Você está na página 1de 7
Copyright © 2014 by Edileuna Pena de Souza “Todos 0s diteitos reservados Capa iio Olvera Diagramagdo “Anderson Luizes Revisao Lourdes Nascimento 1N386 _Negritude, cinema educacdo : caminhos para aimplementagio da ‘Lei 10.63912003 orgenizado por Edilewza Pena de Souza, Belo Horizonte Mazza Edigbes, 2014 268 p.; 155x22,5em, ~ v3 ISBN: 978-85-7160-599-2 1.Educagdo, L Souza, Edileuza Pena, I.Titulo cpp: 370 cou: 37 Mazza Edigoes Ltda. Rua Braganga, 10) ~ Bairro Pompe 30280-410 + Belo Horizonte - MG ‘e-mail edmazza@uai.com br ‘wwrwmazzaedicoes.com.br ~ Telefax: (31) 3481-0591, BESOURO: 0 CORPO TERRITORIO, 0 CORPO TERRITORIALIDADE - 0 CORPO CAPOEIRA* Bdilewza Penka de Souza ‘cor universal é negea pela ausénciaeesséncia I da absorgao do corpo E delito confito abjeto em nés. Accor ausente de luz negra pluraliza o verbo Colore o infnito em perfeito vazio em tempo espaco universo. (AMANCIO, Jorge. Pluralismo) ‘No final de 2009, com o langamento do filme Besouro, a populacao afto-bra sileira recebeu dois herdis negros em seu pantedo: Tio Alipio (Macalé dos Santos) ‘¢ Manoel Henrique, 0 Besouro Mangangé (Ailton Carmo).0 filme, dirigido por Joao Daniel Tikhomiroff.traz para o primeiro plano uma temética ainda pouco ‘estudada nas escolas: as formas de resisténcia negra ao sistema escravagista. O cespectadior pode observar que uma das faces dessa resisténcia é a educacao mu- | _tuae coletiva: todos sao responséveis por ensinar/aprender elementos da cultura | _negra e repassé-los adiante, Assim, a educagio coletiva nas relagdes humanas | firma os espagos-territérios negros dentro do sistema escravagista. Desse modo, "Bate artigo ¢dedicado a menéria do cineclbista Li Orlando da Siva, Lim negro apaixonado ‘el cinema que,em agosto de 200, partiu para o Orum. EN [NEGRITUDE, CINEMA E EDUCACAO a dinamica do “aprender-ensinat” passa a ser uma estratégia central para a po- pulagdo negra assegurar a continuidade de sua heranca cultural. A histéria do filme, cuja dindmica esta nos efeitos especiais criados pelo coredgrafo de aco Hiuen Chiu Ku ~ 0 mesmo dos efeitos especiais e lutas nos filmes Matrix, O tigre e 0 dragao e Kill Bill -, versa sobre a vida do capoeirista Besouro ¢ a insergio da capoeira entre as territorialidades” negras que exem- plificam resisténcia eluta,Filmado na Chapada Diamantina, o filme retrata Santo ‘Amaro da Purificago3 32 anos apds a assinatura da Lei Aurea, quando homens ‘emulheres continuavam a ser tratados como pessoas escravizadas.O filme traduz com beleza e movimentos a saga do capoeirista Besouro Mangangé e a determi nagio do povo negro de proteger um dos seus patriménios imaterias, a capoeira “Um jogo de corpo” arma o estudioso eex-capoeirista Muniz Sodré,que compre- ende aesséncia do corpo humano em cinco partes: “espirito,ossos,miisculos,forga interna (Chi) e nervos"(1988,p.207).0 corpo é 0 nosso primeito territério,é oes aco sagrado, pois com cle expressamos nossa sexualidade, nossa afetividade, a capacidade de desejare amar e de buscar liberdade. corpo,afirma Nilma Lino, Localiza-se em um terreno social confltivo, uma vez que é tocado pela esfera da subjetividade. Ao longo da histéria, 0 corpo se tornou um emblema étnico e sua manipulagio tornou-se uma caracterfstica cultural marcante para dife- rentes povos. Ele é um simbolo explorado nas relagoes de > para entendermos oconceto de tersitoralidade na Atica, €necesséro verficarmos a comple- ‘idade do imagindrio africano tradicional. Antes,€ preciso entender que tradicional, nesse caso, no ¢ igual a velho, estticoe sem evolu. A territrialidade se dé stravés da forga vital da energia concentada em tl espaco, sem frontirasrigidas.teritoraidade pode ser percebida como expaco de prticasculturais ns quis se criam mecanismos identities de epresentagdo a parte da menvéra coletiva, das stassingoaridades cultura paisagens. A teritoraidade seria assim resultant de uma uniade contrua,em detrimento das diferengas interna, po- 1ém evocando sempre a distingo em reagSo as ouras teritoralidades®(MECISECAD, 2006, 223). 