, alterando a base mitoidgica do poder: o poder politico ‘ainda operava por delegacdo. mas essa passou a ser popular (delegagao do povo) e nao teolégica (delegagao divina).” Dentre os contratualistas, destacam-se Locke, Rousseau, Ho- bbes, Spinoza, Pufendorf, Thomasius, Kant € Grécio. A teoria do Contrato social nao se manifesta de forma homogénea, sendo va- riadas as interpretagdes acerca da natureza do homem, da fungao do Estado e da possibilidade de resistencia dos cidadaos perante 0 Estado. 4 Locke: Vida e Obra John Locke, filésofo e teérico politico criador do liberalisme po- litico e sistematizador do empirismo, nasceu em 29 de agosto de 1632, ‘em Wrington, Inglaterra, Proveniente da pequena burguesia mercan- til, 0 filésofo despertou ainda jovem, para as questoes politicas da In- glaterra, em virtude da atuagdio militar de seu pai, John Sénior, como capitdin do Fxéreito durante a Revolucdo Inglesa de 1648. Apesar das tensoes politicas e sociais da época, ingressou em Westminster School, em 1646, escola inglesa tradicional ¢ elitista, e, em 1652, fot admiti- do, como bolsista, na Universidade de Oxford, com a qual manteve fortes vinculos intelectuais e morais e onde viveu até 1684. T COSTA, Alexandre Araijo, © Contratualismo como fundamentacéo modema, [ARCOS” Disponivel em: “hp: /fwwwr.arcos.orgbr/artigos/curso-de-losoa-do- {ireta/-o-problema-modemo-egitimidade-como.fundamentacao/3-o-contrat- alismo.como-fundementacao-modema/#topo>. Acesso em: 18 mar. 2010. FROBBIO, Norberto, Locke eo direita natiral Brasilia: Editora de Brasilia, 1997, p.81-82. {ESTADO MODERRO DOUTHINASCONTRATUAISTAS 97 ata CsTNA COND THBOSA CIE Locke recebeu o titulo de Master of Arts em 1658, perfodo em que recebera @ influéncia das obras de John Owen (1616-1683), © qual pregava a tolerdncia religiosa. de René Nescartes (1596. 1650), fil6sofo que libertou a filosofia da escoldstica, e de Francis Bacon (1561- 1626), do qual aproveitou 0 método de corregdo da mente € de investigactio experimental, o empirismo cientifico. Lo- cke atuou nos campos de Medicina, Filosofia, Politica, Teologia Anatomia? A vida politica de Locke 0 fez viajar bastante. Em 1674, pe- riodo de maior intensidade de sua produgdo intelectual, mudou-se Para a Franga, vivendo em Montpellier até 1679, ano de seu retor- no a Inglaterra. Em 1683, devido aos conflitos politicos entre Lord Ashley, amigo intimo e protetor de Locke, e 0 rei catélico de Ingla- terra, Jaime Il, foi obrigado a pedir asilo & Holanda, onde concluiu @ obra Ensaio sobre o Entendimento Humano e permaneceu até 1869, ‘ano em que regressou ao seu pais, junto a corte que acompanhava «@ futura rainha, Maria de Orange. O novo regime reconheceu os servigos de Locke e lhe ofere- ceu cargos importantes, mas Locke recusou a oferta, optando por assumir a modesta funcdo de Comissdrio da Board of Trade and Plantations, que desempenhou até 1790, momento em que ado- eceu, Embora desempenhasse um cargo que 0 obrigava a estar ‘em Londres, mudou-se para o campo, em Oates, onde faleceu, em 1704.10 *DUCLOS, Miguel Labato, john Locke liberalismo politico. Conscineia. Dispont- vel em: . Acesso em: 18 mar. 2010. \AMARAL, Manuel. Biografia: john Locke. Portal da histéria. Disponivel em: <. Acesso em: 18 mar, 2010, 98 (OSCAR TAL SOUZA FAO (ORE) ‘Tue 00 OMEN Eo couTaTO sOaAL SecuNo LOCKE John Locke foi um homem admirado pela engenhosidade, perspicdcia, neutralidade de julgamentos, simplicidade e humil. dade. mas, principalmente, por s0F fial de ouaa convieySes politica ¢ filosoficas. Dente as principais obras de John Locke, destacam-se: Epistola da tolerdncia, Ensaios sobre o entendimento humano, Pensamentos sobre a edtucagao e Tratados sobre o govero civil 5 Lockismo Seaundo Nicola Abbagnano, a terma lockisme faz referéneiu a doutrina de John Locke, de cardter iluminista, empirista, contra- tualista e jusnaturalista. Tais conceitos serdio apresentados e expla- nados para a melhor compreensdo deste estudo," © movimento Huminista surgiu, na Inglaterra, no final do ‘Século XVII, ¢ alcansou 0 apogeu na Franga, no Século XVIIL. Os