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UMA CARTA DE BEZERRA DE MENEZES A Doutrina Espirita como Filosofia Teogonica 16, Bigg ~ 2015 FEDERAGAO ESPIRITA DO ESTADO DE SAO PAULO Livrara Editora Espirta “Humberto de Campos” Rua Maria Paula, 140, Bela Vista, Sa0 Paulo, SP (CEP 01319-000~ Te. (11) 3115-5544 ~ Fax: (11) 3107-5544 E-mail: divulgacaod@eesp.org.br CNP} 61.669,966/0014-25 —Inscrigao Estadual 114.816.133.117 Divulgacto Silvia Cristina Stars de Carvalho Puglia Diretora Revisio Miriam Ofire Joaquim Brags Editoragao Eletrdnica, Projeto Grifico eCapa ‘Mare Editoragso. Direitos Autorais reservados E proibidasreprodusao tot ou pari, de qualquer fora ‘9 por qualquer meio, salvo com autoripao da Editors {eine 961, de 19 de fevered 1998) TraduySes soment com autorzago po eserito da Elio, Sumario Explicagao necesséria 7 A Doutrina Espirita como Filosofia Teogonica _ 9 Origem 4 Razao de ser do Espiritismo 48 Modo de ensino do Espiritismo, 60 Principios fundamentais do Espiritismo, 0 Explicagao Meco Seay D> Com 0s titulos e subtitulos sobre que naturalmente jé o lei- tor demorou o seu olhar ao atentar na capa e na folha de rosto deste volume, a que nestas paginas se Ihe oferece € 0 mesmo pri- ‘moroso trabalho com que, com a epfgrafe de “Valioso autégrafo”, Reformudor absilhantou € enriqueceu suas colunas com quinze De mudado, pois, aqui s6 hé o titulo que, apropriado a publi- casio feito no érgio da Federacio, nao mais quadraria ao traba- Iho doutrinario em questio, desde que apresentado sob a forma de livro. Acompanhando esta explicagao, destinada a evitar qualquer suposigao errénea ou equivoca da parte dos que adquiram o pre- sente optisculo, justo é se insira neste lugar a que 0 “Reformador” publicou, assinalando o valor excepcional do escrito cuja divul- ‘gagdo ele ia fazer e fez “Trata-se, disse, ao referir-se pela primeira vez dédiva que «a Pederagao recebera do venerando confrade que se chama Juvenal Galeno, trata-se de uma carta escrita pelo apéstolo brasileiro a um seu irmao germano que, naquela época (1886), Ihe exprobrava 0 haver abragado 0 Espiritismo, como réu de apostasia, Nessa carta, que é antes tese doutrindria de grande relevo, desenvolvida naquele estilo blandicioso, de arminho, que the caracteriza a individualida- de inconfundivel, autor dos Estudos de Max vazou a sva alma de crente e, pondo emt confronto 0 Cristianismo eo Catolicismo, tragou paiginas edificantes de filosofiareligiosa” Algum tempo depois, noticiando que em o ntimero seguinte comegaria a publicagao, disse ainda 0 “Reformador”: “Se carta se pode denominar (o escrito a que aludia) pela fa- tmiliariddade e gentileza do estilo que foi versada nao deixa, por isso, de ferin, com a maior nitidez e elevagao de vistas, os mais delicados ¢ transcendentes aspectos doutrindrios. O apéstolo impar do Espi- ritismo evangélico no Brasil; o missiondirio inconteste que soube, da primeira hora, abranger numa sintese admirével o desenvolvimento da Nove Revelagio para o futuro da humanidade; o discipulo de Je- sus que dew a esta casa (a Federagio), como homem, todo o condo dda sua bondade e alto saber e, ainda hoje, como desencarnado, é um de seus guias mais estrénuos — Bezerra de Menezes, enfim, vazou nnaquelas cento e tantas tiras de almago, em mitida caligrafia, wna verdadeira “profissao de fé espirita”. em cerrada argumentagio de confronto com a dogmdtica do Catolicismo, fervorosamente parti- Ihado por seu irmao pela carne, que no, ao tempo, pelasideias.” Finalmente, quando noticiou que chegara a0 termo da pu- blicagao, inseriu estas linhas: “Tragadas sem o pensamento de que viessem a ver aluz da pu- blicidade, o que ainda mais thes realga o valor intrinseco, as sapien lssimas e luminosas paginas (as que acabavam, de ser publicadas) teriam ficado talvez para semipre ignoradas se nao fora a cativante oferta de Juvenal Galeno, Uma vez, porém, que tal nao aconteceu, _gragas ao munificente gesto desse octogenério de espirito juvenil, nto justo que, por nossa vez, as deixemos esquecidas no corpo de uma revista que nem todos colecionam e onde a leitura de uri trabalho longo & sempre fastidiosa. — ee A Doutrina Espirita como Filosofia Teogénica ‘Meu caro irmao e amigo Soares. Recebi sta prezada carta em que derrama suas lagrimas de pesar pelo mau caminho que leva minha alma, afastando-se da edlucacao religiosa que recebi com o leite—e abraando ideias fal- sas, politéicas e demontfacas, quais as que ensina 0 Espi ‘Vejo, na veeméncia com que vocé ataca a Doutrina Espi- rita, dois elevados sentimentos, que nao posso deixar de tomar nna mais séria consideragao. O primeiro ¢ o fervor com que vocé abraga as puras verdades da divina revelagio feita a humanidade pelo Santo dos Santos. O segundo ¢ o amor que deve ligar todas as ovelhas do rebanho do Senhor ~ e que vocé manifesta a meu respeito, com a dedicasao especial da fraternidade pelo sangue. Fujo de discutir crengas religiosas, porque respeito as de todo ‘© mundo, convencido da verdade de que “muitos caminhos con- duzem a casa do Pai”, Aqueles dois motivos, porém, me coagem 1 fazer uma excecio a seu respeito, principalmente o iltimo, que profundamente me comove. E, para comesar, permita-me justi- ficar a citagao que fica acima e que pareceré herética a quem en- tende que “fora da Igreja nao hé salvagao” —e, portanto, que nao hf sendo aquele caminho para a casa do Pai. (© homem vai, na vida, semeando boas e més agoes, porque no hé um que nao pratique de umas e de outras. O maior per- 9 ‘verso faz algumas boas. O mais puro espirito tem suas fraquezas. Nem uma agao da criatura humana é esquecida ou desprezada no julgamento de sua vida. Assim, pois, contam-se as boas aos maus, como se contam as mas aos bons. Isto é rigorosamente ortodoxo. Desse postulado resulta: que sofrerd penas a alma que tiver praticado, em vida, mais obras ruins do que boas e que ter pré- mio a que contar mais ages boas do que més. O essencial, para 0 prémio e para o castigo, disse-o Jesus & Samaritana, no é adorar a Deus no monte Garizim, nem em Jerusalém, mas sim adoré-lo em Espirito € Verdade. ES. Joao, em Pfeso, quando chegado a extrema velhice, limitava a sua prédica a dizer: “Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros’, Respondia aos que se queixavam de nao Ihes dizer send a mesma coisa todos os dias: que naquilo se encerra todo o preceito do Senhor. Sea salvagao pode ser alcangada, ndo se adorando a Deus nes- te ou naquele templo, desta ou daquela forma, mas simplesmente adorando-o em Espirito ¢ Verdade; se adoré-lo em Espirito e Ver- dade ¢ amé-lo sobre todas as coisas e ao préximo como a si mesmo; se tudo 0 mais ndo passa de meios de dispor a alma para chegar a0 estado de adorar a Deus em Espirito e Verdade, amando os seus semelhantes; se 0 essencial se encerra naqueles simples principios; que € de f& e de razo que o mouro, o judeu, o acatélice, em suma, podem chegar a casa do Pai sem ser pelo caminho da Igreja. E isso nao é uma heresia, porque Melquisedeque foi sagrado sacerdote do Altissimo, apesar de nao seguir a lei que fora dada 0s descendentes de