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6 Oartista como etndgrafo Uma das intervengdes mais importantes na relagao entre a autoridade artistica e a politica cultural € “O autor como produtor”, de Walter Benjamin, apresentado pela primeira vez como conferéncia, em abril de 1934, no Instituto para o Estudo do Fascismo, em Paris. Ai, soba influéncia do teatro épico de Bertolt Brecht e os experimentos factogré- 1 Wolter Benjamin, “O eutor como produtor” [134], in Magia etecnica, artee politica. Obras escolhidas, v.1 org. ¢ trad, Sergio Paulo Rouanet. Sao Paulo: Brasi- liense, 1987, pp. 120-36. A ndo ser quando indicado, todas as refe- réncies subsequentes Benjamin procedem desse texto. 2 Benjamin acusa explicita- mente apenas dois movimentes, ativismoe Nova Objetividade (Neve Sachlichkeit) 0 prime'ro, associade a eseritores como Heinrich Mann e Alexander Dibiin, fornece aoparato burgués temas, revolucionérios, enquanto o segundo, associado ao fotiorafo Albert Renger-Patzsch, serve para “renovar, de dentro, ormundo como ele é-em outras palavras, ‘segundo 0s critérios da moda”. De fato, continua Benjamin em termos hoje relevantes, essa fotografia “conseguiu transtormar a propria rmisérie em objeto de fruiglo’- Gran Fury, poster do act-ur, 1988. ficos de escritores soviéticos como Sergei Tretiakov, Benjamin exortou 0 artista de esquerda “a se colocar ao lado do proletariado".* Na Paris de 1934, esse apelo nao era radical; o enfoque, entretanto, era, Pois Benjamin incitava o artista “avangado” a intervir, tal como 0 trabalhador revolucionario, nos meios de produgdo artistica - a mudar a “técnica” dos meios tradicionais, transformar 0 “aparato” da cultura burguesa. Uma “tendéncia” correta nao bastava; isso seria assumir uma posigao “ao lado do proletariado”. E “que lugar é esse?", perguntou Benjamin em linhas que ainda fulminam. “O lugar de um protetor, de um mecenas ideoldgico. Um lugarimpossivel.” Esse famoso argumento se baseia em algumas oposigses. Por tras do privilégio concedido & “técnica” em detrimento do “tema’, e a “tomada de posicao" em detrimento da “tendéncia", esté um privilégio concedido ao produtivismo em detrimento do proletkult, dois movimentos rivais nos primeiros tempos da Unido Soviética. O produtivismo se empenhava em desenvolver uma nova cultura proletaria por meio da extensao das experiéncias for- mais construtivistas 4 produgao real; dessa forma procurava derrubar a arte e a cultura burguesas por completo. Nao menos comprometido politicamente, 0 proletkult se empenhava em desenvolver uma cultura proletéria no sentido mais tradicional da pala- ra; procurava superar a arte e a cultura burguesas. Para Benjamin, isso nao era suficiente: mais uma vez implicitamente, ele acusou movimentos como o proletkult de um mecenato ideolégico que via o trabalhador como um outro passivo.* Por mais dificil 158-159 Que fosse., 2 solidariedade com os produtores que contava para Benjamin 2 2 solidariedade na pratica material, nao no tema artistico ouna Stude politica. Um correr de olhos por esse texto revela que duas oposigées que @inca afetam a recepcao da arte - quelidade estética versus relevancia politica, forma versus contetido - J8 eram “familiares e infrutiferas" em 934. Benjamin procurou Superar essas oposigdes na representagao por meio de um terceiro termo, Producao, mas nenhuma delas desapare- ceu. No comego dos anos 1980, alguns artistas e criticos retornaram a “O autor como produtor” para elaborar versées contemporéneas dessas antiteses (por exemplo, teoria versus ativismo). No entanto, essa leitura de Benjamin diferia de sua Fecepgao no final dos anos 1970; numa revisao de sua propria trajetoria, as rupturas alegéricas entre a imagem © otexto foram conduzidas na diregao das interveng6es politico-cultu- fais. Tal como Benjamin reagira a estetizagao da politica sob o fascismo, esses artistas e criticos reagiram a capitalizagao da cultura e & privati- zagao da sociedade sob Reagan, Thatcher, Kohl e companhia ~ ainda que essas transformag6es tenham dificultado a intervengao, Alids, quando essa intervengao nao se restringia ao aparato da arte, suas. estratégias eram mais situacionistas ue produtivistas - ou seja, mais Preocupadas com as reinscrigdes das representagoes dadas.