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Capitulo 13 A Expansi&o do Poderio Europeu no Século xrx, 1: Consideragdes Gerais; a Africa Ocidental Tém sido apresentadas varias explicagdes no sentido de esclarecer a éncia desenfreada dos europeus por colénias que assolou a Africa ‘Gitimo quartel do século 20x, e que s6 terminou praticamente quando © continente foi partilhado entre alguns Estados europeus. Um ponto vista implicito, por exemplo, nas obras de eminentes historiadores os como A.J.P. Taylor « W.L. Langer, consiste em que as rivalida- entre as grandes poténcias europeias se agudizaram de tal modo a partir 1860 que transbordaram de forma mais ou menos inevitavel para Aftica partes do mundo ndo-europeu. Portanto, estas regiGes foram con- como baneas de negécio e pontos de apoio num conflito que era ialmente europeu. E, com feito, possivel interpretar nesse sentido perado apoio dado por Bismarck as aspiragdes da faccio colonial em 1884-85 —e ainda verificar que a Inglaterra pediu o auxilio ale- no caso dea Franga ser vencida na votacio na Comiss4o de Divida do spto criada em 1880(“). Mas esta explicagdio apresenta dificuldades rela- ta uma interpretagdio mais geral da partilha colonial de Africa. das mais evidentes ¢ que a partilha nao envolveu todas as poténcias jas importantes e — embora houvesse para tal fortes razées alheias a — que alguns estados de pouco ou nenhum peso no conflito europeu, (®) Veja-se o capitulo 14. (Foi também afirmado, € claro, que, ao abragar a colonial, Bismarck foi motivade por razées da politica interna alema,) 335 Historta pa AFRICA como Portugal, Bélgica ¢ Espanha, foram de um modo ou outros partici- pantes activos nela. No entanto, um outro argumento apresentado na época pelos propagan- distas coloniais europeus nao se conjuga com a explicagiio de que a parti- tha se deveu a rivalidades europeias. A esséncia deste argumento, expresso, por exemplo, a partir de 1870 pelo economista francés P. Leroy-Beaulieu, afirmava que se a Inglaterra era a nagZo europeia mais rica e desenvolvida nos primeiros trés quartos do século xix, tal se devia ao facto de ser a tinica que possuia entéo um império ultramarino considerivel, ¢ essa posse ser essencial para qualquer nagdo europeia que se pretendesse rica ¢ poderosa. Este tipo de raciocinio pode ter estado subjacente 4 tentativa de a Italia efiar um império no Nordeste africano ¢ na Libia, onde, de certo modo, surgia com algum atraso a seguir o exemplo niio sé da Inglaterra, mas também da Franga ¢ da Alemanha (¢ ainda dos seus famosos antepassados romans). Mas se a Inglaterra constituiu um caso exemplar, como foi na realidade, entio a verdadeira relacio entre império e riqueza parece ter sido a inversa do postulado por Leroy-Beaulieu ¢ outros na mesma linha. Argumentava- -se que a conquista de colonias era necessdria se se pretendesse um incre- mento importante do comércio externa € da industria europeia. Contudo, no caso inglés, a evidéncia historia indica que foi a primazia da Inglaterra no comércio maritimo europeu e no desenvolvimento da industria de transfor- magéio que a levou a adquirir, sozinha, entre todas as poténcias europeias, um vasto império ultramarino antes da década de 70 do século xix. No entanto, pode ser mais determinante para a actuagdo dos povos aquilo em que eles acreditam do que os acontecimentos reais de uma dada situagdo. Esta observagdo ¢ também importante no caso da interpretagao- da partilha que foi pela primeira vez avancada de modo convincente na obra Imperialism (1902) de J.A. Hobson, que foi posteriormente retomada e desenvolvida como parte integrante da teoria socialista por Lenine ¢ outros. Na sua esséncia, essa interpretagdo resumia-se ao argumento de que era apenas pela descoberta de novos mercados ¢ de novas fontes de qmatérias-primas a baixo prego, fora do continente, que o impulso do cres- cimento industrial ¢ comercial nos paises ricos da Europa ocidental podia ser mantido ¢ 0 sistema capitalista ainda ser salvo da derrocada. Pode muito bem ter sido assim. Por outro lado, ¢ facil demonstrar que os comerciantes ¢ os investigadores europeus revelavam um interesse muito reduzido pela maior parte de Africa. E certo que o Norte de Africa fazia ha muito tempo parte do sistema comercial mediterranico que incluia os mer- 336 A EXPANsAo Do PopErto Europeu No SECULO xix cadores da Europa meridional, enquanto a Africa do Sul se tornara recen- temente um centro de interesse apdés a descoberta da sua riqueza mineira. (Vale a pena assinalar que Hobson escreveu a sua obra numa época em que muitos espiritos liberais, como ele préprio, estavam consternados com os métodos que o imperialismo briténico empregava na Africa do Sul para controlar a sua riqueza mineira.) Contudo, em 1897 0 valor do comér- cio extemo em toda a Africa a sul do Sara era apenas de £66 000 000 ($330 000 000), para o qual a Africa do Sul s6 por si contribuia com dois tergos, enquanto em 1929, apds um quarto de século de dominio europeu, se elevara apenas para £340 000.000 ($1 700 000 000), no qual a Africa do Sul participava com metade. O comércio externa de um s6 pais europeu, o Reino Unido, valia treze vezes mais do que em 1990 ¢ seis vezes mais do que em 1929. Ainda por volta.de 1913, os investimentos — sobretudo europeus — na Africa a sul do Sara ascendiam a cerca de £650 000 000 ($3 250 000.000) eem 1929 aumentaram para cerca de £1 200 000 000 ($6 000 000 000). De qualquer modo, no entanto, mais de metade dos investimentos realizava-se na Africa do Sul, ea parte correspondente da Africa tropical nos investimen- tos estrangeiros de todo o mundo atingia apenas cerca de 4% em 1913 € 7% em.1929. Nao podem restar ditvidas, na questo do comércio e dos investimen- tos, de que se considerava mais rentavel e qmais seguro negociar com outras partes do mundo mais desenvolvidas. Com efeito, em 1913, cerca de 80% dos investimentos ingleses ¢ franceses e 90% dos investimentos alemdes eram feitos noutros paises europeus, ou, fora da Europa, em. territérios que ha muito tinham sido colonizados por europeus ¢ onde se verificara um consideravel desenvolvimento — por exemplo, na América do Norte ¢ do Sul ¢ na Australia. Deve ainda recordar-se que depois dos Ingleses, France- ses ¢ Alemies (por esta ordem), o maior investimento estrangeiro proveio dos Estados Unidos, que adquiriram um limitado dominio ultramarino, 0 qual, porém, nao se localizava em Africa. Africa, em particular a Africa tropical, teve pois uma reduzida impor- tincia real para os comerciantes ¢ investidores europeus na época da parti- tha —¢ a situaedo nao se modificou muito apés um quarto de século ou mais de dominio europeu no continente. Por outro lado, até o dominio colonial ter sido estabelecido — em alguns casos passado algum tempo — pouco ou nenhum conhecimento exacto existia das reservas disponiveis em Africa ou dos problemas que poderiam resultar da sua exploragao lucrativa. Foi, desse modo, possivel que aqueles que estavam interessados em aventuras 337 Historia Da Arrica coloniais, quer em proveito proprio quer nacional, com objectivos de lucro ou prestigio, produzissem afirmagées extravagantes sobre a riqueza agri- cola ou tineira de Africa ou sobre o niimero dos potenciais clientes para 0 comércio europeu. Desta forma, em 1898, um relatério secreto do Ministé- tio da Guerra inglés (que se consideraria uma fonte idénea) afirmava que o Bar-el-Gazal, ainda hoje uma das regides mais inacessiveis ¢ mais empo- brecidas de Africa, era «bem irrigada e fértiby e continha a promessa de «um desenvolvimento consideravel da agricultura, pastoricia e minas, nas mios de uma poténcia civilizada», De modo idéntico, na década de 80 do século xix, quando os Franceses estavam activamente empenhados na con- quista do Sudao ocidental, ministros responsiiveis do governo declaravam existir ali um mercado de 88 000 000 pessoas ou mais. Quando a conquista foi concluida e se péde realizar o balango, verificou-se que a realidade cor- respondia a cerca de 10 000 000 de habitantes, ea falta de comunicagbes € de desenvolvimento revelava que se tratava de um mercado muito indife- rente ao comércio e 4 industria francesa. Noutro caso, apés a descoberta da riqueza aurifera do Transval, Cecil Rhodes, que tinha as suas razées poli- ticas para ocupar os territérios a norte, declarou que estes cram ainda mais ricos do ponto de vista mineiro. Ele ¢ 03 seus sucessores conseguiram, entre 1889 ¢ 1910, obter um capital de cerca de £12 000 000 ($60 000.000) para habilitar a Companhia Inglesa da Africa do Sul a ocupar esses territ6- trios. Mas neste caso isso forgou os recursos da Companhia a tal ponto que nao foram pagos dividendos aos investidores até 1924. Mais recentemente, alguns historiadores eeonémicos, como A.G. Hopkins, argumentaram de forma convincente que, pelo menos na Africa ocidental, os europeus se sentiram impelidos a avancar na conquista do interior nao. por ambicionarem a sua riqueza potencial mas pelas dificuldades que os seus comerciantes tiveram no trafice costeiro durante o periodo de depres- so do comércio mundial desde 1874 até 1896. Durante o século xIx, 0 comércio europeu com a Africa ocidental concentrou-se na produgdo agri- cola da Guiné; em especial nos dleos vegetais e nas sementes oleagino- sas — dleo de palma ¢ dendém, ¢ amendoim. No entanto, a volta de 1880, por exemplo, no mercado mundial o prego de uma tonelada de dleo de palma, que fora anteriormente de cerca de £50 ($250), descera até cerca de £20. Com os precos a esse nivel nao se obtinha praticamente lucros no comércio dos produtos oleaginosos' da