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Artigos | LINDA NICHOLSON Interpretando o género: Resumo: Neste artigo c autora desconstré significados dominantes de dois conceitos central da ertioa femninsta: nero e muther. Muito do feminismo posterior 00s anos 1960 ancorou-se na alstingGo entre sexo € génevo. Embora e380 discuss6o fenha tido aiguma utiidade (como @ de permitir que as ferninistas desatiassem a idéia de um determinismo biolégico), ela também permitiy que as feministas preservastem um tipo de pensamento dualsto sobre a identidade ca mulher e que anaiisassem a atferenga entre mulneres como algo que pudesse ser separado oguilo que todas as mulheres compartinam, A autora arguTnenta que 0 marco tetrico bind possibilfou a mutos {eminsstas enfotizar profuncs aiferencas entre as experiéncias curturais dos homens @ dos mulheres. Porérn, COMOO [pensamento bindrio ndo & complefamente estdtico nem permite uma pereita orticulagéo entre experiéncios ‘mascutnas € femininas e co‘pos masculinas ¢ femininos. empregé.40 em nossas andises pode resuitar em sérios "problemas, O marco binario também néo cansegue capfar o nivel de desvio das narmas do género que existe em ‘uitas de n6s, reforgando tanto esteredtipos cufturais em relogGo ao signticad ds experiéncias masculinas @ Jemhros bemcomodtorcopotog nen ienas.rresco de Tinea Case que cesT MOSCLTSCOGENED. Palavras-chave: dualsmodo gérero, fundamentals biolégico. experiéncia, muther, poltica feminista. 1, Publicado oginaimente como “Interpreting Gender" em Linda Nicholson, The Play of Reason: From the Modern to the eee nt Postmodem (p. 53-76). Copyright "Género” é uma palavra estranha no feminismo.? Em- © 1999ComelUnvertty. Repo. HOG para muitos de nés ela tenha um significado claro e durido co portugués com pe bem conhecido, na verdade ela é usada de duas maneiras missdo da editora, Cornell qjferentes, e até certo ponto contraditérias. De um lado, 0 Univeral Press “géner0" foi desenvolvido e 6 sempre usado em oposigao a “sexo", para descrever o que é sociaimente construido, em 2, Level varios anos trabaihande OPOSIGGO ao que é biologicamente dado. Aqui, "género" & este texto, queconseqiientemente —_tipicamente pensado coma teferéncia a personalidade e tem uma longa e complexa ~~ comportamento, ndo ao compo; “géneto" e "sexo" sGo portanto genealogia. Por isso no POS Compreendidos como distintos. De outro lado, “género" tem comegaraagadeceratadosos | 2 Guelecmououmemumouceto sido cada vez mais usado como referéncla a qualquer Ccneettaldopresentecatgoeque _ Construgdo social que fenha a ver com a distingdo masculino/ contiouiammutocupoucocom — feminino, incluindo as constugées que separam corpos ‘onascimento capresente vesdo. “ferininos' de corpos “masculinos”. Esse ultimo uso apareceu Mee tavomiatgrmeners quando muitos percebberam que a sociedade forma ndo s6 agradecimentos, porém, so Petsonalidade e o comportamento, mas também as necessaries. Agtadego.o Center maneiras como 0 corpo aparece. Mas se 0 prdprio corpo & forResearch on Women da Duke’ sernpre visto através de uma interpretagdo social, entGo o Universidade de Carolinado Note, INTERPRETANDO O GENERO ‘em Chapel Hil, por me fomecer uma bolso Humanist in Residence da Fundagdo Rockefeliar para 1991 @ 1992. Essa bolsa, somada & icenga da Universidade do Estado de Novalorque em Albany, deume um ano para pensor em muitas das idias deste artigo. Quero agradecer também a steve Seidman pela leltura de todas as primeiras versées e pela Intervengaono desenvolvimento deste arligo em vérios pontos crucias. 3. SCOTT, 1988, p. 2. ANO8 1 () 2°SEMESTRE 2000 *sexo" ndo pode ser independente do "género"; antes, sexo nesse sentido deve ser algo que possa ser subsumido pelo género. Joan Scott formece uma eloquente descrigao desse segundo sentido de "género", no qual fica clara a forma ‘como ele abrange 0 "sexo": géneto é a organizagao social da diferenga sexual, Mas Isso nao significa que 0 género reflita ou produza diferengas fisicas tixas e naturais entre mulheres @ homens; mals proprlamente, o género é o conhecimento que estabelece significados para diferencas corporais. (...) Nao podemes ver as diferengas sexuals a ndo ser como uma fungdo de nosso conhecimento sobre 0 corpo, e esse conhecimento Nao 6 pur, nao pode ser isolado de sua implicagao num ample espectto de contextos discursivos.* Defendo que apesar de esse segundo sentido de género ter predominado no aiscurso feminista, a heranga do primeiro sobrevive: 0 "sexo" permanece na teoria feminista come aquilo que fica de fora da cultura e da histéria, sempre a enquadrar a diferenga masculino/feminino. Para saber como isso acontece, precisamos elaborar mais completamente as origens do termo "género". “Género" tem suas raizes na jungGo de duas idéias importantes do pensamento ocidental modemo: a da base material da identidade e a da construgdo social do caréter humano. Na época do surgimento da segunda fase do femninismo, final dos anos 60, um legado da primeira idéic foi a nogaéo, dominante na maioria das sociedades industriaizadas, de que a disting¢go masculino/feminino, na maiotia de seus aspectos essenciais, era causada pelos “fotos da biologia’, e expressada por eles. Essa nogdo se refletia no fato de que a palavia mais comumente usada para descrever essa distingdo, "sexo", tinha fortes associagées bioldgicas. As feministas do inicio dessa segunda fase vam coretamente essa nogdo como base concettual do "sexiso” ‘em geral. Por causa dessa assungao Impiicita no sentido de fincor na biologia as raizes das diferengas entre mulheres € homens, © conceito de “sexo” colaborou com a idéia da imutabllidade dessas diferengas e com a desesperanga de Cerias tentativas de mudanga. As ferinistas do final dos anos 60 se valeram da idéia da constituigao social do caréter humano para minar o poder desse conceito. Nos paises de lingua inglesa, esse poder fol enfraquecido pela ampliagéo do significado do teimo “género". Em meados dos 60, 0 temo “género" ainda era usado principalmente como referéncia a formas femininas e masculinas dentio da linguagem. Como tal, ele caregava fortes associagées em LINDA NICHOLSON 4, RUBIN, 1975, p. 159. relagdo ao papel da sociedade na disting¢do entre fendme- nos Codificados em termos de "masculino” e “eminino”. As feministas da segunda fase estenderam o significado do tetmo para com ele se referi também a muitas das diferen- gas entre mulheres e homens expostas na personalidade e nocomportamento. Mas 0 mals interessante é que o "género", naquela poca, nao era visto pela maioria como substituto para “sexo”, mas como melo de minar as pretensdes de abrangéncia do "sexo". A maioria das feministas do final dos anos 60 ¢ inicio dos 70 aceitaram a premissa da existéncia de fendmenos bioldgicos reais a iferenciar mulheres de homens, usadas de maneira similar em todas as sociedades para gerar uma distingdo entre masculino e femninino. Anova idéia foi simplesmente a de que muitas das diferengas cassociadas a mulheres e homens ndo eram desse tipo, nem efeitos dessa premissa, Assim, 0 concelto de “género” fol introduzido para suplementar o de "sexo", ndo para substitu lo, Mais do que isso, ndo s6 0 "género” nao era visto com substituto de "sexo" como também "sexo" parecia essencial & elaboragao do préprio conceito de "género”, Um exemplo disso pode ser encontrado numa das mais influentes discussdes sobre “género" da literatura do iniclo da segunda fase. Em seu importante artigo, “The Traffic in Women”, Gayle Rubin langau a expressao“o sistema sexo/género", definindo- ‘©. como "o Conjunto de acordos sobie os quais a sociedade transforma a sexualidade biolégica em produtos da atividade humana, e@ nos quais essas necessidades sexuais transformadas sdo satisfeitas’ 4 Aqui 0 bioldgico foi assumido como a base sobre a qual os significados culturals sao Constituidos. Assim, no momento mesmo em que a influéncia do biolégico esta sendo minada, esté sendo também invocada. A proposta de Rubin nesse ensaio nao é idiossincrattica Reflete um aspecto importante do pensamento do século 20 sobre *socialzagéo", inciuindo a aplicagco feminista de tal pensamento para a distingéo masculino/ferninino. Muitos dos que aceltam a idéia de que 0 caréter € soclaimente formado, rejeitando portanto a idéia de que ele emana da biologi, nao necessarlamente rejeitam a idéia de que a biologia € 0 lugar da formagao do cardter. Em outras polavras, ainda véem 0 eu fisioldgico como um “dado” no qual as caracteristicas espectticas sto "sobrepostas", um “dado” que fomece o lugar a partir do qual se estabelece o direcionamento das infiuéncias sociais. A aceltagdo feminist dessas proposi¢des significava que 0 "sexo" ainda mantinha um papel importante: o de provedor do lugar onde o "género" seria supostamente construldo. ESTUDOS FEMINISTS J] 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO Anos 19 2° SEMESTRE 2000 Tal concep¢do do telacionamento entre biologia e socializagao torna possfvel 0 que pode ser descrito como uma espécie de nogdo “porta-casacos” da identidade: o corpo é visto como um tipo de cabide de pé no qual sdo jogados diferentes artefatos culturais, especificamente os relativos a personalidade e comportamento. Tal modelo permitia ds ferninistas teorizar sobre o relacionamento entre biologia e personalidade aproveitando certas vantagens do determinismo biolégico, ao mesmo tempo em que dispensava certas desvantagens, Quando se pensao corpo como um * cabide” no qual sdo “jogados" certos aspectos de personalidade e comportamento, pode-se pensar no telacionamento entre os dados do “cabide” e aquilo que nele é jogado como algo mais fraco do que determinista, porém mais forte do que acidental. Nao se 6 obrigado a jogar sobretudos e cachecdis num porta-casacos; pode-se, por exemplo, jogar suéteres e até diferentes tipos de objetos, basta mudar suficientemente a natureza material do cabide. Mas se sempre vemos um porta-casacos cheio de sobretudos e cachecdis, nao exigimos muita explicagao, ‘final trata-se de um porta-casacos. Rotulo essa nogao do relacionamento entre corpo, personalidade e comportamento de “fundacionalismo biolégico", a fim de indicar suas diferencas e semelhangas em relagdo ao determinismo biolégico. Em comum com o determinismo biolégico, meu rétulo postula uma relagao mais do que acidental entre a biologia e certos aspectos de Personalidade ¢ comportamento, Mas em contraste com o determinismo bioldgico, 0 fundacionalismo biolégico permite que 8 dads da biclogia coexisiam com os aspectos de personalidade e comportamento. Tal compreensdo do relacionamento entre biologia, comportamento e personalidade, portanto, possibilitou as femninistas sustentar @ nogao, frequientemente associada ao determinismo biolégico, de que as constantes da natureza sao responsdveis por cerlas consiantes socials, ¢ isso sem ter que aceltar uma desvantagem que se torna crucial na Perspectiva feminista, a de que tais