Você está na página 1de 23
Baha MONTAGU TOCAR O Significado Humano da Pele PREFACIO a Terceira Edicado Eu sei que tocar foi, ainda & e sempre sserd a verdadeira revoluedo. — Nikki Giovanni Nés, os ocidentais, estamos comecando a descobrir nossos ne- aligenciados sentidos. Esta tomada crescente de consciéncia repre- de uma insurreieao tardia contra a dolorosa privagao de experiéncias sensoriais que sofremos em nossa sociedade tecnolgi ca. A capacidade de um ocidental relacionar-se com seus semelhan- tes est4 muito atrasada em comparacdo com sua capacidade de relacionar-se com bens de consumo e com as desnecessarias necessi- dades que o mantém em escravidao, possufdo por suas préprias pos- ses. Ele tem condigdes de alcancar outros planetas, mas com dema- siada freqiiéncia no consegue al pessoais raramente ou nunca permite a passagem de algu municacéo profundamente encontra-se constrangida e refreada, Através de qual outro meio que no realmente nossos sentidos, poderemos penetrar na saudavel tes- ira dos contatos humanos, este universo da existéncia humana, Parecemos no nos dar conta de que so nossos sent Iam 0 corpo de nossa realidade. Deixar qualquer um dos sentidos de fora significa reduzir as di- menses de nossa realidade; perdemos contato com ela proporcio- nalmente & extensdo dessa exclusdio. Tornamo-nos prisioneiros de um mundo de palavras impessoais, sem toque, sem sabor, sem gosto. A unidimes ide da palavra passa a ser um substituto para a rigueza mul al dos sentidos e nosso mundo se torna gros- seiro, mondtono, conseqiientemente drido. A teriéncia é as palavras ‘ocuparem o lugar da experiéncia. As palavras passam a ser declara- 18 ges ao invés de demonstracées de envoh proferir com pessoal sensorial Antes de mais nada, parece-me ser nosso papel como seres hu- manos buscarmos sempre aprender a amorosa gentileza. Aprender a aprender, aprender a amar ¢ a ser gentil estdo t: amente in- terconectados e to profundamente entrelagados, em especial com ‘0 sentido do toque, que seria muito benéfico & nossa reumanizacao se dedicdssemos mais atengdo a necessidade de experiéncias tateis, sentida por todos nés. A impessoalidade da vida no mundo ocidental chegou a tal ponto que, enfim, produzimos uma raca de intocdveis, Tornamo-nos es- tranhos uns aos outros, no sé evitando todas as formas de contato fis lesnecessdrio”, como ainda precavendo-nos contra as mes- iras andnimas num cendrio atulhado, pessoas sem rosto, so- itarias ¢ temerosas da intimidade. Estamos todos diminuidos na mes- ma extensdo em que isto nos acontece. Devido ao fato de sermos in- tocdveis, nado conseguimos criar uma sociedade em que as pessoas se toquem em mais sentidos do que no fisico. Diante de seres inau- ténticos como nés, vestidos com a imagem do que deveriamos ser segundo os outros, ndo surpreende que continuemos inseguros quanto a quem somos de fato. Usamos a identidade ilegitima que nos foi imposta com 0 mesmo desconforto de uma vestimenta que nao nos Serve: pesarosos por vezes, e questionando em nossa ignordncia co- ‘mo foi que chegamos a esse ponto. Como diz of a Salesman: iento; a pessoa consegue lavras aquilo que nao realiza num relacionamento iso e audicdo; quanto aos “sentidos de pi paladar, olfacdo ¢ tato, em grande parte proscreveu cies podem usar um com o outro todos os cinco sentidos em sua comunicacdo, mas dificilmente se po- deria dizer 0 mesmo de dois seres humanos em nossa cultura. Em Fazio de nossa progressiva sofisticacdo e falta de envolvimento reci-~ “proco, passamos a utilizar exageradamente a comunicacéo verbal, verso da comunicacdo nao-verbal, para nosso acentuado empobre- cimento. A linguagem dos sentidos, na qual podemos ser todos so- cializados, é capaz de ampliar nossa valorizacao do outro e do mun- do em que vivemos, e de aprofundar nossa compreensao em relagio ales. Tocar é a ‘¢6es que transi oso meio de criar relacionamentos humanos, como fundamento da experiéncia. 19 O amor ea humanidade comecam onde comega o toque: no in- tervalo de poucos minutos que se seguem ao nascimento, E com a finalidade de divulgar tais fatos e de dar a conhecer suas conseqiién- cias para cada um de nés e para a humanidade como um todo que este livro foi escrito. A primeira edicdo, pt foram recompensadoram Ieitor, tanto nacior ida em 1971, ea segunda, em 1978, idas por expressiva parte do publi rages téteis entre seres humanos, do nascimento a velhice. AM. Princeton, N.J. 19 de fevereiro de 1986 i A MENTE DA PELE (© maior sentido de nosso corpo & 0 tato. Provavelmente, & 0 mals, ‘somos suscetiveis e tocadas em virtude dos corpiseulos tdeis de nossa pele. = 1. Lionel Tayler, The Stages of Human Life, 1921, p- 157 [Nao existe sendo um tinico templo no universo, ¢ & 0 Corpo do Homem. ‘Nada é mais sagrado do que esta eevada forma. Curvarse diante do homem & um aio de reverénciafeltodiante desta Revelagdo da Carne. Tocamos 0 eéu quando colocamos nossas mdos mum corpo Thumano. = Novalis (pseudonimo de autor de Frederich von Hardenbers, 1772. Citado em Miseella- ‘neous Essays, Yo. I, de Thomas Carlyle). A pele, como uma roupagem continua ¢ flexivel, envolve-nos por completo, E 0 mais antigo ¢ sensivel de nossos érgdos, nosso pri- meiro meio de comunicacéo, nosso mais eficiente protetor. O corpo todo é recoberto pela pele. Até mesmo a cérnea transparente de nos- sos olhos é recoberta por uma camada modificada de pele. A pele também se vira para dentro para revestir orificios como a boca, as narinas ¢ o canal anal. Na evolucao dos sentidos, 0 tato foi, sem di- vida, o primeiro a surgir. O tato é a origem de nossos olhos, ouvi- dos, nariz.e boca. Foi o tato que, como sentido, veio a diferenciar-se dos demais, fato este que parece estar constatado no antigo adagio “‘matriz de todos os sentidos"”. Embora possa variat estrutural ¢ fun- cionalmente com a idade, o tato permanece uma constante, 0 fun- 21 damento sobre o qual assentam-se todos os outros sentidos. A pele € 0 mais extenso drgdo do sentido de nosso corpo e o sistema tatil €0 primeiro sistema sensorial a tornar-se funcional em todas as es- pécies até o momento pesquisadas — humana, animal e aves. Talvez depois do cérebro, a pele s iportante de todos os nossos istemas de érgfios. O sentido mais intimamente associado a pele, © tato, é o primeiro a desenvolver-se no embriéo humano. Quando ‘0 embrido ainda tem menos do que 2,5 cm de comprimento da cabe- ae tronco,* quando ainda tem menos de seis semanas de vida, um eve acariciar do ldbio superior, ou das abas do nariz, fazem 0 pes- ogo se curvar ¢ 0 tronco se afastar da fonte da est estagio de seu desenvolvimento, o embrido ainda orelhas. Contudo, sua pele ja esta altamente desenvolvida, embora de modo algum num nivel compardvel ao de seu ulterior desenvolvi- mento. Com nove semanas de vida fetal corridas, se a palma fo! cada, os dedos se curvam esbocando o gesto de agarrar; com doze semanas, os dedos e polegar se fecham. Pressionar a base do pole- gar faré com que o feto abra a boca e mova a lingua. Tocar com firmeza a parte de trés ou a sola do pé resultara em encurvamento dos artelhos ou num movimento de abertura dos mesmos para o la- do, assim como evidenciaré 0 reflexo de colocacaio — flexao do joe- Iho € do quadril, como num afastamento do toque. Dentro do tite- ro, submerso no liqitido amnidtico da mae e protegido pelas macias paredes uterinas, “‘embalado no bergo das profundezas aquaticas”,"* © concepto*** tem uma existéncia aquatica. Nesse meio aml sua pele deve ter a capacidade de resistir & absorgao demasiada de Agua ¢ aos efeitos encharcantes de seu meio liqilido; de responder apropriadamente a alteragées fisicas, quimicas e neurais, e também ‘a mudancas na temperatura. Tanto a pele quanto o sistema nervoso originam-se da mais ex- -terna das trés camadas de células embriénicas, a ectoderme. A ecto derme constitui uma superficie geral que envolve todo 0 corpo em- riGnigo. A ectoderme também se diferencia em cabelo, dentes nos Orgios dos sentidos do olfato, paladar, audi io € tato, ou se- Ja, em tudo que acontece fora do organismo. O sistema nervoso cen-_ tral, cuja funcdo principal é manter o organismo informado do que ‘estd se pasando fora dele, desenvolve-se como a porcdo da superti- 3-8 flexionados encostados ao peito abdo- sta medio, fere a0 mar. (NRT) *** Concepio, oorganismo da concepeao até 6 nascimento, Embrido, o organismo 1 semana. Feto, do comeco da nona semana até 0 nas- simento. 