2! Atual municipio de Santo Amaro, fz parte da Mesorregido Metropolitana de Salvador e Micror- regio de Santo Antonio de Jesus. cidade nasceu de um dos povoados mais antigos do Brasil: foi fundada em 1557; tem sua histéraligada ao Engeniho Sergipe do Conde, o°re das engenhos reais de cana-de-agicar”-Elevada avila e municipio em 1727, ornou-se cidade em 1837 junta- ‘mente coma cidade irma de Cachoeira-BA. FILME: BESOURO 55 poder e de dominagao para lassficar ehierarquizar grupos diferentes, 0 corpo é uma linguagem e a cultura escolhew algumas de suas partes como principais veiculos de comu- nicacdo (GOMES, 2003, p. 174). Na capoeira, 0 corpo territério ¢ 0 que corresponde ao corpo fisico, sendo 0 corpo territorialidade aquele que aciona a encestralidade.” Quando 05 corpos sao capitalizados, mobiliza-se toda a dindmica da vida: “Maos, pés, joelhos, bragos, calcanhares, cotovelos, dedos, cabecas, combinam-se dinami camente em esquivas e golpes, de nomes variados: ai rasteira, meia lua, meia Jua de compasso, martelo, rabo de arraia, bengao, chapa de pé, chibata e mui- tos outros” (SODRE, 1988, p. 203). Na dispora, a0 serem arrancados do continente africano, homens ¢ mulheres perceberam logo a necessidade de desenvolver formas de protegao desse corpo; assim, a capoeira — jogo, luta e danca ~ aasceu desse contexto. No filme, o personagem Mestre Alipio é conhecedor dessa totalidade corporal, dono de uma sabedoria ancestral. Ele inicia trés criancas ~ Manoel Henrique, José (Anderson Santos de Jesus) e Dinoré (Jessica Barbosa) ~ nos segredos da capoeira: Manoel Henrique se tornard Besouro, José adota 0 codi- nome de Quero-quero e Dinora serd sempre Dinord. 0 mestre capoeirista negro nfo ensina a seus discipulos — pelo menos de maneira como a pedagogia ocidental en- tende o verbo ensinar, ou seja, mestre no verbaliza nem conceitua o seu saber para doé-lo metodicamente ao aluno. Também nao interroga, nem decifra. Ele inicia cria as con- digdes de aprendizagem, (formando a roda de capoeira) € assiste a elas. £um processo sem qualquer intelectualizacao, em que se busca um reflexo corporal comandado, nao pelo cérebro, mas por algo indeterminado resultante dessa ini- ciagio do corpo (SODRE, 1988, p. 211). » Para os povos aticanos e seus descendentes, a ancestralidade etéligada 8 memiéria a0 cont- uo civilizatéro aricano.E ancestralidade que possibilitaa sintonia com o ser € 0 compor- tamento das pessoas. ela que orienta a aegria, conduzindo para um processo de mudangas ¢ enriquecimento individual ecoetivo em que 0 sentimento ea faa esto intetigados com a vida (SOUZA, 2008), 56 NEGRITUDE, CINEMA E EDUCACAO ‘Anos depois, considerado contraventor e revoluciondrio, Mestre Alipio jurado de morte por ensinar capocira e proferir ensinamentos de resistencia 120 povo negro, Vale lembrar que, no Brasil, o candomblé e também a capoei- ra foram préticas proibidas durante todo o periodo escravagista, até 1930,” quando a repressio da policia republicana era ainda mais forte. Até ser reco- nhecida como esporte nacional, a capoeira era exercida de forma “clandest na’ assim como 0s cultos aos orixs. Convictos da importancia de sua cultura, horiens e mulheres, senhores e senhoras de seu corpo e de suas convicgdes € £6, praticavam seus cultos em locais de dificil acesso, préximos ou distantes de suas moradias, abertos na mata, que na época ficaram conhecidos como capoeira e capoeira. Apis ser atacado traicociramente, ferido, Mestre Alipio pede a Besouro que o leve até as ruinas da antiga senzala. Com a certeza de que a morte, jé antnciada, nao simboliza o fim, Mestre Alipio aposta que Besouro representa sua continuaco, (Uma cantiga se mistura as folhas e & dgua). Mestre Alipio inicia a partida para o Orum (céu). Na cosmovisao africana, a morte é 0 mo- ‘mento da passagem, possibilita o encontro da pessoa com seus ancestrais. 