Africa ocidental. Os comerciantes europeus comesaram, portanto, a pressionar para obter o accesso directo 4s dreas produtoras do interior. Argumentavam que isso nao s6 eliminaria 338 miadoma ogsuedxa ep opopiod ol HUY Ap SHON — 6 vdvq) (ypTaa 02N0o) qo Od SHAN GOWis3, ‘yeaguvud AwidOl¥hO4 SND ‘vsaonved PF vonyiivnes wanna seappuet S0p SHAY ae 08 hen senate te ee mee ang op yee Wet il wn semesters cell Hisroais pa Arrica os comerciantes intermediarios africanos, mas também responderia A sua procura de lucros; ¢ que a instalagdo no interior de sistemas de transporte (isto, é, 0 caminho-de-ferro) ¢ dos métodos comerciais europeus proporcio- naria meios mais econémicos para a acumulacdo do dleo de palma e outros produtos ¢ para o seu transporte até 4 costa para exportagdo. Afirmaya-se ainda que isto ndo podia ser feito ripida ¢ eficazmente se 0 dominio poli- tico europeu no se estendesse ao interior. Este exemplo relativo a Africa ocidental, que é confirmado por dados objectivos, revela que a natureza e a extensfo dos interesses europeus jd envolvidos no continente, ¢ o facto de os europeus se terem convencido de que esses interesses eram contrariados ou malogrados pelas autorida- des indigenas africanas, constituiram factores importantes na aceleragao da partitha das colénias africanas. Esta abordagem explicativa da parti- iha de Africa pelos curopeus pode encontrar-se na obra Prelude io the Partition of West Africa (1963), do professor Hargreaves (embora nao aborde os anos anteriores a 1860). Esté igualmente implicita numa das mais importantes obras actuais sobre a partilha em geral, dos professo- res Ronald Robinson e John Gallagher, Africa and the Victorians (1961). Esta obra chama a atengdo para a importincia dos interesses estratégicos, financeiros e comerciais que os curopeus possuiam em duas areas cruciais, no Egipto, apds a abertura do Canal do Suez em 1869, ¢ na Africa do Sul, apés.a descoberta da sua tiqueza mineira, dos diamantes em 1867. mas ¢m especial do ouro em 1886. Em resumo, Robinson e Gallagher afirmam que foi a reac¢ao das outras poténcias europeias, nomeadamente da Franga e da Alemanha, contra a supremacia que a Inglaterra aleancara no Egipto em. 1882 ¢ que em breve iria comegar a adquirir na Africa do Sul, que preeipi- tou a partilha das colénias africanas. Contudo, Africa and the Victorians é uma obra eurocéntrica, mesmo anglocéntrica (o seu subtitulo ¢ O Espirito Oficial do Imperialismo). Além disso, o Egipto ¢ a Aftica do Sul, embora importantes, no eram as tinicas regiées do continente onde os europeus se tinham seriamente envolvido, pelo que atribuir a estes envolvimentos o papel de factores de aceleracdo da partilha ndo esta de acordo com a sua cronologia. Foi j demonstrado, por exemplo, que as origens do avanco colonial francés na Africa ocidental se encontram muitos anos antes de os Franceses terem sentido necessidade de recuperar a sua importncia imperial devido a apropriagdo do Egipto pelos Ingleses, tendo sido dado o primeiro passo nesse sentido provavelmente em 1879, altura em que os exéreitos franceses comegaram a deslocar-se do 340 A-ExransAo bo Poperio Europeu No SECULO XIX vale do Alto Senegal em direc¢ao ao vale do Alto Niger, Outras criticas de Robinson ¢ Gallagher indicam que o agente precipitador foi a concentra- gao das antigas ambi¢des coloniais de Leopoldo II da Bélgica em relagao ao Congo. Isto tomou-se evidente em 1876, ¢ conduziu rapidamente nado s6 4 competicao na assinatura de tratados sobre o Baixo Congo entre o seu agente H.M. Stanley e o explorador francés Savorgnan de Brazza, como ainda a reacgées por parte de Portugal ¢ da Inglaterra, cujos interesses na tegio datavam de uma época consideravelmente anterior. Ninguém con- testa que a questéo do Congo levou directamente 4 primeira conferéncia europeia sobre a partilha, a Conferéncia de Berlim de 1884-85. No entanto, é necessirio tragar uma perspectiva bastante mais ampla para compreender a razdo pela qual os Franceses em 1870 estavam insta- lados no Senegal ou porque € que os Ingleses tinham constituido colénias na Serra Leoa, na Costa do Ouro, em Lagos ¢ na Africa do Sul; por que motivos podiam esses interesses coloniais originar novos avan¢os imperia- listas; ou por que taziio estava Leopoldo interessado no Congo, ¢ Stanley e Brazza assinavam ai acordos. O ponto de partida deve ser a natureza dog interesses europeus que jd existiam no inicio do século xix tanto na Africa ocidental como no Sul, ¢ as modificagées resultantes das decisdes tomadas entre 1792 ¢ 1836 pelas nagdes europeias que comerciavam com Africa, a fim de eliminar o trifico de escravos africanos e, em certos casos, de actuar tanto contra o trafico negreiro como contra a escravatura na propria Africa. Essas decisées revelaram a existéncia de poderosas forcas de trans- formagao em muitas sociedades afticanas. Isto ndo foi de menor impor- tancia, uma vez que se Thes associou uma campanha em grandes dimen- Sdes destinadas a implantar 0 cristianismo em toda a Africa subsariana, Pols os missionarios acreditavam que a escravatura ¢ 0 trafico, assim como aS guerras para obten¢do de escravos, deviam ser totalmente erradicados, mas também que ndo existia qualquer futuro para as sociedades africanas @ ndo ser que aceitassem ser educadas segundo um modelo europeu, Na Africa do Sul, o desenvolvimento destas novas foreas ¢ a reaccao local contra elas — a reac¢ao dos europeus de uma época anterior assim como a dos africanos — originou, Consequentemente, um interesse crescente pelos assuntos da Africa central ¢ oriental. Esse interesse refor¢ou-se tanto mais que desde os finais do século xvii se estava a desenvolver uma nova preo- Cupa¢do estratégica dos europeus relativamente ao mar Vermelho e A zona ocidental do oceano Indico. Isto era, por sua vez, consequéncia de outra factor, de grande importancia a longo prazo, para a justificagdo da partilha 341 Historia DA AFRICA de Aftica, nomeadamente, que se tornara bem claro que o poderio oto- mano ja nao constituia um impedimento que mantinha a Europa afastada do Norte de Africa. Adisputa europeia por coldnias africanas, que s¢ tornou to virulenta nas décadas de 1880 e 1890, deve, com ¢feito, ser encarada como uma fase eulmi- nante do processo de interaccdo entre europeus e africanos que foi crescendo em impeto e intensidade durante um periodo mais longo, sem divida dos finais do século xvui ¢ do inicio do século xix. Nessa época, foram tomadas decisdes vitais na Europa —com respeito a aboli¢ao da escravatura ¢ do trifico de escravos, e 4 interven¢do nos assuntos da Africa do Norte, do Sul, do Leste e¢ do Oeste — que iriam conduzir a confrontages cada vez mais frequentes entre europeus e africanos. Essas confrontagdes tiveram um cardcter cada vez mais diferente das que tinham ocorrido anteriormente, ao longo do periodo iniciado no século xv, quando os povos ibéricos organizaram pela primeira vez expedigdes a Marrocos ¢ foram pioneiros no comércio europeu, na colo- nizag’o ¢ na conversio ao cristianismo ao longo do litoral subsariano. As con- frontagdes tinham ocorride entre sociedades muito diferentes mas que eram equivalentes em poder material ¢ moral, pelo menos nas condigdes da Africa tropical. Durante o século xvui, a civilizagdo europeia atingira plena maturi- dade, que se reflectiu nas revolugdes cientifica e industrial e na Revolugao Francesa. No comeco do século x1x, detinha meios para criar bens materiais ¢ poder sem paralelo na histéria da humanidade, ¢ com eles adquirira uma enorme forca moral assim como uma firme determinagdo. Em qualquer con- flito de interesses, ou crengas, entre curopeus ¢ africanos, a Europa estava na posse tanto dos meios materiais — para impor a sua vontade a Africa — como da forea moral assente na certeza de que a civilizacdo europeia devia dominar e ainda que devia fazé-lo no interesse dos povos africanos. Na Africa ocidental, os interesses europeus cram ja consideraveis em finais do século xvi, em virtude de quatro séculos de um crescente inter- cdmbio comercial. Esses interesses no tinham ainda diminuido quando, com inicio no ano de 1792, as varias nagGes europeias interessadas come- garam a proibir 0 trafico de escravos que fora, até ent&o, a trave-mestra do seu comércio. Duas questées devem aqui ser consideradas. Em primeiro lugar, mesmo quando 0 trafico negreiro atlantico. consti- tuia interesse dominante da Europa na Africa ocidental, os esctavos nunca foram o dnico produto ai procurado. Nao considerando as enormes quan- tidades de produtos alimentares que eram adquiridos para alimentar os 342 A Expansio no PopErio EuRoPEU NO SECULO XIX escravos na Viagem até 4 América, os europeus estavam dispostas a com- prar qualquer produto africano para 0 qual tivessem um mercado com- pensador, ¢ a lista incluia ouro, marfim, madeiras, goma e dleos vegetais. Em segundo lugar, a mudan¢a de atitude dos curopeus para com o comér- cio de escravos ¢ a escravatura ocorreu gradualmente. Decorreram cerca de setenta anos entre a primeira proibigao do trafico de escraves por um estado europeu (a Dinamarca em 1792) ¢ a cessagdo definitiva da expor- tacZio de escravos da Africa ocidental. A aboligao do trifico negreiro foi patrocinada principalmente pelas nagées do Norte, entre elas a Inglaterra, que passavam pela Revolugao Industrial e por um renascimento protes- tante evangélico, e foi aceite com relutiincia ¢ sob pressio pelas saciedades mais conservadoras da Europa meridional, em especial a Espanha ¢ Portu- gal. Dessa forma, enquanto continuou a existir mercado para os escravos nas Américas, os escravos