22 ‘vyoso externo, como um sistema organico que, desde suas primeiras diferenciacdes, permanece em intima conexao com o sistema nervo- rerno. Segundo Frederic Wood Jones, anatomista in- ¢ filos6fo sabio é aquele que percebe que, quando tema nervoso externo e no simplesmente a pele e seus apéndi- Na qualidade de érgdo do sentido mais antigo e extenso do cor- po, a pele permite que 0 organismo aprenda o que ¢ seu ambiente. ‘Apele e todas as suas partes diferenciadas é 0 meio pelo qual omundo externo € percebido. O rosto e a mdo como “orgao dos se no s6 transmitem ao cérebro informagdes sobre 0 meio ai como também Ihe passam determinadas informagdes relativas a0 tema nervoso interior”. André Virél, antropélogo e neurologista, expressa-se com mui- ta propriedade quando escreve: Nossa pele é um espelho dotado de propriedades ainda mais ma- ravilhosas que as de um espelho magico. O espelho original que env veo ovo se divide e é imediatamente absorvido para dentro de si mes- ‘mo. Reaparece entéo do outro lado da fissura original. O espelho vidido, que é composto pela pele e pelo sistema nervoso, termina, por conseguinte, olhando para si proprio, por assim dizer, resultando dai um confronto que estimula um incessante movimento de imagens bem como 0 surgimento daquilo que apropriadamente se denomina pensa- mento reflexivo. ‘Durante toda a vida, este prodigioso tecido, a pele, encontra-se num estado de continua renovagao através da de suas camadas profundas. A cada quatro hor: te, a pele forma duas novas camadas de células. As células da pele ¢ das visceras podem aparentemente de vezes durante a vida da pessoa. As células da pele caem a uma azo de mais de um milhao por hora. Em diferentes partes do cor- po a pele varia quanto a textura, flexibilidade, cor, odor, tempera- tura, inervacio ¢ ainda outros aspectos. Além disso, a pele, espe- imente a do rosto, registra as tentativas e os triunfos de toda uma vida e com isso transporta a prépria meméria de suas experiéncias. -se centenas ¢ milhares 23 ¥ Projeta-se em nossa pele, como se fora sobre uma tela, a gama variada das experiéncias de vida; emergem as emogées, penetram os pesares, a beleza encontra sua profundidade. Macia, lisa, alimentando a vaidade da juventude, a pele posteriormente enrugada atesta a pas- sagem dos anos. Radiante na satide, sente um formigamento ao to- que amoroso, (O crescimento ¢ o desenvolvimento da pele prosseguem vida afo- ra, € 0 desenvolvimento de sua sensibilidade depende, em grande me- dida, do tipo de estimulacdo ambiental recebida. E bastante interes- sante que, assim como acontece com pi cobaias ¢ ratos, 0 peso relativo da pele no recém-nascido humano, expresso como por- ‘centagem do peso total do corpo, é de 19.7%, prat mo que no caso do adulto, 17.8%, o que sugere aa 6bvio: a importancia duradoura da pele na vida is, descobriu-se que Wolve-se mai ‘mente durante a vida pré-natal”. Existe uma lei embriol6gica geral segundo a qual quanto mais cedo se desenvolve uma funcao, mais fundamental ela provavelmente €. O fato & que os atributos funcio- nais da pele esto entre os mais basicos do organismo. A parte da pele que est4 mi ambiente, sua camada mais superfici sistema tat i Xos (nervosos) conhecidos como corpiisculos de Meissner. E muito interessante, porém, que estejam ausentes dos ldbios e da lingua, areas altamente tateis. O mimero médio de corptisculos de Meissner por milimetro quadrado é de cerca de 80 em criancas de trés anos, 20 em adultos jovens e 4 em idosos. Plexos nervosos maiores, dos como corpiisculos de Vater-Pacini, so os érgdos termi pecificos que respondem aos estimulos mecdnicos de pressdo ¢ ten- do. Séo especialmente numerosos na regido dos dedos onde ha as as das impress6es di Um plexo de terminagdes nervosas li- vres localizado entre as células epidérmicas de cada foliculo capilar torna a estimulagao tatil por meio do deslocamento mecanico do pe- Jo ow cabelo um mecanismo muito importante para a produgdo de sensagdes tateis. A rea abrangida pela superficie da pele tem um niimero enor- me de receptores sensoriais captando estimulos de calor, frio, toque,, pressao ¢ dor. Um pedaco de pele com aproximadamente 3 cm de dimetro contém mais de 3 milhdes de células, entre 100 ¢ 340 glan- dulas sudoriparas, 50 terminagdes nervosas e 90 cm de vasos sangiii- neos. Estima-se que existam em torno de 50 receptores por 100 mili- 24 1s quadrados, num total de 640,000 receptores sensoriais. Pon- tos tdteis variam de 7 a 135 por centimetro quadrado. O mimero de fibras sensoriais ot i via de raizes posteriores & muito superior a meio Do ponto de vista do corpo como um todo, a pele contribui com milhdes de células de tipos diferentes; por centimetro quadrado, so ras ¢ cerca de 2 milhdes de poros. Ocorre um acentuado d rnuimero dessas estruturas ao longo da vida. Apés 0 nascimento, a pele convocada a constituir muitas res- postas adaptativas novas a um meio ambiente ainda mais complexo do que aquele ao qual esteve exposta até ento, no titero. Sao trans- meio atmosfético, além dos deslocamentos de ar, ga- ses, particulas, parasitas, virus, bactérias, mudancas na presso, na temperatura, na umidade, na luz, na radiacdo ¢ muitas mais. A pele esta equipada para responder a todos esses estimulos com extraordi- néria eficiéncia. Ela representa perto de 12% do peso total do corpo ¢é, de longe, o maior sistema de érgdos que expomos ao mundo;* de seus 2.500 centimetros quadrados aproximados, no recém-nascido, passa para perto de 19.000 (ou aproximadamente 19 pés quadrados) no macho adulto (com peso de cerca de 4.5 quilos) e contém mais A espessura da pele varia de 1/10 de milimetro a 3 ou 4 milimetros. Em geral é mais grossa nas palmas das maos e nas solas dos pés e normalmente mais espessa nas superficies extensoras que nas flexoras; é mais fina nas pélpe- bras, que devem ser leves e flexiveis. No verdo a pele ¢ mais macia porque os poros ficam maiores e hé uma lubrificac4o mais intensa. No inverno, a pele é mais compacta e firme, e os poros aproximam: se mais} 0s pélos ficam mais resistentes, caem menos. Esses fatos do conhecimento dos comerciantes de peles ha muitos séculos, pois as peles de animais abatidos no inverno so, por tais motivos, mais bem recebidas do que as dos abatidos no verdo. Fungées da pele. Tecida de uma variedade de células resistentes ¢ ro- bustas, a pele protege os tecidos macios e moles do interior do cor- po. Como as fronteiras de uma civilizagao, a pele é um bast cal em que se travam escaramugas, e em qu a resisténcia; af se localiza nossa primeira e itima linha de defesa. ‘Sao muitas as fungdes da pele: (1) base dos receptores sensoriais, lo- calizagdo do mais delicado de todos os sentidos, 0 tato; (2) fonte, * Os dnicos éraZos com superficie maior so o trato gastintestnal eos alvéolos pul- ‘monares, mas estes 840 érglos internos, 25 organizadora e processadora de informacdes; (3) mediadora de sen- sacdes; (4) barreira entre organismo e ambiente externo; (5) fonte imunol6gica de horménios para a diferenciagao de células proteto- ras; (6) camada protetora das partes situadas abaixo dela contra efeitos da radiagao € lesdes mecanicas; (7) barreira contra materiais t6xicos ¢ organismos estranhos; (8) responsdvel por um papel de destaque na regulagao da pressio ¢ do fluxo de 9) érgao reparador € regenerativo; (10) produtora de queratina; (11) érgdo de absorcao de substncias nocivas e outras, que possam ser excretadas junto com ‘9s residuos corporais eliminados; (12) reguladora da temperatura; ido no metabolismo e armazenamento de gordura; (14) e no metabolismo de égua ¢ sal, através da transpiragdo; (15) reservatério de alimento e gua; (16) érgao da respiragdo e facilita- dora da entrada e saida de gases através da mesmé i ra de varios compostos importantes, ponsavel pelo controle do raq (18) barreira cida que prote- a secrecao produzida pelas glandu- € provavelmente ajuda no exterm{nio de bactérias; (20) au- topurificadora. ‘As fungdes acima relacionadas, pertencentes ao plano fisico da pele, sdo de importancia fundamental. Apesar de, neste livro, estar- ‘mos voltados mais para as influéncias comportamentais da pel pecialmente em resposta as variedades do toque, voltaremos cutir oportunamente algumas das notaveis alteracdes fisiolégicas vi- vidas por animais ou humanos, diante do toque ou na auséncia do mesmo. Seria de se pensar que a assombrosa versatilidade da pel tolerdncia a mudangas do meio ambiente e sua espantosa cap: de termo-reguladora, bem como sua eficiencia especial como bar a. aos assaltos ¢ les6es oriundos do meio ambiente, tivessem sido fa- tores de impacto suficiente para evocar o interesse de pesquisadores em estudar suas propriedades. Mas, até muito recentemente, 0 ¢s- tranho que isso ndo vinha acontecendo. Na realidade, a maior parte do que hoje sabemos a respeito das fungGes da pele foi aprendido a partir da década de 40. Apesar de 4jé existir um corpo consistente de informagdes sobre sua estrutura, bioguimica e fungdes \da resta muito a ser aprendido. No momento, a pele ndo padece mais de falta de interesse. Realmente, desde o meio da década de 70, vem ocorrendo uma ampliagao consi deravel do interesse e das pesquisas relativas as fungdes da pele, com resultados to surpreendentes quanto fundamentais. 26 significativa do espi qual seria possivel esperar um profundo e sofisticado entendimento das fungdes da téril. Foram escritos poemas para celebrar praticamente todas as partes do corpo, mas a pel da, como se nao existisse. mentou esse ponto. Num artigo intitulado “Hugging Humans’ se queixa do fato de muitos dos mais prezados poetas ingleses per- manecerem encapsulados em seus int giiéncia um relacionamento muito precério com seu corpo fisico. Diz © seguinte: cias & pele e talvez 0 exemplo mais notvel seja o mort dizer conscient soa. A personalidade expressa-se essencialmente tat I E até certo ponto espantoso que aquele depésito de parcela tao humano sensivel — a saber, a poesia —, da le humana, se mostre to desapontadoramente es- explicavelmente, parece ter sido n tos, mantendo com alta fre- “A cisdo mente/corpo tem sido nossa companheira ha tanto tem- po quanto o cristianismo, provavelmente até ha mais tempo. Em ter- ‘mos praticos, resulta na redacdo de uns poucos poemas sobre o deleite de uma calorosa amizade, de um toque e de um abrago célidos. Ou, ‘quando sio escritos, tém 0 habito de nem sempre chegarem a ser im- ressos."” Na lit fatura em prosa 0 caso ¢ diferente. Ha muitas referén- com suas manchas, espinhas s desagradaveis a visdo. Fica evidente pelas muitas expresses encontradas na conversa jorada. Falamos de “‘dar uma esfregada’” numa pes- nificando repreendé-la, e de “‘dar-lhe um toque”, querendo -la amorosamente; personalidades so descritas como itadicas”’. Falamos do “toque pes- soal’” para nos referirmos a algo mais do que um ato mecAnico e des- 1do; descrevemos com essa expresso 0 pr6 Falamos de uma pessoa que tem “um toque feli . E um elevado elogio para um homem ter “um toque feminino”, ou ainda “um toque delicado””. Nossa busca constante de interac humana nos leva a entrar em contato”, ou a “dar um toque” (telefonar) para