iluministas se consideravam militantes da razao (luz) em combate contra as tradigdes feudais remanescentes (trevas) Embora adaptado pela burauesia para atender ne sous in teresses, 0 iluminismo ndo pode ser entendido como um tipico movimento burgués, mas como uma sintese dos ideais humani: tas, racionalistas e progressista compartilhados por burgueses, fi- 16sofos, intelectuais até por monarcas (intitulados de déspotas esclarecidos).2 "ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de filosofia. Tratucdo, para o espanhol, de Alfredo N. Galletti. Primeira reimpressdo colombiana, Santafé de Bogetd: tonae de Cultura Econémica LTDA, 1997, p. 750. 4} HOBSBAWN, Eric. A Era das revolugdes: Curupu 1789-1848, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 38. #stA00 NODERN:DOUTEINAS CORRATUALSTAS 29 Actas cwstnaGoNDAMTABOSA FREE © Tluminismo, como base nos principios de universalidade, individualidade e autonomia, constitui um dos pilares da cultura ‘ocidental contemporénea. Dentre os filésofos iluministas, destacam-se John Locke, Vol- taire, Bardo de Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau ¢ Immanuel Kant. © Empirismo consiste na diregao filosofica que apela para @ experiéncia como critério para aferir a veracidade dos fatos, de modo que a experiéncia resultante da interagdo do homem com @ natureza consistiria, portanto, na prépria forga motriz do pen- samento humano, na fonte de onde provem todas as ideias ¢ as convicgdes do homem. Assim como o filésofo grego Epicuro, Locke negou 0 absolutismo da verdade, compreendendo-a como a corres- pondéncia entre a concepgdo do objeto e a perceppdo sensorial in- dividual, pregando a relatividade da verdade, teoria que remonta do pensamento sofista, séculos antes de Cristo, na Grécia.* Ao afirmar que o homem é uma tabula rasa, Locke defende a tese de que o saber ndo ¢ inerente a origem, assim, o ser humano nasceria como uma folha em branco, que seria preenchida con- forme as experiencias que 0 inaividuo estabelecesse, tanto na sua subjetividade, como nas suas relagdes com as demais pessoas e com 0 mundo exterior, ao longo de sua existéncia.* Surgido na Grécia Antiga, 0 conceito de Jusnaturalismo, também denominado de teoria do Direito Natural, pretendia justi- BRAICK Patria Ramon Mota, Myriam Becho. Histéria das cavernas ao ter. ceiro milénio. 2. ed, Sao Paulo: Moderna, 2002, p. 250. “ BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filo: sofia do direito. 4. ed. Sdo Paulo: Atlas, 2006, p. 232. }SOUI74 FIT HO, Oncord’Alva e. A Ideclogia do direite natural, 2. od. Fortaleza: ABC, 2008 100 sca gnu Souza Fo (ors) ANATURET D0 HONEM 0 CNTEAOSDOAL SEGUNDO LOCKE ficar a origem do Direito Positivo como mera extensdo das leis da natureza. Na Modernidade, o ideal de Jusnaturalismo retornou as discussdes filosoficas, qanhando conotagées mais racionais, com @ afirmagio de Hugo Grécio de que o Direito Natural ndo estaria condicionado & existéncia de um ser superior, e de que o principio final de todas as coisas nao emanaria de manifestagdes divinas ou naturais, mas da propria razdo humana." Na concepgao lockeana, o Direito Natural consistia na liber- dade de o homem dispor, como desejar, de seu proprio poder, a fim de se preservar, e as leis da natureza seriam preceitos gerais, ema- nados da razdio, que profbem 0 homem de fazer tudo aquilo que ponha em risco a sua existéncia, isto é, sdio normas que determi- nam, obrigam ou proibem ao homem a prética de determinadas condutas ¢ que se impe do mesmo modo a todos os homens.” Segundo a teoria do contrato social, 0 termo “estado de na- tureza” se refere & condigao do homem antes da concepcéio da sociedade civil,"* periodo em que as relagdes humanas eram re- gidas pelo Direito Natural. A esséncia do homem e 0 modo como éle se relacionava com os demais e com a natureza em seu estagio primitivo manifestam-se de maneiras diferentes de acordo com as. diferentes vertentes do pensamento contratualista, e serviram de pardmetro para justificar a origem da sociedade civil, do Estado € do Diteito Positivo. Faz-se necessdrio ressaltar que os primeiros WBITTAR; ALMEIDA, Ibid, p. 228 MORIS, Clarence. Os Grandes filésofos do direito. Sao Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 106. 