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A — Uma experiéncia de teatro popular no Peru* E* 1973, © Governo Revolucionério Peruano iniciou um plano nacional de alfabetizagiio Integral, com o objetivo de erradicar o analfabetismo em um prazo aproximado de 4 anos. SupSe-se que haja no Peru entre 3 a 4 mithdes de analfabetos ‘ou semi-analfabetos, em uma populacao de 14 milhées de pessoas. Em toda parte, ensinar um adulto a Jer ¢ a escrever & um problema delicado, ¢ dificil. ‘No Peru, talvez seja mais di- dicil ainda, considerando-se o enorme numero de linguas ¢ dialetos que falam os seus habitantes. Segundo estudos re- © (Bsta experiéncia foi realizada com de Alicia Saco, dentro do Programa de Alfabetizacao Integral (ALFIN) Girigido por Alfonso Lizarzaburu, e com a participasio, nos diversos Setores, de Estela Liftares, Luis Garrido Lecea, Ramén Vilcha ¢ Jesus Ruiz Durand, entre outros, em agosto de 1973, nas cidades de Lima zagio utilizade por Alfin cra, fie ) — Marco, Buenos Aires, 1974. 136 centes, calcula-se que existem pelo menos 41 dialetos das duas principais linguas indigenas, 0 quechua e o aymard. Investi- gages feitas na provincia de Loreto, ao norte do pais, che- garam a constatar a existéncia de 45 linguas distintas nessa regio, Quarenta e cinco linguas e nao apenas dialetos. E isso numa provincia que é, talvez, a menos povoada do pais. Essa enorme variedade de linguas certamente facilitou 4 compreensio, por parte dos organizadores da Operagio Alfa- betizagio Integral (ALFIN), de que os analfabetos niio siio “pessoas que nao se expressam", mas simplesmente sio pes- soas incapazes de se expressarem em uma linguagem determi- nada, que € 0 idioma castclhano, neste caso. E importante compreender que fodes os idiomas sdo linguagem, mas nem todas as linguagens sdo idiométicas! Existem muitas linguagens além de todas as linguas faladas e escritas. (© dominio de uma nova linguagem oferece, 4 pessoa que a domina, uma nova forma de conhecer a realidade, ¢ de transmitir aos demais esse conhecimento. Cada linguagem € absolutamente insubstituivel, Todas as linguagens se comple- mentam no mais perfeito e amplo conhecimento do real. Isto 6, a realidade é mais perfeita ¢ amplamente conhecida através da soma de todas as linguagens capazes de expressé-la. O ensino de uma linguagem deve necessariamente partir desse pressuposto. E isto era perfeitamente compreendido considerado pelo projeto ALFIN que considerava os seguintes pontos essenciais: 1) alfabetizar na lingua materna e em castelhano, sem forgar o abandono daquela em beneficia desta; 2) alfabetizar em todas as linguagens possiveis, especial- mente artisticas, como o teatro, a fotografia, os titeres, 0 cine, o periodismo, etc. (Wer Quadro de Linguagens, a0 final deste ensaio.) A preparagio dos alfabetizadores, selecionados nas mes- mas regiGes onde se pretendia alfabetizar, desenvolveu-se em. quatro etapas, segundo as caracteristicas especificas de cada grupo social: 137 1) barriadas ou pueblos jdvenes que correspondem as nossas favelas (cantegril, villamiséria...)5 2) regides rurais; 3) regides mineiras; 4) regides onde a lingua materna no era o castelhano, e que incluem 40% da populagio. Destes 40%, metade «ste constituida por cidadios bilingiles que aprenderam © castelhano depois de terem dominado a lingua materna indigena, A outra metade nao fala castelhano. O Plano Alfin ainda esta comegando ¢ é demasiado cedo para avaliar scus resultados, Neste trabalho, quero tio-somente relatar o que foi minha participagio pessoal no setor de teatro ¢ contar todas as experiéncias que fizemos, considerando o tea~ tro como linguagem, apto pata ser utilizado por qualquer pes- soa, tenha ou no atitudes ‘artisticas. Quero mostrar, através de exemplos priticos, como pode o teatro ser posto a0 servigo dos oprimidos, para que estes s¢ expressem e para que, 20 vuti- lizarem esta nova linguagem, descubram igualmente novos con- tetidos. Para que se compreenda bem csta Poética do Oprimido deve-sé ter sempre presente scu principal objetivo: transfor- mar © povo, “espectador”, ser passivo no fenémeno teatral, em sujeito, em ator, em transformador da agio dramatica, Espero que as diferencas fiquem bem clatas:(Aristételes propde uma Poética em que os espectadores delegam poderes ao persona- gem para que este alue € pense em seu lugar, Brecht propoe uma Poética em que o espectador delega poderes ao personagem. para que este