africanos ndo deixaram de ser exportados, ¢ os lucros mais elevados vieram compensar 0 declinio numérico © 08 riscos crescentes envolvidos na participagae ilicita no trfico. Nao obstanie, embora o processo fosse gradual, o fim do trafico negreiro originou uma importante crise nas relagdes ha muito existentes entre a Africa ocidental ¢ a Europa. A partir do século xvi, @ compra ¢ a venda de escravos tornou-se o aspecto mais dominante e mais lucrativo dessa relacao para ambas as partes. Nao foi, portanto, de algum modo facil encontrar artigos de exportagdo alternativos que substituissem os escravos. Alguns europeus decidiram eventualmente abandonar, ou foram forgados a limitar os seus interesses na Africa ocidental. Assim, ptimeiro os Dina- marqueses (1850) ¢ a seguir os Holandeses (1872) retiraram-se dos fortes da Costa do Ouro que tinham ocupado desde o século xvil, enquanto a actividade ainda existente dos Portugueses foi reduzida a uma pequena 4rea junto de Cachéu ¢ Bissau ¢ outros nucleos criados a partir das ilhas de Cabo Verde. Contudo, tanto a Inglaterra como a Franga, que detinham interesses comerciais tao profundos, do ponto de vista financeiro moral, no comércio da Africa ocidental, nunca admitiram retirar-se. Nao podem restar diividas acerca da natureza consideravel dos interes- ses comerciais britinicos na Africa ocidental. No quarto de século anterior A abolieao do trafico inglés de escravos, ocorrida em 1807, os barcos ingle- ses transportaram cerca de dois tercos dos escravos levados da Africa oci- dental para as Américas (¢ cerca de metade dos escravos africanos levados através do Atlantico). Uma poreao considerdvel do capital inglés investido na construciio naval, comércio ¢ indistria tornara-se dependente da yenda 343 Hisrorra pa Arrica de mereadorias a Africa, em particular a Africa ocidental. Esse foi espe- cialmente 0 caso do porto de Liverpool, que teve um rapido crescimento (e movimentava nos anos de 1790 cerea de trés quartos do trafico inglés de escravos, incluindo o envio de cerea de 100 ‘0 mais navios por ano), e das cidades com indistria téxtil do Lancashire e das industrias metalirgicas do Sul do Yorkshire e das Midlands que constituiam o seu interior comercial, Portanto, esses interesses envolveram-se na procura ¢ na produgio de arti- 08 para exportagao para Africa que substituissem os escravos que tinham constituido o principal produto do trafico anterior. Os interesses franceses nao podem ser comprovados tio facilmente em termos econdmicos. A economia francesa esteve muito menos dependente do comércio extemo do que a da Inglaterra. Além disso, no perfodo entre 1793 € 1815, 0 seu antigo império comercial da Africa ocidental foi bas- tante devastado pelo poderio maritimo britdinico, Mas esse facto acarretou a decisdo de que os Ingleses nfo deveriam orientar 0 curso dos aconteci- mentos na Aftica ocidental, Daf resultou que os comerciantes franceses ¢ outras pessoas que estivessem interessados em Tecuperar antigos interes- Ses, ou m criar novos interesses na Aftica ocidental, conseguissem obter algum apoio oficial, embora Sujeitos 4s exigéncias de uma politica intema francesa em constante mudanga. De um modo geral, os europeus, com economias industriais muito diversificadas, possuinda enormes reservas de capital e 0 dominio de recursos técnicos em ripida expansfio, conseguiram adaptar-se 4s novas condicdes do comércio na Africa ocidental de modo mais rapido ¢€ eficaz do que os afticanos, Isso sucedeu especialmente, como se viu, porque os artigos babituais do comércio extemo na Africa ocidental, nomeadamente os escravos, tinham estado intimamente ligados 4 formagao de novos gover- nos mondrquicos e de novas sociedades. Do Ponto de vista comercial, constituiam, na realidade, monopélios estatais incémodos — idénticos as. companhias comerciais monopolistas europeias do século xvu — que nao Conseguiram modificar rapidamente a natureza da sua actividade. Essa dificuldade foi associada ao facto de a principal preocupacdo comercial dos europeus, a substituigo dos escravos enquanto artigo de exportapao Por outras mercadorias, no ter sido entendida pelos homens que governa- vam ¢ dirigiam estas sociedades africanas. O seu objectivo fundamental era conservar ¢ aumentar 0 seu poderio politico ¢ econémico sobre o maior numero de pessoas possivel: o trafico negreiro era para eles apenas um sub- produto daquele. Ao mesmo tempo, no entanto, era um subproduto de qual 344 ACEXPANSAO DO PoneRio EuRoPet No SBCULO XIx s¢ tinham tornado cada vez mais dependentes para manterem e desenvol- verem © seu poder ¢ que de modo algum queriam abandonar. Os sistemas que dirigiam, mais orientados para fins politicos do que comerciais, nado tinham, por isso, incentivo para produzir artigos alternativos para expor- tagio, e de facto estavam mal preparados para esse efeito. Os novos arti- gos para o comércio externo que surgiram no século xix, como o dleo de palma ¢ de dendém ¢ o amendoim, e finalmente culturas como o cacau e o café, nao eram ja efectivamente produzidos e comercializados por orga- nismos ¢statais importantes, mas por grupos de pequenos empresérios, que podiam corresponder rapida e livremente aos varios estimulos das corren- tes do mercado mundial. Foi com esses pequenos produtores, recolecto- Tes € comerciantes que os negociantes europeus estabeleceram alian¢as no século xix. As autoridades tradicionais esforcaram-se por controlar a nova situagdo, mas comegaram a set consideradas cada vez mais obstrutivas e antiquadas, Principiaram a surgir nas sociedades da Africa ocidental varias tensdes econdmicas ¢ politicas que levaram os europeus a concluir que os Seus interesses legitimos podiam ser mais bem servidos se se demarcassem das aliangas tradicionais feitas com os dirigentes africanos ¢ eles proprios se apoderassem do dominio politico. Esta mudanga na actua¢ao politica dos europeus foi reforgada pelo facto de os comerciantes nao serem jé os tmicos europeus na Africa oci- dental. A partir de 1790, os exploradores europeus comegaram a penetrar hos bastidores dos estados esclavagistas do litoral, a fim de avaliar quais eram os recursos alternativos que deviam ser desenvolvidos para 0 comér- cio externo. Na década seguinte, os missiondrios cristos comegaram a instalar-se no litoral. Procurando reparar os estragos morais causados pela escravatura e pelo trifico de escravas, tiveram mais sucesso ao implantar- ~s¢ em areas onde o comércio dos europeus ¢ as suas variadas exigéncias tinham produzido o maximo efeito. Na realidade, nesses locais, alguns africanos afastaram-se das normas da sociedade africana ¢ accitaram a afirmagao dos missionarios de que a adopedo do modo de pensamento ¢ da pritica dos europeus representava o melhor meio de preservar e restaurar a estabilidade social e de alcangar o progresso. Assim, alguns africanos tormaram-se importantes agentes do processo que conduziu a Europa a um envolvimento mais profundo em Africa, Mas iria decorrer algum tempo antes de se tommarem evidentes estes efeitos da implantagfio missiondria ou todas as implicagées da acgao dos exploradores. Resultados mais directos ¢ imediatos decorreram do apare- 345 Historia pa Arica cimento, a par dos comerciantes, no litoral da Africa ocidental, de repre- sentantes navais, militares e politicos europeus, em especial dos governos francés ¢ inglés. Houve essencialmente duas razGes para a chegada de fun- ciondrios governamentais europeus a regido da Africa ocidental. Em primeiro lugar, para as leis dos estados europeus que proibiram os seus cidadaos de participar no trafico de escravos serem eficazes, as zonas que precisavam de ser fiscalizadas nfio se sityavam na Europa mas no litoral africano ¢ ameticano, onde os negreiros realmente exerciam 0 seu negdcio. Por variadas razdes imperiosas foi a Inglaterra que assumiu o comando das sangées contra o trafico de escravos na costa da Africa ocidental. Como ja vimos, a participagiio da Inglaterra no antigo trafico negreiro atlantico no século xvi foi muito maior do que a de qualquer outros pais. A sua cam- panha anti-esclavagista teve, portanto, de revestir-se de uma enorme forca moral ¢ politica a fim de triunfar. Do ponto de vista econédmico, a Ingla- terra possuia igualmente um forte incentivo para substituir o seu trifico esclavagista pelo que agora se chamava «comércio licito», e ainda para impedir qualquer concorréncia por parte de outros europeus — também de americanos ou africanos — que pretendessem continuar a traficar escravos ¢ pudessem obstar ao desenvolvimento do comeércio licito dos Ingleses. Finalmente, embora tanto o governo da Franca como o dos Estados Uni- dos realizassem de vez em quando patrulhas navais anti-esclavagistas em aguas africanas, apenas os Ingleses possuiam, no século xix, uma armada suficientemente grande para poder fazé-lo numa escala e com a continui- dade necessaria, a ponto de ter a possibilidade de impedir a exportagaa de escravos de Africa. Em segundo lugar, tanto 0 governo francés como o inglés sentiam uma necessidade crescente de impor a sua vontade as autoridades africa- nas. Do lado da Franga, isso devia-se essencialmente ao facto de os seus comerciantes precisarem de algum apoio politico, naval e militar no caso de terem de enfrentar os seus concorrentes ingleses mais fortes ¢ mais bem instalados. Assim, por exemplo, durante o periodo compreendido entre 1838-42, um oficial de marinha, Bouét-Willaumez, negociou tratados com dirigentes do litoral a fim de instalar postos comerciais em varios pontos da costa ocidental africana. Muitos deles foram posteriormente