'S ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de filosofia. Tradugtio, para o espanhol, de Alfredo N. Gallet, Primelsa reimpressdio colombiana, Santats de Ragnta: Fonda {de Cultura Econémica LTDA, 1997, p. 840. ‘SA NODERND: DOUTRNAS CONTEATRLISTS 101 ‘sus STA Gono ABSA FREE estudos acerca do estado de natureza humana ndo tiveram origem na Europa Moderna, mas na Grécia Antiga, tendo como precur- sores fil6sofos como Platao e Séneca. Além disso, 0 estado de na- tureza nao pode ser confundido com 0 estado de guerra, embora tais institutos se identifiquem na concepgao hobbesiana, que seré explanada posteriormente. A doutrina lockeana entende que, enquanto o primeiro é um estado de paz, benevoléncia e cooperagéio, 0 segundo se caracteri- za pela violencia, pela maldade e pela mtitua destruicéo.”” Segun- do © filésofo, no estado de natureza, os homens vivenciavam uma condigdo de liberdade plena, isto é, o ser humano era livre para agtr como ine conviesse. No entanto, o homem era conduzido pela razdo que Ihe é inerente e ndo de forma animalesca, nao havendo entre os individuos vinculos de subordinagdo ou sujeigao, em uma espécie de anarquia, em que cada individuo tem o poder de juris- digdo sobre o outro. Embora, em tese, ndo houvesse restrigdes a liberdade hu- mana, uma vez que o homem poderia dispor de sua pessoa e de ‘suas posses, era-the defeso destruir a propria vida ou a de outro cer humane, sulvu se eslivesse alante de um estado de necessidade grave e iminente; pois cada um tem o dever de nao abandonar o ambiente onde vive, de preservar a propria vida e de velar pelo bem-estar de toda a humanidade.” Conforme a teoria lockeana, o homem nao é, essencialmen- te, bom ou mal, mas apenas um ser racional que se determina [LOCKE Tohn. Segundo tratado sobre © governo civil. Traducdo de Magda Lopes, Marisa Lobo da Costa, 3. ed Rio de Janeiro: Vozes, 1994, p. 92 SMORIS, Clarence. Os Grandes flésofes do direito, Sfin Paulo: Martins Fonte 2002, p. 133-134, 102 cAR ALVA SOUZA MO (086) ANATUREZA Do HOME 0 coNTRAT SOCAL SéSUNDO Loc de modo a auferir para si o maximo bem-estar. Todos os homens seriam, pois, iguais e racionais, diferenciando-se apenas pela di- versidade de temperamontos. a Enquanto o ser humano se satisfazia apenas com os seus direitos, a bumanidade desfrutava de um estado de paz e benevo. Jéncia; porém, diante da auséncia de medidas punitivas, muitos Individuos passaram a ameagar ¢ a violar os direitos dos demais, como a vida, a satide, a liberdade eo patriménio, O estado de natureza ndo era castico, porém se fazia incon- veniente devido a auséncia de normas positivadas e coercitivas, de um jufzo imparcial ¢ apta a jnlgar e salucionar 02 conflitus, «de um Estado, capaz de restaurar a ordem transgredida e de garantir eficdcia as determinagées judiciais.** ‘Como todos os individuos eram livres e iguais no estado de natureza, ninguém terio 0 poder de impor, arbitrariamente, a dis- solucao do estado primitive e a obediéncia a um poder politico. Consequentemente, o surgimento do Estado e da sociedade civil. entendida como um ente coletivo e personalizado que se manifes- ta de forma consciente e independente da vantade individual de seus membros- s6 poderia ter derivado de um pacto celebrado, de forma racional, entre todos os cidadéos. Assim, seria renunciada @ plenitude do gozo dos direitos naturais, a fim de preservar os direitos fundamentais a existéncia e a convivéncia humana, como 4 vida, a satide e a propriedade, sendo esta considerada por Locke ‘como o fim da prépria atividade estatal. B BOBEIO, Norberto, Lake © v diretto natural. trasilia: Editora de Brasilia, 1997, p. 177-178, tio HoneRNo- DOUTRIASCoNTRATUNSTAS 103 us cRsTta Gono TABS FRERE E preciso ressaltar que ndo haveria apenas a configuracaio de um, mas de dots pactos sociais. Enquanto o primeiro determi- nava a transmisséo do poder de cada individuo para o Estado, 0 segundo teria como