atue em seu lugar, mas s¢ reserva 0 direito de pensar por si mesmo, muitas vezes em oposigaa a0 personage. No primeira caso, produz-s¢ uma “catarse”; no segundo, uma Ffonscientizago". © que a Poética do Oprimido propoe & a propria agio! © espectador néio delega poderes ao personagem para que atue nem para que pense ‘em seu lugar: ao contrario, sumé um papel protagénico, transforma a agao jalmente proposta, ensala solugdes possiveis, de- bate projetos modificadores: em resumo, 0 espectador ensaia, preparando-se para a ago real. Por isso, eu creio que 0 teatro 138 nio é revolucionério em si mesmo, mas certamente pode ser um excelente “ensaio” da revolugio. O espectador liberado, um. homem integro, se langa a uma agio! Nido importa que seja fi importa que é uma acio. Penso que todos os grupos teatrais verdadeiramente revo- luciondrios devem transferir a0 povo os meios de produpdo tea- tral, para que 0 proprio povo os utilize, @ sua maneira e para os seus fins. O teatro é uma arma ¢ é 0 povo quem deve ma- nejé-la! Como deve, porém, ser feita esta transferéncia? Quero co- megar dando um exemplo do que fez Estcla Lifiares, orientado- ra do setor de fotografia de ALFIN. Qual seria a velha maneira de se utilizar a fotografia num plano de alfabetizagio? Sem divida, seria fotografar coisas, Tuas, pessoas, panoramas, comércios, etc., mostrar essas fotos aos alfabetizandos, ¢ discuti-las. Quem tiraria as fotos? Os alfabetizadores, capacitadores ou instrutores. Mas quando se trata de entregar ao povo os meios de produgao, deve-se entre~ gar, neste caso, a maquina fotografica. Assim se fez em ALFIN. Entregava-se uma maquina ds pessoas do grupo que se estava alfabetizando, ensinava-se a todos a ut ja, ¢ se faziam pro- postas: —|“Nés vamos fazer perguntas a vocés. Nossas per- guntas vio ser feitas em castelhano, © vocés vio nos respon- der. Mas vocés nao podem responder em castelhano: vocés tém que ‘falar’ em fotografia. Nés vamos perguntar coisas na lin- gua castelhana, que € uma linguagem, E vocés vio nos respon- der em fotografia, que também € uma linguagem.” As perguntas que se faziam eram muito simples as res- postas, isto é, as fotos, eram depois discutidas pelo grupo. Pot ‘exemplo: quando se perguntou: “Onde é que vocé vive?” obti- veram-se fotos-respostas dos seguintes tipos: 1) uma foto mostrando o interior de uma choga. Em Lima, praticamente nio chove nunca e por isso as palhogas slo feitas de esteira de palha em lugar de paredes e tetos. Em geral, sio feitas num s6 ambiente que serve de cozinha, sala e dormité- io; as familias vivem na maior promiscuidade, sendo muito fre- liente que os filhos menores assistam 4s relagdes sexuais de 139 seus pais, 0 que faz com que scja muito comum que irmios ¢ irmas de 10 ou 12 anos de idade pratiquem o sexo entre si, simplesmente por imitar seus pais. Uma foto que mostre o inte- rior de uma choga responde perfeitamente a pergunta “Onde é que vocé vive?” Todos os elementos de cada foto possuem um significado especial que deve ser discutido por todos os participantes do grupo: os objetos enfocados, 0 Angulo esco- Thido para tirar a foto, a presenga ou auséncia de pessoas n& foto, etc. 2) Para responder A mesma pergunta, um homem tirou uma foto da margem do Rio Rimac. A discussfio em grupo escla: ceu o significado: o Rio Rimac, que cruza Lima, cresce muito em certas épocas do ano, Isso tora extremamente perigosa & vida nas suas margens, j4 que é freqlente o desmoronamento de grandes extensées de terra, superpovoada de chogas, ¢ & conseqiiente perda de vidas humanas. E muito comum ‘também que criangas caiam ao rio, enquanto brincam e, quando esto altas as Aguas, ¢ quase impossivel salvar as pequenas vitimas. Quando um homem responde a essa pergunta com foto, est contundentemente expressando toda a sua angistia: como poderd trabalhar em paz se o seu filho esta brincando na beira do rio, e talvez se afogando? 