Abraao, que era a verdadeira I isso foi confirmado pelo egrégio Pio IX, na oracdo que voce deve conhecer, em que declara, expressamente: que pode salvar-se © proprio selvagem que tiver a intuigao da verdade eterna, afeigo- ar seu espirito e acomodar suas obras a essa verdade. Nao 6, portanto, herético dizer-se que muitos caminhos le- ‘vam a casa do Pai assim como jé nao ¢ lei imprescritivel o— 0 fora da Igreja nao hi salvagao. Isto foi um exérdio. Eu me preocupo sem cessar com o que pode aproveitar a mi- nha alma, considerando esta vida, com todas as glérias que ofe- rece, uma simples parada (pouso) na infinita viagem que temos de fazer em busca da casa do Pai. Creio, portanto, em Deus Padre ‘Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra ~ e creio que sou um Expfrito por Fle criado para a imortalidade, ‘Nao sou cristo porque meus pais me criaram nessa lei e me batizaram, mas sim porque minha razio e minha consciéncia, livremente agindo, firmaram minha fé nessa doutrina sublime, que, tinica na ‘Terra, eleva o homem, em espfrito, acima da sua condigao carnal ~ e que por si mesma se revela obra de infinita sabedoria, a que o homem jamais podera chegar. ‘Tendo diante dos olhos de minha alma o eédigo sagrado da revelagio messidnica, procuro sem descanso arrancar de mim os ‘mau instintos naturais e substitui-los pelas Te nho fé, tenho esperanga e, quanto a caridade, procuro té-la 0 mais que me é possivel, na medida do ensino de Paulo. Nao guardo dio e perdoo as injirias,evito fazer mal e procure fazer bem aos rudes crist réprios que me odeiam. ‘Se eu nao fosse cristao ~ ecristao convencido -, pensa voot que haveria consideragao mundana que me fizesse suportar as caltinias injuriosas de que tenho sido vitima?! Deus sabe quanta energia me tem sido precisa para conter os impetos de minha natureza fogosa, nessas dolorosas conjunturas em que me tenho visto. Tenho, porém, sempre vencido, porque 0 que mais me enleva e arrebata, de tudo 0 que faz parte do celeste ensino, €o diligiteinimicos vestros et benefa- Cite his qui oderunt vos—6 essa formula que sé Deus podia dar mais suave e encantadora de todas as virtudes humanas:a filha do Céu, divina caridade. Eu me empenho, portanto, em fazer da minha vida ‘um ato constante de contrigdo, embora fraqueie nessa resolusao. Que vale mais? Nao ir A missa, nem confessar-se e cuidar de corrigir, trabalhando dia e noite, as ruins inclinagdes de seu es- pirito, ou ir todos os dias & missa, confessar-se todas as semanas € deleitar-se em maus pensamentos, e dar largas ao descome ‘mento da lingua, e irritar-se pelas ofensas ao ponto de procurar vingar-se, e pagar mal por mal, e finalmente, nao cuicar de afei- soar a alma a pura moral de Jesus Cristo? Nao quero dizer que aqueles dois tipos nao possam fundir- se, que 0 que se esforga por varrer da alma os ruins sentimentos no possa i A missa e confessar-se, mas sim que um é essencial e infinitamente superior. Em relagdo & missa, recomendada pela Igreja em seus man- damentos, penso que grande ¢ 0 seu valor como prece ergui los filhos ao Pai, E nunca em minha vida manifestei desprezo por esse género de preces, que respeito e acato, Entendo, porém, que, prece por prece, mais vale a que recomendou Jesus no Sermao da Montanha, do que a que a Igreja recomenda. Sabe vocé que © Divino Mestre disse ali: “Quando orardes retirai-vos a0 vosso ‘quarto, fechai a porta e rezai em segredo.” A oragio em segredo tem dois grandes merecimentos sobre a piblica. O primeio é que fica escoimada de hipocrisia, que nao oucas vezes eiva as que so feitas em piiblico. O segundo é que a alma se isola mais facilmente do mundo e se concentra de modo a quase poder conversar com Deus. Na Igreja hd tantas coisas que nos privam de tao proficua concentragio! B’verdade que a missa 6 representago do sacrificio do Cor- deito Imaculado e tem por isso grande merecimento, mas, desde gue oramos como Ele préprio recomendou, temos feito a mais meritéria oragdo. Nao tenho remorso de nao ir a missa, desde ‘que oro em meu quarto, a portas fechadas, como me mandou orar o divino Jesus, Demais, o essencial nao é a forma, é 0 fundos nao é 0 meio, €0 fim. E 0 fundo ¢ o fim sao a purificagao da alma, Entretanto, epito, nunca disse que a missa nao tem grande valor, nem deixei de ira ela propositalmente. A confissio, também recomendada pela Igreja, é inquestio- navelmente um valioso meio de purificagao. E’ um meio, mas nao €0 tinico. Aquele que faz constante exercicio de dominar suas paixdes, que, arrependido do mal que pratica, procura reparé-lo, tem empregado um meio mais valioso, porque € constante, para chegar ao fim da confissio. 2 Por outra, O que nao descansa no trabalho de purificar sua alma, que todas as noites faz exame de consciéncia, renuncia ao ‘mal que fez ¢ faz propésito de se emendar, confessa-se constan- temente, Falta-Ihe a absolvigio, ¢ verdade; mas essa Ihe vird de Deus, que disse por seu profeta: “Eu nao quero a morte do impio, senio que ele se arrependa e venha a Mim” O arrependimento sincero, a boa vontade, trazem consigo a absolvigao do Senhor. Mais vale o constante esforso por comba- ter-se do que dez mil confissdes. Entretanto, repito, reconheco 0 grande valor desse meio de purificagdo e nunca disse 0 contrario; antes, em romances que tenho escrito, com puro intuito moral, preconizo-o. “Sigo 0 Espiritismo e, conseguintemente, nao posso ser cristao”. Afirmo-Ihe que voce fala assim porque nunca estudou o Espi- itismo a fundo, Faz-se com essa doutrina o que se faz.com a ma- sgonaria, que, no Brasil pelo menos, €0 mais estrénuo propulsor do calto de nossa religido. Isto é verdade, quer queiram quer nio quei- aus, ¢ vontesté-lo € negar a mais respeitivel autoridade da Terra, Pois eu Ihe digo, embora vocé sinta em minhas palavras cheiro de enxofre: nunca apreciei tao perfeitamente, para admi- rar ¢ adorar,o sublime ensino de Jesus Cristo, como depois de ter estudado a Doutrina Bspirita. E-vocé me diz. que sao incompativeis! O fanatismo religioso afasta o homem da pura e verdadeira religiao, O fanatismo religioso foi o que perdeu o sacerdécio he- breu, repelindo as verdades do novo ensino, pelo simples fato de modificarem o ensino mosaico. ‘Compreendoa maior reserva na aceitagdo de uma ideia nova, ‘mas nio compreendo a repulsio sistematica de toda ideia nova, ‘Vamos, porém, por partes a este estuddo para que vocé me chamou, embora, em vez.de uma carta, tenha eu de escrever um livro, Discutirei, aqui, a origem, a razao de ser, o modo de ensino € 05 prineipios essenciais dessa filosofia teogénica, que pretende 0s foros de revelagdo e que os fanéticos, sem estudo nem forma de proceso, denominam “diabolismo”, Origem Vocé revela nao conhecer os principios fundamentais do Es- Piritismo, dizendo que sio os de Pitégoras, que, como se sabe, foram cothidos no Bgito e abragados por Platao. ‘A metempsicose, tanto no reino dos farads, como na Grécia, consistia na transmigragao das almas do corpo humane para cor- pos de animais irracionais, voltando a primitiva forma depois de trés mil anos, segundo os egipcios, e de mil, segundo Plato. 