* Isso nao quer dizer que as agGes simbdlicas nao foram eficazes; muitas delas foram, especialmente em meados da década de 1980, em torno da crise da Aids, do direito ao aborto e do apartheid (penso nos 3. Ver, por exemplo, Benjamin Buchloh, “Since Realism there ‘vess..(on the current conditions of factographica ari)’ in M. Tucker (org), Art &ldealogy. Nova York: New Museum of Contemporary Art, 1984, Buchioh discuteo trabalho de Allan Sekula Fred Lonidier em espectico. 4 *Oautor como produtor* nasceu da excepcional conjuntura de inovagao artistica, revolugéo socialista e transforma- 0tecnolégiea do alto modernismo, e ainda assim Benjamin esteva atrasado; Statin condenara a cultura de venguarda (0 produtivismo, acims Se tudo) por volta de 1932, um ‘Srontecimento que deve modular 8 Oartista como etndgrato qualquer leiturs desse texto, Atualmente, 9 triangulagéo do alto modernismo ja se foi hd muito tempo: ja nao existe revolugao socialista no sentido tradicional, e a transformacdo tecnologica ndo fez nada além de ofestar ainda mais os artistas eos criticos de mode dominante de Produgdo. Em suma, porsisé, as estratégias produtivistas s80 pouco adequadas. Vestigios do produtivismo Permanecem na arte ena teoria do pée-guerra, primeiro ne aparéncia proletéria adotada pelos escultores, de David Smith ® Richard Serra; em seguida, na retérica da produgio da arte pés-estUdio e da teoria textual (Por exemplo, a revista Te! Quel ‘na Franca), No inicio da década ‘de +970, porém, surgiram eritic do produtiviemo; Joan Baudrillard sustentava que os ‘meios de representacao tinham ‘se tornado téo importantes Quanto os meios de produgao (ver capitulo 4, nota §0). Isso acarretou uma virada situacio- nista na intervenco cultural (dos meios de comunicacdo, local, enfoque etc.) agora seguida, vou sugerir aqui, por uma virada etnogréfica. (Dei © legedo produtivista em * Uses and Abuses of Russian Constructivism’, in R. Andrews [org]. Artinto Life, Nova Yorke: projetos de grupos de artistas acT-up,* nos cartazes de Barbara Kruger e nas projegdes de Krzysztof Wodiczko). Mas nao é disso que vou tratar aqui. O que pretendo é propor que na arte de ponta de esquerda surgiu um novo paradigma estruturalmente semelhante 20 antigo modelo do “autor como produtor”: o artista como etndgrafo. A politica cultural da alteridade Nesse novo paradigma, 0 objeto da contestaco ainda é em grande medida a instituigéo de arte capitalista-burguesa (o museu, a acade- mia, o mercado ea midia), suas definigdes excludentes de arte e artista, identidade e comunidade. Mas 0 sujeito da associagao mudou: éo outro cultural e/ou étnico, em nome de quem 0 artista engajado mais frequentemente luta. Apesar de sutil, esse desvio de um sujeito definido em termos de relagao econémica para um sujeito definido em termos de identidade cultural é significativo, e a seguir comentarei mais detidamente. Aqui, porém, é preciso tragar os paralelos entre esses dois paradigmas, pois alguns pressupostos do antigo modelo do produtor persistem, por vezes problematicamente, no novo para- digma do etnégrafo. Primeiramente, o pressuposto de que o lugar da transformagao politica é também o lugar da transformagao artistica, e que as vanguardas politicas localizam as vanguardas artisticas e, sob certas circunstancias, as substituem. (Esse mito é basico nos relatos Diperup; Acs Ooeiinn to. da esquerda sobre a arte moderna: idealiza Jac- Unleash Power (Coalisfo.da Aids ques-Louis David na Revolugdo Francesa, Gustave pore ihertarc poder). grupo Courbet na Comuna de Paris, Vladimir Tatlin na formado em Nova York em margo - 7 de 1987, autodefinido como ‘um Revolugao Russa ete.)