alguém. Com algumas pessoas * Humanos Abrarando, (N.R.T.) 27 com outras é “mole”. Algumas pessoas pr la mao) com cuidado (‘“com luvas de pel bre a pessoa que prontamente se sente ofen “‘casca grossa”, outras tém “pele de bebé”. Hi os que conseguem ele adentro””, enquanto outros ficam “no nivel da pele”” ”, bern como os que “perdem tangiveis”” ou no 0 s4o. ia é importante por diversos mo- sa, adesiva ou grudenta é de tato repug- ‘Nossa ‘‘sensacdo” dos outros incorpora grande parte das ex- perigncias que nés mesmos vivemos a nivel da pele. Uma experién- cia profundamente sentida é “‘tocante"’. Uma experigncia tocante & pungente (poignant), palavra que herdamos, no inglés mi tamente do francés arcaico poindre por intermédio do latim punge- re, que significa picar, tocar. Se ha uma coisa certa, & que ‘“o tempo cura’ Quando esta protegida contra o clima por uma mistura de pres- siio e temperatura, acrescida de calor, a pele torna-se oleosa € nos sentimos “‘aconchegados”’. Ha problemas com os quais nos ‘“engal- finhamos”, assim como nos “‘penduramos”” em alguém quando cai- mos no desespero. Quando sentimos prazer diante de um trabalho de arte ficamos “‘arrepiados’”. Dizemos que ha pessoas que ‘tém ta- to” e que hé outras que “nao tém tato”, ou seja, possuidoras ou niio da delicada percepedo do que é conver iro. Quando usamos o e depressao; 0 préprio termo ‘éncia ao toque, a ser toca- ” ¢ impiedosa usando o ad- , que é 0 equivalente em in- as palavras que des- crevem a insensibilidade emocional e a calosidade da epiderme deri- vam ambas da mesma raiz. Falamos que alguém ficou tao “‘caleja- do” que terminou por insensibilizar-se diante das questdes humanas. Nunca estamos realmente seguros a menos que possamos “nos agarrar”” a alguma coisa; tampouco acreditamos ter de fato compreen- jo algo enquanto nao conseguimos “pegar direito”’ 0 assunto. Se 6 intrigante, talvez fiquemos de ‘‘maos atadas””, sentindo- ? as pessoas que nos so amos"* no escuro ou buscamos as cegas 0 caminho que esperamos nos possa conduzir para fora da inseguranca. 28 “Pedra-manuseio”, palavra para qualquer teste usado na de- terminagdo da autenticidade ou do valor, recorda-nos que todas as expresses acima relacionadas so metéforas para a seguranga que nos advém pelo tato. Quando dizemos que a pessoa estd afastada da realidade, dize- ‘mos que “perdeu 0 contato com a mesma”; quando a pessoa no estd exatamente “presente”, dizemos que estd ‘‘um pouco tocada””. Quando deserevemos a atual auséncia de vinculos entre as pessoas, falamos de “‘desuniéo”, “falta de contato”, “pessoas intocéveis””. ada para a determinagdo da é usada quando dize- ‘Vamos atras’” de al- . AT&T* nos convida a “Estender 0 Braco ¢ Ligar para Alguém do telefone, num inteligente apelo a conse amos “‘amistosos tapinhas nas costas” de alguém, ficamos ‘“pa- ralisados” diante de um desempenho exuberante. Certas vozes fa- zem nossa pele “‘arder””. O medo leva a pessoa a sentir ‘‘calafrios””. Realmente a pele fica arrepiada, pois se contrai e, quando isso acon- tece, 05 pélos se ericam € a pessoa fica “de cabelo em pé” (reflexo pilomotor). interessante que a “‘pele’” seja quase que universalmente utili- zada como metéfora para a sobrevivéncia. Em batalhas onde a vida corre 0 maior risco, ou nos embates que metaforicamente lembrem aqueles, os observadores “nao sentem as conseqiiéncias na pele” (“lo- se no skin off their backs”), a fuga bem-sucedida “‘acontece por triz”” (“by the skin of their teeth’*) e os perdedores sao “‘esfolados”” vivos, E muito revelador, se pensarmos a respeito, que haja algo bas- tante especial na sensacaio que temos Quando nos ré que individual’ uma atencdo especial; ao usarmos essa palavra dentro de tal contex- to, indicamos um cuidado peculiar, que em geral nao atribuimos a outros termos. Como o expressou André Virél, a pele é um espelho bifésico que desempenha uma tripla funcdo. Sua superficie externa reflete o mundo da realidade objetiva, assim como 0 mundo vivo que existe no inte- rior do corpo. Sua superficie interna reflete o mundo externo de modo © American Telephone & Telegraph. (N.R.T.) 29 tal a comunicar sua realidade as multivariadas células que compéem 1nossos dreiios. Portanto, nossa pele recebe nao s6 0s sinais que nos chegam desde o meio ambiente, tran: tema nervoso para a etapa de decifracdo, como ainda capta sinais de nosso mundo interno; todos estes so em seguida traduzidos em termos quantificdveis. A’ pele é 0 espelho do funcionamento do or- smo: sua cor, textura, umidade, secura, e cada um de seus de- spectos refletem nosso estado de ser psicoldgico e também fi- siolégico. Empalidecemos de medo e enrubecemos de vergonha. Nossa pele formiga de excitacdo e adormece diante de um choque; é espe- Tho de nossas paixdes e emogées. Conforme o assinalou ha muito tempo Bertrand Russell quanto 0 tato, € este sentido que nos confere a sensagiio da realidade: “Nao apenas nossa geometria e nossa fisica, mas toda nossa concepgio do que existe fora de nés, baseiam-se no sentido do tato. Transpor este fato inclusive para nossas metéforas — uma colocagio bem ta 6 ‘solida’, uma afirmagao ruim é ‘furada’ porque a sentimos in- tangivel, ndo muito ‘real””. Embora a pele tenha ocupado constantemente o primeiro plano da consciéneia humana, é estranho que tenha eliciado to pouca aten- sao. A maioria das pessoas considera a pele como algo que no me- rece atencio especifica exceto quando queima e descasca, ou fica co- berta de espinhas, ou transpira desagradavelmente. Quando pensa- mos nela em outros momentos, temos uma vaga sensacdo de espan- to diante de um revestimento tdo estético ¢ eficiente de nossas partes internas, & prova de agua, de poeira e milagrosamente — até ficar- ‘mos velhos — sempre do tamanho certo. Quando vamos avangando em idade, comecamos a descobrir qualidades da pele, como cor, fir- meza, elasticidade, textura, que ndo haviamos absolutamente nota- do até comecarmos a perdé-las. Com o actimulo dos anos, passamos a considerar nossa pele envelhecida como um truque mais ou menos baixo, depressiva evidéncia piiblica do envelhecimento e uma lem- branga indesejével da passagem do tempo. Tendo perdido a justa me- dida que sempre tivera, fica solta e forma bolsas, tornando-se geral- mente fina, enrugada, seca e coridcea, podendo até chegar a aparén- cia do pergaminho, amarelada, manchada ou, de algum outro mo- do, sem seus atrativos. porém, uma maneita superficial de se ver a pele. A me- lamos as observacdes de numerosos pesquisadores ¢ 's acrescentamos 0s dados obtidos por fisiologistas, anatomistas, uurologistas, psiquiatras, psicélogos e outros investigadores, dos colhidos por nossas préprias observacdes e conhecimento da na- tissimo mais que um mero tegumento destinado a manter 0 esque- eto articulado ou a simplesmente fornecer revestimento para todos 08 outros érgaos; ao contrério, percebemos que a pele é em si mes- ma um 6rgéo complexo e fascinante. Além de ser 0 maior érgdo do corpo, os variados elementos que a compdem tém uma extensa Tepresentaco a nivel cerebral. No cértex, por exemplo, € 0 gi ou circunvolucao pés-central que recebe os impulsos tateis da p através dos glinglios sensoriais préximos 4 medula espinhal; estes transmitem os impulsos para os funiculos posteriores da medula espinhal e da medula oblonga, dai para os micleos ventroposterio- res no télamo, até finalmente atingir 0 giro pés-central. As fibras nervosas que conduzem os impulsos tteis s4o em geral de tama- nho maior que as associadas aos outros Grgdos dos sentidos, As -motoras do cértex esto situadas de cada um dos dos do giro central. O giro pré-central € predominantemente sen- sorial, enquanto que o pés-central é principalmente motor. Fibras segundo érebro es- izada (e & habilidade no uso, digamos, de um miisculo ou grupo muscular), € nao ao tamanho do érgio, a proporcao da area t4til no cérebro nao representa precisamente, até certo ponto, a importancia das fung®es téteis no desenvolvimento da pessoa. As figuras 1 e 2 so desenhos ou mapas somatépicos do homtinculo sensorial e motor, que tem até finalidade de exibir as representagdes proporcionais das fungdes tateis no cértex. Poder-se-d deduzir das mesmas quo extensa é a representacdio da mio, especialmente do polegar, ¢ a enorme representacdo dos Na realidade, existem varios sentidos téteis qu: reunidos sob a denominago comum de fafo; sao geralmente dificeis de se de- finir, como, por exemplo, no caso da pele que formiga ou queima diante de uma cena misteriosa num filme ou representacdo teatral, ou um espeticulo de “deixar os cabelos em pé”. Todavia, conhece- mos os elementos que participam do tato, como presso, dor, pra~ zer, temperatura, movimentos musculares da pele, fricedo, e assim por diante. Existem também as informagdes que recebemos de nos- sos misculos através da pele, a0 nos movermos. O termo hdptico € usado para descrever o sentido do tato em sua extensdo mental, desencadeada diante da experiéncia total de se viver e agir no espa- 0. Nossa percepeao do mundo visual, por exemplo, de fato mescla © que jd sentimos em associacdes passadas com 0 qu ‘0s vistos que tenham sido tocados ou usados em mani- 31 —Lisios 1 —LAs10 INFERIOR TS b Soentes, cenciva maxis | ‘l Figura 1. Honinculo sensorial desenhado segundo 0 perfil de um hemisfério. AS linhas continuas indicam a extensdo da representagdo cortical. 32, os casos gl Voce uza cf << Figura 2. Homiineulo motor. Embora haja uma correspondéncia préxima entre 1s representagées sensorial e motora, ela nao é completa. A representagdo da sensagiio se refere a dreas e partes especificas, ao passo que a que diz respeito @ dimensio motdrica refere-se aos movimentos das partes envolvidas. (Extraido de W. Penfield e T. Rasmussen, The Cerebral Cortex of Man., Nova York, Mac- ‘millan, 1950, pag. 214. Reprodugdo eutorizada.) 