constantes sociais nao podem ser transformadas. Outra vantagem significative dessa nogao do relacionamento entre biologia, personalidade e comportamento € que ela permite ds feministas assumir tanto as diferengas entre as mulheres quanto o que elas fém em comum. Quando se pensa 0 corpo como um porta-casacos comum onde diferentes sociedades impdem diferentes normas de personalidade e comportamento, pode-se explicar tanto 0 fato de algumas dessas normas serem as mesmas em sociedades diferentes quanto o fato de LINDA NICHOLSON ‘clgumas dessas normas serem diferentes. E, mais uma vez, embora néo seja surpreendente a tendéncia a encontrar sobretudos e cachecéis num porta-casacos, tals pegas podem ter diferentes tamanhos e formas. Estendi-me um pouco na elaboragéo do fundacionalismo biolégico por ver nessa posigdo, ena nagao da identidade em geral como um “porta-casacos", obstaculos 4 verdadelra compreensdo de ciferengas entre mulheres, diferengas entre homens e diferencas em relagao ‘a quem pode ser considerado homem ou mulher. Através da crenga comum de que a “identidade sexual" representa © ponto comum entie varias culturas, freqdentemente generalizamos 0 que é especifico da cultura modema Ocidental ou de certos grupos dentro dela. Mais do que isso, tem sido dificil identiticar essa generalizagdo equivocada como tal, por causa da alianga de todas as formas de fundacionalismo bioldgico com 0 construcionismo social. As feministas hd muito vém percebendo como argumentos relatives a explicagdes biolégicas para personalidade e comportamento generalizam equivocadamente aspectos especificos da personalidade e do comportamento para todas as sociedades humanas. Mas 0 fundacionalismo biolégico nao equivale ao determinismo bioldgico porque, co contrério deste, inclui aigum elemento de construcionismo social. Mesmo a posi¢ao feminista mais antiga , que construiu (© "sexo" como independente do "género", ao usar 0 termo “género” permite a entrada de algum elemento social na construgao do cardter. Quaiquer posigGo que reconhece um cunho social em pelo menos um pouco do que é ‘associado 4 distingao ferninino/masculino tende a teorizar sobre uma certa quantidade de diferengas entre mulheres. Embora uma posi¢do fundacionaiista biolégica, ao contrario da determinista bioldgica, de fato permita o reconhecimento de diferengas entre mulheres, ela o faz de forma limitada e problemdtica. Basicamente, tal posigao nos leva a pensar as diferengas entre mulheres numa coexisténcia, mais do que numa intersegao, com as diferengas de raga, classe etc. A essungGo de que tudo o que hé em comum entre as mulheres devido ao sexo gera tudo o que ha em comum entre elas em termos de género explica a tendéncia a se pensar 0 género como representativo do que as mulheres tém em comum, e aspectos de raga e classe como indicativos do que elas tém de diferente. Em outras palavras, acabamos pensando que todas as mulheres das “sociedades patriarcais” terminaremos agindo como casacos © cachecéis, embora possamos diferir em tamanhos e formas. Somos entdo levadas a desenvolver 0 que Elizabeth ESTUDOS FEMINISTAS 3 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO 6. SPELMAN, 1988, p. 128 ANO8 | A 2 SEMESTRE 2000 Spelman descreve como andlise aditiva de identidade, ou andlise do tipo “colar de contas’, na qual todas as mulheres compartilham 0 género (uma conta do colar, mas diferem ‘em relagdo ds outras “contas’ que sGo adicionadas ao colar, Mas, como Spelman percebe, tals andlises tipicamente descrevem a “conta” género em termos das manifestagdes privilegiadas; tendem também a pintar as diferengas que marcam mulheres desprivilegiadas apenas em termos negatives. Spelman descreve alguns desses problemas das andlises das relagées entre sexismo € racismo. —m suma, de acordo com andlises aditivas de sexismo @ racismo, todas as mulheres sd oprimidas pelo sexismo; algumas sdo, além disso, oprimidas pelo racismo. Uma anéilise como essa distorce as experiéncias de opressdo das mulheres negras por negligenciar importantes diferengas entre os contextos nos quals mulheres negras e mulheres brancas tém suas ‘experiéncias com o sexismo. A analise aditiva sugere ainda que a identidade racial de uma mulher pode ser subtraida de sua identidade simuttaneamente sexual € racial. —m outras palavras, uma abordagem dualista obscurece a possibilidade de aquilo que descrevemos como © que hd de comum entre as mulheres estar entrelagado com © que hd de diferente entre elas, Quem somos, enquanto mulheres, nao difere s6 em relagdo a qualidades acidentais; difere também num nivel mais profundo. Nao ha aspectos comuns emanando da biologia. —Em resumo, o feminismo precisa abandonar o fundacionalismo biolégico junto com o determinismo biolégico. Defendo que a populagao humana difere, dentro de si mesma, nado sé em termos das expectativas sociais sobre como pensamos, sentimos e agimos; ha também diferengcas nos modos como entendemos 0 corpo Consequentemente, precisamos entender as variagées sociais na disting¢Go masculino/feminino como relacionadas a diferengas que vao "até o fundo” — aquelas diferengas ligadas nao s6 aos fenédmenos limitados que muitas associamos ao “género" (isto €, a esteredtipos cuiturais de personalidade e comportamento), mas também a formas culturalmente variadas de se entender o corpo. Essa compreensdo nao faz com que 0 corpo desaparega da teoria feminista. Com ela o corpo se toma, isto sim, uma varidvel, mais do que uma constante, néo mais capaz de fundamentar nogées relativas & cisting¢ao masculino/feminino através de grandes varreduras da histéria humana, mas sempre presente como elemento potenciaimente importante LINDA NICHOLSON 6.Embora 0 crescimentode una Metatisica materialista possa ter conttibuido com 0 crescimento daquele forte senso de Indiidualsmno que mutes autores ‘associaram aos conceitos modemos e ocidentais de eu, sefia um ero ver esse Individuals momeramente como tesultado do crescimento daquela metatisica. Alguns ‘autores, como Charles TAYLOR (1989, p. 127-142), apontaram pata © senso emergente de “introversaio" como um aspecto esse indiiduatsmo presente i ‘nos textos de Santo Agostinho. E de acordo com Colin MORRIS (1972), essa guinasa rumo a uma Inguagem da introversGo representaum fendmenokbem, disseminado no século 12. Ele percebe 0 declinio dessa tendénciatiem meados do século 12, seguido por uma retomada gradual que culminou na Renascenga italiana do tinal do século 15, Além disso, mesmo No periodo apds o sugimento da metafisica materialsta, outras transformnagées sociais aiém do. crescimento dessa metatisica contribuitam para. 0 desenvolvimento desse senso de Individualismo, de formas diferentes em diferentes grupos socials na forma como a distingdo masculino/feminino permanece atuante em qualquer sociedade, Nao estou refutando a idéia de que todas as sociedades possuem alguma forma de distingao masculino/ feminino. Todas as evidéncias disponivels parecem indicar ue elas possuem, Também nao refuto a possibilidade de que todas as sociedades de alguma forma relacionem essa distingao com 0 corpo. O que acontece é que diferengas no sentido e na importéncia atiilbuidos ao corpo de fato existem. Esses tipos de diferengas, por sua vez, afetam o sentido da disting¢ao masculino/feminino. A conseqiiéncia é que nunca temnos um Unico conjunto de critérios constitutivos da “identidade sexual” a partir do qual se possa inferir aiguma coisa sobre as alegrias e as opressées inerentes ao “ser mulher’. Pensar 0 contrétio nos leva ao erro. Contexto histérico Atendéncia a pensar em identidade sexual como algo dado, basico e comum entre as culturas € muito poderosa Enfraquecer o dominio dessa tendéncia sobre nés mesmas exige uma nogdo sobre seu contexto histérico. Na medida ‘em que podemos ver a identidade sexual como enraizada historicamente, como produto de um sistema de crengas especttico de sociedades modernas ocidentais, podemos também apreciar a diversidade profunda das formas pelos quais a distingo masculinofeminino péde e pode ser entendida. Deixe-me iniciar essa tarefa voltando na historia européia até o Inicio da era modema. Fol entre 0 século XVI @0 XIX que se desenvolveu, particularmente entre os "homens de ciéncia", a tendéncia a pensar as pessoas como matéria em movimento — seres fisicos que podem se distinguir uns dos outros, acima de tudo, pela referéncia as coordenadas espaciais e temporais que ocupam. A idéia traduziu-se na tendéncia a pensar o humano em teimos cada vez mais “coisificados', tanto 4 semelhanga dos objetos que nos cercam — por sermos compostos da mesma substancia — quanto 4 diferenga em relagdo aos mesmos objetos, @ uns em relagéo Gos outros — por ocuparmes cada um uma coordenada espacial e temporal diferente.* Isso ndo quer dizer apenas que a linguagem de espago @ tempo tenha se tornado cada vez mais central como meio de fornecer identidades. A crescente dominagéo de uma meiatisica materialisia também significou uma tendéncia cada vez mais forte 4 compreensdo da “natureza" de fendmenos especificos em termos de configuragées espectficas da matétia que os corporificava. A importancia ESTUDOS FEMINSTAS ] 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO 7. Para areferéncia.a Fimer, ver SCHOCHET, 1975, p. 151, 137. QuantoaLocke, ver LOCKE, 1965, P. 364, ANOB 7] & 2°SEMESTRE 2000 dessa tendéncia para as no¢ées de identidade que entao ‘comegaram a surgit se verificou através de uma crescente compreensdo da natureza dos seres humanos em termos das configuragées especificas da matéria que também the dava corpo. Assim, os aspectos tisicos ou materials do corpo cada vez mais assumiram 0 papel de testemunhas da natureza do eu que esse corpo abrigava. Ha que se detalhar melhor o modo como tal proposigao deve set entendida no contexto do pensamento dos séculos XVII @ XVI, No firm do século XX, pensar 0 corpo assumindo cada vez mais 0 papel de testemunha da natureza do eu € aceltar cada vez mais a crenga no determinismo bioldgico. Deve porém ser ressaltado que ao longo dos séculos XVII € Xulll uma crescente percep¢do do eu como “natural” ou “material” conjugou duas énfases que sd nos séculos seguintes puderam ser vistas como antitéticas: a énfase numa consciéncia ampliada do corpo como fonte de conhecimento sobre 0 eu € a énfase no sentido de um eu que toma forma de acordo com as infiluéncias que recebe do mundo exterior. Essas duas énfases estGo presentes nos textos de muitos escritores dos séculos XVII e XVill, mas No foram vistas, como frequentemente o seriam mais tarde, como necessarlamente antitéticas. Uma consciéncia ampliada do eu corporificado pode ser ilustrada pelos tipos de questdes que 0s tedricos daqueles dois séculos achavam, cada vez mais relevantes. Assim, por exemplo, enquanto um patriarcalista do inicio do século Xvi como Sir Robert Filmer pdéde usar a Biblia para |ustificar a subordinagao das mulheres aos homens, 0 tedrico das leis naturais John Locke mais tarde apontatia diferengas entre corpos masculinos € femininos em busca de um objetivo semelhante.’ Mas “natureza”, para teéricos das leis naturais como Locke, ndo. significava apenas 0 corpo em oposigdo a outros tipos de fenémenos. Podia também se refetir a infiuéncias extemas ‘geradas pela visGo ou pela educagao, Assim, embora Locke pudesse apontar diferengas nos corpos de mulheres e homens para compor seu argumento, ele podia também, em seus textos sobre educagdo, visualizar as mentes de meninas € meninos como maledveis em relagao a influéncias extermas especificas Gs quais se sujeitavam. Em resumo, 0 “materialismo” nesse ponto da histéria misturava as sementes do que mais tarde viriam a ser duas tradi¢des muito diferentes, e mesmo opostas. Por um lado, a partir do materialismo dos séculos XVII e XVill surgiu uma tradigGo que considerava as caracteristicas fisicas do individuo como fonte de conhecimento sobre o individuo. Por outro lado os materialistas dos séculos XVII e XVIll falaram sobre processos LINDA NICHOLSON 8, JORDANOVA, 1989, p. 25:26. 9. Idem, p. 27, 10, Para discusses sobre esse ‘argument, ver JORDAN, 1968. . 217-218; WEST, 1988, p. 100: OUTLAW, 1990, p. 63: € BANTONE HARWOOD, 1975, p. 13. que depois seriam descritos como *socializagao” — como aquilo que formaria a identidade em oposi¢éo ao corpo. Em meio Gos discursos do fim do século XVil e aos do século XVIII, porém, esses modos de pensar o eu eram freqtientemente conjugados dentro de uma perspectiva noturalsia mais geral. Ludmilla Jordanova argumenta de forma semelhante: Ficara bem clato no fim do século XVIll que as coisas vivas e 0 ambiente que as cercava estavam continuamente interagindo, e transformando uns aos outros no processo. (...) Acreditava-se que Os usos @ costumes do cotidiano, como dietas, exercicios e ocupagées, e também forgas sociais mals gerals, como ‘as formas de govemo, tinnam profundos efeitos sobre todos os aspectos das vidas das pessoas. (...] O fundamento para isso era uma estrutura conceitual naturalist para a compreenséo de aspectos fisioligicos. mentais e sociais dos seres humanos de maneira coordenada. Essa estrutura suportava naquela época (0 relacionamento entre natureza, cultura e género.* Como Jordanova percebe, essa tendéncia a ver o corporal e o cultural inter-relacionados est expressa no uso. de “conceitos-ponte” do século XVII, como temperamento, hdbito, constitui¢ao e sensibilidade.? O fato de que nos séculos XVII € XVill 0 foco cada vez mais fechado na materialidade do eu néo se traduziu simplesmente no que muitos hoje entendem por determinismo biolégico nao nega © argumento de que o compo surgia cada vez mais como fonte de conhecimento sobre o eu, em contraste com nogées teoldgicas anteriores. Um meio pelo qual esse foco no corpo comegou a mudar as formas de compreender a Identidade foi o emprego cada vez mais frequiente, parlicularmente no século XViIll, do corpo como. recurso para atestar a natureza diferenciada dos humanos. Um contexto no qual isso chama a atengao é o da emergéncia daidéia de "raga". Como muitos comentaristas j& mostraram, 0 termo “aga fol empregado primeiro como meio de categorizar os seres humanos no fim do século XVII, e foi s6 no século XVill, com publicagdes como 9 infiuente Natural System, de Carolus Linnaeus (1735), e Generis Humani Varietate Native Liber ("Da variedade natural da humanidade"), de Friedrich Blumenbach (1776), que distingdes raciais entre os seres humanos comegaram a ‘oparecer de forma autoritaria," Esse surgimento néo significa que diferengas fisicas entre, por exemplo, africanos e europeus ndo eram percebidas por europeus antes do século ESTUDOS FEMINSTAS 7] 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO 11. JORDAN, 1968, p. 3.98, ANO8 |] 2SEMESTRE 2000 XVIll, Elas eram cerlamente percebidas, sendo inclusive util zadas como justiicativa para a escravido. Mas como mos- tra Winthrop Jordan, diferengas fisicas eram apenas uma parte das diferencas percebidas ¢ usadas por europeus para justificar a escraviddo." O foto de que atficanos, sob uma perspectiva européia, dedicavam-se a praticas sociais estranhas, @ eram “pagdos" (isto é, ndo cristées), também. fomecia justificativa, na mente européia, para a pratica da transformagéo de afticanos em escravos. Em resumo, perceber uma diferenga fisica, ou mesmo atribuir a ela uma significagao moral e politica, nao é o mesmo que usé-la para “explicar” divis6es basicas na populagéo humana como fez 0 concelto de "raga", cada vez mais, a partir do final do século XVIll © corpo sexuado © exemplo da “raga” ilustra como a crescente prevaléncia de uma metafisica materialista nGo significou a construgao de novas distingdes sociais exnnihilo, tanto quanto significou a elaboragao € a “explicagao" das distingses previamente existentes, agora por novos meios. Assim, no ‘caso do “sexo”, o crescimento da metatisica materialista nao criou uma distingdo masculino/feminino. Tal distingdo obviamente existia na Europa ocidental antes da emeigéncia daquela metafisica, Mais do que isso, uma atengao a diferengas fisicas teve seu papel no sentido dessa distingdo. O crescimento da metafisica materialsta, porém, também provocou mudangas — mudangas na importéncia das caracteristicas fisicas e em seu papel. Basicamente, essa metatisica transformou o sentido das caracteristicas fisicas, que de sinal ou marca da distingao masculino/feminino passaram a ser sua causa, aquilo que Ihe da origem. Além disso, na é90ca em que essa metatisica cada vez mais dominava, outras mudangas socials também aconteciam — como uma separagdo maior entre as esferas publica privada. Essas mudangas significavam que as caracteristicas fisicas passavam a set vistas ndo s6 como causa da disting&o masculino/feminino, mas como algo que tomava essa distingdo altamente bindria, Thomas Laqueur, em seu estudo da literatura médica sobre 0 compo, dos gregos ao século XVIll, identifica uma mudanga significativa nessa literatura no século XVIll. Especificamente, ele identifica uma nogdo que, embora claramente variavel em muitos aspectos, dos gregos ao s€culo XVIll, é Constante num aspecto importante: ela opera com o que Laqueur descreve como uma nocdo “unissexuada’ do corpo. Essa nogdo contrasta com a nogao LINDA NICHOLSON 12, LAQUEUR 1990, p. 148. 13, Idem. p. 36-37. 14, Idem, p. 35-36. 15, Idem, p. 40, Areferéncia de Laqueur é Goien, Perisoermatos (On the Seed}, ed. Thomas Kuhn, p. 622 16, LAQUEUR, 1990, p. 36 17. dem, p, 149-150. *bissexuada” que comegou a surgir durante o século XVII Enquanto na nogdo anterior o corpo feminino era considerado uma verséo inferior do corpo masculine, “num eixo vertical de infinitas gradagées", na nova nogao 6 corpo feminino tomou-se uma “criatura totalmente diferente, num eixo horizontal cuja segdo central era totalmente vazia".'? © fato de na nogée mais antiga as diferengas fisicas entre os sexos serern consideradas diferengas de grau, mais do que de tipo, manifesta-se de varias formas. Enquanto vemos, por exemplo, os d1gdos sexuais femininos como diferentes dos érgdos masculinos, naquela época eles eam vistos como menos desenvolvidos do que os masculinos. Assim, na nogéo antiga, a vagina e 0 colo do Utero nao eam algo distinto do pénis, mas constituiam, juntos, uma versdo de pénis menos desenvolvida. Do mesmo modo, a menstruagdo nao caracterizava uma especificidade da vida das mulheres, mas era vista simplesmente como mais um exemplo da tendéncia dos corpos humanos co sangramento, sendo 0 orifice por onde o sangue passa percebido como néo muito significativo. Assim, pensava-se que se uma mulher vomitava sangue iria parar de menstruar.'3O sangramento era visto como um meio que os corpos encontravam para se livrar do excesso de nutrientes. Por serem considerados seres mais frios do que as mulheres, ‘os homens eram considerados menos propensos a ter tais ‘excessos portanto menos propenses ter necessidade de sangrar.'* Do mesmo modo, Laqueur chama a atengao para 0 argumento de Galen de que os mulheres deviam produzir semen, jG que do contrario néo haveria razGo para elas possuitem testiculos, € elas certamente os possuiam.'* Em resumo, os érgdos, processos ¢ fiuidos que tomamos como diferenciadores entre corpos masculinas € fernininos eram considerados conversiveis dentro de uma "economia corporal genética de fiuidos e drgdos’.'¢ Essa “economia corporal genérica de fluidos e d:gdos" comegou a ceder diante da nogdo "bissexuada”. Laqueur descreve alguns aspectos do proceso: "Orgdos que antes compartihavam um nome — ovarios e testiculos — eram agora linguiisticamente distintos. Orgdos que néo eram antes diferenciados por um nome especifico — a vagina, por exemplo — receblam um, Estruturas antes consideradas comuns a homens € mulheres — 0 esqueleto e 0 sistema nervoso — eram diferenciadas, no sentido de coresponder 0s aspectos culturais do masculine e do feminino."” CO fato de até uma estrutura como 0 esaueleto ser agora vista como diferente em mulheres e homens é llustrado no trabalho de Londa Schelbinger. Como Scheibinger percebe, ESTUDOS FEMINISTAS 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO 18, SCHIEBINGER, 1987, p. 42. 19. Kern. 20, FOUCAULT, 1980, p. vi. ANOS DQ) 2°SeMEsTRE 2000 em 1796 0 anatomista alemdo Samuel Thomas von Soemmerting produzlu 0 que passou a ser uma das primeiras ilusttagdes do esqueleto ferninino, A data, ela destaca, 6 especialmente marcante, porque muitos anatomistas |é vinham desenhando a anatomia humana desde o século XML."* Essa llustragdo, porém, efa representativa de um movimento maior, do final do sculo XVI, em que "descobii, descrever e definir diferengas sexucis em cada osso, misculo, nervo e veia do corpo humano tomou-se uma prioridade de pesauisa na ciéncla anatémica’."? ‘Outra manifestagdo dessa nova nogdo “bissexuada” foia destegitimacgdo do concetto de "hermatroattismo’. Como mostra Michel Foucault, no século XVvill 0 hermafrodita dos séculos anteriores se tomou “pseudo-hermafrodita’, cuja identidade sexual ‘verdadeira” exigia apenas uma diagnose suticienternente especializada. Teatias biolégicas da sexuclidade, concepgdes juridicos do incividuo e formas de controle administrative em nagdes modernas levaram aos poucos & rejeigdo da idéia de uma mistura de dois sexos num nico compo, @ consequentemente 4 limitagao da Iie escoina de Individuos indeterminados. A partir dai, toco mundo deveria ter um Unico sexo. Todo mundo deveria ter sua identidade sexual primétla, profunda, determinada e determinante; quanto aos elementos do outro sexo que deveriam aparecer, estes poderiam ser apenas acidentals, superficiais, ou até mesmo simplesmente llusérios, Do ponto de vista médico, isso significou que, quando confrontade com um hermatrodita, © médico ndo estatia mals preocupade com reconhecer a presenca de dois sexos, justapostos ou misturados, nem com saber qual dos dois prevalecia sobre 0 auto; antes, com decifiar 0 verdadeito sexo escondido sob coparéncias ambiguas.