* Em seguida, o pressuposto Grupo diversificado endo. de que esse lugar esté sempre em outra parte, no Partidério de individuos unidos campo do outro - no modelo do produtor, com o pélaindignagao e comprometidos coma agdo direta para porfim a crise da Aids”. Mantém reunies digma do etndégrafo, com o outro cultural, 0 com representantes dogovernoe — hds-colonial, o subalterno ou o subcultural oprimi- da sade; pesquisam e . tletribwern wa iformiageen dos - e que essa outra parte, esse fora, é 0 ponto médices mais recentes [n.r]. de Arquimedes a partir do qual a cultura dominante 5 Chamaraissoummitonaoé seré transformada ou ao menos subvertida. Em dizer que nunca é verdade, mas questioner se sompre ¢ verdade outro social, o proletariado explorado; no para- terceiro lugar, o pressuposto de que, seo artista @ perguntar se isso poderia que foi invocado nao é visto como social e/ou obscurecer outras articulagdes culturalmente outro, seu acesso a essa alteridade Ree Crone cutee: transformadora é limitado, e que, se ele é visto corto sentido, suibstituigso da arte pela police agora desioca 8 como outro, tem acesso automatico a ela. Tomados substituigao da politica pelateoria. + @M Conjunto, esses trés pressupostos podem levar 160-161 a. um ponto de conexao menos desejado como relato benjaminiano do autor como produtor: 0 risco, para 0 artista como etndgrafo, de “mece- nato ideolégico”.$ Esse risco pode derivar da suposta ciséo na identidade entre 0 autor e o trabalhador ou 0 artista e o outro, mas pode também ter origem na prépria identificagao (ou, para usar a velha linguagem, comprometimento) empreendida para superar essa cisao. Por exemplo, o autor proletkuit poderia ser um simples companheiro de viagem do trabalhador, nao devido a alguma diferenga essencial na identidade, mas porque a identificagao com o trabalhador aliena 0 trabalhador, antes confirma do que fecha a lacuna entre ambos por meio de uma representacao redutora, idealista ou, ao contrario, espuria. (Essa alterizacao [othering] na identificacao, na representacao, 6 0 que preocupa Benjamim em relagao ao proletkult.) Uma alterizagao andloga pode ocorrer com o artista como etnégrafo vis is o outro cultural. Sem diivida, 0 risco de mecenato ideoldgico nao é menor para o artista identificado como outro do que para 0 autor identificado como proleta- tio. E até possivel que esse risco aumente, pois 0 artista pode ser solicitado a assumir os papéis de nativo e informante bem como de etndgrafo. Em suma, identidade ndo é o mesmo que identificagao, e as simplicidades aparentes da primeira nao deveriam substitur as com- plexidades reais da segunda. Um manxista rigoroso poderia questionar o paradigma do etndgrafo/informante na arte, porque esse paradigma substitui a problematica de classe e exploragao capitalista - pela problematica de raga ¢ opressao colonialista ee ou, simplificando, porque substitui 0 social pelo falar por outros”. Numa cultural ou antropoldgico. Um pés-estruturalista imagindria’, em 7983, com ease rigoroso poderia questionar o paradigma pela Oe eee fazao oposta: porque nao desloca a problematica tica produtivista a fim de“ do produtor o suficiente, porque tende a preservar —@ Proprie atividade dan sua estrutura do politico - para conservar a noca0 de um sujeito da historia, definir essa posigdo (Chetti College, gL Aceea gio" (em William Olander (org. ‘Art and Social Change. Obert em