33 pulacdes. Segundo a colocaco de Greenbie, “uma vez que experi- ‘mentamos nosso ambiente terrestre com todos os nossos sentidos, inclusive com 0s da olfacdo e audigao, o sistema héptico nos posi- ciona para o contato fisico imaginativo com lugares e objetos que anteriormente tocamos e agora s6 vemos, ouvimos ou cheiramos"’ sentido haptico tem um papel altamente significative no cenério da humanidade. Quando falamos de “‘nos manter em contato””, sa- bemos do que falamos, sabemos que ndo se trata de uma simples me- tdfora e, sim, de uma consumacao altamente desejavel Consideremos 0 seguinte: enquanto sistema sensorial, a pele €, em grande medida, o sistema de érgaos mais importante do corpo. O ser humano pode passar sua vida toda cego, surdo e completa- mente desprovido dos sentidos do olfato e do paladar, mas nao po- deré sobreviver de modo algum sem as funcdes desempenhadas pela pele. A experiéncia de Helen Keller, que ficou surda e cega ainda na infancia e cuja mente foi literalmente criada através da estimulagao de sua pele, mostra-nos que, quando os outros sentidos estao preju- dicados, a pele pode compensar suas deficiéncias num grau extraor- dindrio. A primeira pessoa que entendeu isso parece ter sido Jacob- Rodriguez Pereire (1713-1780), um espanhol que trabalhou na Fran- ca por volta da metade do século XVIII e com grande sucesso de- monstrou que os surdo-mudos poderiam ser ensinados a falar por meio do tato. O método consistia em fazer com que o surdo-mudo colocasse sua boca de encontro ao ouvido, rosto, ou outra parte sen- sivel do corpo, como a mao, ensinando-o depois qual era o sig cado das varias impressdes que assim recebia. Segundo Pereire, “to- dos os sentidos realizam suas funcdes por intermédio de um sentido do tato mais ou menos modificado”’. Entre todos os sentidos, 0 destaque absoluto recai sobre o do tato. O sentido da dor, mediado da pele até o cérebro, constitui um sistema essencial de alerta destinado a chamar a atengao. O proble- ma denominado de alalgia cuténea, no qual a pessoa nfo consegue sentir dor na pele, ¢ um distirbio sério. As pessoas acometidas so capazes de suportar severas queimaduras e outras lesdes antes de to- ‘marem consciéncia de algum perigo e por isso suas vidas correm grave risco. A estimulacao continua da pele pelo ambiente externo serve pa- ra manter tanto o ténus sensorial quanto 0 motor. O cérebro precisa ser realimentado por informacdes orjundas da pele, a fim de efetuar i ‘em resposta aos dados captados. Quan- amortecida, a interrupedo do fluxo sen- sorial resulta na dificuldade de iniciar um movimento com a mesma, Porque os impulsos que vém da pele, dos miisculos e das articula- 34 ses ndo estdo alcancando adequadamente o giro pés-central do cé- rebro. O feedback da pele para 0 cérebro é continuo, mesmo duran- te 0 sono. Na qualidade de estudante e de professor de anatomia huma- nna fui sendo ao longo dos anos repetidamente confrontado pela espantosa extensio da drea tatil do cérebro, geralmente mostrada em cor verde nas ilustrag6es dos manuais. Ninguém parecia ter fei- to algum coment: nificativo a esse respeito. Nao foi sendo na metade dos anos 40, quando comecei a reunir os dados relati- vos a0 desenvolvimento do comportamento humano*, que a re- corréncia de trechos esparsos de evidéncias, vindas de uma gran- de variedade de fontes, chamou profundamente minha atencdo pa- ra a importéncia da pele ndo s6 no desenvolvimento das fungdes fisicas como ainda no desenvolvimento das comportamentais. Mi- nistrei uma palestra sobre esse tema na Faculdade de Medicina da Universidade do Texas, em Galveston, em abril de 1952. A mesma foi publicada no jornal editado pela faculdade, em julho de 1953. ‘A resposta & palestra ¢ ao artigo publicado encorajaram-me a pros- seguir com a coleta de dados que estdo reunidos neste livro e que espero possam servir para esclarecer em parte um aspecto do desen- yolvimento humano que tem sido deixado em grande medida no abandono. Qual aspecto? Simplesmente 0 efeito da experiéncia tatil sobre © desenvolvimento do comportamento humano. Nossa abordagem da pele, neste livro, é bastante diversa da que ‘amedicina psicossomatica adotou com tanto esclarecimento, ou se- ja, a demonstragdo de que aquilo que acontece na mente pode se ex- pressar na pele de muitas e diferentes maneiras. A abordagem psi- cossomitica constitui uma contribuicdo inestimavel para nossa com- preensio da influéncia da mente sobre 0 corpo — tendo em propésito das discussdes podemos conservar a separacdo artificial entre mente e corpo — e da extraordindria sensibilidade da pele para reagir a perturbagées originadas a nivel central. O fato de pensamentos perturbadores poderem irromper na forma de furtinculos de pele, de ria, psoriase € muitas outras desordens epidérmicas poderem iginar-se na mente, néo é mais a novidade que foi quando, em 1927, lia respeito desse relacionamento no livro pioneiro de W. J. O’Do- + Organizados em forma de curso sobre social Harvard, na primavera de 1945 e subseqlentement tion of luman Development (Nova York, Harper & Bros, 1955; edi revista, Nova York; Hawthorn Books, 1970), 35 novan, Dermatological Neuroses.* Foi feito um progresso conside- ravel desde aqueles tempos e grande parte dos avancos esto admi- ravelmente registrados por Maximillian Obermayer em seu livro de 1955, Psychocutaneous Medicine,** além de muitos outros trabalhos desde entao. A abordagem psicossomatica no estudo da pele pode ser vista como centrifuga: quer dizer, procede da mente em direco do tegumento. No presente trabalho, estaremos voltados para a abor- dagem oposta, a saber, estudaremos 0 trajeto da pele até a mente; em outras palavas, caminharemos segundo uma abordagem centripeta, A pergunta que mais nos interessa fazer ¢ responder com este tém sobre 0 desenvolvimento do ismo os varios tipos de experiéncias cutdneas que o mesmo vi- incipalmente no infcio da vida? Estamos essencialmente preo- cupados em descobrir (1) que tipos de estimulaedo da pele sao neces- sérios a0 desenvolvimento saudavel do organismo, tanto fisica quanto comportamentalmente; (2) quais sfo os ef¢ falta ou insuficiéncia de certos tipos especiais de estimulagao da Um dos melhores meios de se descobrir se um tipo part de experiéncia é ou nao necessdrio ou basico a uma determii pécie ¢ a seus membros consiste em mapear a distribuicao da referi- da experiéncia pela classe de animais (no caso em questo, na dos ‘mamiferos) & qual a espécie que esta sendo investigada pertenc i ‘A pergunta especifica que buscamos responder é:seré imperio- 80 aos membros da espécie homo sapiens submeterem-se, no trans- curso das primeiras etapas de seu desenvolvimento, a determinados tipos de experiéncias téteis, a fim de se desenvolverem como seres humanos saudaveis? Se tais experiéncias forem necessarias, de que tipo serdo clas? Para termos um pouco de esclarecimento a respeito dessas questdes, poderemos nos voltar primeiro para as observagdes, ‘executadas com outros animais. Ratos e Serendipidade. O que desencadeou em mim refletir sobre a pele foi a leitura inesperada, por volta de 1944, e dentro de um con- texto inteiramente diverso, de um artigo datado de 1921-2, de Fre- derick S. Hammett, anatomista do Instituto Wistar de Anatomia, fia. Hammett estava interessado em descobrir quais seriam tos da remog&o total das glandulas tiredide e par: ie de ratos albinos do plantel geneticamente homogéneo do Wistar. Ham- met observou que apés @ operacdo alguns animais nao morreram, se esperar. Havia sido considerado até ent&o que uma oidectomia mostrava-se invariavelmente fatal, presumi- velmente em virtude da ac&o de alguma substancia téxica sobre o sistema nervoso. Apés investigar esse resultado, tos submetidos aLtinham fammett descobriu que os ra- Sido reclhids de dus col ram taxa de mort i escolhidos do plan- tel considerado padrdo; para esse grupo, o tinico contato humano incidentalmente, durante as rotinas de idos, apreensivos ¢ altamente sensi do eram apanhados, mostravam.-se tensos, resistentes ¢ freqtiente- mente demonstravam medo ¢ raiva, mordendo. Segundo a descri- cao de Hammett, “0 quadro, como um todo, é de alta irritabilidade ¢ tens%o neuromuscular constantes, O comportamento dos ratos acariciados era marcadamente di- verso do dos animais do grupo controle, Os primeiros vinham sendo acariciados hd cinco geracdes. Quando manipulados, mostravam-se descontraidos e condescendentes. Nao se assustavam com fai de, Como constatou Hammet ipressao uniforme de cidez. O limiar de reag&o neuromuscular a estimulos potencialmente perturbadores é quase que proibitivamente al NNo.trato com as pessoas, ficou muito evidente que os ratos aca~ viciados sentiam-se seguros nas mos nfo $6 dos que comtumavan, Sadora que os havia criado, Dra. Helen King, havia organizado seu trabalho de forma que os animais fossem freqitentemente manipula- igidos a eles, 20 que ne Estes nfo haviam recebido qualquer atencdo de seres huma- ‘nos, exceto a que constava dos momentos de alimentacao ¢ limpeza das gaiolas. Mostravam-se assustados ¢ atordoados, ansiosos e ten- sos na presenga de pessoas. ‘Vejamos 0 que aconteceu quando foram removidas as glandu- las tiredide e paratiredide dos 304 animais operados nos dois gru- pos. Depois de 48 horas, 79% dos ratos irritéveis morreram, em com- 7 para¢o com apenas 13% dos ratos fazendo uma dife- renga de 66% de sobrevi mogao exclusiva da parati téveis morreram, e dos acariciados, somente 13%; diferenga favord- vel aos tiltimos de 63%. Os ratos da colénia padrao, colocados apés o desmame na co- Ionia experimental, onde foram acariciados, tornaram-se déceis, coo- ivos ¢ descontraidos, resistindo aos efeitos da extirpagao da glan- ila paratiredide. ‘Numa segunda série