0s ritos funerérios fazem ver aos africanos os elementos que extrapolam a propria morte, ou seja, a participagéo do individuo morto no plano do sagrado ~ no seio dos ancestrais. Além do mais, toda a sociedade participa ¢ é testemunha da distribuigdo da energia vital da pessoa que morreu para os elementos naturais, como a terra {que abrigard seu corpo. A vitalidade da pessoa morta ¢ transferida para os elementos naturais que véo contribuir para a vida da comunidade, De certa forma, a morte de um individuo € o aumento da forga da comunidade jé que sua energia volta-se para ela fortalecendo os elementos naturais Enesse momento histrico que Mestre Bimiba ~ Mancel dos Reis Machado ~ nascew em Sl ‘dor, no dia 23 de novernbeo de 1900 (vita afalecer em Goidnia, em 5 de Fevereiro de 1974, Giador da capocira regional, Bimiba misturou elementos da capoeira tradicional com o bata ‘qe, possibilitando assim movimentas mais dges. Como todo mest, foi um grande educador, responsive por tirara capoeira da marginalidade. Para ele, capovira era um estilo de vida: ser pensar e agi como um capoeira. Ao apresentar a capoeira para endo presidente Getlio ‘Vugas.deiow-ofascinadoa pont de tornar a capoeira esporte nacional brasileira, FILME: BESOURO. 37 essenciais para a vida do grupo. Quanto ao individuo que ‘morreu, ele passa, por causa da imortalidade, a fazer parte de outro plano, onde esto os ancestrais ~ a ndo ser que ele volte para a comunidade -, onde sua energia vital fard parte agora do zamani (OLIVEIRA, 2003, p.55).. Enquanto os orixds se encarregam da partida de Mestre Alipio, uma tomada com Besouro ¢ Exu (Sergio Laurentino) preenche a tela, anunciando que Exu pede passagem. Exu, 0 primeiro orixé, guardido do limiar, se faz pre- sente nos rites funerdrios de Mestre Alipio. Numa roda de capoeira, todos se uunem para as tltimas homenagens ao mestre,a tristeza toma conta de todos. uma roda de lamento, Besouro assiste de longe,“E volta do mundo, camara... ,é, mundo 4 volta, camaré...”. Passadios sete dias, Quero-quero (Anderson Santos de Jesus) responsabi- liza Besouro pela morte do Mestre. Na tela, uma sequéncia de imagens em que pescador Chico Canoa (Leno Sacramento) entra no rio com sua canoa.A impe- cével fotografia de Christian Cravo confere & cena uma profusio de enquadra- ‘mentos. Toda a narrativa imagética impoe ao filme um trabalho minucioso de computagao gréfica que utiliza diferentes técnicas de intervencio e ago da luz. No cinema, a luz é ideologia, sentimento, cor, tom, profun- didade, atmosfera, historia. Ela faz milagres, acrescenta, apaga, reduz, enriquece, anuvia, sublinha, alude, torna acre- itdvel eaceitavel 0 fantéstico,o sonho, e a0 contrério, pode sugerir transparéncias, vibragdes, provocar uma miragem na realidade mais cinzenta, cotidiana. Com um refletor € dois celofanes, um rosto opaco, inexpressivo, torna-s intel gente, misterioso, fascinante.A cenografia mais elementar e ‘grosseira pode, com a luz, revelar perspectivas inesperadas e fazer viver a histéria num clima hesitante, inquietante; ou entéo, deslocando-se um refletor de cinco mil e acendendo ‘outro em contraluz, toda a sensagao de angistia desaparece «tudo se torna sereno e aconchegante. Com a luz se escreve 0 filme, se exprime o estilo (FELLINI, 2000, p.187) “Caposira se luta,joga, brinca, é algo que se faz entre amigos e compa- nheiros”,afirma Muniz Sodré: 58 NEGRITUDE, CINEMA EEDUCAGRO Primeiro, forma-se uma roda composta de um ou mais tocadores de berimbau (arco retesado por um fio de ago, percutido por uma vareta e ao qual se prende uma cabaga capaz de funcionar como caixa de ressonAncia), pandeiros, caxixis ou reco-reco. Em seguida dois