abando- nados, mas ¢ justo afirmar que datam dessa época os interesses efectivos franceses sobre a regido que veio por fim a constituir as suas colénias da Guiné, Costa do Marfim e Gabiio. Foi ainda reocupado em 1843 0 antigo forte francés de Uida, e nos vinte anos seguintes foi prestada uma razoa- 346 ALExpansio po Poperio EuRoPEU No SECULO xix vel proteccdo oficial aos comerciantes franceses que negociavam na antiga Costa dos Escravos. Desta forma, os Franceses obtiveram alguns pontos de apoio entre as zonas de influéncia briténica e portuguesa na costa ocidental de Aftica, ea partir deles conseguiram desenvolverese colénias no periodo de intensa concorréncia colonial a partir de 1870. No entanto, apds o restabelecimento da paz a seguir as guerras napo- lednicas em 1817. os Franceses foram ainda capazes de se voltar para © Senegal, a imica regiao onde tinham estado firmemente instalados no século anterior, ¢ foram reocupados Sao Luis ¢ Goreia assim como dois Ppostos ribeirinhos mais no interior. Visto que a mio-de-obra africana nao podia continuar a ser exportada, fez-se uma tentativa para empreg-la localmente, em plantagSes que produziriam os mesmos produtos que havia nas indias Ocidentais. Dentro de cinco anos, no entanto, verificou-se que esse plano falhara. Os Senegaleses nfo queriam trabalhar nas plantacGes curopeias e os europeus eram incapazes de as administrar dado que nao conheciam suficicntemente o solo e o clima. Motivo pelo qual a atengio dos Franceses foi de certo modo desviada do Senegal para as tentativas comerciais costeiras j4 mencionadas, Em 1854, no entanto, decidiu-se que a administragfo das colénias, a partir de Goreia, devia ser feita separada- mente da do Senegal, em Sao Luis. Foi nomeado um novo governador para Sio Luis, Luis Faidherbe, oficial do exército que participara na conquista da Argélia e que ja estabelecera relagdes com os comerciantes franceses em Sao Luis. Faidherbe estava convencido de que era inutil para a prosperidade dos Franceses no Senegal ficar na dependéncia dos caprichos dos comerciantes do interior. As suas acc¢Ges subsequentes constituiram um projecto de esta- belecimento de coldnias rentaveis na Africa tropical, com um minimo de despesa para os contribuintes europeus, Constituiu um exército de soldados africanos, treinados e comandados por oficiais europeus, ¢ utilizou-o para impor o dominio francés a uma regio ¢ a um conjunto de gente suficiente para proporcionar uma regido interior viavel para os comerciantes franceses que operavam com base em Sao Luis. Teve a sorte de, na década de 40 do século xix, estes Ultimos comegarem a compreender que perante a procura europeia sempre crescente de dleos vegetais, a 6leo de amendoim podia constituir um substituto aceitivel do produto mediterrinico mais impor- tante, que era o azeite, enquanto os agricultores senegaleses aprendiam que ‘os seus solos secos e arenosos eram adequados a produgdo de amendoim, e que isso podia trazer-lhes compensagées vantajosas. O rendimento obtido 347 Historia pa Arrica através do amendoim e¢ da actividade comercial mais tradicional permitiu a Faidherbe organizar uma administracao eficaz no territério conquistado pelos seus soldados. Também favoreceu o inicio de um sistema de educa- 40 modema ¢ estatal, que teve como objective preparar og Senegaleses. para serem auxiliares eficientes dos Franceses na administracao ¢ explora- ¢o do seu pais. Quando regressou finalmente a Franea, em 1864, Faidherbe fizera avangar o dominio francés no Sudao ocidental até aos limites da navega- go do rio Senegal, a cerca de 480 km do mar, ¢ conseguira decisivamente ‘Opor-se ao avanco do império de al-Hadj ‘Umar na direc¢do inversa. Assim que a Franga se restabeleceu do declinio ¢ da queda do seu II Império, nada mais natural do que os planificadores de mentalidade imperialista em Paris € os comandantes militares ambiciosos no Senegal procurarem Prosseguir a sua obra. Se o império de Al-Hadj ‘Umar fosse conquistado, entig os Franceses poderiam avangar até a parte navegavel do Alto Niger, obtendo assim acesso a todo o Sudio ocidental, Antes das novas condigées resultantes da depressao do comércio mun- dial em 1870, os funciondrjos britanicos na Africa ocidental raras vezes foram tao claramente agressivos na defesa dos interesses comerciais bri- tnicos como sucedeu com Bouét-Willaumez e Faidherbe relativamente aos interesses franceses. A atitude oficial era a de laissez faire, pois o que os comerciantes ingleses faziam era da sua conta, ¢ se ndo tinham forga suficiente para se aguentarem em Africa ou noutros territétios estrangei- ros, nao deviam 14 permanecer. Mas era do consenso comum que o dever do governo briténico era actuar contra o trifico de esctavos, em especial onde ele impedisse o desenvolvimento do comércio licito. As actividades britdnicas anti-esclavagistas passaram a incluir a negociagao de tratados com as autoridades africanas ¢ curopeias e a tomada de medidas politicas e navais para garantir 0 cumprimento destes tratados, ou mesmo para impé- las contra os governos renitentes. Na pritica, 9 resultado foi que houve tanta ou mais interferéncia britinica do que francesa nas questdes da Africa ocidental, ainda que os Ingleses fossem um pouco mais lentos do que os Franceses no Senegal a chegar a conclusao lagica de que a instalacdo de colonias territoriais podia ser mais depressa concretizada pelo uso da forca. Em qualquer dos casos, havia dois objectivos Politicos: impedir o trafico negreiro e instalar um comércio licito proveitoso em seu lugar. Enquanito os funciondrios franceses costumavam privilegiar a defesa dos interesses dos comerciantes franceses, 0 que trouxe como consequéncia uma redugao 348 A-Expansio Do Poperio Eurorev no SEcULO xx do antigo trafico negreiro, os Ingleses prestavam mais atengZo'ao com- bate ao trafico de escravos, cujos efeitos foram um aumento da influéncia comercial inglesa. Do ponto de vista africano, dificilmente se divisaram quaisquer resultados. Aprimeira consequéncia para a Africa ocidental das campanhas ingle- Sas contra a escravatura ¢ 0 trafico de escravos foi a instalagiio em 1792 (depois de um primeiro inicio em falso) de um niicleo de escraves liber- tos em Freetown na peninsula da Serra Leoa. Isto constituiu de inicio um empreendimento privado de filantropos ingleses que tinham fundado uma companhia com 0 propdsito de reinstalar em Africa os antigos escravos da Inglaterra e da América do Norte inglesa, ¢ de tentar compensar os custos da reinstala¢ao © da respectiva administragdo com os lucros Provenientes do comércio licito. No entanto, esses lucros foram ilusérios na medida €m que 0 trafico de escravos prosseguiu na regifio, e novas dificuldades Surgiram quando os imigrantes os funcionarios da companhia deixaram de ter as mesmas opinides em questdes relativas As terras € aos arrenda- mentos ¢ ao governo local, Todavia, em 1808, ficou assegurado o futuro da nova colénia quando, depois de um periodo de transi¢o subvencionado, © governo inglés concordou em assumir a responsabilidade relativa a ela. O porto de Freetown era-Ihe necessario como base a partir da qual os navios de guerra ingleses podiam operar.nas guerras com a Franga e nas patrulhas anti-esclavagistas na costa ocidental de Africa. Durante os sessenta anos Seguintes, a populagao da coldnia foi aumentando coma chegada de cerca de 60 000 homens e mulheres libertados dos bareos negreiros capturados, Em 1814, 0 governo da Serra Leoa foi confiado a Charles Macarthy, um enérgico oficial do exército que estava convencido de que o melhor meio de impedir o trafico de escravos era estender 0 dominio britanico aos principais portos de exportagaio ao seu alcance. A sua aecdo local com este fim nao foi totalmente desaprovada pelo Ministéria das Colénias que, em 1821, alargou a sua jurisdi¢fo a fim de incluir os micleos ingleses da Gambia e da Costa do Ouro. Aqui, Macarthy concluiu rapidamente que os interesses dos Ingleses e do anti-csclavagismo exigiam uma ac¢4o militar contra os Achantis, em colaboragao com os Fantés ¢ com os Dinamarque- ses. Contudo, em 1824, isso levou a sua derrota, tendo mortido num com- bate contra os Achantis. Dois anos mais tarde, embora a vitéria militar dos aliados fosse assegurada, esse revés levou 0 Ministério das Colénias a ava- liar os custos da politica de Macarthy. As despesas administrativas tinham aumentado quatro vezes sem serem compensadas por qualquer acréscimo 349 HistOea pa AFRICA substancial do comércio inglés. Decidiram, portanto, que os fortes da Costa do Ouro fossem abandonados, ¢ a competéncia do governador de Freetown limitada a Serra Leoa e a feitoria de Bathurst, em Banjul, na Gambia, onde @s comercianies ingleses se tinham instalado quando deixaram Goreia em 1816-17. Todavia, o punhado de comerciantes ingleses que actuava na Costa do Ouro recusou-se a aceitar esta medida retrograda. Procuraram garantir a sua situacdo instalando uma administragdo propria para os fortes que ainda ocupavam. O homem que em 1830 nomearam para seu administrador na tegiao foi George MacLean, que se revelou um perito no restabelecimento de relagdes pacificas com os Achantis e ao mesmo tempo em conquistar e manter a confianga dos africanos no litoral. Dai resultou o estabelecimento de uma jurisdi¢do britanica informal entre os reinos dos Fantés ¢ dos Gas, ¢ no periodo de dez anos o valor do comércio inglés na Costa do Ouro quase quadruplicou, atingindo o conjunto das exportagdes e das importagies 0 montante de £750 000 ($3 750.000) ao ano. Contudo, a base legal da juris- digéo de MacLean permaneceu obscura; ele