*® Mas para além da tendéncia a ver as diferencas fisicas que separam mulheres de homens em termos cada vez mais bindrios, aparecia também a nova tendéncia a ver tais diferengas fisicas como causa da propria distingao masculino/feminino, Como mostra Laqueur, ndo se trata de dizer que na visdo antiga nao houvesse uma distingGo, ou que a biologia nao tivesse qualquer papel em relagdo a ela. Adistingao, porém, era vista menos como algo “causado” pela biologia, do que como expressdo légica de uma certa ‘order cosmolégica govemada pela diferenca, pela hierarquia e pela inter-telagdo. Dentro dessa visio de mundo, diferengas biolégicas entre mulheres e homens eram LINDA NICHOLSON 21, LAQUEUR, 1990, p. 151-152. percebidas mais como “marcas” da distingdo masculino/ feminino do que como sua base ou sua “causa”. Laqueur aponta para a posig¢Go aristotélica como ilustrativa dessa nogao mais antiga. Atistoteles nGo precisou de fatos da diferenca sexual para apolar sua proposi¢ao de que a mulher era um ser Inferior ao homem; ela era conseqiiéncla da verdade aprioristica segundo a qual a causa material é Inferior & causa eficiente. € claro que homens ¢ mulheres ram identificades no cotidiano por suas caracteristicas corporis, mas a asseredo de que na geragdo ohhomem, eta a causa eficlente @ a mulher a causa material ndo 210, por principio, fiscamente demonstiével; era em st mesma uma reafimagao do que significova ser masculino ou feminino. A natureza especifica dos ovarios OU do Utero era, assim, apenas incidental na defini¢go da diferenga sexual. No século XVIII Isso j4 No era mals Vélido, O ventre, antes uma espécie de falo negativo, fomou-se 0 Utero — um rgéo cujas fibras, nervos € sistema vascular fomecia uma explicagao e uma |uslificative natural para o status social das mulheres. Em outras palavras, quando a Biblia ou Aristételes era a fonte da autoridade sobre como o relacionamento entre mulheres e homens deveria ser compreendido, qualquer diferenga alegada entre mulheres e homens era justificada primordiaimente através da referéncia a esses textos. O compo. no era muito importante como fonte. Quando porém os textos de Aristételes @ da Biblia perderam sua autoridade, a natureza se tornou o meio de fundamenta¢do de toda distingao percebida entre mulheres e homens. Na medida mM que Oo Corpo passou a ser percebido como representante da natureza, ele assumiu o papel de “voz" da natureza, ou seja, na medida em que havia uma necessidade percebida de que a distingao masculino/feminino fosse constituida em tetmos altamente bindrios, o corpo tinha-que “falar’ essa distingao de forma bindria, A conseqiiéncia disso foi uma nogGo “bissexuada’ de corpo. Em suma, durante do século XVIII, aconteceu a substituigGo de uma compreensdo da mulher como versGo inferior ao homnem num eixo de infinitas gradagées por uma Na qual a relagGo entre mulheres e homens era percebida em termos mais binérios, e na qual o corpo era pensado como fonte desse binarismo, A conseqléncia é nossa idéia de “identidade sexual” — um eu masculino ou feminino precisamenie diferenciado e profundamente enraizado num ‘compo diferenciado. ESTUDOS FEMINISTS ] 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO 22, Quolquer etaboragao dessa ‘oposicdo exige uma discussGo extensa osuficiente para um iio. O fate de um materiaismo pieno 160 ter sido endossado bem no Inicio do period fica mais do que bvio no dualismo de um dos maiores defensores dese matetialsmo, René Descartes. Mos at8 mesmo @ posigao de Descartes fol considerada radical demais pelos “Platénicos de Cambridge’. Para essas gues, no materialsmo completo néo hovia espago para Deus. Para ‘uma discusséo, com bom nivel de Informagdo, dessas tensdes teligiosas em tome da adogGo do matetiaismo cucante 0 periodo modemo, ver BROOKE, 1991. No fim do século XX, outros argumentos nao teligiosos surgom conta 0 argumento da ulildade dos meios cienticosna compreensso enaerpicagaodo compotomentohumance dasies soctas. Este movimento opareceu no Alemanha e € represeniodo ‘nos textos de Wiel Dithey. ANOB QO 2 SEMESTRE 2000 “Sexo” e “Género” Esse conceito de Identidade sexual era dominante na maioria dos paises industtializados & época do surgimento da segunda fase do feminismo. Mas também havia idélas de que as feminisias poderiam se valer para comegar a desafié-lo. Anterioimente discutl a importéncia crescente da metatisica matetialisia nas socledades ocidentais do inicio da era modema, O que nao mencionel fol que 0 crescimento dessa metaffsica nunca fol incontestado; multos movimentes culturais @ infelectuais, ao longo de toda modemidade ocidental, lutaram para provar a distingdo da exisiéncia humana em relagdo ao resto do mundo fisico.? Alguns desses movimentos, particulaimente aqueles baseados na religido, insistiiam num fundamento teligioso, mais do que fisiol4gico, para a distingGo masculino/feminino. Mais do que isso, até de dentro de uma metatisica materialsia surgitam, antes do crescimento da segunda fase do feminismo, perspectivas que desafiaram completamente os entendimentos fisiolgicos da “identidade sexual’. Antes eu mostrei como muttos materialstas dos séculos XVII @ XvIl conjugoram duas Idéias que depois passaram a ser vistas trealienternente como antitéticas: a idéia da base fisiolégica da "natureza’” humana e a idéia da construgao social do caréter humano. No século XIX, um tedtico que combinou ambas as idéias — mantendo um intenso matetialismo enquanto elaborava também, e com alia sofisticagdo tedrica, aidéia da constituigdo social do caréter humano — foi Kari Marx, Junto com outros pensadores dos séculos XIX € XX, Marx contrisulu com um modo de pensar o carater humano que reconhece a grande importancia da sociedade na constituig¢ao do cardter. As feministas da segunda fase puderam se valer desse modo de pensar para ‘comegar a desafiar um entendimento puramente fisiolbgico da ‘identidade sexual’. Mas, como propus antes, apesar de o desafio a esse entendimento de identidade sexual ter sido muito presente nos textos da segunda fase, ele também fol incompleto. © que ele ainda manteve foi a idéia de que hé alguns “dados” fisiolgicos que sGo usados de forma semelhante em todas as culturas para distinguir mulheres de homens, e responsdvels, pelo menos parcialmente, por certos aspectos comuns nas normas de personalidade e comportamento que afetam mulheres e homens em muitas sociedades. Essa posigdo, que rotulei de “fundacionalsmo biolégico", possibilitou a muitas feministas a tejeigGo do determinism biolégico explicito, embora ainda mantendo um de seus pressupostos — o da existéncia dos aspectos comuns 6 vérias culturas. LINDA NICHOLSON 23. Foi depois de lera discussGo muito inspitada que Chandra Talpade Mohanty faz da Inodugdo de Robin Morgan para Sistemood Is Powertul que me ‘ocorreu verno ensaio de Morgan um bom exemplo de fundacionalismo blolégico. Ver MOHANTY, 1992, p. 74-92. Considero 0 objetivo da ondiise de Mohanty como que se sobrepondo comeu, © que estou chamando de “fundacionalismo biolégico", mais do que uma posigao unica, pode ser entendido como representante de um leque de posi¢ées, unidos de um lado por um determinismo biolégico estitto, de ‘outro por um consttucionismo social total, Uma vantagem de se ver o “fundacionalismo biolégico” como representante de um leque de posigdes é que assim ele se opde & tendéncia comum de se considerar as posigdes do “consttucionismo social” iguais em relagao ao papel que a biologia nelas representa. As feministas da segunda fase frequenternente assumiram que basta reconhecer qualquer distancia em relagdo ao determinismo biolégico para se evitar todos os problemas associados a essa posigéo. A questao, porém, é bem mais relativa: as posigdes da segunda fase mostraram-se a disténcias maiores ou menores do determinismo bioldgico, mas também mostraram um maior ou menor numero de problemas assoclados a essa posicdo, de acordo com a distancia tomada — falo especificamente da tendéncia a produzir generalizagdes equivocadas a partir de projegdes do contexto cultural da prépria tedrica. Apossibilidade de ser "mais ou menos" construcionista social 6 consequiéncia do argumento de que qualquer fendmeno pode ser considerado como contiibuindo "mals ‘ou menos” para um determinado resultado. Normalmente falamos de determinismo biolbgico quando um fenémeno espectfico é considerado intelramente como consequéncia de fatores biolégicos. Assim, ser urn construcionista social & meramente argumentar que a sociedade teve alguma participagdo num determinado resultado. facil, porém, ver que dentro dessa perspective pode existir um leque de posic¢ées sobre a importéncia de tal participagao. No trabalho de muitas tedricas da segunda fase, o construcionismo social aparece quase como posigco emiblematica. Embora permita a pressuposigGo de certas diferengas entre mulheres, seu papel nesse sentido é minimo, Jd que tals diferengas sdo restritas 4s margens da historia humana ou a supostas qualidades "secunddrias* da femininidade — aquelas que néo afetam a definigo basica do ser mulher. Para mostrar como 0 construcionismo social pode funcionar dessa forma emblemética, quero me voltar os textos de duas pensadoras exponentes explicitas dessa conente — embora elas usem 0 corpo para criar generalizagées sobre mulheres de fora nao muito diferente do que prevé o determinismo bioldgico. A primeira é Robin Morgan. Em sua introdugao a Sisterhood Is Global, Morgan é expiicita em relagéo aos muitos modos como as vidas de mulheres variam entre cultura, raga, ESTUDOS FEMINISTAS 3 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO. 24, MORGAN, 1984, p. 4. 