homens entram no circulo, abaixando-se na frente dos misicos, a0 som dos instrumentos e de cangbes (chulas) espectficas (SODRE, 1988, p.202, 203). Na feira, onde trabalhadores negros comercializam suas mercadorias, Exu se materializa para compor diferentes dindmicas. Os aspectos simbélicos de Exu se misturam a imagens, movimentos e sons. A majestade do Orixa se expressa na beleza, na harmonia das proporgdes e perfeitas formas. Exu é 0 orixd da comunicagio, é 0 guardido das feiras livres, dos mercados, € 0 orixd do movimento e do comércio, Enquanto Exu se movimenta, jé apresentando sua outra faceta de provocativo e astucioso, a mae de santo Zulmira (Geisa Costa) o reconhece pela energia. Exu provoca Chico Canoa, que é retirado de cena por Dinord e outro amigo, e em seguida ela volta com Quero-quero. Da sua tentativa de lutar capoeira com a entidade, acompanhamos efei- tos tecnoldgicos, pois, como afirma Coutinho, “Por meio do cinema, experimen- tamos pontos de vista que so apenas da camera, que nenhum personagem experimentaré, embora um dos pontos de vista mais explorado nas hist6rias cinematogréficas seja 0 subjetivo, considerado que este é sempre o olhar do te- lespectador” (2008, p. 85). Na luta va, Besouro destr6i toda afeira,e ouve de Exu que € vaidoso e orgulhoso, Besouro cai em si, redime-se e presta reveréncias a Exu, Noca de Antonia (Irandhir Santos) e seus homens entram em cena e perse- ‘guem Besouro. Na beira de um precipicio, Besouro voa e salta triunfantemente na égua, onde é acolhido por Oxumn (Osun, Oshun ou Ochun), Orixd ferninino, senhora das éguas doces dos ros e cachoeiras. Oxum a mae protetora, dona da riqueza,da fertilidade, do amor, da prosperidade e da beleza. ‘ho ser acolhido por Oxum, estio presentes gum, scu pai ~ 0 guerrciro, Orixé do trabalho, do ferro e do fogo -,¢ o curador e protetor Ossae, Orixé da medicina, que tem o poder das folhas e das ervas medicinais. Besouro é encon- trado nas margens do rio pela mae de santo Zulmira, que prepara um patué de Oxum com sete folhas para protegé-lo e fechar-Ihe o corpo, Compreendendo 0 legado de seu Mestre, Besouro se dd conta da missdo de proteger seu povo. A FILME; BESOURO 59 partir de entao,a narrativa filmica é recriada: em harmonia, Besouro se redi- mensiona no mundo com resisténcia,fé e espiritualidade," e descobre seus poceres magicos e como os deve por a servigo da coletividade. Guiado pelo senso de justiga adquirido, Besouro retoma a luta de seu Mestre e ateia fogo as plantagdes do coronel Vendncio (Flavio Rocha). Escra- vocrata, 0 coronel é o senhor de engenho, a pessoa mais rica e poderosa da cidade. Ap6s o incéndio, os trabalhadores de sua fazenda sio ainda mais ex- plorados. Na cidade, o Coronel manda arrumar a feira, buscando obter simpa- tia lealdade da populago, como uma das antigas priticas do coronelismo no Brasil, que se vale do poder para “agradar” e oprimir 0 povo, Dinoré, apaixonada por Besouro e inconformada com as injusticas do Coronel e seus capangas, termina 0 namoro com Quero-quero. E como 0 en- contro é algo previsto nas estrelas, Dinord encontra Besouro, juntos se aco- plam num jogo sensual, préprio dos corpos humanos e capoeiristas, ainal, 0 Corpo do capoeira negro ajusta sinergias neuromuscu- lares com imperativos de resistencia cultural £ um corpo ~ assim como aquele que “recebe” o orixé, estabelecendo a comunicagao direta entre o sagrado e o profano ~ sempre aberto enquanto estrutura capaz de incorporar a dispos ‘vos marciais a alegria da danca e do ritmo (SODRE, 1988, p.214), Na unigo de seus corpos, “contorna-se a pretensa eternidade”, porque, ‘como escreveu o poeta Fernando Pessoa,“Quem ama nunca sabe o que ama/ ‘Nem sabe porque ama, nem o que é amar/ Amar é a eterna inocéncia,) Ea Ainica inocéncia, ndo pensar... Do encontro amoroso de Besouro e Dinoré, °*Corporalidade e espirtualidade compéem a