proprio afirmou que nao tinha 9 direito de tomar medidas eficazes contra os negreiros que nao eram stib- ditos britanicos. Em consequéncia disso, 0 Ministério das Colénias decidiu, em 1843, que devia recuperar o dominio na sua colénia da Costa do Ouro. No entanto, os funcionérios do Ministério das Colénias que sucederam a MacLean, embora fossem por vezes tio ambiciosos como ele, revelaram menos experiéncia ¢ menor sagacidade nas hegocia¢des com os Achantis ¢ 08 povos costeiros. O comércio declinou lentamente até ao nivel de 1830. Embora os fortes dinamarqueses fossem ocupados em 1850, a presenga con- tinua de fortes holandeses no litoral impediu a obtencio de um rendimento constante proveniente dos direitos alfandegarios, e a tentativa de cobranga de um imposto de capitagao provocou a franca hostilidade das populacdes do litoral. Por volta da década de 60 do século xix, os exércitos dos Achantis ameagaram de novo a regifio costeira, e em 1865 uma Comissio. Especial do Parlamento recomendou que as obrigagdes oficiais britanicas na Africa ocidental deveriam ser noyamente limitadas 4 Serra Leoa, ‘Na verdade, apesar do envolvimento briténico na Costa do Ouro e do seu custo relativamente pesado, existiam interesses muito diminutos por parte dos Ingleses, do ponto de vista comercial. O novo produto do comércio britinico com a Africa ocidental era o éleo de palma, cujas aquisigdes ascendiam anual- mente a cerca de £500 000 ($2500 000) por ano na década de 50 do século xx, esubiram para £1 500 000 ($7 500 000) por ano na década de 60-do século xix. 350 AExpansio po Poperio Euroreu No SECULO XIX Embora os palmares se estendessem numa faixa continua 4 linha costeira, ¢ 0 oleo fosse sempre um artigo importante para consumo local e para o comércio, apenas quantidades minimas de dleo ficavam disponiveis para serem exporta- das pelas coldnias inglesas. Inicialmente, cerca de dove décimos do comércio britinico do dleo de palma estavam concentrados no delta do Niger. O transporte em canoas, nos numerosos bracos de agua da Tegiao, pro- porcionava um modo mais seguro e¢ econémico de trazer 0 dleo até Acosta do que por meio do carregamento & cabeg¢a ou fazendo rolar os barris, mas essa ndo € a unica explicapdo para a antiga primazia do delta no comér- cio do dleo (0 que lhe deu sem diwida, no século xix 0 nome de Rio do Oleo). Esse facto deve ter resultado de uma combinagio quase unica de dois factores. O interior da regidio dos Ibos no delta possuia uma populagao invulgarmente densa em relag’o a um meio-ambiente agricola mediocre. Dessa forma, existia uma maior necessidade de aproveitar as palmeiras semi-espontaneas do que era habitual, ¢ mais mao-de-obra para colher os frutos e extrair o dleo, armazenando-o para 0 comércio. Em segundo lugar, como as pequenas cidades concorrentes do delta eram dominadas por oli- garquias mercantis, naturalmente sensiveis a estimulos econémicos, esta- vam aptas para tirar proveito desta situagio logo que os seus parceiros comercials europeus comecaram a procurar dleo em vez de —ou ao mesmo tempo — escravos. Quando a procura cutopeia do éleo de palma comegou a exceder a capacidade de fornecimento do delta, 0 comércio passon também a insta- lar-se na regido vizinha dos [orubas até que, por volta da década de 60 do século x1x, esta fornecia quase tanto Gleo como 0 delta, Deve mencionar-se que esta regiao apresentava também uma densidade populacional invul, igar- mente forte, ¢ que se desmantelara completamente 0 dominio centralizado que Oio em tempos procurara exercer sobre a sua actividade econédmica ¢ politica. Nem os Daomés, a oeste, nem os Fulas, que procuravam avangar a partir do norte, conseguiram tirar proveito dessa situacGo para os seus Propésitos imperiais. Os lorubas reorganizaram-se com base em alguns nucleos regionais. Alguns deles, como Ijebu ou Novo Oio, eram as sedes de monareas tradicionais, mas outros, nomeadamente as metrépoles de Ibada ¢ Abeocuta (que desempenharam 0 principal papel no momento de repelir os Fulas ¢ os Daomés, respectivamente), eram novos centros que atraiam homens e mulheres de varias regides da regifio dos lorubas. Nessas sociedades, tomou-se regra 0 oportunismo econdmico e politico. Os mais capazes ¢ mais ambiciosos procuraram obter seguranga consti- 351 “ Hisroria pa Arica tuindo séquitos de partidarios ¢ sequazes 0 mais amplos possivel; outras pessoas procuravam aliar-se com um ou outTo desses novos lideres. ‘Do ponto de vista politico, o resultado foi frequentemente cadtico, quer numa cidade nova como Ibada ou Abeocuta (ou mesmo numa das mais anti- gas), quer no campo, onde havia quase sempre acgbes militares. Mas, do ponto de vista econémico surgiram oportunidades ilimitadas. Cada um dos. novos lideres procurou obter a maxima compensagao destas comitivas. De inicio, um dos efeitos foi um surto do trafico negreiro. Mas isso conduziu os Ingleses, que nessa altura j4 bloqueavam a costa do Daomé, a tomar medidas activas no sentido de pér cobro 4 exportagao de escravos mais a leste. Em 1851, foi usada a forea para expulsar o rei de Lagos ¢ para instalar um rival que prometera proibir 0 trifico de escravos, ao lado de um cénsul inglés para © vigiar. Como esta medida nao resultasse muito bem, Lagos foi anexada como colénia, ¢ os Ingleses iniciaram o alargamento da sua jurisdi¢do aos portos vizinhos, como Palma ¢ Lecki a leste e Badagri a oeste. Assim, 0s novos homens da regio ioruba, bem como os seus parceiros do delta, passa~ ram a dedicar-s¢ cada vez mais ao comércio do leo de palma como princi- pal produto do seu comércio externo. A concotréncia pelo dominio das rotas comerciais, que se encontravam na mio dos mercadores europeus. protegidos pela soberania britinica em Lagos, tomou-se um factor importante nas lilt mas guerras iorubas. E, pois, natural que tanto esses mercadores como os fun- cionarios responsaveis pela prosperidade da jovem coldnia britanica tenham comegado a pensar que 0s seus interesses ¢ Os da colénia seriam mais bem satisfeitos através do alargamento do dominio inglés para o interior. O apelo A intervengo no interior no ficou limitado aos curopeus. O nucleo principal da populacao das maiores feitorias de Lagos & da Serra Leoa, do Baixo Senegal ¢ da Costa do Ouro, ndo era constituido por brancos, mas por negros. Proximo da década de 60 do séeulo xrx, muitos homens importantes da regiao, a maioria dos quais estava envolvida no trafico, estavam interessados em apreciar o que consideravam set os bene- ficios da civilizacao curopeia levados para o interior. Embora no estives- sem de modo algum todos de acordo entre si quanto aos efeitos futuros que o avango do dominio colonial europeu ou que certas reformas da sociedade africana podiam introduzir, em qualquer dos casos eles viam-sé a actuar como os principais agentes de transforma¢ao. Este elemento moderizador na sociedade costeira africana foi parcial- mente o resultado de uma aculturagdo que se vinha processando ha sécu- Jos nos fortes comerciais europeus ou na sua vizinhanga ¢ nas feitorias da 352 A Exransio po Poperio Europeu No Sécuvo xx Costa do Ouro ¢ do Baixo Senegal. Foram-lhe, no entanto, conferido um estimulo ¢ uma direcso totalmente novos através da ace dos missiona- rigs europeus, que comegaram a afluir a Africa a partir de finais do século xvu. As miss6es cristds em Africa nao eram, evidentemente, uma novidade. Mas as anteriores missées tinham estado intimamente associadas ao primeiro fluxo da expans&o europeia por Portugal e Espanha, e a sua influéncia mal sobreviveu fora das colénias portuguesas existentes. Quando, na segunda metade do século xix, foram fundadas novas congregacées missionarias catdlicas, como as dos Padres Brancos (1868) ¢ a Lyons Society para-as Missdes Africanas (1877), uma das razées da sua criagao, e sem divida da atengao que elas prestaram 4 Africa tropical, foi a actividade crescente das novas congrega¢ées missionarias protestantes. Os seus pioneiros foram os Irmaos Mordvios, que enviaram os prime!- ros missionarios para o Sul ¢ Ocidente de Africa em 1737. No entanto, estas acgdes iniciais tiveram pouco sucesso ¢ © verdadeiro impulso dado a actividade missionaria protestante proveio do renascimento religioso ocor- rido no século xvii em Inglaterra. Os evangelistas estavam interessados em fazer avancar a sua causa onde quer que fosse, € deslocaram-se até Africa porque a Inglaterra era o Unico entre os paises protestantes europeus que possuia ali uma influéncia consideravel, ¢ porque tiveram um papel impor- tante no movimento antiesclavagista britanico. Sentiam, portanto, ser seu dever levar a mensagem cristf aos africanos recentemente protegidos pela Inglaterra na Serra Leoa e na Colénia do Cabo. Com a chegada dos missiondrios da Congregagao Missionaria das Igrejas 4 Serra Leoa, em 1804, seguida do primeiro: missiondrio meto- dista Wesley, em 1811, ¢ da chegada dos missiondrios da Congregagao Missionaria de Londres ao Cabo, em 1799 (na sequéncia de uma inicia- tiva dos moravos sete anos antes), estas duas colénias transformaram-se nas bases principais a partir de onde a actividade das missées protestan- tes (predominantemente inglesas)(*) s¢ viria a propagar 2 toda a Africa () Note-se que algumas congregagdes missiondrias inglesas, em especial a Congregagde Missionaria das Igrejas. 0 principal instrumento missiondrio da Igreja Anglicana, tiveram inicialmente grandes dificuldades em persuadir o clero existente a aventurar-se nas colénias. Muitos dos seus missionarios mais notdvets, por exemplo J.F. Schén, 3.W. Koelle ¢ JL. Krapf, foram recrutados na Alemanha. ‘As misses das Igrejas inglesas nio-conformistas tiveram contudo, muito menos dificuldade em encontrar missionarios, talvez porque costumassem recruta-los nas classes sociais mais baixas. 