0 Espiritismo nao admite transmigragbes: estabelece a plura- lidade de existencias, mas todas com o puro cariter humano. O es- pirito € criado para a perfeigao, pelo saber e pela virtude, e marcha a seu destino através dos séculos, progredindo no duplo sentido, mediante miiltiplas encarnagoes, até chegar ao estado de pureza cexigida para poder entrar na sociedade de Deus, que € 0 destino humano, segundo a Igreja. Isto nao é o mesmo que aquilo, salvo para quem confunde uma foice com um machado pelo fato de te- rem a mesma composigao e se prestarem aos mesmos efeitos. ‘Também nao € 0 Espiritismo, como diz voce, filho do poli- teismo, religido dos demdnios, que Jesus Cristo expulsou. O Es- Piritismo nao reconhece sendo 0 Deus dos Cristaos ~ 0 Fterno Jeov,a quem rende o mais submisso culto ea quem invoca, pelas preces da Igreja, assim como ao Cristo, que toma por modelo em todo o seu ensino. O Espiritismo nao empresta a Deus as paixoes humanas, como fazia 0 politeismo, nem dé aos homes 0s at butos divinos, como fez a Igreja. O Espiritismo 6, nesse ponto de vista, ardente sectario da religido revelada, Por outra, Em moral ¢ teodiceia, ele nao altera uma virgula do que esté escrito. um ponto muito importante, que merece bem 0 seu estu- do, para se expurgar dos falsos juizos,a que o arrastaram, sem dii- vida, escritores desleais, que tudo se permitem, até mesmo adul- terar as mais claras ideias do adversério, contanto que possam, no fim, bater palmas e reclamar as do triunfo. Inglério triunfo esse, que € alcangado pelo sofisma e pela falsificagao! “4 Eu Ihe afirmo que a moral espirita € a pura moral crista: amor e caridade. Bu lhe afirmo que a verdadeira teodiceia espirita nao difere, ‘numa linha, da teodiceia ortodoxa. E digo a verdadeira, porque a doutrina tem discolos, como os tem a Igreja. £ verdade que Moisés baniu de seu povo a pritica de evo- car 0 Espirito dos mortos, mas é confundir um acidente com 0 fato essencial dizer, por isso, que o Espiritismo foi condenado por Moisés. A evocagdo de Espiritos nao constitui o Espiritismo, nao passa de um fendmeno insignificante, em relagao aos principios da Doutrina. Mas, ainda quando a proibigdo de Moisés fosse uma condenagao da Doutrina, ndo era isso razio para consideré-la diabolismo, uma vez. que a Sagrada Escritura autoriza a fé na co- municagio dos Espititos dos mortos com os dos vivos, por mui- tos exemplos, de que lembrarei o de ter Saul evocado, por meio da profetisa de Em-Dor, o Espirito de Samuel, com o qual conte- tenciou. Aqui se evidenciam nao s6 a verdade auténtica das co- ‘miunicagdes, como a sua inocéncia; pois que, se fosse um pecado, o preclaro vardo, que jé era do paraiso, ndo se teria prestado a “tal coisa’, Dizer que o fato é real e inocente nao vale 0 mesmo que afirmar a sua conveniéncia, Inquestionavelmente ha até perigo em questionar os mortos por descobrir os segredos do futuro, Se Deus que 08 quer ocultos ao homem encarnado, é porque assim convém que seja. Nao tem, pois, 0 valor que julga a prescrigao de Moisés. Deixemos, porém, estes incidentes e vamos & questo capital: a origem do Espiritismo, ou doutrina das vidas miltiplas. A ideia basica desta doutrina, a pluralidade de existéncias, no é nova, como disse vocé, embora a tenha aplicado mal a me- tempsicose. Ela vem da origem dos tempos hist6ricos, como a caridade, que serve de caracteristica a doutrina de Jesus Cristo. ‘© que se deu com uma ¢ com a outra foi que um dia passaram de concep¢des intuitivas da humanidade a ordem de principios definidos e de elementos integrantes de um sistema teogonico, apresentado ao mundo como verdade descida do Céu. No Oriente, a caridade e a pluratidade de existéncias foram colunas em que assentou a doutrina dos bramanes e do Buda. Nem, por ja ter aquela curso forgado em todos os paises aonde chegou a estupenda civilizagao bramanica, se poder dizer: que © Cristo foi um plagidrio. Os principios eternos sio dados por intuigdo ao homem, diz. Santo Agostinho, ¢ confirm:a-o a mais trivial observagao na ordem seguida pela revelagio divina, Ha, porém, para cada um, tempo marcado pelo progresso humano, ara passar da ordem de simples intuigao 4 ordem de lei hu- mana. E aquele que fez essa transformasao foi 0 ministro do Senhor. © Cristo foi, portanto, quem fez germinar a semeate da cari- dade, langada a Terra desde o prinefpio da humanidade, como Espiritismo est fazendo germinar a semente das vidas sucessivas, que a humanidade s6 agora esta em condigdes de compreender, nao em si, porque nao hé nada mais compreensivel, mas em suas relagdes, no plano teogdnico a que serve de pedra angular, o que reclama muito mais fina compreensao. A antiguidade, pois, nto exclui a novidade de uma ideia teogénica, visto que todas foram dadas intuitivamente ao homem, desde a sua criacio. ‘Também a demora de sua sagragio, no sentido de vulgariza- ‘40, nada prova contra a sua verdade, porque a verdade tem sido dada & humanidade progressivamente e porque o proprio Jesus Cristo disse que muitas outras verdades deixavam de ensinar, por nio ser oportuno, Ha, pois, verdades prometidas por Jesus, além das que Ele ensinou. Nao sera a que serve de base ao Espi essa sucesso de vidas corporeas, uma das tais? Convido-o a estudar esta tes. Passemos em répida revista: primeiro, a Antiguidade profa- na; segundo, a Antiguidade sagrada; terceiro, os autores moder- nos ¢ contemporaineos. Subdividamos a Antiguidade profana, em quatro pontos: a teologia — a filosofia - 0 druidismo ~ e os mistérios, a que junta- remos um quinto: a metempsicose. Assim teremos ouvido a uni- versalidade da opiniao paga. 16 (Os Vedas, livro sagrado dos hindus, consignam intimeras ma- nifestagdes, como esta: “Eis-me, de novo, revestido de um corpo”, © Bhagavad-Gita, no Shastra e no cédigo de Manu, mani- festa-se positivamente. No Shastra se encontram mil passagens como esta: “Eu tenho muitos renascimentos; e tu também Arju- na.”“Como trocamos por novos 0s vestidos usados, assim a alma deixa os corpos gastos para vestir outros.” © Budismo é, como sabe, um ramo do Bramanismo, assente sobre a mesma base: a pluralidade de existéncias, que se procura evitar pelo nirvana, ou existéncias sem consciéncia. © Masdeismo, que se distancia do Bramanismo por nao admi- tira origem divina do mal, e do Cristianismo, como é interpretado, por nio admitir o triunfo do mal, pela eternidade da pena, consig- na o principio de que os homens recomecam a existéncia cometen- do as mesmas falta ¢ ficando sujeitos as mesmas causas do mal. Por Herddloto sabemos que os egipcios tinham por dogma a imortalidade da alma, mas que esta levava de uma encarnacdo a utra trés mil anos, durante os quais percorria corpos de animais, Os gregos e romanos acreditavam nas vidas miiltiplas. Louis Ménard, falando da metempsicose, diz: “Os mortos po- dem procurar novos destinose reencarnar, pelo Letes, no turbithao da vida sniversal; podem tornar a Terra, uns para repararem as faltas de uma vida anterior e se purificarem por novas lutas, outros, 19s redentores mortais, por conduzirem os povos desencaminhados & prética