de experimentos, Hammett i idade em ratos noruegueses selvagens, pat zados e cativos hé uma ou duas geragdes. E bem sal noruegués selvagem é uma criatura notoriamente exci total de 102 ratos noruegueses selvagens, 92 animais, ou seja, 90%, morreram em 48 horas ¢ a maioria dos sobreviventes sucumbiu em duas a trés semanas depois de operados. Hammett concluiu que a est zida nos ratos com caricias ¢ mimos produz nos mesmos uma a tuada resisténcia a perda da secreedo da paratiredide. Em ratos exci- tAveis, essa perda geralmente redunda em morte por tetania parati- ia aguda, em menos de 48 horas. ‘fo of rats, melhor Encontramos aqui, entéo, algo mais do que apenas uma pista para o entendimento do papel desempenhado pela estimulaco tatil no desenvolvimento do organismo. © amistoso manuseio desses ani- mais pode ser a diferenca fundamental entre a vida a morte apés a remogao de importantes glindulas endécri coberta suficientemente significati Estas produziram animais suaves, tranqlilos; a auséncia das mes- mas resultaram em animais temerosos e agitados. Pareceu-me que esses dados importantes valiam a pena ser ain- da mais investigados. Havi cipalmente a respeito do mecanismo, da fisiologia por meio da qual ‘manipula amistosamente ou acariciat poderia produzir diferencas tio itivas nas respostas organismicas ou comportamentais, como 4s registradas por Hammett. Uma vez que, afora as observacdes do juto Wistar feitas por Hammett e seus colaboradores, nao havia Imente mais nada impresso que pudesse esclarecer de algum modo tais quest6es, comecei a pesquisar junto. criadores de animais, a pessoas que tivessem sido criadas em fazendas, a veterindrios, lavradores, fun- clondrios de zooldgico. Os resultados foram deveras esclarecedores. 38 Lamber e Amar. Ao ler as pesquisas do Instituto Wistar feitas por Hammeit, ocorreu-me que a conduta de “Tavar™ o filhote mani bidas. Estas serviam a propésitos muito mais profundos. Pareceu uma hipétese razodvel, respaldada pelas sugestdes decorrentes do que Hammett havia observado, que 0 ti ico e comportamental apro- ppriado-para aquele organismo. Pareceu provavel que as lambidas da- fera tio Tecém-nascido e que continuam por pe- riodos extensos dai em diante servem provavelmente a uma série bé- sica de fungGes, pois sdo universais entre os mamiferos, com a exce- 40 do homem. A meu ver, também hé aspectos interessantes nessa exceeo, como iremos ver posteriormente. Assim que comecei minhas investigagdes junto a pessoas que ti- nnham larga experiéncia com animais, descobri que havia uma acen- tuada unanimidade nas observagdes relatadas. A esséncia dessas & que 0 animal recém-nascido deve ser lambido para neo (Area entre os genitais extern 108 € 0 Anus), ele provavelmente mor- ou ndtio. /ouno sisiema_ reré de defei fo Tunclonal no sea raga, causado por defeitosde-eliminacdo, a menos que algun subs- tituto para as lambidas maternas, como earicias de mao humana, se- jam providenciadas. As evidéncias indicam que o sistema genitourindrio em especial simplesmente nao funcionaré na auséncia de estimulac&o cutanea. As observagGes mais interessantes a esse respeito tornaram-se em breve disponiveis na forma de um experimento ndo premeditado, executa- do pelo professor James A. Reyniers, do Laboratério Lobund de Bac- te logia, da Universidade de Notre Dame, em Indiana. O profes- sor Reyniers e seus colegas estavam interessados na criacao de ani- mais isentos de germes e publicaram em 1946 ¢ 1949 duas monogra- fias separadas com as informagoes que puderam recolher. Nas pri- meiras etapas de seus experimentos, 0 esforco desses pesquisadores nao deu resultados porque todos os animais experimentais morre- ram de defeito funcional nos tratos genitourinario e gastrintestinal. Nao foi senao quando uma antiga funciondria de zoolégico contri- 39. buiu com suas experiéncias pessoais que o problema foi do, pois seu conselho foi que 0 grupo de Notre Dame acariciasse 05 genitais e 0 perineo dos jovens animaizinhos com um cotonete, apos cada sessiio de alimentacao. Desde entdo comecaram a ocorrer nor- malmente a micgao e a defecacdo. A resposta que o professor Rey- niers me enviou diante de minha pergunta foi a seguinte: “Quanto ao problema de cor feros criados por humanos, os seguintes dados podem set de algum interesse: ratos, camundongos, coelhos e os mamiferos que dependem mie para seu sustento, nos primeiros dias de vida, t&m aparente- ‘mente que ser ensinados a defecar ea urinar. Na primeira etapa de nosso trabalho no sabiamos disso e conseqiientemente perdiamos nossos ani- mais, O filhote manipulado ndo-estimulado morria de oclusto do ure- so da bexiga. Embora tivéssemos presenciado durante ‘anos as maes lamberem scus filhotes nos genitais, minha nogdo era que isso representava principalmente uma conduta de limpeza. Observan- rto a questo, no entanto, pareceu que durante essa esti- defecava e urinava. Por conseguinte, hd cerca de doze a acariciar os genitais dos filhotes apés cada sesso de alimentaréo, a intervalos de uma hora, usando um cotonete, e con- ago. Desde entdo ndo temos tido mais pro- Defeitos ou ausénci i quando mamiferos recém-nascidos so, imediatamente apés 0 nas- cimento, afastados de suas mes, também, logo depx trado por McCance e Otley. Estes investigadores sugeriré malmenie, as Iambidas € outras atengdes dispensadas pela mae mulam um aumento de excrecdo da uréia, como conseqiiés da mu- danga no fluxo de sangue para os rins. iatinhos c outros animais despravidos de me foram criados, com sucesso, quando providos da estimulacdo cuténea adequada nor_ “mae"’ substituta. Em seu envolvente relato do resgate de um ‘filhote de gato abandonado no mato, Larry Rhine diz ter telefonado para a ASPCA® depois de ter dado leite para deira de boneca; nessa conversa, ele informou que Moisés, como havia resolvido chamar o gatinho, comendo normalmente. A isso Ihe responderam: “Or: . Seu problema nao & com ali- mentacdo. Veja, as es do gato so estimuladas pela gata-mae, Entdo, nossa sugestdo € que vocé faca o mesmo com cotonete umedecido em agua morna, para ter esse efeito. * American Society for the Prevention of Crusty to Animals, (N.R.T.) 40 seguintes, 0 Sr. Rhine levantou-se a cada duas horas, com uma xicara de gua morna ¢ um cotonete, alimentando, estimulando 0 perineo do bichinho e voltando a dormir. E Moisés que, como cor- responde, havia sido encontrado & margem da dgua, no mato, vingou. ‘Quando se observa a tes partes do corpo do gatinho, obtemos o esboco de um padrao dis- tintivo. A regido que é mais lambida localiza-s neo; a seguir, pela ordem, est a regido em torno da boca; depois, embaixo da barriga e, finalmente, as costas ¢ os lados. A proporco de Tambidas parece ser geneticamente determinada, em toro de trés ‘a quatro por segundo. No caso de ratos albinos, a proporedo é de seis a sete por segundo. Rosenblatt e Lehrman descobriram que, durante uma sesso de observacdo de quinze minutos, as ratas-mdes lamberam seus filho- os em média durante dois minutos e dez segundos eno baixo ventre, cerea de dos na extremidade final das costas, cerca de dezessei alto do abdomen, e perto de doze segundos na parte de jotes. Retomaremos mais adiante o signi- ficado de lamber a si mesmo. Esses observadores perceberam que centre 27% e 53% do tempo era gasto com lambidas; nenhuma outra atividade chegava perto dessa em termos da quantidade de tempo a cla dedicada. ‘Rheingold, ao relatar suas observagdes sobre um coker spaniel, um beagle, e trés pastores Shetland, afirma que as lambidas come- caram no dia do nascimento e ocorreram com irregularidade a par- tir do 42° dia. A regido mais freqiientemente lambida foi a do perineo. Passando agora para a ordem de mamiferos a qual pertence o homem, os primatas, Phyllis Jay relata, a respeito de langures india- nos observados no campo em condigées naturais, que a mde dessa espéeie de macaco lambe seus filhotes desde o momento em que nas- cem. O mesmo parece se dar com babuinos em condiedes naturais. “A cada intervalo de minutos ela explora o corpo do recém-nascid afasta seu pélo com os dedos, lambe e aconchega-o com o focinho. interessante o fato de os grandes simios lamberem seus filho- tes imediatamente apés o nascimento, mas néo muito mais depois disso. A onipresenca dessa pratica entre mamiferos é testemunho de sua natureza basica. ato de lamber a si mesmo, presente em muitos mamiferos tanto no estado de parturigdo quanto em perfodos nao gestacionais, ape- sar de ter 0 efeito de manter 0 animal limpo, provavelmente tem uma 41 finalidade mais especi trintestinal, geni io, circulatério, digest produtor, neuroend6: imunolégico, em estado de estimulago icado dessas condutas a nivel prdtico tem talvez lustracdo nas falhas de desenvolvimento que se seguem interdigdo significativa da conduta de lamber a si mesmo. Um aspect comportamental que cham # atengéo tanto em ratas quanto em gatas grévi intensificacdo das lambidas que dao Strauss propia aie apo: abdowaiaais eusfoncasmrngs cst io. Pode-se conjecturar que essa prética sirva para estimular e me- Ihorar as respostas funcionais dos sistemas de drgdos que esto es- pecialmente envolvidos na gestacio durante o trabalho do parto, 0 parto propriamente dito ¢ o periodo de parturigao. Sabe-se que, apés o nascimento do bebé ou do io dos sistemas corporai las mamérias. Ha evidéncias sdlidas de que a estimulacao senso- rial contribui para o desenvolvimento mamaério durante a gestacéo. Os Drs. Lorraine L. Roth e Jay S. Rosenblatt pesquisaram experi- mentalmente esse fato. Com uma série de experimentos engenhosos, esses cientistas colocaram anéis nos pescocos de ratas gravidas com a finalidade de impedirem-nas de se lamberem. Constataram que as glindulas mamérias dessas ratas desenvolveram cerca de 50% me- nos do que as dos animais de