26. Idem, p. 6-8. ANO8 DA 2°SEMESTRE 2000 nacionalidade etc; entretanto, ela também acredita na existéncia de certos aspectos comuns entre as mulheres, Como fica claro em seu texto, fais aspectos comuns nao s4o para ela determinados pela biologia, mas “resultados de uma condi¢do comum que, apesar de variagdes de grou, 6 a experiéncia de todos os sees humanos que nascem mulheres’. Embora ela nunca defina expicitamente essa condi¢éo comum, ela chega perto disso na seguinte passagem: Para muitas tedéricas feministas, 0 controle patriarcal dos corpos das mulheres como melo de reprodugao é o ceme do dilema. |...) A fragédia dentro da tragédia 6 que por sermos consideradas primordiaimente seres reprodutivos, mais do que seres humanos plenos, somos vistas num contexto sexual de definigdo masculina, com a conseqliente epidemia de estupro, assédio sexual, prostituigGo forgada € trafico sexual de mulheres, com casamento arranjado, estruturas familiares institucionalizadas e a negagdo da expressdo sexual propria ds mulheres,”* Trechos como esse sugerem que hd algo dos corpos das mulheres, especificamente suas capacidades reprodutivas, que embora nao necessariamente provoque ou determine um resultado social espectico, torna possivel (ou estabelece a transigao para) um certo conjunto de reagées masculinas através das culturas que sGo comuns 0 bastante para levar a um certo aspecto comum na experiéncia das mulheres como vitimas de tals reagdes. De novo, esse aspecto comum dos corpos das mulheres néo determina esse conjunto de reagdes no sentido de em que todos os contextos culturals esse aspecto comum geraria uma teagéo desse tipo; no entanto, esse aspecto comum de fato leva a esse tipo de reagdo em multos contextos. A diferenga entre esse tipo de posi¢o e 0 determinismo bioldgico & muito ténue. Como jé apontel, o determinismo biolégico é comumente pensado como aplicado s6 a ontextos em que um fendmeno nao é afetado por qualquer variagao no contexto cultural. Por estar permitindo que algumas variagées no contexto cultural possam afetar a reagao, ela nao esté sendo aqui uma detemminista bioldgica estrita. Mas quando ela acredita que esse aspecto comum dos corpos das mulheres leve a uma reagdo comum num largo espectto de contextos culturais, héna verdade apenas uma pequena diferenca entre sua posi¢do eo determinismo biolégice estito. Quando veros que, dentro de uma teoria, abiologia pode exercer “mais ou menos” uma deteminada INTERPRETANDO O GENERO. 24, MORGAN, 1984, p. 4. 26. Idem, p. 6-8. ANO8 DA 2°SEMESTRE 2000 nacionalidade etc; entretanto, ela também acredita na existéncia de certos aspectos comuns entre as mulheres, Como fica claro em seu texto, fais aspectos comuns nao s4o para ela determinados pela biologia, mas “resultados de uma condi¢do comum que, apesar de variagdes de grou, 6 a experiéncia de todos os sees humanos que nascem mulheres’. Embora ela nunca defina expicitamente essa condi¢éo comum, ela chega perto disso na seguinte passagem: Para muitas tedéricas feministas, 0 controle patriarcal dos corpos das mulheres como melo de reprodugao é o ceme do dilema. |...) A fragédia dentro da tragédia 6 que por sermos consideradas primordiaimente seres reprodutivos, mais do que seres humanos plenos, somos vistas num contexto sexual de definigdo masculina, com a conseqliente epidemia de estupro, assédio sexual, prostituigGo forgada € trafico sexual de mulheres, com casamento arranjado, estruturas familiares institucionalizadas e a negagdo da expressdo sexual propria ds mulheres,”* Trechos como esse sugerem que hd algo dos corpos das mulheres, especificamente suas capacidades reprodutivas, que embora nao necessariamente provoque ou determine um resultado social espectico, torna possivel (ou estabelece a transigao para) um certo conjunto de reagées masculinas através das culturas que sGo comuns 0 bastante para levar a um certo aspecto comum na experiéncia das mulheres como vitimas de tals reagdes. De novo, esse aspecto comum dos corpos das mulheres néo determina esse conjunto de reagdes no sentido de em que todos os contextos culturals esse aspecto comum geraria uma teagéo desse tipo; no entanto, esse aspecto comum de fato leva a esse tipo de reagdo em multos contextos. A diferenga entre esse tipo de posi¢o e 0 determinismo bioldgico & muito ténue. Como jé apontel, o determinismo biolégico é comumente pensado como aplicado s6 a ontextos em que um fendmeno nao é afetado por qualquer variagao no contexto cultural. Por estar permitindo que algumas variagées no contexto cultural possam afetar a reagao, ela nao esté sendo aqui uma detemminista bioldgica estrita. Mas quando ela acredita que esse aspecto comum dos corpos das mulheres leve a uma reagdo comum num largo espectto de contextos culturais, héna verdade apenas uma pequena diferenca entre sua posi¢do eo determinismo biolégice estito. Quando veros que, dentro de uma teoria, abiologia pode exercer “mais ou menos” uma deteminada 26. RAYMOND, 1986, p. 27 27. RAYMOND, 1979. 28. idem, p. 100. LINDA NICHOLSON influéncia, podemos ver também que se pode ser "mais ou menos" uma construcionista social. Uma outra escritora que explicitamente rejeita o determinismo biolégico, mas cuja posigéo também acaba funcionalmente préxima a ele é Janice Raymond. Em A Passion for Friends, Raymond explicitamente rejeita a no¢ao de que abiologia é a causa da espectficidade das mulheres: *As mulheres néo tém uma vantagem biolégica em relagao ‘as qualidades mais humanes da existéncia humana, nem sua incomparabllidade deriva de qualquer diferenga biolégica em telagdo ao homem; antes, simplesmente, do mesmo modo como qualquer contexto cultural distingue um grupo de outro, a ‘alteridade’ propria ds mulheres vem da cultura das mulheres”. Essa posigGo estd presente também no livro anterior de Raymond, The Transsexual Empire.?7 O que & muito interessante sobre esse livro, porém, é que boa parte de seu argumento, assim como o de Morgan, est apoiada no pressuposto de uma relagdo altamente constante entre biologia e caréter, embora, repito, ndo se trate de uma Constancia caracterisica do determinismo biolégico mais totineiro. Em seu trabalho, Raymond € extremamente critica em relagdo 4 transexualidade em geral, que ela rotula especificamente de "homem-para-mulher-construida”, refetindo-se de modo ainda mais especial aqueles *homens- para-mulheres-construfdas’, que se auto-denominam “feminists lésbicas’. Embora multas das criticas de Raymond venham da posig¢éo convincente de que a medicina modema fomece uma base muito problematica para se transcender o género, outras partes de sua critica sutgem de certos pressupostos sobre uma relagdo invaridvel entre biologia ¢ cardter. Especificamente, Raymond duvida da veracidade das alegagées, por parte de qualquer homem bioldgico, da existéncia de "uma mulher dentro dele": “O homem andrégino € a ferninista lésbica transexualmente construlda enganam as mulheres praticamente da mesma forma, porque levam as mulheres a acreditar que sao verdadelramente como nés — nao s6 em termos de comportamento, mas também em espirito e em convicgdo’.* Para Raymond, todas as mulheres diferem em certos aspectos importantes de todos os homens. Essa diferenga ocore nao porque a biologia de cada grupo determine diretamente um certo caréter, mas, acredita ela, porgue a posse de um tipo especttico de genitalia (isto 6, aquela rotulada de “feminina’) gera deteiminados tipos de reagao diferentes dos tipos de reagdo gerados pela posse da genitélia "masculina", O que ha de comum entre as reagées geradas pela posse da genitélia “feminina’, ¢ o ESTUDOS FEMINITAS 5 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO 29. idem, p. 114. ANO8 D6 2° SEMESTRE 2000, que os difere das outras reagées, so suficientes para garantir que ninguém nascido com genitalia masculina pode reivindicar semelhanga suficiente com os nascidos com genitélia feminina para garantiro rétulo de “teminino”. Assim, propée Raymond, Sabemos que somos mulheres que nascemos com cromossomos e anatomia femininos, ¢ que, tenhamos ou néo sido socializadas para sermos consideradas "mulheres normals", 0 patriarcado nos fratou € nos trata como mulheres. Os transexucis ndo tiveram a mesma historia. Nenhum homem pode ter histéria de ter nascido e se colocado nessa cultura como mulher. Ele pode ter historia de ter desejado ser mulher € de ter agido como mulher, mas essa experiéncia de género 6 prdpria a um transexual, nao a uma mulher.” Raymond considera suas proposigdes nesse trecho validas para aquelas/es que vivem nas sociedades patriarcais, mas assume uma homogeneidade de reagdes entre essas sociedades suficiente para fazer com que a biologia se tore, em qualquer caso dentro de cada uma delas, um “determinanie” de cardter. Mas, como invariavelmente a biologia produz certas reagdes comuns com um efeito espectfico no carter, ela se toma, com efetto, uma causa do cardter. Assim como Morgan, Raymond nao propde que a biologia gere conseqliéncias especificas, qualquer que seja a cultura. Para ambas, porém, a vatiabilidade ao longo de um amplo espectro de sociedades, e dentro de cada uma delas, toma-se 10 sutil Que a prépria cultura comega a desaparecer como varidvel A invocagdo da cultura de fato permite, € claro, a essas tedricas postular a existéncia de diferencas, paralelamente Qos aspectos comuns, o que deixa aberta a possibilidade de uma sociedade distante, na qual a biologia nao possa ter esses efeitos. Mas em nenhum caso essa Invocagao interfere no poder dos dados biolégicos de gerar aspectos comuns importantes entre mulheres num grande periodo da historia humana. Na discussGo precedente, concentrei-me nos textos de Morgan e Raymond a titulo de ilustragao. O tipo de fundacionalismo biolégico exemplificado nesses textos ndo € exclusivo dessas duas autoras, mas representa a tendéncia Principal da teoria da segunda fase, particularmente no feminismo radical. Essa tendéncia entre feministas radicais ndo € de surpreender. Desde 0 inicio dos anos 70 elas ecupam a vanguarda das que insistern nos semelhangas entre mulheres e em suas diferengas em relagGo aos homens. Mas é dificil justificar tais proposig¢des sem invocar a biologia LINDA NICHOLSON 80. Uma tedrica feminista raci- cal que endossou explicitamen: te 0 determinismo biolégico no fim dos anos 70 foi Mary Daly. Numa entrevista de 1979, na e- vista feminista off our backs, Daly respondeu 4 perguntc sobre se ‘os problemas dos homens tm raz na biologia dizendo estar Incinada a pensar que sim. Ver DALY, 1979, p. 23. Quem me chamou atengdo para essa entrevista fol Carol Ann DOUGLAS (1990), Para outros exempios dessa tenciéncia denito da teora feminisia radical nos anos 70, ver @ discussdo mutto produtiva de Alison JAGGAR (1983, p. 93- 98} sobte biologia e feminiso radical 31. YOUNG, 1985. 82, GUGAN, 1984, CHODOROW, 1978. de algum modo, Durante os 70, muitas feministas radicais explicitamente endossaram 0 determinismo biolégico.®° Este se fornou, porém, cada vez menos palatavel entre as feministas por uma série de razées. NGo s6 por sua desagraddvel associagéo com o anti-feminismo, mas também por aparentemente impossibiltar diferengas entre mulheres e — na auséncia da guerra biolégica feminista — ‘aparentemente negar qualquer esperanga de mudanga. Atarefa passou a ser a criagdo de uma teoria que permitisse diferencas entre mulheres, que tornasse pelo menos teoricamente possivel a idéid de um futuro sem sexismo e que ainda justificasse reivindicagées transculturais relativas ‘as mulheres. Aigumas vers6es de um intenso fundacionalismo- biolégico se tornaram entao a saida para muitas feministas radicais. Qs textos feministas radicais sG0 uma tica fonte de exemplos de fundacionalismo biolégico intenso. No entanto, até mesmo as teorias que prestam mais atengdo 4 histéria e a diversidade culturais do que 0 fazem as teorias de muitas femninistas radicais geralmente apdiam seus argumentos criticos em alguma forma de fundacionalismo biolégico. Defendi aqui que desde o inicio dos anos 70 as feministas radicals sido na vanguarda das que querem enfatizar os aspectos comuns entre mulheres e suas diferencas em telagdo aos homens, Mas a partir dos anos 70 e inicio dos 80, boa parte do feminismo da segunda fase comegou a tomar essa diregdio, mudando do que Young chamou de uma postura "humanista’ para uma mais “ginocéntrica’.