termos de verdade e localizar essa verdade em —_dessalinguagem pés-estruture- termos de alteridade (mais uma vez, é essa politica do outro, inicialmente projetada, depois apropriada, — comoum deslocamento literal que me interessa aqui). Esse tabu dissemninou-se na Desse ponto de vista pés-estruturalista, 0 aS CURLER OTE lista, “a indignidade de falar por outros" propde a representagsa ‘n0s anos 7980, resultando num paradigma do etndgrafo, tal como o modelo do eilincio ertico tanto quento nll produtor, nao logra refletir sobre seu pressuposto discurso alternativo, 6 Oartists comoetnégrafo realista: que 0 outro, aqui pés-colonial, la proletério, esta de alguma forma na realidade, na verdade, nao na ideologia, porque ele é social- mente oprimido, politicamente transformador e/ou materialmente produtivo. (Por exemplo, em 1957, Roland Barthes, que logo veioa sero critico mais proeminente do pressuposto realista, escreveu: “Existe portanto uma linguagem que nao é mitica, é a linguagem do homem produtor: sempre que o homem fala para transformar o real, e nao mais para conserva-lo em imagem, sempre que ele associa a sua linguagem a produgéo das coisas, a metalinguagem é reenviada a uma linguagemn-objeto e o mito torna-se impossivel. Eis a razéo por que a linguagem propriamente revolucionaria nao pode ser uma linguagem mitica’.)’ Com frequéncia, esse pressuposto realista 6 combinado com uma fantasia primitivista: que o outro, que geralmente se supde ser de cor, tem acesso especial a um psiquismo primério e a processos sociais dos quais o sujeito branco é de alguma forma ‘excluido - uma fantasia tao fundamental para os modernismos primitivistas quanto 0 pressuposto realista para os modernismos produtivistas.* Em alguns contextos, os dois mitos so eficazes e mesmo necessérios: o pressu- posto realista, para afirmar a verdade de uma posigao politica ou a reali- dade de uma opressao soci: |; e a fantasia primitivista, para desafiar as convengées repressoras da sexualidade e da estética. Porém, a codificagao automndtica da diferena aparente como identidade 7 Roland Barthes, Mitologias [1957], trad. Rita Buongermino, Pedro de Souza e Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Dif, 2009, p. 238 Ndo 26 a linguagem revoluciondria também é mitica {aqui ela ¢ também masculinista), como essa nog&o mesme de linguagem, que se situa entre o produtivista ¢ o performativo, é quase magica: alinguagem, equi, confere realidade, a conjura. 8 A fantasia primitivistatambém pode operar nos modernismos produtivictas, pelo menos na medida em que o proletariado é amitide considerado primitivo também nesse sentido, negativamente (a massa como ‘uma horda primal) positiva- mente (0 proletariedo como um coletivo tribal), manifesta e da condigao de outro [otherness] como exterioridade [outsideness] tem de ser posta em questao. Pois esse cédigo poderia nao sé reduzira identidade a sua esséncia, como também restringir a identificagao, tao importante para a filiagao cultural e a alianga politica (a identificagaio nem sempre é mecenato ideoldgico). Existem dois precedentes importantes do paradigma do etnégrafo na arte contemporanea em que a fantasia primitivista 6 mais ativa: 0 surrealismo dissidente, associado a Georges Bataille e Michel Leiris no final dos anos 1gz0 e comeco dos 1930, e 0 movimento négritude, associado a Léopold Senghor e Aimé Césaire no final dos anos 1940 e comego dos 1950. Ambos os movimentos conectaram, de diferentes maneiras, 0 potencial transgressor do inconsciente com a alteridade radical do outro cultural. Assim, Bataille 162-163 fecionave os impulsos autodestrutivos do inconsciente ao dispéndio Seer@icial em outras culturas, ao passo que Senghor opunha uma ‘=mocionalidade fundamental para as culturas africanas a uma raciona- Sided fundamental para as tradigdes europeias.