das virtudes antiga’ Vé-se, por sso, que a crenga no Hades dos gregos eno Ament dos egipcios nao fazia desses lugares sendo estacoes temporitias, donde a alma imperteita volvia a0 circulo das existéncias corpé: teas, no seio da humanidade terrestre Virgilio, depois de descrever as penas do Tértaro ¢ as re- compensas do Elisio, diz: “Todas essas almas, depois de terem, por mil anos, levado a existéncia naquelas paragens, sto chamadas por Deus, em numerosos enxames, ao rio Letes, a fim de que, privadas de suas lembrancas, voltem aos lugares superiores e conexos ~ co- ‘mecem a sentir desejos de tornar aos corpos” "7 Assim, pois, toda a teologia paga da Antiguidade profana, 0 que vale por dizer, todos os povos antigos tinham a crenga de que © Espirito tomava miltiplas encarnagoes. Revistemos a filosofia paga, com a mesma rapidez com que percortemos a teologia. Platao tentou firmar em provas a verdade das vidas sucessivas e no Fédon desenvolveu largamente as duas principais: uma tirada da ordem geral da natureza; a outra, da consciéncia humana. “A natureza é governada pela lei dos contrérios. 2, pois, visto que a noite sucede ao dia, éde rigor que a morte suceda a vida. Além de que, se ex nihilo nihil os seres que vernos morrer nd podem dei- xar de voltar a vida, porque, do contrério, tudo acabaria absorvido ‘na morte —e a natureza seria um dia o que é a Endimito.” Passando a segunda prova, acrescenta: “Ali encontramos 0 mesmo dogma atestado pela reminiscéncia, Aprender é recordar. (Ora, se nossa alma se recorda de jé ter vivido antes de descer ao cor- Po, como o provam as ideias inatas, porque nao crer que, deixando la este corpo, possa vir animar muitos outros?” E verdade, como jé disse, que tanto o grande vulto da anti- guidade (Antiguidade) como Pitégoras acreditavam na passagem das almas pelos infernos durante mil anos, mas a questo capital era que, punidas as faltas, pelas transmigragdes metempsicéticas, voltavam elas a nova vida corpérea e humana, Sua filosofia con- sistia, pois, nas vidas sucessivas com o livre arbitrio e as penas reparadoras, como se vé pelos seguintes trechos: “Todos os seresintelectuais sao sujeitos a mudangas cujo prin- cipio existe neles. Aqueles cujos costumes nao sofrem senao ligeiras alteragaes esto sempre sobre uma superficie quase de nivel. Os que sofrem alteragoes sensiveis, para o mal, sao precipitados nas regi- es subierrineas, chamadas: inferno(chamdas, inferno), onde sao perseguidos por terrores, por sonhos funestos, que os conturbam. A «alma, porém, que faz progressos notdveis, por uma vontade firme, se © progresso foi para o bem, recebe grandes distingDes e passa a uma habitacao das mais felizes. Se, porém, o progresso foi para o mal, vai hhabitar unt lugar conforme com o seu estado.” ci 8 ‘Mais ainda, “Tal 6, meu flho, a justiga dos habitantes do Céu. Se nos per- vertemos, somos transportados @ habitagao das almas criminosas. Se nos aperfeigoamos, sontos transportados, vamos conviver com as «almas santas, Em uma palavra: na vida e em todas as mortes, que sucessivamente temas, recebemos 0 tratamento que naturalmente merecem: Plotino, no curso de suas Enéades, diz: “E dogma de toda a Antiguidade e universalmente reconhecido que, se a alma comete faltas, écondenada a expid-las, sofrendo puntigdes nos infermos tene- brosos, sendo depois admitida a novos corpos, para recomegar suas proves.” Porfirio, admitindo como fato provado a ideia de Platao so- bre a teminiscéncia, ensina que jé existimos numa vida anterior, que nela cometemos faltas e que € para expiar essas faltas que somos novamente revestidos de um corpo. “Se suportamos a prova com resignagiio, cumprindo exatamen- teas deveres que nos ela impée, subimos gradualmente ao Deus Si- remo, passando pelas condigoes de heréi, de deus intermedirio, de anjo, de arcanjo, ete, ete” Jamblico merece ser ouvido sobre o juizo, sobre o castigo, sobre a purificagdo das almas: “Segundo a maioria dos pitagéricos e platénicos, é pelas almas particulares que se executam aqueles trés atos, mas, seguitdo os fi- sofas que melhor tém estudado a questao, é pela alma universal, que preside @ ordem do universo, pela inteligéncia régia, que dé ao ‘mundo sua beleza, que sao eles executados. “Qual o fim para que se executam tais atos? O fim do juizo é limpar de toda a impureza os homens virtuosos, distinguir a per- feigao da imperfeicao, exaltar a exceléncia das almas superiores. O {fim do castigo & fazer prevalecer 0 bem sobre a mal, reprimir o vicio, destrui-lo e aniquilé-lo, realizar para todos uma igualdade confor- me ao mérito. “Quanto @ purifcagao, tem ela por fim livrar a alma das cau- sas estranhas, restituir-Ihe sua essencia propria, dar-Ihe a perfeiao, 19 a plenitude, a independéncia, facilitar a sua volta ao principio de que emana, conduzir as substincias particulares a se unirem com as universais ea participarem de seu poder, de sua vida e de suas fun- 0es, As almas submetidas ao juizo, enquanto persistem na geracao, nao saem do universo e sao confundidas com a diversidade. Desde, porém, que se libertam, que ficam independentes e serhoras de si nao sto mais submetidas a jutzo, “O mesmo em relacao ao castigo. “Osantigos colocaram no niimero dos deuses, mesmo enquanto esto sobre a Terra, as almas puras e unidas com eles pela confor- ‘midade de pensamentos ~ e nio as submetiam a penas logo que deixavamn o corpo. Os platdnicos, porém, as fazem passar por penas ent sua ascensao da geragao ao mundo inteligente? Assim como a teologia pagi, a filosofia paga, espiritualista, proclama a pluralidade de existéncias ‘Vamos aos mistérios, que, como vocé sabe, encerravam os mais elevados pensamentos da Antiguidade. O dogma da pluralidade de existéncias foi o mais oculto segre- do dos mistérios, transmitido, de idade em idade, aos iniciados, que cram preparados por longas provas para receberem essa verdade. Os mistérios eram a representagio simbélica dos destinos hhumanos, cujos diversos graus se refletem na hierarquia dos ciados. O vestibulo do templo representa a vida terrestre, onde se faziam cruéis provas, até conquistar-se 0 santusrio, simbolo da vida feliz do Céu. A lei érito e virtude, ea recompensa no cabe sendo aos que resistem as provas. Os que nao resistiam eram atirados as depencléncias do tem- plo, donde volviam a novas provas. Nao pode ser mais categérica a representagao das vidas sucessivas, para a obtengao do mérito e da virtude, que conquistam a recompensa. Sobre os mistétios egipcios, Jamblico diz: “Antes de ser des- terrada para o corpo, a alma tinha ouvido as celestes harmonias e, se andlogos acentos vém ferir-Ihe os ouvidos, ela se exalta e se trans- porta além da Terra” ’inguém se eleva senio pelo seu 20 nite © mesmo iniciado naqueles mistérios acrescenta: “A justiga de Deus nao é a justia dos homens. O homem a define pelas rela- bes de sua vida atual de seu estado presente. Os deuses definem relativamente por nossas existencias sucessivas e pela universalidade de nossas vidas, Assim, as penas que nos afligemt sao, em geral, 0 castigo de um pecado, em que a alma se tornou culpada