estrutura que os seres hunanos portam nos di- versos aspects da alma no investimento cultural dos sentids da vide. Corporalidade 0 viver cotidiano de cada pessoa individual ecoletivo. Na corporaldade se expressa também a sexua- Tidade,reinterpretada ereproduzida gras i celebrago do corpo, como lugar de representagz0 de valores. si elacionada a existéncia, ao trabalho, ao lazer ea0 tempo que dedicamas a cada uma dessas fangdes” (MECISECAD, 2006 p. 217) ® Alberto Caciro, em “O guardador de rebanhos", 8-3-1914, Disponivel em: . o [NEGRITUDE, CINEMA E EDUCACAO decorrem 0 fruto, a continuacZo, a maternidade, a heranca da capoeira. A apa- rigdo de Oxum, consagrando a descoberta e a profundidade do amor. Quero-quero, inconformado ¢ enciumado, luta capoeira com Besouro na mata. Na capoeira, Besouro vence seu adversario, como vence todos os ho- ‘mens do Coronel. Quero-quero entao revela o segredo do corpo fechado de Besouro para o feitor. Cresce o cerco na busca de Besouro, ‘A capoeira implicava, como toda estratégia cultural dos ne- ‘gros no Brasil, um jogo de resistencia e acomodagio. Luta com aparéncia de danga, danga que aparenta combate, an- tasia de luta,vadiagdo, mandinga, a capoeira sobreviveu por ser um jogo cultural. Um jogo de destreza e malicia,em que se finge lutar, ese finge tao bem que o conceito de verdade da luta se dissolve aos olhos do espectador e ~ ai dele ~ do adversério desavisado (SODRE, 1988, p. 205). Segredo revelado, o Coronel atinge Besouro com uma faca de ticurn,* seu corpo territério se estende no chao, enquanto seu corpo territorialidade é guiado por Tansa - também conhecida como Oya (Oi), é ela 0 Orixa dos ven- tos € raios, Senhora dos Eguns (espiritos dos mortos) ~ e chega ao encontro de Mestre Alipio. Sentados em cima de uma érvore,jé como ancestral, Mestre Alipio conversa com Besouro, Dinoré chora diante do corpo amado. Ciente de que a capoeira é um legado ancestral, é Chico Canoa quem transmite os segredos da ginga e seus elementos filoséficos ao filho de Besouro e Dinord. Territério e territorialidade se fazem presentes no uni- verso infinito da capoeira. Os ensinamentos dos mestres Pastinha, Bimba, Besouro ¢ todos os outras que partiram para 0 Orum circulam e se afirmam em cada roda que engendra os simbolos ¢ os significados da cosmovisdo africana, ‘A roda de capoeira € movimento da grande roda do mundo. ™Ticum ou tucum é uma palmeira comm no Nordeste~ no centro da planta,a madeira €bem dura, usada naconfecgio de faces, artesanat ¢ outros instrumentos FILME: BESOURO él ‘Uma proposta para a sala de aula 0 éxito de qualquer atividade em sala de aula & resultado de planeja- mento, Nesse sentido, 0 que apresentamos aqui sao algumas atividades que podem e necessitam ser organizadas e mais bem detalhadas na aplicagao do trabalho didatico tendo como base o filme Besouro. + No passado, motivo de grandes repressdes, atualmente a capoeira € regulamentada como modalidade de luta eesporte, considerada como atividade fisica e desportiva, podendo ser exercida nas formas lidica, amadora ¢ profissional, Em todas as séries do ensino fundamental, professores e professoras de educacao fisica podem trabalhar em con- junto com as demais disciplinas visando a que os alunos facam pes- quisas sobre a histéria da capoeira; busquem na comunidade grupos capociristas, construindo atividades de histéria, memériae cultura + 0 filme traz elementos importantes para pensar a valorizagio da corporalidade e a nao violéncia e despertar 0 cuidado que devemos tercom o nosso corpo. Assim, nas séries finais do ensino fundamen tal, professores e professoras de diferentes dreas podem trabalhar conceitos de corpo e corporalidade; os cuidados essenciais do corpo, desde a higiene, até a sexualidade e a autoestima. A sugestio dessa atividade é que o corpo seja entendido como elemento que integra lade, A leitura do