353 Hisroaia pa Arica subsariana. O objectivo desta actividade nao era simplesmente espalhar a Palavra de Deus, embora isso bastasse como fim e fosse uma compen- sacdo em si mesma. Desde 0 comego que o avanco de cristianismo em Africa foi encarado como um meio pratico para a campanha de mora- lizagdo contra o trafico negreiro ¢ a escravatura, como um instrumento que podia redimir a sociedade africana da barbarie que, segundo se cria, estava principalmente subjacente aqueles fenémenos e como compensa- go pelo mal feito a Africa pelo incentivo dado pelos curopeus através do trafico negreiro atlantico. A este propdsito, as missées foram bastante mal sucedidas ao ten- tar provocar um impacto consideravel nas sociedades africanas, mesmo depois de estas terem sido submetidas pela conquista colonial nas finais do século xix e prineipios do xx. As autoridades africanas rapidamente compreenderam que a mensagem era subversiva da sua ordem politica e social, enquanto os missiondrios ndo tardaram a descobrit que a nogao de sua superioridade moral nfo era uma arma adequada para converter ¢ moldar as sociedades africanas que esta- vam decididas a manter a sua independéncia espiritual. Os reinos africanos onde os missiondrios tinham feito alguns progressos antes de 1900, aproxi- madamente, eram em geral aqueles em que 0s governantes s¢ encontravam Sujeitos a grandes pressdes do exterior, ¢ que, em consequéncia disso, viam ‘0s missiondrios como seus aliados politicos ou mediadores potencialmente valiosos. Pensava-se, em especial, que os missionarios estavam especial- mente aptos a ajudar a negociar as pressOes exercidas pelos europeus que procuravam as terras afticanas para coloniza-las. Nao foi este-o caso na Africa ocidental, e neste dominio politico os principais éxitos missioné- rios localizaram-se na Africa meridional e central, por exemplo no Botsu- ana de Khama, no Lesotho de Mosheoshoe ou no territério dos Lozis com Lewanika. Mas, mesmo nestes casos, nao sucedeu necessariamente que os missiondrios fizessem muitos conversos ou que houvesse qualquer modifi- cacao muito significativa na sociedade tradicional antes da constituigio do poder colonial. O Buganda foi praticamente 0 unico exemplo de um reino africano, sem rivais na sua esfera de acgio, e alcancado pelos missiond- rios (em 1877) antes de outras influéncias europeias, onde a sua pregacao ganhou rapidamente numerosos conversos. As razées de tal facto devem procurar-se, ao que parece, numa combinacdo invulgar de condicionalis- mos locais: 0 éxito dos kabakas em criar sob a sua direcgdo uma sociedade aberta, onde era atribuida pouca autoridade aos sacerdotes tradicionais; ¢ a 354. A Expansdo bo Poperio Euroreu No SECULO XIX chegada, pouco mais de doze anos antes, no rasto dos Zanzibares, de outra religiao universal importante para a historia de Africa, que foi o Islao. Era, portanto, uma situag4o na qual jovens ambiciesos podiam debater avida- mente os méritos relativos do cristianismo e do islamismo como vias para 9 seu proprio progresso. ‘Na Africa ocidental, assim como na Africa austral, os primeiros éxitos importantes dos missiondrios o¢orreram em zonas onde a sociedade tra- dicional j4 no possuia uma implantagao forte no seio do povo. A Serra Leoa proporcionou um ponto de apoio ideal. Em Freetown, e nos seus arredores, existia uma quantidade crescente de individuos que tinham sido afastados das suas comunidades iniciais devido a escravatura e que tinham, posteriormente, sido reagrupados numa localidade estranha, embora afri- cana, gracas ao poder dos europeus. Pouco tinham em comum para além da coincidéncia da sua sujeicao a essas duas forcas externas arbitrarias e, na realidade, foi apenas através da exploragao da segunda destas forcas, aparentemente mais poderosa, que obtiveram a esperanga de alcangar uma identidade comum. Os primeiros africanos libertados desembarcaram em Freetown vindos da América do Norte e da Inglaterra, trazendo consigo as sementes do cristianismo evangélico. Perceberam mais rapidamente do que as associagGes missiondrias na Inglaterra que ai se encontrava a chave da sua salvagdo, da cria¢do ¢ desenvolvimento de uma nova sociedade. Nesse caso, a chave encontrava-se menos na fé crist do que na educagiio cristi. Se os missiondrios abriram ¢scolas a fim de que os africanos apren- dessem a ler a Biblia, os africanos aprenderam e exigiram cada vez mais escolas a fim de poderem utilizar uma parte do conhecimento europeu para garantir a sua autoconservagao e progresso. Dentro de pouco mais de uma geracdo, constituiu-se entre os africanos libertos da Serra Leoa uma comunidade crioula distinta, que estava deci- dida a compartilhar com os seus mentores ingleses a exploraciio e trans- formago da Africa ocidental. Na propria Serra Leoa, a presenga crioula foi um corpo estranho que teve tendéncia para criar resistencias entre os africanos da regio, a ponte de as oportunidades para os crioulas serem ai geralmente menores do que noutras zonas, em especial nas feitorias comer- ciais e préximo delas em todo o litoral desde a Costa do Ouro para leste. Em meados do século xrx, comerciantes, artifices, funcionarios, professo- res, padres, médicos, advogados e administradores da comunidade crioula da Serra Leoa compartilhavam ou competiam com as actividades ingle- sas ao longo de toda a costa. Os missiondrios brancos seguiram o rasto 355 = Historta pa Arrica dos seus conversos, donde resultaram novas vias de transformag4o para outros africanos, numa frente sempre em expansao. Os individuos que eram influenciados ou atraidos pelas novas oportunidades em geral nfo se afas- tavam das suas comunidades locais de modo to radical como os crioulos da Serra Leoa tinham sido forgados a fazer. Pelo contrario, ofereciam aos chefes tradicionais cooperagdo ou um repto com que esperavam modificar a sua sociedade a fim de avancarem com as forgas de transforma¢ao em. vez de serem aniquilados por elas. No avango dos afficanos ¢ dos missionarios brancos para leste a partir da Serra Leoa, tornaram-se especialmente importantes duas tegides. A pri- meira foi a Costa do Ouro, onde tinham decorrido j4 séculos de contactos culturais menos formais, capazes de preparar 0 terreno para a constitul- ¢%0, no litoral, de uma elite influenciada pelos europeus que estava tao apta a tirar proveito das novas actividades religiosas e educacionais como a da Serra Leoa. A outra foi a zona sul do pais dos Iorubas, perturbada por rivalidades constantes ¢ pelas guerras que provocaram o fim do impé- rio de Oio. Fizeram com que os lorubas fossem de longe o maior grupo étnico entre os homens ¢ mulheres transportados pelos barcos negreiros desembarcados na Serra Leoa pelos navios britanicos. Provavelmente, os lorubas corresponderam a um tergo ou mais dos elementos africanos libertados, ¢ parece ainda ter sido © tnico grupo a conservar um notavel sentido de coesao éinica e de propésito comuns. Nos anos 30, alguns deles desenvolveram uma certa influéncia comercial que Ihes permitiu adquirir pequenos barcos e comegar a comerciar com os portos iorubas de Badagri ¢ Lagos. Esses homens rapidamente compreenderam que a concorreréncia pelo poder no interior destes portos estava a originar uma sociedade aberta que oferecia enormes oportunidades a pessoas capazes ¢ com iniciativa. Muitos lorubas da Serra Leoa comeraram em pouco tempo a regressar 20 pais natal, em especial 4 nova cidade de Abeocuta. Esta cidade fora criada, e dotada com um governo quase republicano, como local de refagio para os Jorubas do Sul que fugiam de um modo geral das guerras, e em particular das pretenses guerreiras da nova cidade rival de Thad. Esta procurou alcangar um lugar preeminente sobre todos ‘98 outros lorubas do Sul como compensagao de os ter salvo da subjuga- eGo pelos Fulas e Haticas que tinham organizado na zona norte do terri- tério ioruba o emirato muculmano em Ilorin. Os missionarios seguiram em pouco tempo os Saros (forma como os lorubas designavam os imi- grantes) instalando-se firmemente em Abeocuta no periodo compreendido 356 A ExpansAo po Poperio Europeu No SicULO XIX entre 1846-47. Foi introduzido, entretanto, um elemento modernizador na sociedade ¢ na politica dos lorubas. Acentuou a importancia de intensificar as relages com o mundo exterior, baseada na exportagao cada vez mais importante de dleo de palma para os mercadores ingleses de Lagos, ¢ de manter esses laos apesar dos ataques por Ibada e o Daomé, com uma poli- tica orientada num sentido mais tradicional. Procurou-se também criar um. governo de letrados e burocratas em Abeocuta. A influéneia da Serra Leoa no decurso da histéria na Africa ocidental no século xix revelou-se bastante maior do que a dos outros nicleos de escravos libertos que s¢ estabeleceram em competicaio com Freetown — na Costa da Pimenta, na ilha de Fernando Pé e no estuério do Gabdo. Isso sucedeu especialmente devido ao grande numero de imigrantes e 4 sua estreita associac¢o com os importantes interesses ingleses. A colénia de Libreville, criada pelos. Franceses no Gabio em 1839-40, nfo conseguiu obter os mesmos resultados porque o numero de escravos libertados pela acgao naval francesa foi muito menor. Os niicleos de povoamento criados a partir de 1821 pela iniciativa privada dos Estados Unidos na Costa da Pimenta também definharam, em parte devido 4 falta de pessoas (cerca de 15 000 negros americanos foram ai desembarcados ¢ cerca de 5 000 