controle. ‘Uma vez que os anéis provocariam, sem diivida, de algum efei- do de anéis flexiveis que lhes permitiu se lamberem. Em nenhum desses grupos, como também no grupo-controle de ratas sem anéis, ocor- gio do desenvolvimento mamério to acentuada quan- ‘ada no grupo experimental com anéis restritivos, Birch e colaboradores demonstraram que, quando a rata é do- tada de um anel que a impede de lamber sua regio abdominal e tam- bém a zona erdgena posterior, mesmo que o ane! seja permanente- mente removido para o parto ¢ dai em diante, essas fémeas mostram-se mies incompetentes. Carregam os materiais para a construgdo do ninho, mas ndo conseguem fazé-lo normalmente, pois espalham as coisas muito desordenadamente pelo espaco. Nao atendem seus fi- Ihotes de modo algum e parecem ficar perturbadas quando os recém- nascidos conseguem alcangé-las; nesse momento, sua tendéncia é de se afastarem. Os filhotes morreriam invariavelmente se nao ocorres- sea interferéncia artificial do experimentador. Decorre daf que pri- var a fémea gravida da auto-estimulacdo de seu corpo, o que é a pre- 42 paragdo normal para o comportamento maternal, também parece privé-la das des que, de outro modo, incentivariam lamber as substancias liqiidas e promoveriam a alimentacdo pés-parto, além de outras atividades subjacentes & transicdo para 0 perfodo pés-natal. Fica claro a partir desses experimentos que a auto-estimulacdo cutdnea do corpo da mae é um fator importante para a consolidacao do desenvolvimento do funcionamento étimo dos sistemas de sua ma- nutenedo, ndo s6 antes e depois da gravidez, como também durante a gestagdo. A questdo que surge de imediato é se esse também nao poderia ser 0 caso com a fémea humana, durante os mesmos perfo- dos. A essa pergunta a resposta parece ser afirmativa. E evidente que para os mamfferos a estim é importante em t ‘mas, em par- ‘ticular, € crucial durante os primeiros dias de vida do recém-nascido, durante a gestaeo, durante 0 trabalho de parto, 0 parto propria~ mente dito e durante o periodo de al ito. Na realidade, quan- descobrimos o quanto é profundamente significativa para um desen- volvimento saudavel. Por exemplo, num dos primeiros estudos des- nascidos exerce uma influéncia imunolégico, 0 que tem importai i cia contra doencas infecciosas e outras. O estudo indicou que 0s ra- tos que haviam sido manipulados na primeira etapa de sua vida mos- trayam um grau mais elevado de concentragao de soro anticorpo (pa- drdo) em todos os casos, apés as imunizacdes priméria e secundaria, do que os animais que ndo haviam sido menipulsdos no mesmo pe- riodo, Dessa forma, a responsividade imunoldgica do adulto parece ser significativamente modifcada x erie cutdineas no ini- cio da vida. Essa compe munolgica pode sér produzida por cas em sujeitos que receberam estimulacdo cutanea precoce sao sur- preendentes, porém, talvez sejam complicadas pelo fato de o animal estimulado a nivel da pele gozar de um grande mimero de outras van- tagens correlacionadas que sem diivida alguma também desempenham seu papel para a maior resaticia dos orgonismos extnulados. Co- nhos dados a ratos e outros animais, em seus p resultam num significativo aumento em peso, no ritmo de sua ativi- 43 dade, na presenga de menor temerosidade, em maior capacidade pa ra rT far 0 esiresse ¢ numa maior resistencia a lesOes de nivel fi- siol6gi No caso dos carneiros, embora a assisténcia materna ativa ndo seja essencial para o recém-nascido encontrar as tetas e mamar pela vez, esse processo é facilitado pelas lambidas e pela ori experimentos, Alexander ¢ Wi dos dois fatores, as lambidas ue a combinacdo orientacao nal — ou seja, a ovelha de pé em frente ao —, facilitavam significativamen- te 0 progresso do recém-nascido no sentido de alcancar um aleita- mento bem-sucedido. Nem a orientac&o por si s6, nem somente as lambidas — que esses pesquisadores posteriormente denominaram “arrumar-se”’ — facilitaram 0 impulso para o aleitamento de modo representativo. As lambidas junto com a orientacdo materna resul- taram, em todos 0s casos, numa atividade substancialmente maior de busca das tetas, assim como numa tendéncia a aumentar mais pre- cocemente 0 peso, do que no caso de filhotes nao lambidos. A importéncia da estimulacdo intercutanea ou cutanea recipro- ca, ou a importéncia do contato fisico entre a mae ¢ 0 filho, tanto ‘em passaros quanto em mamiferos, foi demonstrada por muitos pes- quisadores. Blauvelt provou que, em bodes, se o filhote for afasta- do da mae por poucas horas apenas antes que ela tenha chance de lambé-lo, sendo-Ihe depois devolvido, “‘ela dé a impressao de nao cconiar com recursos comportamentais para fazer qualquer outra coisa ‘em beneficio do recém-nascido””. No mundo das ovelhas, Lid que também aconteciam as mesmas coisas com galinhas e seus pi thos. Maier descobriu que, quando galinhas chocas eram imps de ter contato fisico com seus pintinhos, mesmo que todas as de pistas visuais fossem mantidas intactas, ¢ elas estivessem em gai vizinhas as dos i i pintinhos, impedidas de deixa- jos de tempo maiores do que as. regulador essencial da capacidade de chocar. A estimulacdo da pele aparentemente uma condigdo sine qua non para levar a glan- Collias observou que, em cabras ¢ carneiros, as mées determi- ‘dade de seus proprios filhotes i cimento, com base principalmente no contato e, daf em diante, re- pelem vigorosamente qualquer filhote alheio que possa aproximar- se. Os dados obtidos por muitos pesquisadores independentes indi- cam que existem certos tipos normais de comportamentos especifi- cos da espécie, que dependem de determinadas experiéncias ocorre- rem em periodos criticos da vida daquele animal particular. Foi cons- tatado que mudancas no meio ambiente natural, nesses momentos, resultam geralmente no desenvolvimento de condutas anormais, ati- picas para aquela espécie. Hersher, Moore ¢ Richmond separaré vinte e quatro cabras domesticadas de seus filhotes recém-nascidos entre cinco a dez minutos apés nascerem; a separacdo durou de meia hora a uma hora. Dois meses depois, verificou-se que essas miles ama- mentavam menos seus préprios filhos e mais os outros filhotes, es- tranhos, do que as maes que nao tinham sido separatias. Um resul- tado bastante interessante ¢ imprevisto obtido com esse experimento foi o aparecimento da conduta de “‘rejeicdo”, quer dizer, nao eram amamentados nem os préprios nem outros filhotes pelas maes do gru- po néo-separado. A separacdo, para esses animais altamente gregé- Flos, parece ter influenciado a estrutura do rebanho como um todo, mntrole’, cujas ex- radamente inter- vez, pelo comportamento materno-filial anormal produzido nos mem- bros do grupo experimental”. Através de um engenhoso experimento destinado a determinar se poderiam ser prolongados em carneiros e bodes os periodos cr cos para 0 desenvolvimento do comportamento maternal especifi individual, Hersher, Richmond e Moore descobriram que, de fato, isso poderia ser alcancado fortalecendo-se o contato entre a fémea € 0 filhote e impedindo-se 0 comportamento de dar cabesadas, ‘Com cées collies domésticos, McKinney demonstrou que, se ime- diatamente apés parir seus filhotes a mie for afastada destes por um perfodo um pouco maior que uma hora, seu processo de recupera- eo sofre um sério atraso; a recuperaséo é normalmente acelerada se a me focinha, aconchega e amamenta seus filhotes. McKinney sugeriu que efeitos indesejdveis semelhantes podem ser produzidos em mes humanas, em conseqiiéncia da pratica da remocao de seus. bebés apés 0 parto, impedindo 0 prosseguimento do contato, que €nima necessidade to premente para o recém-nascido. Esta suges- to tem sido plenamente confirmada por pesquisas atuais. (Veja 0 Apéndice 2, p. 389). 45 Estudando macacos rhesus, Harry F. Harlow e colaboradores postulam, com base em suas observacdes diretas, ‘que o contato de se pendurar é a varidvel primaria que vincula a mae ao bebé ¢ este a ela, Descobriram que a afeico materna esta em seu ponto maxi- mo durante os intimos contatos corporais, face a face, enitre mae ¢ bebé, ¢ que a afeicdo maternal parece diminuir progressivamente & medida que esta forma de interacao corporal diminui. Esses autores definiram a afei¢ao maternal como uma funcdo de muitas condigdes diferentes, que envolvem estimulo de incentiva- gio externa, condigdes experimentais diversas ¢ muitos fatores en- s. Os incentivos externos so 08 relativos ao bebé e en- volvem o contato de agarrar-se, calor, aleitamento ¢ pistas visuais ¢ auditivas. Fatores experimentais relacionados ao comportamento maternal provavelmente abrangem toda a experiéncia da mae. Neste caso é provavel que suas primeiras experiéncias com sua prépria vi- especialmente importantes, assim como seus relacionamentos is com cada um dos bebés que tiver, além de suas experi cias acumuladas pela criaco e pelos cuidados dispensados a suce: vos filhotes. Os fatores endocrinolégicos relacionam-se tanto & ges- tagdo quanto ao parto e & retomada do ciclo normal de ovulacao. jeiras experiéncias de vida da mae sao de fato considera- velmente importantes para o subseqiiente desenvolvimento de seus proprios descendentes até atingirem a idade adulta. Numa série de experimentos elegantes, os Drs. Victor H. Denenberg ¢ Arthur E. Whimbey demonstraram que filhotes de ratas manipuladas tanto pela mie natural quanto pela adotiva exibiram, no momento do desma- me, peso corporal maior do que aqueles di di tinham sido manipuladas quando filhotes ¢ cram significativamente menos ativos que os filhotes de maes ndo manipuladas. ‘Ader Conklin perceberam que os descendentes de ratas mani- puladas durante a gravidez, tivessem ficado com as maes naturais apés 0 parto ou fossem ito de outras fémeas, mostraram- se significativamente menos excitdveis do que os