3) Outro homem tirou uma foto de uma parte desse mesmo rio, onde os pelicanos costumam vir comer o lixo que se acu- mula, em épocas de grande fome; os homens, igualmente fa- mints, capturam os pelicanos, matam-nos ¢ comem-nos. Mos- trando essa foto, esse homent expressava, com uma grande ri- queza lingiiistica, que vivia em um lugar onde se bendizia a fome, porque esta atraia os pelicanos, que saciavam sua pré- pria fome. 4) Uma mulher, que havia emigrado de um pequeno povoado interiorano, respondeu com uma foto da “rua” principal da favela onde morava: de um lado da rua viviam os antigos ha- ditantes limenhos, do outro lado os que vinham do interior do pais. De um lado, os que sentiam seus empregos ameagados pe- los recém-chegados; do outro lado, os pobres que tudo deixa- ram atras, em busca de trabalho. A rua dividia esses irmilos, igualmente explorados, que se encontravam frente a frente, 140 como s¢ fossem inimigos. A foto ajudava a constatar sua seme- Ihanga: miséria dos dois lados. As fotos dos bairros elegantes, Por outro lado, mostravam os verdadeiros inimigos. A foto da Tua divisria mostrava a necessidade de reorientar a violéncia que pobres exerciam contra pobres, O exame e a discussio dessa foto ajudava a sua autora ¢ aos demais a compreender sua realidade. 5) Um dia um homem tirou uma fotografia do rosto de uma crianga de poucos meses, como Tesposta 4 mesma pergunta. Claro, todos pensaram que esse homem tinha se enganado, ¢ reiteraram a pergunta: — “Vocé nao entenden bem: o que nés queremos é que nos mostre onde é que vocé mora, onde vive. Queremos que tire uma fotografia mostrando onde é que vocé vive, nada mais, ‘Qualquer foto serve: da rua, da casa, da cidade, do rio...” — “Esta aqui é a minha resposta: eu vivo aqui..." — “Mas é uma crianga..." — “Olha bem no rosto dela: tem sangue. Esse menino, como todos os outros que vivem onde eu vivo, vivem amea- gados pelos ratos que pululam nas margens do Rio Rimac. Quem cuida dessas criangas sio os cachorros que atacam os Tatos ¢ nio deixam que cheguem perto. Mas houve por aqui uma epidemia de sara ¢ a Prefeitura teve que pegar a maio- ria dos cachorros, ¢ Ievou embora. Esse menino tinha um ca- chorro que cuidava dele, Durante o dia, o pai e a mie jam ‘trabalhar e ele ficava sozinho, com o cachorra tomando conta. Agora jé nao. Na semana passada, quando vocé me pergun- tou onde é que eu vi 0S ratos tinham vindo de tarde, en- quanto o menino dormia, ¢ comeram uma parte do nariz dele. Por isso ele tem tanto sangue no rosto. Olha bem a fotografia: essa é a minha resposta. Eu vivo num lugar onde coisas como ssa ainda acontecem.” Eu podia escrever uma novela sobre os meninos que vi- vem is margens do Rio Rimac, mas tio-somente nessa foto- grafia e em nenhuma outra linguagem nao fotogréfica podia- -88 expressar a dor daqueles olhos infantis, daquelas lagrimas ‘misturadas com aquele sangue. E, para maior ironia e raiva, a foto era em kodakrome, made in USA... 14L A utilizag3o da fotografia pode igualmente ajudar a des- cobrir simbolos valides para toda uma comunidade ou grupo social, Ocorre muitas vezes qué grupos teatrais bem intencio- nados nao conseguem conectar-se com um piiblico popular porque utilizam: simbolos que, para esse piblico, nada signi- ficam, Pode set que uma coroa real seja um simbolo de po- der... mas apenas para as pessoas que aceitam, como simbolo de poder, uma coroa real... Um simbolo s6 é um simbolo se € aceito por dois interlocutores: 0 que transmite € 0 que Fre- cebe. A coroa pode provocar um tremendo impacto em uma pessoa e deixar uma outra completamente insensivel. © que é a exploragdo? A tradicional figura do Tio Sam , para muitos grupos sociais espalhados por todo o mundo, 0 mais perfeito ¢ acabado simbolo da exploragdo. Expressa com perfeigio a rapina do imperialismo ianque. ‘Na experiéncia teatral limenha também se perguntou & varias pessoas o que era exploragdo, exigindo-se a resposta cm fotografia. Muitas fotos-respostas mostravam 0 dono do arma~ zém, ou o homem que vinha cobrar o aluguel, ou um balcio de uma venda, ou uma repartigio publica, etc. Um menino res- pondeu a essa pergunta com uma foto que mostrava um prego na parede. Para ele, ess prego cra © simbolo mais perfeito da exploragio. Quase ninguém entendeu porque, mas todos os demais meninos estavam totalmente de acordo. A discussdo da foto esclareceu o porque. Em Lima, os meninos comegam tra- balhando para ajudar a economia doméstica, quando chegam 4 idade de $ ou 6 anos: comecam como engraxates. E légico que nas favelas onde vivem no existem sapatos para engraxar, € por isso essas criangas devem ir ao centro de Lima exercer 0 seu offcio, Levam consigo uma caixa dentro da qual colocam todos os apetrechos necessdrios 4 sua profissio. Mas evidente- mente nfo podem ficar carregando todas as manhis ¢ todas ‘as noites suas caixas, do trabalho A casa e da casa ao traba- tho, Por isso, si obrigados @ alugar um prego na parede de um bar, ¢ 0 