numa vida anterior. Os deuses nos ocultama raza, mas, por isso, nao deixamos de atribuf-las a sua justiga? Dos mistérios passemos 20 druidismo. E to certo que os druidas ensinavam 0 dogma das vidas sucessivas, como é certa que acreditavam na unidade de Deus. César, que no pode ser suspeito, porque acreditava no nada depois da morte, diz: “Uma crenga que eles procuravams, principal- ‘mente, firmar era a das almas nao perecerem com o corpo, passando a novos corpos depois da morte.” Pomponio Mela sustenta 0 mesmo, assegurando que eles consideram a alma eterna e que hé outra vida entre os manes. ‘Amiano Marcelino corrobora aqueles dizeres, ¢ Diodoro de Sicilia fala nestes termos: “Eles fazem prevalecer a apiniao de Pité- {goras, que sustenta a imortalidade das almas e que elas vio animar outros corpos, pelo que, quando queimam seus mortos, langam a fogueira cartas para seus parentes?” A cosmologia drufdica, voce a deve conhecer bem. £ esta: O universo divide-se em trés cfrculos: 0 da imensidade, que é a morada de Deus; 0 da felicidade, ou paraiso, para onde vao as almas que, da provas em provas, chegam a sociedade dos eleitos; ¢ o das viagens, que compreende as que nao tém ainda titulos para alcangar 0 paraiso. ‘Todo o fim do homem é vencer o circulo das viagens e chegar ao da felicidade, do qual nao pode decair; enquanto que, no das vviagens, pode, por suas fatas, decair de um mundo superior em um inferior. Por essa razo, sendo a Terra um mundo de viagens, recebe contingentes de Espiritos, que Ihe chegam de mundos in- feriores, por seu aperfeigoamento, e de mundos superiores, por seu decaimento, ‘A teologia druidica considerava a vida da Terra como uma ppassagem para mais altos destinos, sendo cada um de seus habi- tantes sujeito as provas que tivesse merecido, para avangar, por clas, em harmonia com o plano geral da Criagio. © mal tem um carter negativo € provisério, dominando somente nos mundos de viagem. Nesses, ele & até certo ponto, necessério, como meio para o exercicio da liberdade humana € de expiagao. E, pois, aquela teologia nao atribuia o mal a Deus, ‘mas sim as faltas dos homens, os quais ocupam na vida terrestre a posigao a que fizeram jus. A liberdade humana e a Providéncia fazem, neste planeta, a parte do homem ea de Deus. A preexisténcia era ensinada positivamente e, por conseguin- te a pluralidade de existéncias. ‘Agora duas palavras sobre a metempsicose animél. Pitégoras, como ja sabemos, foi quem transplantou para a Grécia 0 dogma egipcio, que consistia na passagem éa alma dos ‘maus para os corpos de animaise na divinizagao da alma dos bons, elevados pela virtude e pela sabedoria. O fim da moral pitagorica era estimular os Espiritos a procurarem evitar_a mexempsicose. Era, no fundo, a pena terrivel imposta aos réprobos: inferno pi- tagérico, como o inferno tartaro, como o inferno dantesco, como o inferno trasladado do paganismo para a nossa cosmologia. A diferenga daquele para este é devido ao atraso humano, de nao se saber naquele tempo o que é feito das almas depois da morte. Seja, porém, como for, a metempsicose animal encerra 0 principio das vidas sucessivas, como meio de provas ¢ de expia- 0es para o Espirito subir na longa escada de Jacob, até seu topo, que é a desmaterializagao completa e 0 méximo da perfectibilic de humana, tanto pelo saber, como pela virtude. Pelo estudo da Antiguidade profana, em todas as suas rela- g0es, temos visto que o principio da pluralidade das existéncias estava encanado na alma de todos os povos e de todas as seitas religiosas ¢ filoséficas, na parte pensante da humanidade antiga, Passemos agora a um ligeiro estudo da Antiguidade sagrada, que anunciamos como nosso segundo ponto ou segunda tese de 2 exame, Examinaremos, aqui a teologia hebraica,a crista eo gran- de vulto que se chamou Origenes. Compreende-se bem que Moisés, dirigindo-se a povos na primeira infancia, e Cristo, aos que se achavam na segunda, nao podiam revelar todas as condigdes da vida futura: a reabilitagao sempre possivel pelo arrependimento ¢ a marcha progressiva dos Espiritos até & posse de Deus. Por isso, que 0 proprio Cristo tor- nou irrecusivel, pela palavras acima citadas, nao encontraremos facilmente, como nas outras fontes do saber e das crengas huma- nas, @ ideia que serve de base ao Espiritismo. Desde, porém, que descobrirmos, nos fastos da Historia sagrada, passagens que nao possam ser explicadas sendo pela preexisténcia e pelas reencar- rages, teremos ai a prova de que os dois reveladores das eternas verdades conheciam, tinham em seu espirito a que nao Ihes era dado ainda revelar, mas que thes escapava dos labios, como acon- tece ao mestre, que, limitando seu ensino a capacidade e grau de adiantamento do discipulo, sempre deixa transluzir seu superior saber. Schutz, em sua dissertagio sobre o génio de Moisés, expoe assim a crenga intima dos Hebreus: “Depois da morte, a alma, fiel 4s inspiragaes do Espirito divino, retine-se a seus antepassados no seio de Abraio. Ali acha a sua recompensa no desenvolvimento de seu amor e na compreensao das leis e da vontade divinas. A alma, porém, que, como foice intl, dormiu no caminho e distanciou-se do Pai celestial, cura-se e regenera-se pelo arrependimento, pelo so- corro das almas fraternais e do médico das almas pela procura da {que disse: “Eu sou o soberano bern.” Bis af que a crenga intima do povo de Deus assentava sobre dois fatos bem notaveis: o arrependimento depois da morte pro- duzindo os mesmos efeitos que antes e a cura e regeneracao das almas que fizeram 0 mal na vida e que, por isso, nao foram para o seio de Abraio, como as que fizeram o bem. Em Isaias, lé-se: “Jeovd diz: Eu nao disputarei eternamente com o culpado ea minha c6lera nao durard sempre; porque os Espi- ritos safram de mim e Eu criei as almas.” 2B No Génesis, Capitulo 2, versiculo 7, lé-se também: “E o que foi—é—e ha de ser — fez para 0 homiem um corpo grosseira,tirado dos elementos da terra, ¢ uniu a esses 6rgios materiais a alma inte- ligente e livre, trazendo ja consigo 0 sopro divino: o espirito, que a segue em todas as novas vidas.” ‘S6 na preexisténcia se pode achar a razto do que disse Jere- mias: “Antes que fosse ele gerado no ventre de sua mie, eu jd e tinha conthecido.” Ea melhor prova de que era geral a ideia da pluralidade de cexisténcias, entre os Judeus, estd no fato de acreditarem que Jesus era um dos antigos profetas: Do moisaismo é natural a transicao para 0 Cristianismo, para o novo Testamento. Santo Agostinho, no livro I das Confissoes, exprime-se as- sim: “Antes do tempo que passei no seio de minka mae, nao terei estado emt outra parte e sido outra pessoa?” Aquele luminar da Igreja nao descobriu na lei da preexistén- cia antagonismo com a lei crit da Igreja! Jesus Cristo, quando os discipulos Ihe diziam que 0 povo 0 considerava Jeremias, Elias ou outro profeta renascide, nao com- bateu semelhante heresia, como fazia sempre que Ihes ouvia con- ceitos contrarios aos eternos principios, ao ponto de chamé-los Satanés! Ainda mais: encontrando um cego de nascenga e perguntan- do-Ihe os discipulos se