*! A atengdo mulfo grande dada naquela época a livros como In aDifferente Voice, de Carol Gilligan, € The Reproduction of Mothering, de Nancy Chodorow, pode set explicada pelo modo como eles foram titeis, © primeiro para esmiugar as diferengas entre mulheres e homens, o segundo para explica- las. Embora ambos os trabalhos exemnplifiquem de forma contundente a perspectiva da “diferenga’, nenhum dos dois se encaixa na categoria do “feminismno radical”. Em ambos ‘@s livros, porém, e em outros textos do periodo que também enfatizam a diferenga, como os de feministas francesas como Luce Irigaray, ha uma sobreposigdo interessante com perspectivas incorporadas por andlises feministas bem tadicais. Especificamente, nesses trabalhos € proposta uma intensa conelagao entre pessoas com certas caracteristicas biolégicas e pessoas com certos tragos de cardter. Para confirmar, num trabalho como The Reproduction of Mothering, de Chodorow, essa proposigae é feita numa rica ecomplexa andlise sobre cultura — sobre como a posse de certos tipos de genitalia coloca a pessoa numa dinémica ESTUDOS FEMINSTAS 7] 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO 33, Ao acuscr 0 trabalho de Chodorow de ndo prestor a devide atengdo a questées cestrutucis socials, Jucih Lorber (1981) expliciiomente levontou questdes sobre vies de classe em The Reproduction of Mothering, Seus aigumentos mals gercis porém, também se aplicam a raga. Szabeth SPELMAN (1988, 1. 80-113) seconcenttanosmetos pelos quais 0 trabalho de Chodorow ‘aborda Insuicienternente raca.e classe: Adrienne RICH (1980) percebe a lacuna da andiise de Chodorow respetto do lesbianismo. Audie LORDE (1961 levantou questées de racismo em retagéo a Gynt Ecology de Mary Daly. SPELMAN (1988, 9. 123-125) também tenia pare os meios pelos quois Gionéise de Daly tence a separ serismo @ racismo, tendo este como secundiério em relagéo aquele, © separatismo dos femhistas lésbicos radicals fol citicado porignorar questoes de raga (ver The Combahes River Collective, 1981). Os vieses de tage e classe no trabalho de Giligan foram apontados por John Broughton (1983, p. 634). Eu foribérn desenvovo essa questé0 (NICHOLSON, 1983). ANO8 DQ ®SEMESTRE 2000 psico-social especifica, mas s6 dentro de certos tipos de cir- cunstGncias, @ sO se essas genitdlias possuem certs tipos de significados. No entanto, eu ainda descreveria um frabalho como The Reproduction of Mothering como fundacionalista biolégico, porque sua complexa e sofisticada ‘andlise sobre desenvolvimento infantil, como supostamente plicdvel para um grande leque de culturas, tem base no pressuposto de que a posse de cerios tipos de genitélia lem realmente, através dessas culturas, um significado comum ‘osuficiente para tomar possivel a postulagdo de um conjunto de relatos sobre desenvolvimento infantil tao fundamentalmente homogéneos. Pressupor que a consttugdo cultural do corpo funciona como uma variavel que néo muda através de diferentes trechos da histéria humana, e que se combina com outros elementos culturais telativamente estaticos para criar certos aspectos comuns na formagdo da personalidade através dessa histéria, denota uma verso muito significativa do fundacionalismo biolégico. Um problema que se manifesta nas teorias anteriores, cltadas por tantos comentaristas, 6 que “um femninismo da diferenga” tende a ser “um feminismo da uniformidade". Dizer que “as mulheres sdo diferentes dos homens desse ou daquele jeito” ¢ dizer que as mulheres sGo “desse ou daquele Jelto”. Mas inevitavelmente as caracterizagdes da “natureza” ‘ou da “esséncia” das mulheres — ainda que essa “natureza” ouessa “esséncia'’ seja descrita como sociaimente construida —tendem a refletir a perspectiva daqueles que as fazem. E como aqueles que tém poder para fazé-las nas sociedades de origern européia contempordneas geralmente sdo brancos, heterossexuais € profissionais de classe média, tals caracterizagées tendem a refletir a predisposig¢ao desses grupos. Assim, ndo € de surpreender que a guinada ginocéntrica dos anos 70 lago se transforrnou nos protestos de mulheres negras, lésbicas e das classes trabalhadoras, que nao viam suas experiéncias refletidas nas histérias contadas. Assim, Chodorow logo fol criticada por ter elaborado uma andlise basicamente heterossexual, enquanto Gilligan e feministas radicais como Mary Daly foram ‘acusadas de falar primordiaimente de uma perspectiva branca, ocidental e de classe média.* Argumento, eniGo, que quando a teoria feminista faz generalizagées através de grandes varteduras da historia, 0 que se pressupée, @ precisa ser assumido, sdo perspectivas ‘comuns ao longo dessa histéria sobre 0 sentido e a Importéncia dos corpos femininos e masculinos. Muitos escritores mostraram como nesses tipos de teorias o contetido: LINDA NICHOLSON especifico das propostas tende a refletir a cultura do tedtico que faz a generalizagao. Mas hé algo que também & tomado de empréstimo ao contexto cultural do tedrico € toma ageneralizagdo possivel, que 6 um entendimento particular do sentido dos corpos e de seu relaclonamento com a Cultura: 0 de que os corpos so sempre construidos de modos ‘especificos, e consequientemente de forma a pérem ago uma histéria particular de desenvolvimento de carater e de reagdo social. O lance metodolégico aqui ndo € diferente do empregado pelo determinismo biolégico: o pressuposto de que a natureza é algo dado e comum a todas as culturas é sempre usado para dar credibilidade 4 generalidade da Proposi¢do especifica, Em resumo, ndo se trata apenas de dizer que certas idéias especificas sobre mulheres e homens —"as mulheres so culdadosas em suas relagées, capazes de alimentar, proteger e cuidar, enquanio os homens sGo ‘agressivos e combativos” — estéo sendo generalizadas equivocadamente; quero dizer que também estéo sendo generalizados equivocadamente, e possibilitando generalizagées adicionais sobre o cardter, certos pressupostos sobre 0 compo e sobre sua relagdo com o cardter — “existe aspectos comuns nos dados diferenciadores do corpo que geram aspectos comuns nas classificagées do humano através de diferentes culturas e nas reagdes dos Quttes diante daqueles que assim sdo clasificados”. Os problemas associados ao “ferninismo da diferenga” s4o tefletidos no fundacionalismo biolégico, e também Possibilitados por ele. Uma réplica pode ser feita aqui: meu argumento pode estar negligenciando 0 fato de que em muitos contéxtos histéricos, talvez na maioria, as pessoas 1ém interpretado 0 corpo de formas relativamente semelhantes, e essa interpretagao comum tem possibilitado a existéncia, em diferentes culiuras, de alguns aspectos comuns nas experiéncias das mulheres ou no tratamento dado a elas. E verdade, pode ser que realmente algumas tendéncias académicas feministas tenham _ pressuposto eauivocadamente a generalizabilidade de alguns tragos de cardter especificos encontrados na vida da classe média contempordnea ocidental — como a tendéncia 4 protegdo © G0 cuidado ser maior entre as mulheres do que entre os homens. Ndo é complicado assumir, porém, para sociedades contempordneas ocidentais e para a maioria das outras, que a posse de um ou dois tlpos possiveis de corpos de fato leva 4 rotulag¢ao de mulheres para algumas pessoas e de homens para outras, e que essa rotulagdo camrega algumas caracteristicas comuns, com alguns efeltos comuns. BSTUDOS FEMINISTAS DQ 2/2000 INTERPRETANDO © GENERO 34, Sobre os modes camo pavos Indigenas ameticanos solapam nogdes de género, ver WILLIAMS, 1986, @ WHITEHEAD, 1981. Para uma discusséo produtiva do fendmeno dos maridos femininos, ver AMADIUME, 1987. Igor KOPYIOFF {1990} fomece uma discussdoatamente provocative sobre a relagdo entre os fenérmenas dos maridas fermininos @ quesiées mais getais relativas natureza da identidace. ANOS 3Q) 2 SeMesTRE 2000 Essa réplica é poderosa, mas, insisto eu, esse poder deriva de um erto sutii quanto 4 interpretagao do mode como © género opera transculturalmente. Quase todas as sociedades conhecidas na academia ocidental de fato parecem ter algum tipo de distingdo masculino/feminino. Mais do que isso, a maioria parece relacionar essa distingao a.algum tipo de distingao corporal entre mulheres ¢ homens. A partir dessas observagées, 6 de fato tentador adotar as proposig6es acima; entretanto, eu sustentaria que esse gesto & equivocado. E digo isso porque “algum tipo de aistingao masculino/feminino’ e “algum tipo de distingdo corporat” incluem um grande leque de possiveis diferengas sutis no sentido da distingéo masculino/feminino e no sentido da forma como a distingdo corporal atua sobre ela, Por serem sutis, essas diferengas ndo so necessariamente o tipo de coisa que feministas contempordneas ocidentais perceberao logo de cara ao examinar culturas europeias pré-modemas ou culturas néo dominadas pela influéncia da Europa moderna, Diferengas sutis em tomo dessas questdes, porém, podem ter importantes consequéncias no sentido mais profundo do que é ser homem ou mulher. Por exemplo, algumas sociedades indigenas americanas que entendiam identidade em termos de forcas espitituais, de formna mais intensa do que sociedades ocidentais modemas de base européia, também permitiam a algumas pessoas com genitélia masculina entender-se e ser entendidas como meio-homens/meio-mulheres, de um mado impensdvel em sociedades ocidentais modemas de origem eutopéia. Nestas, © compo € sempre interpretado como um significante tao importante da identidade que alguém com genitalia feminina nunca é imaginado como alguém que possa ‘algum dia ocupar legitimamente 0 papel de “marido”, enquanto em muitas sociedades africanas essa limitagao ndo existe. Em resumo, embora muitas dessas sociedades de fato possuam algum tipo de distingao masculina/feminino e@ também telacionem essa distingao, de forma mais ou menos significativa, ao compo, diferengas sutis na forma como proprio carpo é pensado podem ter algumas implicagées fundamentais para 0 sentido do que é ser homem ou mulher e representar, consequientemente, diferengas importantes no grau eno modo come o sexismo opera. Em resumo, essas sutis diferengas nos modos como 6 corpo é lido podem estar relacionadas a diferengas no sentido do que 6 ser homem ‘ou mulher — diferengas que “vo até o fundo".