escravos apanhados pela marinha dos Estados Unidos no alto mar). O prin- cipal problema residiu, contudo, no facto de os imigrantes nao possuirem nenhum governo reconhecido que os apoiasse na sua luta pela sobrevi- véncia contra os povos africanos da regiao ou das acgdes de comerciantes europeus hostis. Foi a falta de apoio formal por parte dos Estados Unidos que provavelmente levou os colonos, em 1847, a procurar obter o reconhe- cimento ¢ um estatuto internacional por meio da declaracaéo da Republica da Libéria. No entanto, nos cem anos seguintes, os recursos disponiveis na Repiblica no foram dimensionados para as suas ambigdes. Neste aspecto, asua sobrevivéncia foi em grande parte fruto das mutuas rivalidades entre as poténcias coloniais. O nucleo de Fernando Pé foi uma aventura inglesa que resultou dos inconvenientes de Freetown ser a nica base naval ¢ o tnico niicleo de escravos libertos nessa porcdo de costa. Mas a ocupagdo inglesa da ilha, em 1827, despertou o governo espanhol para o facto de a ter adquirido em 1778, por cedéncia de Portugal, e em 1834 a marinha inglesa retirou dai a sua base. Nao obstante esta breve ocupagdo inglesa, ¢ a presenga continua em Fernando P6 de uma pequena comunidade de libertos africanos, a ilha atraiu a atencdo dos missionérios ¢ dos comerciantes ingleses. A ilha foi 357 Historia ba Arnica utilizada por eles como base para o alargamento das suas actividades entre as sociedades do litoral desde Lagos até aos Camardes. Mas, em compara~ ¢80 com a Serra Leoa, 0 comando conservou-se ai nas maos dos europeus. O mais notavel entre eles foi o comerciante inglés John Beecroft, que, che- gado em 1828, permaneceu quando a armada partiu e administrou durante algum tempo a vida na ilha sob bandeira espanhola. As actividades de Beecroft concentraram-se no delta do Niger, cujos bracos explorou e onde conseguiu Exitos tais como mediador entre os comerciantes europeus ¢ as autoridades africanas concorrentes que foi nomeade primeiro cénsul bri- tanico em 1849 para as Baias de Benim e Biafra (isto ¢, para a costa com- preendida entre o Daomé ¢ os Camarées). Nos tltimos anos antes da sua morte, que ocorreu em 1854, uma das principais preocupacées de Beecroft foi a promo¢ao do comércic licito inglés no combate ao trafico de escravos nas costas do Daomé e dos lorubas, ¢ foi um agente fundamental na aceao naval britanica que veio a efectuar a conquista de Lagos em 1851. Até a década de 70 do século xix, a propagagao da influéncia crist’ euro- peia na Africa ocidental resultou essencialmente de uma acpéo conjunta de europeus ¢ africanos, ¢ nao teria avancado tao rapidamente sem estes Ulti- mos ~ os atiradores senegaleses e os, chamados mercendrios «hatigas» ao servico dos Ingleses, assim como as elites urbanas evoluidas de Sao Luis ¢ da Goreia, Freetown e Monrévia, Costa do Ouro, Lagos e Abeocuta. Ainda que vastas regides do litoral estivessem a ser modificadas por esta acg’o conjunta, poucos efeitos se faziam sentir fora delas. Homens como Samuel Ajai Crowther, um saro que em 1864 se tornou o primeiro bispo da Missio da CMI (Congrega¢ao Missiondria das Igrejas) no Niger, como o Dr. E.W. Blyden, natural das Indias Ocidentais, cuja carreira profissional na Libéria, Serra Leoa ¢ Lagos se estendeu pelos anos de 1851 até 1911, ¢ incluiu tanto a exploragdio como uma obra pioncira na educagdo e na tentativa de operar uma sintese racional entre o pensamento ¢ a vida africana, cristi e mugul- mana; ou 0 inspector fanté G.E. Fergurson, que dirigiu as expedigdes britanicas ao interior da Costa do Ouro na década de 90 do século xix —eles e outros como eles cram to estranhos as sociedades africanas do interior como qual- quer europeu. Os grandes reinos préximos do mar, como Achanti, Daomé e Benim, permaneceram totalmente contririos 4 nova situagio. A partir dos meados da década de 50 do século xix, os protagonistas da mudan¢a comegaram a impacientar-se com 0 facto de estarem confina- dos ao litoral; o interior apresentava-se-Thes como um desafio a que nado podiam resistir se pretendessem manter a afirmagdo da sua superioridade. 358 A Expansda bo Ponerio Eurorev xo Sécuto xix Nos sessenta anos anteriores, uma série notavel de exploradores, a come- gar em Mungo Park e terminando em Henry Barth, revelara ao resto do mundo a geografia interior da Africa ocidental, Sabia-se, em especial, que © rio Niger eo seu afluente Benué constituiam ambos uma via importante para a travessia do Sudio central ¢ ocidental, e que podia ter-se facil acesso a regido tanto através do Rio do Oleo como pelos rios Senegal e Gambia. O construtor naval de Liverpool McGregor Laird eo cirurgiao e cénsul W.B. Baikie demonstraram que no Baixo Niger, com barcos a vapor e quinino, os curopeus conseguiam utilizar essa via, enquanto Faidherbe, no Senegal, apresentara os resultados que podiam ser conseguidos se o poderio euro- peu fosse usado para destruir ou ultrapassar os sistemas tradicionais africa- nos que até ento ligavam o interior ao litoral. Portanto, em 1873, 0 Ministério das Coldnias inglés decidia que nfo permitiria mais que as suas possessdes na Costa do Ouro ficassem sujcitas 4 ameaga de invasdo pelos Achantis. Foram meticulosamente preparadas as condigdes para um corpo de soldados europeus marchar até Cumassi ¢ saquear a capital dos Achantis. Esperava-se que isso servisse de lig3o exemplar ¢ que quebrasse a barreira psicolégica que reprimia as forgas do progresso. Mas isso significava subestimar o poder da resisténcia afti- cana. Em 1900, os Achantis tiveram de ser sistematicamente submetidos a conquista consolidada com a construcio do caminho-de-ferro desde a costa até Cumassi. Os Franceses mostraram-se mais experientes e realistas. Entre 1879-83, quando as suas forcas avancaram desde o Alto Senegal até ao Niger, 0 seu objectivo nao foi apenas derrotar o reino dos Fulas, mas anexd-lo ao seu império, e por volta de 1882 inciaram as obras do cami- nho-de-ferro que ligaria os dois rios. As autoridades estiveram também hesitantes de inicio sobre a esfera mais importante da influéncia comercial britanica, o delta ¢ o curso inferior do Niger ¢ a zona interior contigua de Lagos. Nas décadas de 1860 ¢ 1870, esperou-se obter o livre acesso exigido pela civilizagao europeia e pelo comeércio inglés, através da influéncia consular iniciada por Beecroft ¢ por meio do avango das missdes. Baikie e Crowther conseguiram, na realidade, avanear no interior até Locoja, na confluéncia dos rios Benué e Niger. Mas dois factores levaram ao abandono eventual deste conceito de dominio informal. Como no caso dos Achantis, os Ingleses tinham subestimado a determinagdo e o poder das autoridades africanas — os principes-mereado- res do litoral, como Ja Ja de Opabo ou Nana Olumu dos Itsekiris (Waris), assim como os emires fulas de Nupe ¢ Torin — em opdr-se a mudangas 359 5 Hisroria pa Aprica que eram coutrarias aos seus préprios interesses. A conquista a ocupagao eram as tnicas solugdes a longo prazo. O segundo factor resultou em a supremacia comercial inglesa no delta ¢ no Baixo Niger ¢ em Lagos ter sido ameagada por comerciantes de outros paises europeus, nomeadamente da Franca ¢ da Alemanha, na década de 70 do século xrx. Os comerciantes alemies instalaram uma base comercial solida em Lagos. Mas visto que a Inglaterra possuia ai j4 0 dominio politico, isso nao constituiu um caso to sério como a entrada dos concorrentes franceses, nos anos 70, no comér- cio que as pequenas companhias inglesas praticavam no deita e no baixo Niger. Aqui, os europeus competiam nao sé por causa de um mercado que Se estava a tornar marginal 4 medida que o preco mundial dos Produtos de palmeira baixava, mas também pelos favores politicos concedidos por muitas autoridades africanas rivais. A este respeito, a supremacia inglesa no Baixo Niger nio foi garantida por acgao governamental mas pela inter- veneao de um jovem ex-oficial do exéreito, George Goldie, que perten- cia a uma das firmas comerciais da regiao. Goldie fundiu as companhias inglesas em 1884 e utilizou a sua forga conjunta Para comprar as aceGes dos Franceses. Comegou entio a desenvolver a sua Companhia Nacional Africana até se tornar uma forga politica e militar importante que pretendia controlar completamente o Baixo Niger e evitar 0 avango dos Franceses pelo rio desde 0 Senegal, garantindo que a zona mais préspera no Sudio, império Socoto dos Fulas, se tornasse uma reserva britdnica. As anexagées na costa do Daomé ¢ do Togo feitas pela Franca ¢ pela Alemanha em 1883 ¢ 1884, que constituiram uma cunha entre as colénias britanicas na Costa do Ouro e Lagos, ¢ ainda a anexacdo alema dos Cama- res em 1884, até entdo uma base importante da actividade mercantil ¢ missionéria inglesa, persuadiram finalmente o govemo britanico da impor- tancia da actuagdo de Goldie: reagiu declarando 0 Protectorado os Rios do Oleo (1885) e concedendo alvara (1886) 4 companhia de Goldie, desde entéo a Real Companhia do Niger, o que o tomou seu representante oficial pata a defesa dos interesses ingleses no rio. A chegada dos Franceses ao Daomé e dos soldados de Goldie a Nupe e a Ilorin convenceram finalmente as autoridades inglesas a prestar atengdo aos argumentos da comunidade de Lagos ¢ a assumir a responsabilidade directa no territério dos Iorubas, Nessa €poca, estava jd a proceder-se a partilha da Aftica ocidental. Tratava-se, em suma, de uma tentativa francesa para obter 0 maximo terri- t6rio possivel avancando pata leste pelo Niger abaixo c li igando essas con- quistas no Sudo a uma zona costeira que nao pertencesse ainda a Ingleses, 360 A. Expansao DO