objeto a concesstio de poder e estipularia os limites e as condigdes de exercicio do mesmo, sob pena de destitui- ‘so do governante que as transgredisse. Diferentemente das ligoes de contratualistas como Hobbes, se- gundo Locke, 0 Contrato social teria sido realizado nao para negar ou suprimir a liberdade natural, mas para reafirmé-la e resguardé- la como direito essencial a existéncia humana, e a formagao socie- dade civil nao acarretaria a dissolugdo da sociedade natural, em vez disso, teria surgido para aperfeicod-la e asseguré-la. A sociedade civil e 0 Estado surgem, portanto, como meros artificios criados pela razéo humana para assegurar 0 9020 dos di- reitos essenciais & convivéncia social, sendo-Ihes vedada qualquer conduta que vise a corrompé-los, desvirtud-los ou suprimi-los.” Segundo a teoria lockeana, o abuso de poder do governante em prejuizo da sociedade que o investiu no cargo nao encontra respaldo na lei. Assim, ao governante é vedado o poder de destrutr, escravizar ou empobrecer propositalmente qualquer cidadao, uma vez que 0 fundamento do seu poder é a prépria garantia dos direi- tos naturais, sendo a finalidade do Estado preservar a paz social e a propriedade de seus siiditos. Assim como € legitimo ao povo a destituigao do governante, como garantia a protegao dos direitos fundamentais, também o €, como medida extrema diante das arbitrariedades dos governantes, BIFTAR, Edaarde Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filo. sofia do direito. 4. ed. Sao Paulo: Atlas, 2006, p. 234. 104 ‘OcAR ALVA ESOUZALHO (ORG) ANATUREZA D0 HOMEM EO CONTEATO SOCAL SEGUNDO LOCKE 1 dissolugdo do Governo, da sociedade civil e o retorno ao estado de natureza. Depreende-se, pots, que, a partir da doutrina contratualista de Locke surge a ideia de um Estado Liberal, o qual visa a inter- vengao minima do poder politico na esfera individual, a fim de evitar abusos de poder e arbitrariedades dos governantes, sendo uma garantia do cidadao em face ao préprio Governo, em oposi- do a0 Estado Absolutista, de caréter inviolavel, por meio do qual © governante concentrava em si todo o poder politico. 6 ‘Teorias Contratualistas em Confronto » — Hosses Thomas Hobbes, filésofo britdnico, foi quem melhor definiu ‘a ideologia absolutista fundada no Contratualismo, tendo sua doutrina marcado 0 infcio da Modemidade na filosofia politica, ‘ao substituir justificativa teol6gica de legitimagao do governante por uma teoria materialista, racional ¢ laica. Em sua obra mais conhecida, Leviatd, 0 fil6sofo parte do pres- suposto de que o homem ¢ essencialmente egofsta. A partir da ex- pressdio “homem ¢ 0 lobo do homem”, a teoria hobbesiana se estru- tura na tese de que, no estado de natureza, todos os individuos eram materialmente iguais e incondicionalmente livres. Assim, de forma egoista e irracional, o agir humano se dirige finalisticamente @ au- topreservagio e ao gozo dos prazeres materiais, o que teria levado a sociedade a um estado de guerra permanente de todos contra todos, em que se fazia vigente 0 “Direito do Mais Forte” — regime pelo qual os direitos naturais, como a vida, a liberdade, a satide e a pro- #00 MODEENO-DOUTRNASCONTRATUAUSTAS 105 sou caste Gono TAB0SA FREE priedade, estariam desprovidos de quaisquer garantias e, portanto, 6 seria reconhecida a lei da forga, pela qual era legitimo ao mais forte se sobrepor sobre os demais, para fazer valer seus interesses. Hobbes preconiza que, para conferir seguranca e certeza as suas relagbes e garantir a preservagiio da humanidade, 0s homens teriam decidido, conjuntamente, retirar-se do estado de natureza, Pelo qual desfrutavam da plenitude dos direitos naturais, e firmar © Contrato social, entendido como um acordo que atribuiria o po- der a uma pessoa ou a uma assembleia, de modo a criar um Esta- do capaz de conferir a eficdcia dos direitos fundamentais, por meio da elaboragao leis ¢ da criacdio de mecanismos que garantiriam 0 cumprinenty dus nurmas independentemente da vontade indivi- dual dos membros que compoe a sociedade civil. Consistia, assim, na superagao do estado da