* Esse argumento é volido no apenas no que conceme a relagdo entre sociedades ocidentais modemas de base européia e algumas outras sociedades “exdticas’. Mesmo LINDA NICHOLSON dentro das primeiras podemos detectar importantes tensdes e confiitos no sentido do corpo € na forma como 0 corpo se telaciona com identidades masculina e feminina. Embora essas sejam certamente sociedades que ao longo dos tiltimos varios séculos operaram com uma distingdo masculino/ feminino extremamente binaria e basearam essa disting¢ao numa biologia binaria a ela atribuida, elas também, em graus varidveis, articularam nogdes do eu que negam diferengas entre mulheres e homens, e essanegagdo nao é ‘apenas uma conseqiiéncia do feminismo. Em parte, a negagao se manifesta na proporgao em que a maxima “mulheres e homens sGo basicamente iguais" toma-se parte do sistema hegeménico de crengas das sociedades nas quails muitos de nds operamos, estando sempre disponivel ‘como base para 0 ataque das feministas ds diferengas. De fato, o proprio feminisno s6 foi possivel, pelo menos em parte, como conseqléncia de uma tendéncia cultural geral de ‘algumas sociedades de base européia a desassociar de certa forma a biologia do carter. Um dos pontos fracos de um feminismo baseado na diferenga é que ele nao pode explicar 0 fendmeno de tais sociedades terem produzido feministas — pessoas que, devido 4 prépria genitalia, e por forga do préprio argumento, deveriam ter-se tornado completamente femininas, mas cuja verdadeira habilidade politica e/ou presenga em instituigées anteriormente dominadas por homens como a academia deve indicar uma certa dose de socializagdo masculina. Mais do que isso, parece inadequado conceituar essa dose meramente ‘como um adicional a certos aspectos "basicos’ que temnos em comum, Em resumo, & por causa de uma certa desassociagao prévia entre biologia e socializagao que, num nivel bem basico, muitas de nds somos quem somos. Em resumo, um feminismo da diferenga, e o fundacionalismo biolégico no qual ele se apdia, contém, nas socledades modeinas de base européia, elementos de verdade e de falsidade. Por serem sociedades que, em grande medida, percebem as genitdlias feminina e Mmasculina como bindrias e também associam cardter a essas genitdlias, as pessoas nascidas com genitalia “masculina’ estao propensas a serem diferentes, em muitos ‘aspectos importantes, das pessoas nascidas com genitalia “feminina”, Um feminismo da diferenga, e 0 fundacionalismo biolégico no qual ele se apdia so, porém, iguaimente falsos No $6 por causa do fracasso de ambos em reconhecer a historicidade de seus prdprios insights, mas também, o que estd ligado a isso, porque nenhum dos dois prevé, até mesmo dentro das sociedades contemporéneas de base européia, ESTUDOS FEMINISTAS 3] 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO 86, RAYMOND, 1979, p. 28-29. 36. Idem, p. 1livov. 97, Essa fraqueza gercl dos ar- gumentos que empregam o ‘conceito de “falsa consciéncia” fol sugeria por Marcia Lind. ANO8 QO 2 SEMESTRE 2000 © quanto o sisterna de crengas que seus insights refletem esi comprometide por quebras ¢ fissuras, Desse modo, um feminismo da diferenga néo pode fomecer um insight para aqueles entre nés cuja psiqué 6 manifestagao dessas quebras e fissuras. Veja por exemplo 0 caso dos que nascem com genitélia masculina mas se consideram mulheres. Raymond, em The Transsexual Empire, sugere que “homens- pora-mulheres-construidas’ so movidas pelo deseo de se ‘apropriar, pelo menos simbolicamente, do poder de reprodugao das mulheres.** Ela sugere também que *mulheres-para-homens-construidos” sao movidas pelo desejo de se apropriar do poder geral dado aos homens, ou seja, elas 6m a “identidade masculina” levada ao extremo..% Assumindo, s6 para fins de discussdo, que tals argumentos sd Vélidos, eles ainda deixam de responder aquelas questées sobre por qué aigumas mulheres tém uma ‘identidade masculina” té0 forte, ou por qué s6 alguns homens € nao outros desejam se apropriar simbclicamente do poder de reprodugdo das mulheres ou fazer isso desse modo, Qualquer apelo 4 “falsa consciéncia’, como que num retomo ao manismo, apenas leva a falta de resposta a um nivel mais profundo porque, de novo, nada se diz sobre o porqué de sé alguns endo outros sucumbirem & “falsa consciéncia”.’” Assim, até mesmo quando a propria cultura associa 0 género 4 biologia, uma andlise feminista que segue esses pressupostos fica incapaz de explicar aqueles que se desviam da norma, Por ser 0 ferninisrno da diferenga ao mesmo tempo falso e verdadero dentro das sociedades nas quais operamas, 0 processo de endossé-lo ou rejelté-lo tem alguns elementos estranhos. E como quando olhamos para aquelcs figuras em livios de psicologia, que num momento lembram ‘acabega de um coelho e jé no momento seguinte lembram @ cabega de um pato, Dentro de cada ‘visGo", aparece alguns tragos antes escondidos, e a interpretagao momenténea parece ser a Unica possivel. Muito do poder de livros como The Reproduction of Mothering, de Chodorow, ein a Different Voice, de Gilligan, esté no fato de eles terem gerado maneitas radicalmente novas de ver as relagdes socials. O problema, porém, foi que essas novas maneiras de configurar a realidade, embora realmente poderosas, também deixaram muita coisa escapar. Como uma lente que llumina sé alguns aspectos do que vemos, através do modo como deixam os outros na sombra, essas visses delxaram de lado os muitos contextos nos quais nés, como mulheres e homens, desviamo-nos das generalizagées produzidas por essas andlises, seja porque os contextos LINDA NICHOLSON culturais de nossa Infancia néo foram abrangidos por essas generalizagées, seja porque a dinémica psiquica especitica de cada uma de nés na Infancia solapou qualquer internalizagdo pura e simples dessas generaizagées. Assim, tomou-se impossivel para as mulheres reconhecer os modos pelos quais as generalizagées produzidas pelas andlises capturaram pobremente suas/nossas préprias nogées de masculinidade e femininidade, e também o modo como suas/nossas préprias psiqués poderiam ter incorporadio tragos masculinos (mesmo quando isso aconteceu). Qualquer reconhecimento desse ultimo desvio parecia tomar particularmente suspeita a participagGo de qualquer feminista na comunidade feminista. Esse Ultimo argumento lumina 0 que é freqenternente esquecido nos debates sobre a verdade de tais generalizagées: por ser possivel acumular provas tanto de sua veracidade quanto de suc falsidade, 0 endosso ou a tejeigdo ndo € conseqiéncla de uma avaliagao desapaixonada da "prova’. Anes, 6 nossa necessidade discrepante, tanto individual quanto coletiva, que empurra aquelas de nés que somos mulheres para nos vermos mais ‘ou menos & semnelhanga de outras mulheres e 4 diferenga dos homens, Num nivel coletivo, a necessidade de aigumas de verem umas muito parecidas com as outras e diferentes dos hornens tomou muitas coisas possiveis num certo momento da historia. E o mais importante, tormou possiveis 0 tevelagao do sexismo, em toda sua profundidade e em sua disseminagao, e a construgdo de comunidades de mulheres ‘organizadas em toino da eradicagao do sexismo. Essa aiitude também continha alguns grandes ponios fracos, Mas Oo mais notavel é a tendéncia a enadicar as diferencas entre ‘as mulheres. A questo que o feminismo enfrenta hoje é se Podemos ou ndo gerar novas nogées de género que retenham 0 que {oi pasitivo num “feminismo da diferenga” e eliminem 0 que foi negativo. Como entéo interpretar “a mulher"? Nas sociedades contemportineas de base européia hd uma forte tendéncia ao pensamento do tipo “ou/ou" em relagdo ds generalidades: ou hé aspectos comuns que nos ligam a todas, ou somos todas simpiesmente individuos. Uma grande parte do apelo de teorias que dao base ao “feminismo da ciferenga’ reside no grande arsenal que elas produziram contra a tendéncia comum na sociedade de menosprezar a importéncia do género, de negar a necessidade do feminismo por sermos “todas simplesmente Individuos’. © “feminismo da diferenga” tevelou muitos ESTUDOS FEMINSTAS 93 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO 38. € claro que a reivingicagao os especiicidades ¢ semiore relativa, Como tal, nenhuma relvindicacao de especiicidade pode serinterpretada em termos absolutes, mas apenas como umarecomendagdo para uma atitude mais decidida nessa Gtrecéo. ANO8 BA 2 SEMESTRE 2000 padrées sociais de género importantes, padiées que permi- tram s mulheres entender as circunstancias em que vivi- am, em termos mais sociais do que idiossincraticos. Meu argumento contra 0 “femninismo da diferenga" nao propde que devames parar de procurar esses padrdes. Sugiro que os entendamos em termos diferentes, mais complexes, do que tendemos a fazer, particularmente que sejamos mais atentas a historicidade dos padres que revelamos. Enquanto procuramos o que é sociaimente compariilhado, precisamos ao mesmo tempo procurar os lugares onde esses padrées falham. Meu argumento, portanto, sugere a substituigdo de propostas sobre mulheres como tais, ou até sobre mulheres nas “sociedades patriatcais’, por propostas sobre mulheres em contextos espectticos.*° ‘A idéia de podermos fazer proposigées relatives a mulheres referindo-nos a grandes periodos da histéria foi focilitada pela idéia de que hd aigo em comum a categoria “mulher em todos esses periodos: que todas compartiiham, num determinado nivel basico, alguns aspectos bioligicos. Assim, aquilo que chamei de “fundacionalismo biolégico” confere contetido & proposigéo de aue existem critétios comuns para a definigao do que significa ser mulher. Para {ins politicos, tais critérios sG0 considerados capazes de nos habilitar a distinguir 0 inimigo do aliado e a fomecer a base para o programa politico do feminismo. Haverd muita gente vendo meu ataque ao fundacionalismo biolégico como ataque ao préprio feminismo. Se n&o possuimes alguns critétios comuns dando significado 4 palavia "mulher", como vamos gerar uma politica em tomo dessa palavra? A politica feminista ndo exige que a palavia “mulher’ tenha um sentido definido? - Para me opor a essa idéia de que a politica feminista exige que a palavia *mulher’ tenha um sentido definido, tomo de empréstimo algumas idéias sobre linguagem de Ludwig Witigenstein. Argumentando contra a filosofia da linguagem que defendia o papel do significado na fxagao do sentido, Wittgenstein chamava a atengéo para.a palavra ‘jogo’. Ele argumentava ser impossive! imaginar qualquer aspecto que seja comum a tudo quando se trata de ‘jogo’, Se vocé examind-los [os procedimentos que: chamamos “jogos"] vocé ndo vai ver alguma colsa comum a todos, mas semelhangas, relagées e toda uma série de comespondéncias. (...] Veja, por exemplo, ‘os jogos de tabuleiros, com suas inimeras € diversas relagées possivels. Agora passe para os jogos de cartas; aqui voc encontia muitas correspondénclas com 0 39, WITGENSTEIN, 1953, p. 31-32. 