proprietério Ihes cobra o aluguel de trés soles por noite © por prego. Quando véem um prego, esses meninos odeiam a opressdo; se véem uma coroa real, o Tio Sam ow uma foto de Nixon, etc, o mais provavel é que ndo compreen- dam nada. 142 E muito facil dar uma maquina fotografica a uma pessoa que jamais tirou uma foto, dizer-Ihe por onde deve olhar para poder enfocar, ¢ que botiio deve apertar. Basta isso, ¢ os meios de produgdo da fotografia estario em mos dessa pessoa. Mas, eomo proceder no caso especifico do teatro? Os meios de produgdo da fotografia estio constituidos pela maquina fotografica, que ¢ relativamente facil de manejar, mas os meios de produgio do teatro estio constituidos pelo proprio homem, que ja niio € to facil de manejar. Podemos mesmo afirmar que a primeira palavra do voca- buldrio teatral € 9 corpo humano, principal fonte de som ¢ movimento. Por isso, para que se possa dominar os meios de Produgdo teatral, deve-se primeiramente conhecer o prdprio corpo, para poder depois torné-lo mais expressive. $6 depois de conhecer o préprio corpo ¢ ser capaz de torné-lo mais ‘expressivo, o “espectador" estar habilitado a praticar formas teatrais que, por etapas, ajudem-no a liberar-se de sua condigao de “espectador™ ¢ assumir a de “ator”, deixando de ser objeto ® passando a ser sujeito, convertendo-se de testemunha em protagonista. O plano geral da conversio do espectador em ator pode ser sistematizado no seguinte esquema geral de quatro etapas: PrimMeiza ETAPA — Conhecimento do Corpo — Seqiiéncia de exercicios em que se comeca a conhecer o préprio corpo. suas limitagdes ¢ suas possibilidades, suas deformagies soci e suas possibilidades de recuperagio; Sécunpa Etara — Tornar o Corpo Expressivo — Seqiléncia de jogos em que cada pessoa comega a se expressar unicamen- te através do corpo, abandonando outras formas de expressiio mais usuais e cotidianas; Terceika ETarA — O Teatro como Linguagem — Aqui se comega a praticar o teatro como linguagem viva ¢ presente, ¢ ao como produto acabado que mostra imagens do passada: 143 Paro GRAY — Dramaturgia Simultdnea: 08 especta- dores “escrevem”, simultaneamente com os atores que re- presentam; SecuxDO Grau — Teatro-Imagem: os espectadores inter- vém diretamente, “falando” através de imagens feitas com os corpos dos demais atores ou participantes; Tercemo GRAU _— Teatro-Debate: os espectadores inter- vém diretamente na agdo dramitica, substituem os atores © representam, atuam! Quarta Erara — Teatro como Discurso — Formas simples em que o espectador-ator apresenta 0 espetéculo segundo suas necessidades de discutir certos temas ou de ensaiar certas agdes. Exemplo: 1) teatro-jornal 2) teatro invisivel 3) teatro-fotonovela 4) quebra de repressio 5) teatro-mito 6) teatro-julgamento 7) rituais ¢ mascaras PriMema ETAPA — ‘Conhecimento do Corpo “fazer teatro”. O mais provavel é que nunca hajam ouvido falar de teatro ou, se alguma idéia tem @ respeito, formada pela televisio, pelo mau cine ou por algum grupo cir- cense. E muito comum também que essas pessoas associem “teatro” com écio ou perfumes. De modo qué é necessirio ter cuidado, ainda que o contato inicial se dé através de um alfa- semi-alfabetizados, ainda que viva entre eles em uma choga semelhante 4 deles, com a mesnia falta de eomodidades. O 144 simples fato de que o alfabetizador vem com a missdo de alfa- betizar (que se supde ser uma ago coercitiva, impositiva) ten- de a afasté-lo da gente do lugar. Por isso, convém que a apli- cagio de um sistema teatral comece por algo que mio seja ‘estranho aos participantes (como por exemplo certas técnicas teatrais dogmaticamente ensinadas ou impostas); deve, ao con- trario, comegar pelo proprio corpo das pessoas interessadas em participar da experiéncia. Enxiste uma enorme quantidade de exercicios que se podem praticar, tendo todos, como primeiro objetivo, fazer com que ‘0 participante se torne cada vez mais consciente do seu corpo, de suas possibilidades corporais, e das deformagdes que o seu corpo sofre devido ao tipo de trabalho que realiza. Isto é: cada um deve sentir a “alienagiio muscular” imposta pelo tra- balho sobre o seu corpo. Um pequeno exemplo poderd esclarecer este ponto: com- Pare-se as ¢struturas musculates do corpo de um datilografo ‘com as de um vigia notumo de uma fabrica, O primeiro realiza seu trabalho sentado em uma cadeira: do umbigo para baixo, seu corpo s¢ converte, durante o trabalho, em uma espécie