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Repensando o conceito de pneumonia associada a serviços de

saúde

Ewig S, Welte T, Chastre J, Torres A. Rethinking the concepts of community-


acquired and
health-care-associated pneumonia. Lancet Infect Dis 2010; 10: 279-87.

Na edição de abril do Lancet Infectious Disease, foi publicada uma


excelente revisão de Ewig et al sobre pneumonia associada a serviços de
saúde. A revisão não é sistemática, mas sim uma visão pessoal dos autores
recheada de bom senso.

O conceito de pneumonia associada a serviços de saúde vem da diretriz


da American Thoracic Society (ATS) e da Infectious Diseases Society Of
America (IDSA) que sugeriu que pacientes dialíticos, em “home care” ou com
admissões hospitalares recentes formam um subgrupo com pneumonia com
maior risco de morte e de patógenes multirresistentes e que, portanto,
deveriam receber antibioticoterapia de amplo espectro. No entanto, esta
recomendação baseia-se principalmente em um estudo retrospectivo com
importantes falhas metodológicas. Este estudo mostrou um padrão
microbiológico totalmente diferente do que havia sido publicado em pneumonia
até então (com altas taxas de Staphylococcus aureus resistente à oxacilina,
Pseudomonas aeruginosa e Enterobactérias) e incluiu apenas pacientes com
culturas positivas.

Outros estudos usaram diferentes definições de pneumonia associada a


serviços de saúde, o que também gera inconsistência em qualquer conclusão
sobre seu tratamento. Um estudo do mesmo grupo anterior usando como
critérios de pneumonia associada a serviços de saúde a ocorrência de
admissão hospitalar recente, residir em “nursing home”, hemodiálise e
imunossupressão criou um escore que mostra uma baixa especificidade para
predizer quais pacientes têm risco de bactérias multirresistentes. Ou seja, a
definição de pneumonia associada a serviços de saúde é bastante
heterogênea.

Interessantemente, parece que estes pacientes têm maior falha de


antibioticoterapia adequada inicial, o que se associaria a uma maior
mortalidade. Porém, boa parte dos pacientes recebeu apenas um antibiótico, o
que provavelmente indica que estes pacientes não tinham indicação de
“investimento pleno”. Outros dados sugerem que uma minoria dos pacientes
idosos admitidos com pneumonia tiveram passagem pela UTI. Mais um dado
sugerindo que a maior mortalidade destes pacientes vem do seu estado
funcional prévio e da opção por cuidados paliativos.

Os autores ainda desqualificam o fator de risco “nursing home” e “home


care”, porque o primeiro pode ser apenas um local onde um idoso sem grandes
comprometimentos decide morar e o segundo pode incluir apenas um paciente
que permanece em casa e não apresenta feridas que necessitem de
tratamento ou terapia endovenosa, o que, obviamente, reduziria em muito o
risco de adquirir infecções por patógenos multirresistentes.

Um dado interessante citado na revisão é que o estado funcional prévio


é um fator de risco importante para bactérias multirresistentes e deve ser
levado em conta quando se decidir pela antibioticoterapia para pneumonia.
Outro fator de risco é a aspiração, que se associa ao uso de sondas
nasoentéricas/gastrostomias e que está intimamente ligada ao estado funcional
prévio.

Por fim, os autores fazem uma excelente redefinição dos grupos de


pneumonia, mostrando que pacientes com admissões hospitalares recentes
(ainda não definido se em 30, 90 ou 180 dias) são pacientes com pneumonia
hospitalar e, assim devem ser tratados como tal. Pacientes imunossuprimidos
compõem um outro grupo, independentemente de estarem em casa ou no
hospital. O terceiro grupo são os pacientes com pneumonia comunitária.
Pacientes jovens compõem uma minoria dos casos e são o verdadeiro
subgrupo a ser estudado posteriormente. O grupo mais numeroso são o dos
idosos (>65 anos) e deve-se levar em conta seu estado funcional. Um estado
funcional ruim é fator de risco para bactérias multirresistentes, mas antes que
se comece uma “antibioticoterapia plena” devemos ter uma boa conversa com
o paciente (se possível), com a família e priorizar a qualidade de vida. Jovens e
idosos com estado funcional prévio bom que sejam admitidos na UTI devem
ser tratados com a combinação de um beta-lactâmico e macrolídeo ou uma
quinolona.

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