filhotes de ratas nao manipuladas. Werboff e colaboradores descobriram que a manipulacdo de ca- mundongas grdvidas, durante toda sua gestacdo, resultava num maior niimero de fetos vivos ¢ de sobreviventes entre os nascidos. Diante do menor peso iual dos filhotes, os investigadores sugeriram que isso se devia ao aumento no tamanho da ninhada. Sayler e Salmon constataram que camundongos jovens, criados num ninho coletivo em que as fmeas combinavam suas ninhadas, ‘mostravam ritmos de crescimento mais répidos durante os primei- 46 108 vinte dias de vida do que os filhotes criados por fémeas isoladas, mesmo quando a proporgao de mées para filhotes fosse a mesma, Esses pesquisadores consideram que as diferencas em termos de pe- so corporal esto mais provavelmente relacionadas ao beneficio nu- tritivo do leite extra e de melhor qualidade fornecido por mais do que uma s6 mae. Sao ainda de opinido que os est dem estar, junto com os térmicos, atuando exponencialmente diante da presenga de filhotes ¢ maes adicionais, que servem para isolamento dos jovens, de modo que haveria mais energia metabélica disponivel para o crescimento. Os camundongos normalmente gastam grande parte do tempo em contato corporal com outros camundongos; quan- do isolados desse contato por jos extensos de tempo, eviden- ciam uma maior s de a estimulos tateis, mas ndo aos féticos. Weininger, em 1954, num dos primeiros estudos desse género, descobriu que ratos machos acariciados durante tr@s semanas apés seu desmame no 23° dia, tinham um peso médio, aos 44 dias de vi- da, 20 gramas a mais do que os animais do grupo controle, que nfo tinham recebido o mesmo tratamento. Além disso, 0 crescimento dos acariciados foi mais intenso do que 0 dos outros. Num teste a cam- po aberto, ratos acariciados arriscavam-se a chegar significativamente ‘mais perto do centro profusamente iluminado do acampamento ex- perimental, evidenciando assim uma tendéncia maior a ignorar o ha ito natural a espécie de se agarrar as paredes, evitando a luz. As ‘temperaturas retais eram significativamente mais clevadas nos ratos acariciados, sugerindo uma possivel alteragio no ritmo metabélico desses animais. Quando foram expostos a estimulos estressantes (imobilizacdo ¢ absoluta privacao de alimento ¢ agua por 48 horas) ¢ autopsiados imediatamente depois, os ratos acariciados mostraram muito menos ‘des nos sistemas cardiovascular e gastrintestinal do que os animais no acariciados. Danos cardiovasculares e outros, causadlos ao organismo em vir- tude de estresse prolongado, como Hans Selye ¢ outros demonstra~ ram em abundancia, podem ser considerados produto terminal da atuagao do horménio ACTH (adrenocorticotrépico). Este ¢ um dos horménios secretados pela glindula pituitéria que atua sobre 0 c6r- tex da glndula adrenal para provocar sua secregio de cortisona. Esse relacionamento interativo 6, as vezes, chamado de eixo simpatico- adrenal. inger sugere que, a imunidade relativa a les6es por es- tresse exibida por animais acariciados era provavelmente devida a ‘uma produgdo menos intensa de ACTH pela pituitéria, em resposta !as mesmas situages de alarme com que se defrontaram os animais no acariciados. Se este fosse realmente 0 caso, seria de se esperar 47 que as glandulas adrenais dos ratos acariciados ou ndo acariciados depois de uma situagao de estresse evidenciassem uma diferenca, em ue as dos tiltimos tivessem sido estimuladas por uma produc&o maior de ACTH, estando entdo mais pesadas. Quando se realizaram exa- ‘mes foi exatamente isso que se encontrou. “Uma mudanga radical no funcionamento hipotalamico, implicando a reducdo ou de descargas simpaticas macicas em resposta a um estimulo di me (¢, portanto, menor produgao de ACTH pela pitui que se pode predizer a partir dos resultados acima men © processo é muito mais complicado do que isso, mas reduzido a seus elementos essenciais; a relagdo entre a secrecdo pituit adrenal em situagdes de provimento de carinho e de estresse mant valida. Os animais acariciados respondem com uma maior eficién- cia funcional na organizagdo de todos os sistemas do corpo. Os no acariciados no conseguem realizar a organizacdo que se expressa na eficiéncia funcional e, portanto, s4o em todos os sentidos menos aptos a enfrentar os ataques ¢ lesdes oriundos do meio ambiente. De- corre que, quando falamos de “lamber e amar” ou da estimulagao {tatil cutanea) da pele, estamos, muito evidentemente, falando de um ingrediente fundamental ¢ essencial do afeto; e nos referimos com igual clareza também ao elemento essencial para o desem saudavel de todo organismo. Fuller descobriu que os filhotes de cachorro, isolados de todo contato logo depois de nascerem e subseqiientemente acariciad. manipulados por seres humanos, sairam-se melhor nos testes aplica- dos ao término de seu perfodo de isolamento do que, os filhotes que ndo tinham sido nem acariciados nem manipulados. s funcionarios da Cornell Behavior Farm constataram que, sem lambidas de espécie alguma (embora lamber por uma hora apés 0 arto seja suficiente), muitos carneiros recém-nascidos nao conse- guem se por em pé ¢ subseaiientemente morrem. Embora seja possi- vel a alguns desses animais ficarem em pé sem terem sido lambidos, €notavel que, quando o filhote faz um esforco para se levantar, sua mie geralmente mantenha-o deitado com a pata até que o tenha lam- bido. Barron descobriu que os carneirinhos que haviam sido seca- dos com uma toalha (o equivalente as lambidas) ficam em pé sobre as quatro patas antes dos que nao foram tratados da mesma fot Os efeitos verdadeiramente dramaticos das experiéncias téteis precoces foram comprovados por uma série de experimentos inde- pendentes. Karas, por exemplo, presenciou que ratos manipulados durante os primeiros cinco dias de vida mostravam maximo efeito de emotividade, medido segundo o condicionamento de esquivar-se, em compara¢o com animais manipulados em outros perfodos da 48 fancia. Levine e Lewis notaram que animais manipulados entre 0 ‘0 5° dia apés 0 parto mostravam uma significativa auséncia de Acido ascdrbico adrenal em resposta a uma severa situagao de estres- se pelo frio, com doze dias de idade, em comparacéo com animais| nao manipulados apés os primeiros cinco dias de vida, os quais ndo mostraram uma reacdo de auséncia significs estresse antes do 16° dia. Bell, Reisner ¢ Linn perceberam que, vinte e quatro horas apés choques eletroconvulsivos terem sido administrados, o nivel de agiicar no sangue estava significativamente mais elevado em animais, nao manipulados em rlodos que nao os primeiros cinco dias de vida, do que animais manipulados nesse periodo inicial. Denen- berg e Karas observaram que ratos manipulados durante os primei- ros dez dias de vida pesavam mais, aprendiam melhor e sobreviviam mais tempo. Numa pesquisa em que coelhos tinham sido originalmente usa- dos como grupo controle para esclarecer uma parte dos efeitos das drogas em dietas de elevado teor de colesterol, Norem ¢ Cornhill en- contraram inesperadamente um dado importante: coelhos que ha- viam sido acariciados e com os quais se havia brincado mostravam, apenas metade do teor de arteriosclerose do que estava presente nos 10s que tinham sido atendidos de modo mais impessoal e super- ‘Amaneira pela qual os filhotes de todos os mamiferos se enros- ninhada, assim como no de outros isico-quanto parao_— mente todo animal aprecia ser acariciado lada de algum outro modo agradavel. Os cBes 3s; 0S gatos Saboreiam- nas e ronronam, e assim também agem intimeros outros animais do- mésticos e selvagens, deleitando-se com caricias pelo menos tanto quanto apreciam lamber-se. O mais elevado sinal de confianca que um gato pode oferecer a um ser humano é esfregar-se contra sua perna. toque de uma mao humana ¢ muito mais eficiente do que a__ _dolvnaigdetun acting mec oats |, sendo um dos melho- ‘res exemplos o da ordenha. Os especialistas e donos de fazenda de ios que praticam a ordenha manual sabem muito bem que 0 ite € mais rico e abundante do que quando as vacas so ordenha- das mecanicamente. Hendrix, Van Valck ¢ Mitchell re cavalos expostos.ao foque da mao humana imediatamente apés seu nascimento desenyolyeram condutas incomumente adultas. Entre os ‘wapos de conduta adulta observados nesses animais manip\ constavam comportamento responsével em situagGes de emergéncia, sem a perda da docilidade cooperativa de outras ocasides, assim co- ‘mo comportamentos inventivos para comunicac&o com os humanos, em situagdes de urgéncia. Karsh, do Departamento de Psicologia da Universidade (que adora gatos e tem 11 deles), ao estudar 0 processo i ‘ou com 26 gatinhos trés sema- nnas apés seu nascimento. Os animais foram divididos em trés gru- pos que receberam tratamento diferente. © primeiro recebeu cuida- dos com a mao humana desde a 3? at gundo, da 7? até a 14% semana; ¢ 0 terceiro nao foi absolutamente manipulado até a 14% semana de vida. O prox lagdo consistia no experimentador segurar o gatinho no colo diaria~ mente por 15 minutos. Cada animal era apanhado por quatro expe- rimentadores em dias diferentes. Os trés grupos foram entao testa- dos a respeito de sua amizade pelas pessoas, usando-se dois parame- tros: primeiro, quanto tempo permaneciam com um experimentador quando tinham liberdade para se afastar; segundo, quanto tempo de- moravam para se aproximar do experimentador. O grupo manipulado da 3% A 14? semana permaneceu duas ve- 2zes mais tempo com o experimentador quando nao era impedido de se afastar, do que 0 grupo que ndo tinha sido manipulado. O grupo que tinha sido manipulado da 7? até a 142 semana permaneceu um ‘tempo menor do que o grupo que tinha sido manipulado em idade ‘mais precoce, porém essa duracdo era maior do que a do grupo de nao manipulados. Semelhantemente, o primeiro grupo levou muito ‘menos