de pedestal, enquanto que os seus bragos e os seus dedos se agi- lizam. O vigia, ao contrdtio, é obrigado a caminhar de um lado para outro durante oito horas seguidas e, conseqilente- mente, desenvolverd estruturas musculares que o ajudem a caminhar. Qs corpos de ambos se alienam segundo os traba- ihos que realizam respectivamente, © mesmo que acontece com esses dois trabalhadores acontece igualmente com qualquer pessoa, em qualquer fungdo, em qualquer status social. O conjunto de papéis que uma pes- soa desempenha na realidade impde sobre ela uma “mascara social” de comportamento. Por isso terminam por patecer-se entre si pessoas que realizam os mesmos papéis: militares, clé- rigos, artistas, operdrios, camponeses, professores, latifundid- rios, nobres decadentes, etc. Compare-se a placidez angelical de um cardeal passeando sua bem-venturanga pelos jardins do Vaticano, com um beli- coso general dando ordens aos seus subalternos. O primeiro caminha suavemente, ouvindo misica celestial, colhendo flores coloridas com as mais puras cores impressionistas. Se, por ca- 145 sualidade, um passarinho cruza pelo seu caminho, supe-se que o cardeal Ihe dir alguma coisa ternamente, alguma palavra amavel de estimulo cristéo, Ao general, pelo contririo, nio fica bem falar com os passarinhos, mesmo que tenha vontade, Um general deve falar como se estivesse sempre ordenando, mesmo: que esteja dizendo & sua mulher que a ama. Um militar deve usar esporas, sempre que possivel, mesmo que se trate de um almirante ow de um brigadeiro. Por essa raz%o, todos os ge- nerais se parecem entre si, e @ mesmo acontece com todos os cardeais; mas os cardeais sio completamente diferentes dos ge- nerais. Os exercicios desta primeira etapa t#m por finalidade “desfazer” as estruturas musculares dos participantes. Isto &: desmonté-las, verificd-las, analisé-las. No para que desapare- Gam, mas sim pata que se tornem conscientes. Para que cada operdrio, cada camponés, compreenda, ‘veja ¢ sinta até que pon- to seu corpo esti determinado pelo seu trabalho. Se uma pessoa é capaz de “desmontar” suas préprias estru- turas musculares, sera certamente capaz de “montar” estrutu- ras musculares proprias de outras profissGes ¢ de outros status sociais, estar mais capacitado para interpretar outros perso- nagens diferentes de si mesmo. Todos os exercicios desta série estiio, portanto, destinados a “desfazer"; nfo interessam os exercicios acrobaticos, atléti- cos, que tendam a criar estruturas musculares proprias de atle- tas e de acrobatas. A titulo de exemplificagio, descrevo alguns destes exer- cfeios: _ 1) Corrida em Camara Lenta — Os participantes so convi- dados a fazer uma corrida com a finalidade de perdé-la: ganha © diltimo! O corpo de cada um, ao mover-se em cAmara lenta, em cada centimetro em que se desloque o seu centro de gra- vidade, terd que reencontrar uma nova estrutura muscular que promova o equilibrio. Os participantes nio podem nunca interromper o movimento, uma vez iniciado, e ficar parados; devem também dar o passo mais comprido que puderem ¢, a0 “correr”, os seus pés devem passar por cima dos joelhos. Neste exercicio, uma corrida de 10 metros pode ser mais cansativa 146 que uma corrida convencional de 500 metros: o esforgo ne- cessdrio para manter o equilibrio em cada nova posigio, a cada pequeno deslocamento, é enorme ¢ muito intenso. 2) Corrida de Pernas Cruzadas — Os Participantes se unem em duplas, se abragam pela cintura e cruzam suas pernas (a Perna esquerda de um com a perna direita do outro), apoian- do-se cada um na perna no cruzada, Durante a corrida, cada dupla se move como se fosse uma 56 Pessoa, e cada pessoa se move como se o companheiro fosse sua pera, A “perna” nio peoes saltar sozinha: tem que ser movida pelo seu compa- iro, 3) Corrida do Monstro — Formam-se “monstros” de quatro pés, com duplas em que cada um abraga o térax do compa- , estanda um de cabeca para baixo, de tal forma que as pernas de um encaixam no pescogo do autro, formando um monstro sem cabega € com quatro patas. Correm, levantando cada um o corpo inteiro do outro, dando uma volta no ar, firmando-se outra vez no chao, ¢ assim sucessivamente, 4) Corrida de Roda — As duplas formam rodas, cada um agarrando os tornozelos do companheiro, e correm uma corrida de rodas humanas. 