aquela desgraga provinha dos pecados do ccego ou dos de seus pais, em vez de combater a primeira hipstese, impossivel na teogonia da vida tinica, limitou-se a dizer: “Nao é que este homem terhha pecado, nem aqueles que the deran o ser, mas € para que as obras do poder de Deus brilhem nele:” Por estas palavras, que nada explicavam, 0 Cristo evitou a explicagao que nao podia ser compreendida naqueles tempos. Mais esta passagem: os apéstolos perguntaram a Jesus como € que, dizendo as escrituras que antes do Cristo devia vir Elias, aconteceu que viesse aquele antes deste. E © Divino Mestre res- pondeu: “Digo-vos que Elias jé veio e que o mundo nao o conheceu 4 ¢ fez dele 0 que Ihe pareceu.” E Ié-se no Evangelho a esse respeito que os apéstolos compreenderam falar 0 Mestre de Joao Batista. Mais completa prova de que Jesus admitia as reencarnagoes 86 esta: Nicodemos pediu-Ihe explicagoes sobre a vida futura e 0 Senhor respondeu-lhe: “Em verdade, em verdade te digo: ninguém podené ter 0 reino do céu, sem renascer de novo.” E, como Nicodemos lhe perguntasse: “Como podend um ve- Iho voltar ao seio materno?” ele respondeu: Em verdade te digo: “Aquele que nao renascer da dgua e do Espirito Santo no poder ‘entrar no reino do Géu? A explicacao & esta: Jesus ndo quis explicar, certamente por- ‘que era essa uma daquelas verdades que Ele disse nao poder ensi- nar, por nao ser oportuno. A reencarnagio do Espirito Elias em Joao Batista diz, o mais ‘que podia dizer, sobre a nossa questo, o Novo Testamento. ‘Vamos a0 Zohar, 0 repert6rio dos altos principios constitu- tivos dos mistérios dos Judens, transmitidos por tradicao até S mao bem Jochai, que os reduziu a escrito. Sabe voce que a tradigdo reza ter Moisés confiado tais princi- pios a setenta ancidos ao tempo em que dava.a massa popular a lei {que recebera no Sinai, Em todo 0 caso, o Zohar rivaliza em anti- guidade com o Génesis e contém a doutrina dos mais adiantados espiritos de Israel. Nele se encontram os elementos da filosofia cabalistica, da qual Moisés Botril diz: “A Cabala é a mais pura e a mais santa filosofia.” Nele se encontra 0 verdadeiro sistema do mundo, dizendo-se a Terra esférica e girando sobre o seu eixo, de modo que tem metade em dia, enquanto a outra metade esta em noite, tudo conforme com a cosmografia atual. Nesse livro, que Drach chamou eminentemente cristao, en- contra-se o dogma das vidas sucessivas ¢ da pluralidade de mun- dos habitados pelos mesmos Espiritos, que vao pasando de uns para outros, & medida que vao adquirindo o preciso progresso para deixarem 0 mais atrasado e passarem ao imediato em gradu- aso. Para prové-lo basta citar este trecho entre muitos: “As alias sito sujeitas a transmigragao e os homens nao saber quais sao, a sew respeito, as vistas do Altissimo. Nao saber como sao julgados, em todos os tempos: antes de virem, a este mundo e depois de o terem deixado, Ignoram quantas provas sao obrigados a softer.” Entrando nos elementos do homem, que divide em espirito, ou rouah, em alma, ou nichema, em espirito mais grosseiro, ne- phesch, ele se exprime assim a respeito do rouah: “..espirito das vidas e de todas as existéncias e de todas as peregrinagées a que a alma € sujeita antes de subir Aquele, donde no desce sento volun- titriamente para o desempenho de missdes..” Vé-se por af que, a par da doutrina ensinada as massas, os judeus possuiam uma, superior, que s6 os Espititos elevados co- nheciam. Despegamo-nos da Antiguidade, falando de Origenes. Origenes é para o Cristianismo 0 que os mistérios foram para ‘a gentilidade e o Zohar foi para o Mosaismo. Ele tentou um esfor- «0 superior as forgas da humanidade, & qual o Cristo nao quis re- velar sendo as verdades que estavam ao alcance de sua capacidade. A parte seus arroubos, que foram condenados justamente pelos concilios de Calced6nia e de Constantinopla, tudo por partir de um erro: ser o homem um anjo endiabrado, Origenes foi profun- damente versado nas sagradas letras, como o atesta Santo Agos- tino. A parte esses arroubos condendveis, a sua doutrina sobre a evolugio dos Espfritos € arrebatadora. Antes de vicem a esta vida jd eles existiam e nascem para sofrer as penas de suas faltas € nascem tantas vezes, em mundos progressivamente superiores, ‘quantas sio precisas para se limparem daquelas faltas. No fundo, o sentimento de Origenes é que as regides ocupa- das pelo mal nao tem caréter absoluto e que, portanto, nenhum obstéculo se opde a geral restauragdo da Criagao, A propésito do instituidor da religido crista e sobre os casti- {gos com que ameaca os réprobos, diz ele: “Perguntarcm a Sélon se as leis que ele formulara eram as melhores. Respondeu que eram as melhores para aquele pais, Assim poderia responder Jesus: Eu dei 0 methor sistema que podia receber a humanidade, para melhorar seus costumes. Fixei uma regra e ameacei os transgressores com st- 6 SES eeeeeeeaneeecannereeeeeeeneeeeeeeeee plicios e penas. Estes suplicios nao sao imagindrios e sua exageragao cera necesséria para corrigir os obstinados, Estes, porém, niéo podem compreender, nem a intengao daquele que castiga, nemo fruto que Ihes deve resultar do mesmo castigo.” Da antiguidade, tanto profana como sagrada, passemos aos autores modernos e contemporaneos. rano (Cyrano) de Bergerac, cujos notiveis escritos foram inutilizados pelo obscurantismo, sustenta a sucesso de vidas, explica 0 que sempre se entendeu por “demdnio” € prova que a queda dos anjos é coisa que o mundo nao conhecia antes do Tal- mude, redigido depois do cativeiro de Babilénia. Sobre as vidas sucessivas, ele refere uma conversa que teve com Campanella, 0 qual Ihe disse: “que sew mundo era jé 0 Sol, um paratso para onde iam os habitantes dos vizinhos planetas: Merciirio, Venus, Terra, Marte, Jipiter, Saturno, e que, pela depuragao, aqueles Espiritos tém a lembranga de suas existéncias anteriores.” Sobre o que se chama “deménio’, diz. que todos os homens, desde que deixam 0 corpo, passam a ser demdnios, e, como hé homens bons ¢ maus, ha bons e maus deménios. Estes, segundo Plutarco, se deleitam em girar ao derredor dos viventes, por um resto de amor que sentem pela passada natureza. Os bons nos incitam para o bem, do mesmo modo que os maus nas arrastam para 0 mal. Sobre a queda dos anjos refere, 0 que ja ficou dito: ‘mera criacao humana, como foi mais tarde criado pelos homens © purgatério, de que nao hé noticia nem no Velho, nem no Novo ‘Testamento. ‘Ainda quanto ao purgat6rio, pode-se dizer que foi criacao de ‘um concilio (0 Tridentino), que ¢ infalivel. Contra isso, porém, protesta Caussette, que nao pode ser suspeito, nem aos ultraman- tanos, pelas seguintes palavras: “A Igreja nao compds um tinico livro sagrado, porque ela nao é inspirada; mas interpreta todos os livros inspiradas, porque é assstida pelo Espirito Santo.” Caussette ¢ a sombra de Bonniot, sdbio chefe dos jesustas, que dominam a Igreja Romana. Portanto, sua palavra tem o valor de uma enciclica. Se, pois, a Igreja nao tem a divina inspiragao 2 para criar, porém sim para interpretar, onde o poder que se ar- rogou de criar © purgatério? Ou 