tempo para se aproximar do experimentador do que o grupo ‘ndo manipulado. O segundo grupo levou mais ou menos 0 mesmo tempo que o grupo de nao manipulados para se acercar das pessoas. ‘A quantidade de contato com a mao humana recebida pelo fi- Ihote de gato também parece influir na posterior manifestago de ami- zade, como o descobriu Karsh com um outro experimento. Gatinhos manipulados 40 minutos por dia no laboratorio tornaram-se mais socidveis do que os animais que eram apanhados por 15 minutos did- rigs também no laboratorio, e os que tinham sido criados em casa mostraram-se os mais socidveis de todos. Os golfinhos, como sei por observagdes pessoais, adoram ser tocados com mao amorosa. No Instituto de Comunicagdes, em Miami, tive a oportunidade de fazer amizade, em poucos minutos, com El- var, golfinho macho adulto que mora 50 quenas recebiam pouca gua, criangas maiores, um pouco mais, € adultos, grandes banhos. Por alguma razo, eu no rec nenhum tamanho. O Dr. John Li {que isso nunca tinha acontecido antes. todo 0 afeto, interesse e respeito que ele mer © topo de sua cabeca. Ele apreciou meu gesto te todo o resto da vi wou mostrando todas as partes de seu corpo que queria que eu acariciasse, inclinando-se de lado pa- a que eu pudesse acariciar embaixo de suas nadadeiras, parecia dar-lhe uma satisfacao especial. Lamento alguns meses depois Elvar contraiu uma gripe de um no e morreu. Os Drs. A. F. McBride e H. Kritzler, do Laboratorio Marinho da Universidade Duke, em Beaufort, na Carolina do Norte, regi rraram o fato de um golfinho fémea com dois anos de idade “‘ter-se tornado tdo interessado por caricias feitas por um observador, que cra freqtiente sair cuidadosamente da agua para rocar seu queixo nos nds dos dedos da mao que ele Ihe apresentava fechada””. Os mesmos ‘bservadores comentam que os “golfinhos gostam muito de rocar seus corpos em varios objetos, de modo que foi instalado no tanque um cogador para costas, construido com trés resistentes escovas fi- xas de encontro a uma rocha ¢ com as cerdas voltadas para cima. s golfinhos jovens comesavam a se cocar contra as vassouras as- sim que os adultos descobriram a finalidade daquela instalagao” ‘Uma conduta semethante foi registrada em baleias cinzentas, na nia, costa oeste dos EUA, a0 sul da fronteira. Nessa idade, um bando de baleias amistosas e uma fémea adulta em especial foram em busca de um grupo de pequenas embarcagées € de seus ocupantes para serem cocadas. Depois de se esfregarem con- tra os barcos, saiam da agua para seem cocadas com as mos ou corporal, é uma coisa Sbvia no caso das baleias cinzentas.”” As nove fotos coloridas que ilustram suas declaragdes falam por si mesmas. E muito fascinante um comentario feito pelo Sr. A. Gunner a respeito das pulgas que habitam porcos-espinhos. Ele escreve 0 seguinte: “Venho eriando e observando porcos-espinhos hi 50 ou 60 anos estou convencido de que desprové-os de suas pulgas néo Ihes faz bem. 1H um fator essencial fornecido por elas. Talvez seja — e ereio mes- Sh ‘mo que seja — um estimulo de circulagao epidérmica, ausente nos ani- ‘mais que ndo conseguem focinhar, massagear, covar ou ‘mular de alguma outra forma sua pele, para manter propriamente vado seu labirinto de capilares. Um zodlogo amigo assegura-me que posso alé es équidnas da Austrélia, alguns tatus e principalment leram populacdes de insetos tanto nas do- de seus corpos revestidos como armadura pO ¢ despiolhado nao consegue sobreviver bras quanto nas s e afirma que 0 or muito tem; Na tentativa de prosseguir com essa observaedo, lamento dizer {que nao pude obter mais informacao de tipo algum a respeito do te- ma, mas, tal como o amigo zodlogo do Sr. Gunner, realmente sus- que essa observacao seja apoiada em fundamentos cujas costas tantas vezes pousam em bando ciscando pedacinhos de varias coisas ¢ insetos, com a evidente aprovagao de seus hospedei- ros, 0 “arrumar-se”” de macacos e simios, ou 0 braco amoroso, to- das essas formas de comportamento indicam que esté em jogo uma necessidade basica e complexa. © que emerge das observacdes ¢ experimentos aqui relaciona- dos — ¢ existem muitos mais que voltaremos a mencionar nas pégi- nas subseqiientes — é que a estimulacdo cutnea nas variadas for- mas em que a recebem 0s recém-nascidos e os jovens é de importan- cia primordial para a satide do desenvolvimento fisico € comporta- mental. Parece provavel que, no tocante a seres humanos, a estimu- lado tatil seja de das’, em seu sentido figurado e literal, e 0 amor estejam intimamen- te conectados; em resumo, que a pessoa aprende a amar nfio com instrugdes, mas sendo amada. Como 0 expressou o professor Harry Harlow, “formam-se multiplas respostas aprendidas e generalizadas de afeto a aprtir da intima ligacdo da crianga com a mi Por intermédio de uma série de inestimaveis pesquisas, Harlow demonstrou o significado do contato fisico entre a mae macaca e seu bebé, para um subseqiiente desenvolvimento saudavel deste tiltimo. No decurso de suas pesquisas, Harlow observou que bebés macacos criados em laboratério mostravam um forte vinculo com pedacos de pano (fraldas de gaze dobradas) usados para forrar o revesti de tecido dspero do chao e das gaiolas. Quando de remover os pedagos de fralda e substitui-los, por uma questo de higiene, os bebés se agarraram aos mesmos ¢ tiveram “‘violentos ata- 52. ques de birra”’. Evidentemente, isso é semelhante ao comportamen- to com 0 “cobertor de seguranca”” presente em muitas criancinhas (vide pp. 325-326), Descobriu-se também que os bebés criados em gaiolas de arame sem qualquer revestimento de soalho sobrevivem com dificuldade, se & que o conseguem, nos primeiros cinco dias de vida. Quando um cone de arame foi introduzido na gaiola, sairam- quando este foi recoberto com pano felpudo, os bebés desenvolveram-se dentro dos padrdes de satide, robustos. Nesse ponto, Harlow decidiu construir uma mae substituta coberta de pano fel- pudo, dotada de uma limpada que irradiasse calor. O resultado foi uma mae ‘“macia, quente ¢ terna, com uma paciéncia infi ponivel vinte e quatro horas por dia, mae que jamais repreendia o bebé e que jamais mordia ou batia nele quando estivesse com raiva”. Foi construida uma segunda mae sub: inteiramente de ara- me, sem a camada de “pele” de pano fel portanto, dest da do contato reconfortante. O resto da histéria ¢ melhor cont pelas préprias palavras de Harlow. Ele escreve o seguinte: “Em nosso experiment 1, a condicdo de duas maes subst tutas, uma mae de pano e a outra de arame, foram colocadas em cubi- culos diferentes, ligados & gaiola em que morava o bebé... Para qua- tro macacos recém-nascidos, a mae de pano dava leite ¢ a de arame 1ndo; para os outros quatro, a condigao de lactagao acaquinhos recebiam toda a ragdo de mie substituta assim que conseguissem colocar-se de modo a obt esta alcancada dentro de dois ou trés dias, exceto no experimento foi claborado como teste da importan- cia relativa das variaveis de contato reconfortante c de aleitamento re- confortante. Durante os primeiros 14 dias de vida, a gaiola dos mace- 0s foi revestida com um dispositivo para aquecimento envolvido nu- ma fralda de gaze dobrada e dai em diante o chao da gaiola foi des- provido de qualquer outra coisa. Os bebés sempre tiveram liberdade para sair de perto do dispositivo de aquecimento ou do chao da gaiola para entrarem em contalo com uma das duas mies, e o tempo gasto com as maes substitutas foi registrado automaticamente. A figura 3 mostra o tempo total passado com as mfes de pano e de arame, nas duas condiges de alimentacio. Os dados tornam dbvio que 0 contato reconfortante¢ uma varivel de importéncia crucial no desenvolvimento das respostas afetivas, ao passo que a lactagdo & uma variével de im- porténcia negligenciével. Com o avango da idade e diante de oportu- nidades de aprendizagem, os que eram alimentados pela mie de ara- me mostraram uma responsividade a cla cada vez menor, ¢ uma res- ponsividade cada vez maior para a mde que nao aleitava, a de pano, dado este completamente contrério a qualquer interpretagdo de um im- 33 luo derivado no qual a forma matera tora-se condcionada re completamente a varié~ lade é tdo grande que sugere vel afetiva 6a de as- do bebé com a mie. fungo priméria do aleitamento cor um contato corporal fregiiente e ‘tamente ninguém consegue viver s6 de leite. O amor é uma emo- ‘go que ndo necessita ser dada em mamadeiras ou As colheradas, e po- demos ter certeza de néo haver ganho nenhum em falar do amor 56 da boca para fora”. [ALIMENTADO PELA MAE DE PANO MEDIAHORARIA POR DIA eee ALIMENTADO PELA MAE DE ARAME wae 0¢ Pano SIME DE ARAME ARIA POR DIA MEDIA HORARIA DIAS ve 1oADE Figura 3. Tempo gasto com maes substitutas de pano e arame. (Extratdo de H.F. Harlow e R.R. Zimmermann, “The Development of Affectional Responses in Infant Monkeys”, Proceedings, American Philosophical Society, 102: 501-508, 1958. Reprodugdo autorizada.) 54 Sem divida, a observagéo mais importante de Harlow foi ades- Tormeciam contato fisico sem sane detrimento das de-ara- me que os alimentavam. Harlow chega inclusive a sugerir que 0 pro- pésito fundamental da amamentacdo é o de assegurar um cont: corporal freqiiente entre o bebé e a mae. Esse contato pode nao a fungdo primaria da amamentagdo, mas seguramente é de impor- tancia fundamental. Voltaremos a discutir detalhadamente esta ques- tio mais adiante. ALIMENTADO PELA MAE DE PANO DIAS DF IDADE, ALIMENTADO PELA MAE DE ARAME 2 (O---OMAE OF ARAME WH os woes wes DIAS DE 1DADE Figura 4. Tempo de contato @ longo prazo com as maes substitutas de pano e . “The Development of Affectional Responses in Infant Monkeys”, Proceedings, American Philosophical Society, 102: 501 — 509, 1958. Reprodugdo autorizada.) Finalmente, Harlow conclui: “

Você também pode gostar