natureza, a fim de garantir protegaio 208 direitos positivados ¢ de proporcionar aos cidaddes condigoes minimas para a convivéncia social. A preservagao da vida huma- na seria, portanto, o fim da atividade do Estado, e o fundamento do pacto pelo qual os homens delegariam ao monarca seus direi- tos e liberdades, submetendo-se, incondicionalmente, as leis civis ‘que emanariam do soberunu. » — Rousseau A doutrina de Jean-Jacques Rousseau, filésofo francés eleito como pai da Revolucdo Francesa, baseia-se em um ideal de Estado pautado nos valores de liberdade e igualdade como direitos natu rais ¢ fundamentais a manifestagao da vida humana, e, conse- quentemente, a finalidade da atuagao do poder pelo Estado seria garantia de protesdo e de efetivasaio desses direitos. 106 sca @ AL SOUZA FLO (ORG) ANATUREZA 0 HOUEM EO COHTRAO SOCAL SEEuNO LOCKE Conforme preconiza Rousseau, no estado de natureza, os ho- mens se relacionavam de forma mansa e pacifica, em um ambiente idilico e bucélico, sobrevivendo do aproveitamento dos recursos na turais, em analogia a condigdo das comunidades indigenas, antes da colonizagao europeia. Esse estado primitivo de paz e felicidade teria cessado a partir do momento em que, pela primeira vez, 0 ho- mem demarcou a sua posse e instituiu a propriedade privada, fato que seria responsével pela corrupgdo da bondade humana e pela conversdo do estado de natureza em um estado de guerra. Tal fato teria levado os homens & formagaio da sociedade civil e a estipulacao de um pacto social que transferiria ao govemnante o poder, para que este, por melo da elaboragao de normas positivadas e coercitivas, convertesse, em direitos civis assegurados pelo Estado, os direitos na. turais essenciais & existéncia e a coexisténcia, como a vida, a liber- dade ¢ a busca da felicidade. Embora os cidadaos tivessem perdido a plenitude de gozo dos direitos primitivos e aceitado se submeterem @s leis e @ autoridade do governante que os representaria, permane- ceriam como titulares do poder soberano, e, por essa raztio, 0 Estado estarla sempre condicionado ao Contrato social que o instituiu.2 a mesma forma que 0 filésofo rejeitava 0 Absolutismo mo- ndrquico, também o fazia com relagiio ao Liberalismo politico, ao afirmar que era funcao do Estado interferir nas relagées privadas, de maneira a nivelar as interagbes socioeconémicas, defendendo os inte- resses da coletividade em detrimento dos interesses privados, adotan- do, em sua concepsiio como modelo politico, o Estado Social. = GHAUL, Marilena. Estado de natureza, contrato social, estado civil na fitosofia {de Hobbes, Locke e Rousseau. S40 Paulo: Atica, 2002. Disponivel em: , Acesso em: 18 mat 2010. Fstao nonewo.DOUTRIAS ONTRATURLSTS 107 Actas casa COMM TABOSA ERE 7 Consideragées Finais: A teoria dn Contrato social foi o grande marco politico da ‘Modernidade ao deslocar a questao da “legitimidade de poder dos governantes” da drea de estudo teolégico para a area antropol6gi- a, como resultado das transformagoes politicas, sociais, econdmi- cas ¢ ideol6gicas desde a Baixa Idade Média. Condlul-se, a partir deste estudo, que os entendimentos acer- a do estado de natureza, da formagao do Contrato social e da fi- nalidade do Estado variam de acordo com as diferentes concepcoes dos filésofos contratualistas, senda as valorizagdes dadas a escoe termos as responsdveis pela estruturagdo do modo pelo qual os diferentes fildsofos contratualistas elaboraram suas teorias e pelos seus posicionamentos em defesa de determinado sistema politico. © reconhecimento do Direito Natural e a formagao do Esta do como instituto inerente & propria razdio humana foram fatores determinantes para a humanizagdo do Direito e para o reconheci- mento dos direitos humanos. Referéncias ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de filosofia. Tradugao, para o espanhol, de Alfredo N. Galetti. Primeira reimpressdo colombia- na, Santafé de Bogota: Fondo de Cultura Econémica LTDA, 1997. AMARAL, Manuel. Biografia: John Locke. Portal da histéria. Dis- Ponivel em: . 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