0 mais notavel apologético de nossos tempos deve ser condenado as chamas, ou a criagéo do purgat6rio foi devaneio. Passemos a Delormel. “Como nao se pode admitir que 0 bem e o mal sejam casuais, nem tampouco que Deus seja injusto, fica evidente que a Terra traz seres que ji fizeram jus a um ou a outro. Sem tal suposigao, como explicar 0 fato de certos homens nascerem com enfermidades cru- is, viverern em constante sofrimente, ao passo que outros nascem erfeitos e vive na plenitude dos gozos, acabando os primeiros na resignagao e os segundos blasfemando? Esses globos que vivem aci- ma de nés nao serdo nossas futuras habitagdes? Af encontraremos distingao de virtudes e de vicios, de feicidades e de desgracas como ‘aqui. Iremos, se 0 merecermos, a globos onde seremos cercados de ‘maiores bens, mais inclinados a virtude, mais perfeitos enfim. Serd talvez uma recompensa: termos na Terra a faculdade de conhecer 0 passado e, para alguns, a de penetrar o futuro. Poderemos chegar a ‘mundos onde teremos mais perfeita essa dupla faculdade, ao pon: 10 de nos lembrarmos do que agora fazemos e de prevermos 0 que poderemos ser em outra existéncia. E tudo isso, que niio podemos explicar, senito d medida que mais merecermos em nossas vidas, ter- ‘miinaré com a mais pura e.a mais inocente, pela qual entraremos na sociedade de Deus.” Carlos (Charles) Bonnet, o profundo pensador que, melhor do que nenhum outro, compreendeu a grandeza do universo edo plano da Cr “O grau de perfeigao a que 0 homem pode chegar esti em re- lacao direta com os meios de que dispae para conhecer e agir. Esses ‘meios esto, por sua vez, em relagito com o mundo em que habita. Umm estado mais desenvolvido das faculdades humanes nao pode, ‘pois, compadecer-se com 0 mundo em que o homem deve passar os rimeiros tempos da sua existéncia. Essas faculdades sto indefini- damente perfectiveis ~ e nés compreendemos que alguns dos meios naturais, que as hao de aperfeicoar um dia, podem existir desde » manifesta-se assim 28 Jd no homens, Esses nossos sentidos encerradas na alma, como em emibriao, esto em relagao direta com o futuro mundo, que é a nos- sa verdadeira patria, e podem ter relagdes particulares com outros mundos, que nos seja permitida percorrer, e onde recolheremos no- vos conhecimentos e novos testemunhos das infinitas liberalidades do benfeitor universal De que sentimentos nao serd inundada nossa alma quando, depois de ter estudado a economia de um mundo, ‘yoar a outro e comparar as duas econoniiast! O progresso que tiver- mos feito aqui, quer em conhecimentos, quer em virtudes, determi- rnard 0 ponto de que comegaremos na seguinte existéncia e o lugar que nela ocuparemos. Haverd, pois, um fluxo perpétuo de todos os individuos da humanidade para uma maior perfeigao ow maior felicidade, porque um grau de perfeicio adquirida conduziré um outro grau e porque a distncia do criado ao incriado, do finito ao infinito € infinita. E eles tenderiio continuamente para a suprema ‘perfeicao, sem jamais atingi-la” Em Du Pont de Nemours, além da prova de que a crenca nas 1penas eternas 6 nma verdadeira blasfémia, encontram-se passa- ‘gens positivas sobre a pluralidade de vidas “A lembranga da vida precedente seria um poderoso auxiliar dda que se the segue. Alguns Espiritos superiores gozam, talvez, dessa vantagem, como recompensa de sua passada virtude, porque todo © bem produz bem. Nao deve, porém, ela ser concedida aos que te- ham merecido punigao, ow nao tenham chegado ainda a ordem dos seres cuja moralidade é superion, porque esses sio provados pela Jiustign ou pela bondade de Deus, segundo suas forgas, comecando e recomecando essa carreira iniciadora da alta moralidade. A estes se tent dito: tua pena estd terminada, 0 passado estd esquecido, faze-te merce de esquecé-lo tu também, Bebe o Letes. Trata-se agora de saber se serds bom por ti mesmo, por amor a virtude e suas conseqiiéncias imediatas, sem esperanea certa no futuro, sem receio da repeticao do que sofreste. Parte. Tenta 0 destino humano. Vai animar um feo.” “A nova prova é proporcional as falta da vida anterior. Eis um inferno proporcional aos delitos. Nao eterno para erros que nao du- raram sendo um momento. Nao cruel e impiedoso, como o de um 29 deménio caprichoso, implacdvel, feroz, mas equitativo e indulgente, como os castigos de um pai. Nao se ouvem urros e ranger de dentes. Ea mio de unt Deus misericordioso, que perdoa, mesmo castigando, {que poe ao alcance da criatura vir a Ele, corrigi-se, aperfeicoar- se, merecer os seus beneficios, como um governo humana e sdbio se ‘ocupa de proporcionar aos prisioneiros da lei um ar puro e salubre, nnutricao abundante e sa, trabalho titil e moralizador.” Ballanche, o grande e profundo iniciador do movimento que 4 0 cunho a0 nosso século, vem emitir sua opinio na questao: “Basta admitir que, saindo desta vida, nds no entramos em um estado definitivo, que toda criatura deve ir a seu fim, para che- _garmos ft conclusao de que, enquanto o destino humano nao esti- ‘ver completo, enquanto tivermos algum progresso a fazer, nada esta acabado para nds, Ora, para nés, 0 complemento de nosso destino a perfeigao; para nés, como para todas as criaturas, porque, desde © principio, Deus achou que suas obras eram boas; porque, de fato, cada uma contém em si a causa ¢ 0 meio de seu deseavolvimento. ‘Mas 0 homem, em razio de sua liberdade, é a quem cabe a maior perfeicio. Logo, é impossivel que tudo acabe com esta vida e que niio haja um outro estado de liberdade, em que ele possa continuar a _gravitar para sua perfeigao relativa, até que o consiga. Se deve haver tupn novo estado de libertade, nao pode haver juizo defnitivo depois dda morte. Que € 0 que impede que o homem tenha existido muitas vezes? Porque nite poderei dar no mundo os passos necessarivs ao meu aperfeicoamento?” Frederico Schlegel, combatendo os erros da metempsicose, diz: Sew lado sao € 0 elemento de verdade que ela encerra é 0 sen- timento inato com o coragio humano de que, uma vez separados ¢ atirados longe de Deus, temos que subir longa, penosa e rude escar- ‘pae que sofrer duras provas, a fim de nos aproximarmos da fonte tinica de todo 0 bem. A isso é preciso ajuntar a convicgdo intima ea certeza firme de que nada penetraré no reino puro da Soberana Per- Jfeigao, sem estar escoimado das impurezas e das méculas terrestres, € de que, portanto, nao se reunird a Deus, na eternidade, nossa alma, essa substancia imortal, sem que se tenha purificado e destarte se 30 elevado a uma perfeigao progressiva e superior. Neste mundo, acres- centa, nao hé para o homem sendo a esperanga. A via necesséria, a sua reparagao é longa e penosa e ele niio a vence senao a passo lento e sucessivo, nao podendo, embora empregue todo o esforgo, galgd-la de um salto ow evité-ta.” Saint-Martin, 0 grande te6sofo, assim se exprime: “O homem, depois de sua queda, é sujeito a uma continua transmutagao em diferentes e sucessivos estados; entretanto que 0 primeiro Autor de tudo o que existe foie serd 0 que ée devia ser.” B acrescenta “Nosso ser pensante deve aspirar a imensos