40, A metdfexa da tapegatia fol usade pela primeira vez num ‘attigo que assinel com Nancy Fraser (FRASER @ NICHOLSON, 1999). LINDA NICHOLSON primeiro grupo, mas muitos aspectos comuns se pet- dem, e outros aparecem. Quando vamos aos jogos com bala, muito do que é comum permanece, mas multo também se perde. (...) E 0 resultado desses exa- mes €: vemos uma complicada rede de similaridades se sobrepondo @ se cruzando; és vezes similoridades globais, as vezes no detalhe.” Assim, 0 sentido de "jogo" é revelado nao através da definigdo de uma caracteristica especifica ou de um Conjunto delas, mas através da elaboragéo de uma complexa rede de caracteristicas, com diferentes elementos dessa rede presentes em diferentes casos, Wittgenstein usou a expresséo “relagées familiares” para descrever essa rede porque membros de uma familia podem se parecer uns com os outros sem necessariamente ter um aspecto especttico em comum. Outta metéfora que sugere a mesma idéia € a de uma tapegaria que adquite unidade através da sopreposicdo de fios colorides, mas na qual nenhuma cor em patticular pode ser encontrada.? Quero sugerir que pensemos no sentido de “mulher” do mesmo jeito que Witigenstein sugetiu pensarmos o sentido de "jogo", como palavia cujo sentido néo 6 encontrado através da elucidagao de uma caracteristica especitica, mos através da elaboragdo de uma compiexa rede de caracteristicas, Essa sugestdo certamente leva em conta o fato de que deve haver algumas caractetisticas — como a posse de uma vagina e uma idade minima — que exercem um papel dominante dentro dessa rede por longos periodos de tempo. Considera também o fato de que a palavra pode set usada em contextos nos quais essas caracteristicas nao esto presentes — por exemple, nos paises de lingua inglesa antes da adogdo do conceito de "vagina ou em sociedades de lingua inglesa contemporéneos para se referir aqueles que nao possuem vagina, mas que se sentem mulher (isto €, a transexuais antes da operagao). Mais do que isso, s¢ nossa referencia incluir ndo s6 0 termo inglés ‘woman’, mas também todas as palavras que o traduzem, esse modo de pensar o sentido de “mulher” se torna ainda mais util. E ele é Util principalmente por causa de sud postura nGo arrogante diante do sentido. Como mencionel, esse modo de pensar o sentido de “woman” e de seus cortespondentes nao ingleses nao refuta a idéia de que através de grandes periodos da histéria haverd padrdes. Abandonar a idéia de que pode-se definir claramente apenas um sentido para "mulher" néo significa que ela nao tem sentido. Em vez disso, esse modo de pensar o sentido funciona as partir do pressuposto de que esses padres so ESTUDOS FEMINSTAS 3 52/2000 INTERPRETANDO O GENERO ANB J& _2°SEMESTRE 2000 encontrados dentro da historia e podem ser documnentados como fais. Nao podemos pressupor que o sentido dominante em socledades ocidentais industrializadas deva ser verdadeiro em quaiquer lugar ou através de periodos histéricos de limites indefinidos, Assim, essa postura ndo refuta a Idéia de que o corpo “bissexuado" teve seu Importante papel na estruturagdo da distingao masculino/feminino, e portanto no sentido de "mulher", ao longo de uma parte da histéria humana. Entretanto ela exige que sejamos claros sobre qual fol exatamente essa parte, e até mesmo dentro dela, sobre os coniextos nos quais essa disting¢ao nao se aplica. Mais do que isso, por assumir que o sentido de “mulher’ se alterou ao longo do tempo, essa postura assume também que aquelas/es que atuaimente defendem formas Ndo tradicionais de compreendé-lo, como os transexuais por exemplo, nao podem ser delxados de lado sob a simples alegagao de que suas Interpretagées contradizem os padrées usuais. Raymond defende que ninguém nascido sem vagina pode dizer que teve exoeriéncias comparaveis as dos que nasceram com uma. Como pode ela saber disso? Como pode ela saber, por exemplo, que os pais de aigumas pessoas ndo estavam operande com uma cisdo entre biologia e caréter maior do que a que vale para muitos nas sociedades industrializadas contempordneas, dando de fato a suas criangas com genitalia masculina experiéncias compardveis ds daquelas com genitalia feminina? A historia, feita por alguns que tém experiéncias realmente diferentes daquelas que predominaram no passado. Assim, sugiro pensarmos o sentido de "mulher" como capaz de ilustrar o mapa de semelhangas e diferengas que se cruzam. Nesse mapa 0 corpo nao desaparece: ele se toma uma varidvel historicamente espectfica cujo sentido e importancia sao reconhecidos como potencialmente diferentes em contextos histdricos varidveis. Essa sugestGo, desde que se assuma que 0 sentido é encontrado, nao pressuposto, assume também que a procura em si ndo € um projeto politico ou de pesquisa que uma intelectual sera capaz de executar sozinha em seu gabinete. Ele implica, na verdade, uma compreensdo desse projeto como esforco necessariamente coletivo a ser feito por muitas, e em constante didlogo. Além do mals, como devem indicar tanto a referéncia que fiz aos transexuais quanto minha discussGo anterior sobre aspectos comuns entre mulheres e diferengas em relagdo ‘aos homens, é um erro pensar nessa procura como tarefa “objetiva” assumida por intelectuais motivadas apenas por uma desinteressada busca pela verdade. O que vemos @ LINDA NICHOLSON sentimos como aspectos comuns e diferengas vao depen- der, pelo menos em parte, de nossas diferentes necessica- des psiquicas e metas politicas. Articular o sentido de uma palavia no contexto em que ha ambiguidade, e no qual diferentes conseqtiéncias surgem de diferentes articulagées, €um ato politico, Assim, a articulagao do sentido de muitos conceltos em nossa linguagem, como "mae", “educagéo”, “cléncia” e “democracia’, embora vista como ato meramen- te descritivo, é na verdade estipuladora. Com uma palavia emocionalmente 160 caregada quanto “mulher, da qual tantas coisas dependem se considerarmas o mado como. seu sentido é articulado, qualquer proposta de articulagGo de sentido deve ser vista como intervengao politica. Mas se a elaboragao do sentido de “mulher represen- ‘tauma tarefa continua e uma uta politica continua, issondo compromete 0 projeto de uma politica feminista? Se aquelas que se injitulam feministas néo podem nem decidir sobre quem séo as "mulheres’, como fazer exigéncias politicas em nome das mulheres? Serd que o feminismo ndo carece do Pressuposto de unidade de sentido que, conforme estou sustentando, nao podemos ter? Para responder a essas questdes, permitam-me sugerit um modo de entender a politica ferninista ligeiramente diferente do costumeiro. Normaimente, quando pensamos em "politica de coalizao", pensamos em grupos com Interesses claramente definidos se unindo em cardter temporatio em tomo de beneficios mutuos. A partir dessa nogao, politica de’ coalizdo é algo do qual as feministas tomam parte junto com "outros". Mas podemos pensar em politica de coalizo como algo néo meramente exteno Politica feminista, mas também intemo. Essa abordagem significaria pensarmos em politica ferninista como a uniGo daquelas que querem trabalhar em tomo das necessidades das "mulheres", nao sendo tal conceito necessariamente entendido num sentido especifico ou consensual. A politica de “coalizGo" de um movimento como esse seria formulada do mesmo jeito que as “politicas de coalizGo" em geral sao formuladas, ou seja, como uma politica composta por listas de relvindicagées relativas ds diferentes necessidades dos grupos que constituem a coalizao, ou composta por reivindicagées articuladas num determinado nivel abstrato para incluir a diversidade, ou ainda composta por telvindicagdes especificas em torno das quais grupos diferentes ternporariamente se unem. De fato, tais estratégias $00 aquelas que as feministas vém adotando cada vez mais nos Ultimos 25 anos. Feministas brancas comecaram a falar de direitos reprodutivos em vez do direito ao aborto quan- ESIUDOS FEMINSTAS 37 2/2000 INTERPRETANDO O GENERO ano’ 38 2° SEMESTRE 2000 do ficou clato que muitas mulheres nao brancas passa- rar a considerar 0 acesso ao acompanhamento pré- natal ou a aboligdo da esterlizagdo involuntaria como te- mas pelo menos tao relevantes para suas vidas, s¢ nao mais, do que 0 acesso ao aborto. Em outras palavras, a politica feminista dos ultimos 26 anos jd vem exibindo estratégias de coalizo inteina, Por que nossa teoria sobre a "mulher’ ndo pode refletir essa politica? Esse tipo de politica néo exige que a palavra "mulher" possua um sentido especifico, Mais do que isso: sera que nem mesmo quando a poltica feminista propoe falarmos emnome de uma unica forma de se compreender “mulher” ela pode reconhecer explicitamente esse entendimento Unico como politico e provis6rio, como aberto a qualquer desafio que os outros pudessem langar? Em outras palavras, sera que ndo podemos ter clareza de que qualquer proposigdo que fazemos em nome das *mulheres" ou do “interesse das mulheres" ¢ estipuladora, e ndo desetitiva, baseada tanto numa compreensdo do que queremos que as mulheres sejam, quanto em quaiguer exame coletivo sobre como aquelas que se consideram mulheres se véern? Reconhecer 0 cardter politico de tais propostas significa, é claro, abandonar a esperanga de que seja facil determinar a autoria da definigdo que se quer adotor para “mulheres” ou para “interesses das mulheres’. Mas essa determinagéo nunca foi facil. Falando em nome das "mulheres", as feministas freqientemente ignoraram relvindicagées das mulheres de direita enquanto assumiam ideais relativos aos “inferesses das mulheres" vindos da esquerda masculina. Se as feministas brancas nos Estados Unidos sentem cada vez mais a necessidade de considerar seriamente as relvindicagdes das mulheres nao brancas, e nao as das brancas conservadoras, isso acontece ndo porque as primeiras possuam vaginas e as Ultimas nao, mas porque muitos de seus ideais esto bem mais préximos dos ideais de muitas nao brancas do que dos ideais das conservadoras, Talvez seja hora de assumitmos explicitamente que nossas propostas sobre as “mulheres” Ndo sdio baseadas numa realidade dada qualquer, mas ue elas surgem de nossos lugares na histéric @ na cultura; G0 atos politicos que refletem os contextos dos quails nés emergimos e os futuros que gostariamos de ver, LINDA NICHOLSON Referéncias bibliograficas AMADIUME, Iff. Male Doughters, Female Husbands: Gender and Sex in an African Society. Atlantic Highlands, NJ: Zed Books, 1987. BANTON, Michael e HARWOOD, Jonathan, The Race Concept. New York: Praeger, 1975. BROOKE, John Hedley. Science and Religion: Some Historica! 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The author ‘argues that this polar framework has enabled feminis!s to stress the deep differences between women’s and men's ‘cuffure-generated experiences. But, because the polar framework of contemporary society is neltner compistely stable or hegemonic nor links perfectly male and female experiences with mate and female identified bodies. ‘employing tas an unquestioned element of one's anaiyas oso fea fo problems. This framework fas to copture the gender deviance of many of us. reinforces Culturo’ stereotypes oF the meaning of femate and male experience, cnd ‘cts polifcaly fo suppress modes of being that challenge gender dualism. Keywords: gender duals, biological foundational. experience, woman, feminist paltics. ESTUDOS FEMINISTS J] 2/2000

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