5) Hipnotisme — As duplas se pSem frente a frente e cada um coloca a m&o a poucos centimetros do nariz do compa~ nheiro, que esti obrigado a manter essa distincia permanente- mente; © primeiro comega a mover a m&o em todas as diregies, para cima e para baixo, para a esquerda ¢ para a direita, mais ripida ou mais lentamente, enquanto que o segundo move todo o seu corpo de tal mancira a manter a mesma distiincia entre o seu nariz € a m§o do companheiro, Nestes mavimen- tos, os participantes so obrigados a assumir posigdes ais que jomais assumem na vida didria, “reestruturando” per- manentemente suas estruturas musculares, Em seguida, formam-se grupos de trés: um lidera e os outros dois acompanham cada uma das mios do lider que pode, 47 por sua vez, fazer qualquer coisa, cruzar os bragas, separar as mis, etc., enquanto que os outros dois devem manter sem- pre a mesma distancia. Deve-se observar qué sé a mio do li- der esti com os dedos para cima, o rosto do que o segue deve igualmente estar na vertical, e se a mao se inclina pata a horizontal, igualmente se inclinard o rosto. Em seguida, formam-se grupos de cinco, sendo que um Ti- dera € os outros quatro seguem as mios € os pés do lider, que pode fazer o que sentir vontade, inclusive dangar. Neste tipo de exercicio, o lider deve procurar permanentemente “desequi- librar” 0 corpo do companheiro que, assim, sera forgado a buscar um novo equilibrio através de posigdes corporais abso- lutamente novas; quanto mais ridiculas essas posigdes, mais novas sero, menos usuais, ¢ portanto mais ajudario a “des- montar” as estruturas musculares usuais ¢ mecanizadas. 6) Luta de Box & Disténcia — Os participantes so convida~ Jos a praticar uma luta de box, mas nfo se podem tocar uns aos outros. Cada um deve lutar como se estivesse lutando de verdade, mas sem tocar o companheiro que, no obstante, deve reagir fisicamente como se tivesse recebido cada golpe. Estas lulas podem chegar a ser extremamente violentas ¢ @ ‘nica coisa que se profbe € que os jutadores se toquem. .. 7) Far-West — B uma variagio do exercicio anterior. Os par- ticipantes improvisam uma cena pica das mis comédias de jar-west, representando o pianista bébedo, o gargom afemina- do, as bailarinas-prostitutas, 0s homens maus que entram dando pontapés nas portas de vaivém, etc. Toda esta cena muda se representa sem que os participantes possam tocar-se, mas de tal maneira a reagir a todo gesto ou fato que ocorra, como por exemplo uma cadeira imagindria que se atira contra uma fila de garrafas, cujos fragmentos saem disparados em todas as diregdes: € necessario reagir a0 movimento da cadeira, as gar- rafas quebradas, etc. No fim da cena estario todos brigando contra todos. No meu livro 200 exercicios E JOGOS PARA O ATOR E FA, © NAO-AUTOR COM VONTADE DE DIZER ALGO ATRAVES DO ‘TEATRO sistematizei diversas séries de exercicios que podem ser 148, . Creio, porém, que & sempre conveniente Propor um exercicio € ao mesmo tempo propor que os parti- cipantes inventem outros. E importante manter uma atmosfera criadora: todos esto criando, os que ensinam e os que apren- dem. Todos devem inventar. E, esta etapa, é necessdrio ima- ginar e praticar exercicios que “analisem' as estruturas muscula- res de cada participante Seaunpa Etapa — Tornat o Corpo Expressivo ‘© objetivo da segunda etapa é o de desenvolver a capaci- dade expressiva do corpo. Estamos acostumados a tudo comu- nicar através da palavra, o que colabora para o subdesenvolvi- mento da capacidade de expressio corporal. Uma série de “jogos” pode ajudar os participantes a desenvolver os recursos do corpo, como forma de expressio. Trata-se de “jogos de sa- lio” ¢ nio necessariamente de exercicios de laboratério, Os Participantes sio convidados a “jogar” e nao a “interpretar™ Personagens, mas & certo que “jogardo” tanto melhor quanto melhor “interpretem". Alguns exemplos de “jogos”: distribuem-se entre os par- ticipantes pequenos papéis com nomes de animais, macho ¢ , corporal, do animal que lhes tocou. & proibido falar ou fazer ruidos ébvios que denunciem o animal, ja que a comunicacio deve ser exclusivamente corporal. Portanto nio se pode miar no caso de “gato” ou “gata”, nem ladrar, no caso de “cachorro” ou “cachorra”. Depois dos dez minutos iniciais, e obedecendo a um aviso do orientador, cada participante deve procurar o seu par, entre os demais participantes, que tambem estario imitando seus animais, sempre em suas versées “macho” ou mea”. Quando dois participantes estiverem convencidos de que eles formam um casal, saem de “cena™ e¢ s6 entio se hes