desenvolvimentos, desde que sai da prisio corporal, onde toma uma forma iniciadora, Entrevejo uma lei sublime. Mais as proporgées se apraximam de seu termo central e gerador, mais se tornam grandes e poderosas, Essa maravilha que nos permites entrever, oh! verdade divinal saisfaz a0 homem que te ama e te procura. Ele vé em paz sucederem-se seus dias ¢ vé isso com prazer e com entusiasmo, porque sabe que cada volta da roda do tempo 0 aproxima dessa proporgao sublime, que tem Deus por primeiro de seus termos.” (© que ha nisto de obscuro fica esclarecido pelas seguintes passagens: “A morte nao pode ser considerada senaio como um descanso ‘em nossa viagem. Chegamios a esse descanso com a equipagem fat {gada e desarvorada e vimos af para tomar vutra festa e em estado de nos levar mais longe. E preciso, porém, pagar af tudo que deve- ‘mos pela viagem que fizemtos e, antes que tenhamos saldado nossas contas, nao nos € permitido empreender nove curso.” Balzac, 0 profundo analista di “Depois de ter experimentado o vicuo ¢ 0 nada (a alma depois da morte), volta 0s olhos para 0 bom caminho. E entao a vez de nnovas existéncias, para chegar @ estrada onde britha a luz. A morte 60 descanso dessa viagem e as experiéncias se fazem, entao, em sen- ‘ido inverso. E’ preciso, muitas vezes, toda uma vida para adguirir 4s virtudes opostas aos erros em que precedentemente vivew. Assim, vema vida em que sofre e cujas torturas trazem a sede do amor; vem a depois aquela em que ama e em que o devotamento pela criatura arrasta ao devotamento pelo Criador, em que as virtudes do amor, seus mil martirios, sua angélica esperana, suas alegrias seguidas de dores, sua paciéncia, sua resignagao, excitam o apetite das coisas divinas, A essa segunda vida segue-se a emt que se torna humilde ¢ caridosa, Depois vem a em que se abrasa em desejos. Por fim chega em que ora. Além esté o eterno meio-dia, além as flores, o cobigado fruto, As qualidades adquiridas e que se desenvolvem lentamente em nds sao lagos invisiveis, que ligam wma ds outras todas as nossas existéncias e de que s6 a alma se lembra, porque a matéria nao pode Iembrar-se de coisa alguma espiritual” Constant Savy sustenta indiretamente a doutrina da plura- lidade das existéncias, atacando a das penas eternas, que Ihe & oposta. Diz ele: “O dogma das penas ¢ recompensas, tal como nos é ensinado, nnasceu de uma falsa apreciagao da Divindade. O homem fez a justi- ga de Deus semelhante a da Terra, porque no tinha de seu Criador sendo uma grosseira ideia. Esse dogma, que pode ter sido vantajoso tno império da carne, perpetuou-se no espirito das massas, pela ig. nnorincia que Ihe tinha dado nascimento, Hoje e jd hd longo tempo, cle esté sem forga. A méxima parte nao The presta fée 0 resto 0 tem em diivida. Fez seu tempo, como tudo que é do homem. O senti- ‘mento moral, ainda que pouco desenvolvido, jd o é suficientemente ‘para acolher ideias mais justas sobre a Divindade e suas relagdes com a humanidade. O dogma, que maior mal tem feito a religiao, 6.0 dos penas e recompensas, pela falta de desenvolvimento na me- dida do progresso do espirito humano em relagao ao conhecimento do verdadeiro Deus. Sobre a liberdade do homem se apdiam, para provarem a realidade da punigio € da recompensa, que a justiga divina the reserva, algumas vezes neste mundo e sempre no outro. E sobre essa liberdade que me apéio, precisamente, para provar que isso 6 um dos mil erros dos tempos passados. “Bm que consiste essa liberdade? Porque foi ela dada ao ho- ‘mem? Bis 0 pensamento de Deus, tal como ele mo revelou e o tem revelado a todos os que se esforgam por conhect-lo ¢ anta-lo 32 “Nenhuma das vistudes que fazem meu Ser pode ficar sem ma- nifestagao, Do contrério Eu nao seria, porque minha vida nao seria completa, Que exista, pois, unt ser, imagem minha, ao mesmo tem ‘poem que um pensamento saido de mime, para isso, que tenha ele tuma chispa de minha inteligencia, unida a um corpo, porque minha inteligéncia & unida ao untiverso. Que tenha, em parte, a consciéncia da vida, porque Eu teaho a consciéncia perfeita do meu Ser. Que tenha também um raio da minha liberdade, porque Eu sou a von- tade soberama. Que, por essas duas faculdades,o fogo divino, que Eu ponko nele, viva eternamente do alimento que souber escolher. Que le se estenda de mais em mais pelas conquistas que fizer sobre a minha inteligéncia, espalhada por todo o tniverso, e, por esse meio, que viva na eternidade, sem se confundir com as outras inteligencias nem comigo. Que, por sua atividade, cresca e se aproxime do foco donde saiu e, de simples chispa, se torne de mais em mais, no correr dos séculos, uma luz brilhante, digna de mim. Que a sua liberdade nao possa jamais conduzi-lo & perfeigdo, porque, enti, ele cessaria de ser, para entrar em mint ¢ Eu quero que ele conserve, por todo sempre, 0 sentimento de sua existéncia, porque eu tenho o do mew poder. Que seja sempre imperfeito e que. para isso, sua liberdade seja limitada por esta vontade de seu Deus. Que exista, pois, um ser cujo desenvolvimento progressivo seja sujeito as minhas leis e dependa ao mesmo tempo da liberdade que Ihe dou. Que esse desen- volvimento seja seu trabalho, porque ele nao pode ficar ocioso, visto que 0 movimento é a vida, porque minha vida é eriar sem cessar, pelo movimento continuo da matéria e da inteligéncia submetidas minha lei. “B, como ele sucumbird muitas vezes ao mal e Eu quero que ‘marche para mim, seja-Ihe a eternidade meio de fazer sua vide, reparar suas faltas levantar-se das quedas que der por seus erros, Que, para ajudéi-lo nesse trabalho sem fim, tenha ele o arrependi- mento ¢ 0 remorso, que the fart renunciar a suas faltas, e que sinta, para animé-lo ao bem, a aura da felicidade, quando praticar uma bboa agao. Que espere sempre em mim, para que sinta que € sempre tempo de voltar a virtude. 35 “se nao tiver essa esperanga, a enormidade de suas faltas 0 esmoreceria ¢ ele se afuundaria, cada vez mais, no abismo do erro; entretanto que Eu quero que nao haja para ele nem eternidade de rales, nem de bem sem mescla, porque ele cessaria de ser livre e 0 uso da liberdade nit Ihe pode ser tirado, sem que acabe imediata- ‘mente, Que no haja, pois, uma posigto na eternidade, em que sua Fiberdade seja encadeada, porque ele cesaria de agir, de melhorar, de desenvolver-se. Que trabalhe sem cessar nesse desenvolvimento, pois que a lei do universo é que nenhum ser possa achar repowso, porque 0 movimento é a vida e a vida o desenvolvimento de tudo que foi criado. Que exista pois esse ser. “B esse ser existiu; Deus criou o homem” Ainda mais positivo: “As penas e recompensas, porque nds as experimentamos real- ‘mente, no sao senao 0 resultado direto e imediato do conjunto da vida do homem e nao consistem sendo em sua marcha mais ou me- nos ativa para o aperfeigoamento, com pequenas ou grandes dores. E esta conguista que serd a recompensa de nossas vidas milirantes, como a privagao desse desenvolvimento de felicidades serdo castigo de nossas vidas de fraqueza, de ignordncia e de debockes. “

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