Poperio Euroret! No SECULO XIX Portugueses, Liberianos ou Alemies (depois de 1884), ¢ tatava-se ainda de uma contra-ofensiva lentamente preparada pelos Ingleses para tentar obter uma parte satisfatéria do interior dessas regides costeiras onde os interesses mercantis ¢ missiondrios tinham alcangado grande éxito. Mais a este, os Ingleses adquiriram uma zona no interior da Serra Leoa € ambas. as margens do rio Gambia, numa extenso navegavel de cerca de 480 km. Mas a sua colénia da Gambia tomou-se um simples enclave em territério francés, confirmando desse modo que o rio Senegal era 9 acesso principal ao Sudio Ocidental (embora na pratica as suas dificuldades de navegacaio lancassem os Franceses num enorme programa de construgao de cami- nhos-de-ferro). Os Franceses no tinham tido dificuldades em derrotar e destruira estru- tura militar dominante no império dos Tuculores. Mas depararam com firme resist@ncia por parte de um outro novo império africano que se estava a cons- tituir a sul dos territorios dos Tuculores mais ou menos na mesma época do avanco-dos Franceses. Tratava-se do império fundado por Samori Turé que, embora fosse mugulmano ¢ utilizasse cada vez mais conceitos islamicos na administracao do seu império, estava a adoptar principios da organizacio estatal da Africa ocidental mais antigos do que os dos jihadistas. Samori, nas- cido por volta de 1830, era um comerciante e soldado diula empenhado em constituir 0 que podia chamar-se um império tradicional mandé. Em meados da década de 60 do século x1x, 0 seu centro encontrava-se em Bissandugu, a sul do Alto Niger, ¢ proximo da regido natal de Samori. Na primeira fase do avango dos Franceses, do Senegal ao Niger, quando 0 seu principal propé- sito era derrotar o reino tuculor, eles preferiram tratar com Samori por meios diplométicos, em vez de empregar a forga. Mas ao comegarem a deslocar-se para leste ao longo do Niger, precisaram de proteger a sua frente aberta a sudoeste. Foram enviadas tropas contra Samori, que ¢m 1891 tomaram Bis- sandugu. No entanto, a reaceZo de Samori consistiu em deslocar o centro das suas operagées para leste, em direc¢fio do curso médio do Volta, onde pros- seguiu as hostilidades contra os Franceses ¢ desencadeou um conflito contra os Ingleses que avancavam vindos da Costa do Ouro. $6 em 1898 ¢ que os Franceses conseguiram finalmente vencer e capturar Samori. Estas dificuldades atrasaram o avanco dos Franceses, e contribuiram para promover um equilibrio diferente na partilha entre a Franga ¢ a Ingla- terra a leste de Tungubutu. As forgas francesas sé em 1894 se apoderaram de Borgu (que atingiram vindas do sul, e nio do oeste), e em 1896 do ter- ritério dos Mossis. Houve, portant, tempo para os interesses comerciais 361 Historia pa Arnica ingleses persuadirem o Ministério das Colénias a participar nas negocia- ges com os dirigentes africanos do interior da Costa do Ouro ¢ com os Achantis, ¢ a garantir acordos a favor dos mesmos interesses, através de agentes de Goldie, na regio que viria a tornar-se o Protectorado da Nigéria do Norte, ¢ ainda tentar ocupar este enorme territdrio. Foi, por conseguinte, possivel aos Ingleses negociar acordos com a Franga, pelos quais esta acei- tava a supremacia da influéncia inglesa nesta regio. Com a nomeagao de Joseph Chamberlain para 0 Ministério das Colénias em 1895, e a consti- tuigo, dois anos mais tarde, na Africa ocidental de um destacamento de fronteira composto por soldados africanos comandados por oficiais brita- nicos de carreira, a Inglaterra concordou finalmente em medir forgas ¢ em usar essa forga a fim de transformar a sua quota da partilha em verdadeiras colénias. Dai resuliou que, embora a Franga obtivesse um vasto império na Africa ocidental, foi-Ihe negada a parte de ledo em termos de comércio ¢ de populagdo. Foi possivel a Franga estender o seu império para leste até ao lago Chade, e estabelecer ai ligagao com a sua regiao ocupada no Norte de Africa e no Congo, mas apenas através das fronteiras do Sul do Sara Durante os processos de répida expansiio e conquista coloniais iniciados na década de 70 do século x1x, os africanos ocidentais perderam mais do que a independéncia dos seus reinos tradicionais. Perderam a capacidade de competir em pé de igualdade na exploragdo comercial dos seus territorios. Até entio quase todo 0 comércio no interior estivera na mio dos africa- nos. © aparecimento de carreiras regulares de navegagao na década de 50 do século x1x permitira também aos seus principais mercadores no litoral participar nas actividades comerciais com a Europa por sua propria conta. Contudo, a depressio comercial atingin mais os mercadores africanos do que os comerciantes eutopeus. Os curopeus mais empreendedores nao se decidiram apenas a atacar o comércio do interior, Estavam em melhor posi- ¢4o do que os africanos para se associarem ¢m empresas maiores que con- seguiam obter créditos consideraveis dos bancos curopeus ¢ substituir uma concorréncia prejudicial através do estabelecimento de monopdlios comer- ciais nos rios e—acima de tudo — dos novos caminhos-de-ferro controlados ¢ operados por curopeus. Os comerciantes africanos ficaram reduzidos a um papel subalterno, e muitos homens présperos no periodo anterior pen- saram ser preferivel passar a investir em propriedades ou na produgdo de bens de exportag4o para fornecé-los aos europeus. Os africanos foram igualmente votados a papéis secunddrios noutros aspectos do processo de transformacao que assolava a Africa ocidental. 362 A ExransAo D0 Poperto Eurorev No SECULO XIX Até entilo, tinham participado na decistio acerca da forma como as ideias e os métodes europeus deveriam ser introduzidos nas sociedades africa- nas ou adaptados aos condicionalismos africanos. No entanto, a expansdo colonial podia ser moralmente justificada unicamente se os europeus pre- ferissem acreditar que s6 eles sabiam o que era melhor para Africa, nao 86 no seu interesse mas também no dos povos africanos. Na década de 60 do século 11x, nas vésperas da expansio, tomou-se evidente que as atitudes europeias em relagdio aos africanos estavam a muidar. Embora os europeus na Africa ocidental, estivessem anteriormente dispostos, de uma forma geral, a reconhecer que as sociedades ¢ as ideias africanas eram bastante diferentes das europeias, comegavam agoraa afirmar que elas cram também manifestamente inferiores. Assim, o explorador ¢ cénsul britdnico Richard Burton comentava no relatorio da sua missé0 a0 Daome, em 1836, que «os negros, em geral, no progredirao para la de um certo nivel ¢ mesmo esse pouco apreciaveb». Apés uma visita ao reino mossi de Uagadugu em 1888, algo semelhante foi afirmado pelo pioneiro do poderio francés na bacia do Volta e na Costa do Marfim, L.G. Binger: «Seo curopeu aqui che- gar algum dia, devera vir como senhor». Enquanto a sociedade da Europa ocidental podia ser estudada através da histéria do seu desenvolvimento desde os tempos gloriosos da Grécia e de Roma, foi necessaria uma nova disciplina para o estudo de sociedades to inferiores como as de Africa, a Antropologia. Ela evitou estudos histéricos ¢ preferiu empregar 0 que se pensava serem os principios da ciéncia darwiniana. Visto que os europeus eram capazes de dominar o resto da humanidade gragas a0 poder da sua sociedade cientifica e industrial cram, naturalmente, os mais aptos a gover- nar Abaixo deles, ag outras ragas humanas estavam dispostas numa escala hierarquica nitidamente caracterizada pela cor da pele, desde o branco até ao negro intrinsecamente primitivo ¢ barbaro no fundo da escala, passando pelos amarelos ¢ castanhos. Os préprios missionarios comegaram a acreditar que a igualdade potencial de todos os homens perante Deus nfo significava que os negros convertidos pudessem ser aceites como cristdios responsdveis segundo: o modelo europeu. Por volta de 1864, Henry Townsend, o pioneiro da acco missiondria em Abeocuta, opés-se a designagao de Crowther para bispo argumentando que os africanos tinham teconhecido que os curo- peus cram dotados de um talento especial para ser émpregue ¢m bene- ficio dos mesmos africanos. Por altura da morte de Crowther em 1891, os africanos estavam a ser corridos dos mais altos cargos da igreja e do 363 NE —————————————————_—_————=_=_—s—ssrsrrssSttststs—S Historia 04 AFRica estado na Africa ocidental. Ninguém acreditava nas suas tentativas de adaptar as suas sociedades as novas condigdes; oS novos senhores prefe- riam tratar directamente com «selvagens ignorantes». Os africanos cul- tos que em 1871 conceberam uma constituigao de estilo europeu para a i Confederaeao dos Fantés foram apodados de traidores nao obstante ainda trés anos antes a Inglaterra os ter considerado sibditos de uma colénia da Costa do Ouro formalmente constituida. Tentativas idénticas feitas nas décadas de 1860 1890 para o governo de Abcocuta sé foram toleradas enquanto serviram as conveniéncias do governo britanico de Lages. Nao deve surpreender o facto de, ainda antes do dominio colonial estar total- mente implantado, terem comegado a aparecer igrejas africanas indepen- dentes das dos missiondrios, ¢ por que homens que anteriormente tinham desejado ver os afticanos contribuirem com o seu talento para.a aproxi- magdo do seu continente ao mundo moderno — como Blyden, Africanus Horton, um médico crioulo que servira os Ingleses na Costa do Ouro, 0 sacerdote ioruba James Jobnson, ¢ J.M. Sarbah, o primeiro advogado da Costa do Ouro — estivessem ja a lancar os fundamentos intelectuais da reacedo nacionalista contra o dominio eurepeu. 364

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