permite falar para saber se realmente sio um casal, ¢ 0 jogo termina quando todos os “animais” hajam encontrado seus companheires. E isto terd sido feito através da comunicagio 149 exclusivamente corporal, sem @ utilizagéo de palavras, nem sequer de ruidos ébvios. Nos jogos deste tipo, © importante nfo & “acertar™; © importante & fazer com que todos os participantes s¢ esforcem para expressar-se através de seus corpas, coisa a que nao ¢stao acostumados. Ainda que s¢ cometam todos os ¢rros imagind- veis, o exercicio sera jgualmente bom s¢ 05 participantes ten- tarem se expressar fisicamente, sem o recurso da palavra. Deste modo, e sem que se déem conta, estarfio j4 “fazendo teatro”. .» Eu me lembro que uma vez, numa favela, a um homem The tocow interpretar 0 colibri, © pobre coitado nfo tinha a menor idéia de como seria possivel expressar fisicamente um colibri, mas se lembrou de que esse passarinho voa muito tapi- damente de flor em flor, fica parado no ar por alguns instantes, enquanto beija cada flor ¢ emite um ruido particular. Com os bragos, o homem comegou & jmitar o bater frenético de asas do beija-flor, € “voando" de participante em participante, como se seus companheiros fossem flores, detinha-se diante de cada um por alguns instantes € emitia um ruido que supunha pro- prio dessa a" “Breeeremmn!” Durante dez minutos todos tive- ram que aguentar 0 aguetrido senhor fazeado “Brreceerrrr!” diante de uns ¢ outros. Depois, quando comegaram todos a bus- car o companheiro, este homem olhava a todos os demais nenhum The parecia suficiente “colibri” para atral-lo. Final- mente, descobriu um senhor gordo ¢ alto que, com suas mios, fazia com desalento um movimento pendular ¢ nao teve divi- das, pensou que ele era @ sua amada colibri, ¢ partiv pra cima do gordo, dando voltas 20 seu redor, cada vez cantando com mais galhardia Brerreeeeerererere!!! , Mais amorasa- mente batendo suas asas ©, dando beijinhos no ar, esperou qué © gorda o seguisse. O gordo tentava escapar de todo jeito, mas vinha sempre em cima © colibri macho enamorado, cantando alegremente, até que 0 gordo, enquanta os outros morriam de riso, decidiu acompanh4-lo para fora da “cena” © assim termi- nar seus padecimentos, embora estivesse certo de que nao se tratava de um casal. Quando sairam (© 56 entio se permitia falar), cheio de alegria, 0 thomem quase gritou: 150 — “Eu sou o colibri macho ¢ vocé € a colibri fémea, no & verdade???" © gordo desalentado olhou pra cle ¢ disse assim: _— “Nao, imbecil... voc€ nfo viu que eu sou o touro?..."" (© movimento da mio significava (ou pretendia!) o mo- vimento que fazem os touros na arena antes de investirem contra o toureiro. Mas nunca saberemos de que mancira um gordo interpretando um touro convenceu ao pobre hamem scr um delicado e canoro colibri, Niio importa: 8 nica coisa im- portante é que, durante 15 ou 20 minutos, toda essa gente ten- tou “falar” com seu corpo. Este tipo de jogo pode variar ao infinito e os papéis po~ dem conter, por exemplo, nomes de profissbes. Se os participan- tes mostram animais, talvez isso nada tenha que ver com @ ideologia. Mas se um camponés deve interpretar um latifundiad- rio, ou s¢ um operdrio deve interpretar um dono de fabrica, ‘ou se a mulher de um destes deve interpretar um policial, nestes casos a ideologia também conta e encontra sua expresso atra~ vés do jogo, Os papéis podem também conter os nomes dos proprics participantes, de tal forma que uns interpretario os ‘outros, desta maneira revelando suas opiniées ¢ fazendo fisica- mente suas criticas mituas. Também nesta etapa, como na primeira, existem muitiss mos jogos que s¢ podem utilizar, ‘tratando-se sempre de fazer com que os participantes jnventem outros, © que nao sejam teceptores passivos do divertimento que vem de fora. Tencema Etara — Teatro como Linguagem Esta etapa se divide em trés partes, significando cada uma um grau diferente ¢ progressivo de participagio direta do espectador no espetdculo. Trata-se de fazer com que 0 espec- tador se disponha a intervir na ago, abandonando sua condi- gia de objeto ¢ assumindo plenamente © papel de sujcite. ‘As duas ctapas anteriotes sio preparatorias € esti cen- tradas no trabalho do participamte com o seu proprio corpo. Esta nova etapa enfatiza o tema @ ser discutido, ¢ promove © passo do espectador A aglio verdadcira. 