livro da professora Nil- sma Lino Gomes (Sem perder a raiz: corpo e cabelo como simbolo da identidade negra. Belo Horizonte: Auténtica, 2006) pode auxiliar 0 desenvolvimento dessa atividade. + Na educagio de jovens e adultos (EJA), bem como nas séries fin do ensino fundamental e no ensino médio, pode ser proposta uma mostra de cinema e video sobre capoeira. Sugerimos que sejam exi- bidos os filmes Mestre Bimba ~A capoeira iluminada, do diretor Luiz, Fernando Goulart, e Mestre Pastinha! Uma vida de capoeira, de An- t6nio Carlos Muricy, bem como outros documentérios e curtas, ou videos disponiveis no youtube. A partir dessa experiéncia, pode ser planejado na escola um festival de videos de capoeira produzidos em pequenas cmeras e celulares. + Nessa perspectiva de festivais de cinema alternativo na escola, ou- tros temas podem ser eleitos pelos estudantes, que além dos temas a [NEGRITUDE, CINEMA E EDUCA livres podem eleger temas como a comunidade, a escola, es feiras livres etantos outros. + No filme, o espirito de coletividade ensinado por Mestre Alfpio per- manece em Besouro quando ele percebe que somente juntos somos capazes e fortes. Essa temstica pode ser levantada para construir ati- vidades de combate & violencia e a todos os tipos de discriminagao presentes na sociedade e na escola. + Avioléncia sexual contra a mulher ¢ apresentada no filme, sob dife- rentes formas. Nesse sentido, o(a) professor(a) poderd solicitar aos alunos que identifiquem as cenas que retratam tal situagdo e rea~ lizem pesquisas sobre a temtica, bem como se engajem em cam- panhas de combate a violéncia contra as mulheres. Essa atividade deve se pensada para a BJA e para o ensino médio. Sugerimos que a escola convide autoridades das delegacias de mulheres e ativistas, para palestras na escola. +O personagem Noca profere intimeras piadas racistas. Acreditamos que a cena pode suscitar debates na sala de aula e pesquisas sobre o combate ao racismo, ao preconceito e& discriminagao racial. + Besouto pe fogo no canavial e depois quebra ferramentas € maqui- nériosda fazenda. 0 professor pode usar essas cenas para falar das iniime-as formas de resisténcia a escravizagdo utilizadas pelos tra- balhadores escravizados, antes e depois da assinatura da Lei Aurea, Referéncias BANDEIRA. Luis Claudio Cardoso. morte eo culto aos ancestrais nas religies afto- -brasileias, Dispontvel em: . COUTINHO, Laura Maria.0 Olhar cinematogréfico: reflexdes sobre uma educagio da sensiblidade, In: CUNHA, Renato. (Org.)-O cinema e seus outros. Brasilia: LGE, 2008. FELLINI, Federico. Fazer um filme. Rio de Janeiro: Civilizagdo Brasileira, 2000. GOMES, Nilma Lino. Educagao, identidade negra ¢ formagio de profescores/as: um clhar sobre o corpo negre e 0 cabelo crespo. Ediucagio e Pesquisa, Sao Paulo, v.29,, 1,p.167-182, jan.fjun. 2003. pers FILME: BESOURO - 8 MINISTERIO DA EDUCACAO / Secretaria da Educagdo Continuada, Alfabetizacio e Diversidade (SECAD). Crientagdes e agdes para a educagdo das relagdes énico-raciais. Brasilia: SECAD, 2006, OLIVEIRA, Eduardo. Cosmovisdo africana no Brasil: elementos para uma filosofia afrodescendente. Fortaleza: Ibeca, 2003. SODRE, Muniz. A verdade seduzida.2.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. SOUZA, Edileuza Penha de. A ancestralidade africana de Mestre Didi expandindo a intelectualidade negra Brasileira. Texto apresentado no Nono Congresso Internacio- nal da Associagdo de Estudos Brasileiros (BRASA), realizado na Tulane University, New Orleans, Louisiana,de 27 a 29 de marco de 2008. Disponivel em: . ‘SOUZA, Edileuza Penha de. Negritude, cinema e educagao: caminhos para a imple- -mentagio da Lei 10,639i2003. Belo Horizonte: Mazza, 2006... ‘SOUZA, Edileuza Penha de. Negritude, cinema e educagdo: caminhos para a imple- ‘mentacio da Lei 10.639i2003. Belo Horizonte: Mazza, 2007. v2.

Você também pode gostar