1st Primeiro Grau: Dramaturgia Simultinea — Este € o primeira convite que se faz a0 espectador para que intervenha, sem que seja necessdria sua entrada fisica em “cena”. Trata-s¢ aqui de interpretar uma cena curta de 10 ou 15 minutos, proposta por alguém do lugar, por um vizinho da favela, ¢ improvisado pelos atores, depois de discuti-la com o “autor” ¢ delinear o enredo. Pode-se, inclusive, ¢ sempre que jaja tempo, escrever a cena, que no tem que ser necessariamente improvisada. Em qualquer caso, o espetécula ganha em teatralidade se a pessoa que pro- a cena, qué contou @ histéria, estiver presente na platéia. ‘A cena deve ser representada até o ponto em qué s¢ apresente o problema central, que necessite uma solugio. Neste ponto, os atores patam de interpretar ¢ pedem a0 piblico que ofere¢am solugées possiveis, para que as jnterpretem, para que a5 amali- sem, Em seguida, improvisando, interpretam todas as salu- gdes propostas pelo piblico, uma a uma, sendo que todos os espectadores tém o direito de intervir, corrigindo agdes ou falas inventadas pelos atores, que sio obrigados a retroceder © @ jnterpretar outra vez as mesmas cenas ‘ou dizer as movas pala- ‘yras propostas pelos espectadores. Assim, enquanto a platéia 4escreve” a pega, a elenco simultaneamente @ interpreta. Tudo © que possam pensar 0s espectadores & discutido “teatralmen- te” em cena, com a ajuda dos atores. Todas as solugdes pro- postas ¢ opinides slo expostas em forma teatral. A “discussio” neste caso nfo se produz através da utilizagio de palavras so mente, mas sim de todos os elementos teatrais possiveis. Um pequeno exemplo: numa favela de San Hilarién, em Lima, uma senhora propos um tema candente. Era ela analfa- beta ¢ seu marido Ihe havia dado para guardat, anos atras,, certos “documentos” que, segundo ele, eram de suma impor- tincia. A boa senhora os guardou sem suspeitar de nada, Um belo dia, os dois brigaram ¢ @ mulher se lembrou dos tais “documentos” e quis saber exatamente de que s¢ tratava, pois temia que s¢ relacionassem com a casinha que possuiam. Como- nao sabia ler, pediu a ajuda de uma vizinha, Muito amavel, veio a vizinha € leu os “documentos” que, pata posterior di- versio de todo o bairro, ndo cram documentos € sim cartas. de amor escritas pela amante do marido da pobre analfabeta. A mulher traida jurou vinganga. Mas, como vingar-se? Os 152 atores improvisaram a histéria que ela Ihes contou até o ponto em que o marido retorna a casa, depois de um dia de trabalho ¢ quando a mulher acaba de ser informada do mistério das cartas. Aqui se interrompia a ago ¢ a participante-atriz, que interpretava a senhora analfabeta, perguntava aos demais parti- cipantes-espectadores qual devia ser a sua atitude frente ao ma- rido. Todas as mulheres da platéia se alvorogaram, comegaram a discutir ¢ a expor suas opinides. Os atores ouviam as dife- rentes sugestées e representavam segundo as normas. dadas pelo Pablico, procuranda ser intérpretes figis desse piblico-dra- maturgo. Todas as possibilidades de feminina vinganga foram examinadas a quente, em teatro, e nio a frio, em palavras. Neste caso particular, foram estas as solugdes propostas: 1) Chorar muito para fazer com que @ marido se sentisse culpado. Foi uma jovem que sugeriu que a mulher se pusesse a chorar muito para que o marido se desse conta de como havia se comportado mal. Os atores nfo podem recusar as solugdes propostas, gostem ou nfo dessas propostas. Devem interpretar todas. A atriz portanto chorou muitissimo, enquan- to o marido a consolava e lhe assegurava que dguas passadas nao movem moinhos, que-jé se havia esquecido desses amores juvenis, que a amava, etc., ¢ quando cla parou de chorar, ele pediu que ela servisse o jantar e tudo ficou por isso mesmo, na santa paz de Deus. O piiblico no aceitou essa solugio, pois pensavam todos (especialmente as mulheres presentes) que 0 marido merecia maior castigo. 2) Abandonar a casa deixando 0 marida sozinho, como cas- digo. A atriz, sem discutir, interpretou esta sugestéo e, depois de mostrar ao marido como havia sido ruim, agarrou as suas coisas, meteu tudo dentro de uma mala ¢ foi embora, batendo a porta na cara do marido, que ficou sozinho, muita sozinho, dentro de casa. Mas, assim que saiu, perguntou ao publico o que deveria fazer em seguida, Para castigar seu maridu, ter- minava por castigar-se a si mesma. Aonde iria agora? Em que casa paderia viver? Esse castigo positivamente nao. servia, J4 que recaia sobre ela mesma. 153

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