° Por mais perturba- Gores que fossem no contexto, essas associagdes primitivistas =c2beram limitando os dois movimentos. E possivel que o surrealismo Gssidente tenha explorado a alteridade cultural [cultural otherness], mes soem parte, para se entregar a um ritual de autoalterizagéo [sel othering] (o exemplo classico é A Africa fantasma, a “autoetno- grafia’ realizada por Leiris na missao museolégico-etnografica francesa de Dacar a Djibuti em 1931).*° Do mesmo modo, 0 movimento négritude pode ter reavaliado a alteridade cultural, mas s6 em parte, Pare ser restringido por essa segunda natureza, por seus esteredtipos essencialistas de negritude, emocionalidade, efricano versus europeu ete. (esses problemas foram articulados pela primeira vez por Frantz Fanon e mais tarde desenvolvidos por Wole Soyinka e outros).** Se nereaiecerrenagiindisemiin -e euustnegie pt inconsciente com o outro raramente se dé desse modo. As fantasia é assumida enquanto tal, criticamente, como em (1990), de Renée Green, em que o espectador é posto diante: fantasmas europeus de sexualidade feminina africana (americana) exacerbada, a Venus hotentote de meados do século xix (representada Por uma autépsia) © a dangarina de jazz do comego do século xx, Josephine Baker (fotografada numa famosa pose nua), ou em Vanilla Nightmares (1986), de Adrian Piper, em que os fantasmas raciais invocados nos antincios de moda do New York Times tornam-se varios espectros negros para deleiter ¢ aterrorizar os consumidores brancos. Mas, em outras ocasiées, a fantasia primitivista 6 absorvida pelo pressuposto realista, de modo que, agora, considera-se que o outro esta dans le vrai [no verdadeiro]. Essa verso primitiviste do pressu- posto realista, esse lugar da verdade politica em um outro ou um fora projetados, tem efeitos proble- maticos que vao além da codificacao automatica da identidade vis-a-vis a alteridade aqui apontada. Primeiramente, esse fora nao é 0 outro em nenhum sentido simples. Além disso, esse lugar da politica como 0 fora e 0 outro, como oposicao transcen- © Oartsts comoetndgrato 9 Por exemplo, ver Georges Bataille, “The Notion of Expenditure” [ig33], in A. Stoek! (org. © trad), Visions of Excess. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985; e Léopold Senghor, Anthologie de la nouvelle poésie neareet melgache despression francaise. Paris: pur, 1948. 10 James Cifford descreve o texto de Leiris como “autoetno- grafic" om The Predicament of Culture. Cambridge: Cambridge University Press, 1976. 11. Ver Frantz Fanon, Pelenegra, ‘méscaras brancas [1962], trad. Renato da Siveira. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2008; ¢ Wale Soyinka, Myth, Literature, and the African World. Cambridge: Cambridge University Press, 1976. dental, pode desviar o foco de uma politica do aqui e agora, da contestagao imanente. Existe, antes de tudo, o problema da projegéio desse outro-fora. Em Time and the Other: How Anthropology Makes its Object [O tempoe 0 outro: Como a antropologia faz seus objetos] (1983), Johannes Fabian sustenta que a antropologia se fundou num mapeamento mitico do tempo no espago com base em dois pressupostos: “1, O tempo é imanente, e portanto coextensivo ao mundo (ou 4 natureza, ou ao universo, dependendo do argumento); 2. As relagées entre os compo- nentes do mundo (no sentido mais amplo de entidades naturais e socioculturais) tornaram-se passiveis de serem compreendidas através de relagdes temporais. A dispersdo no espago reflete diretamente, o que n&o quer dizer simplesmente ou de modo dbvio, a sequéncia no Tempo".? Com 0 espaco € o tempo assim projetados um no outro, “ali” tomou-se “outrora’, e o mais remoto (medido a partir de uma espécie de meridiano de Greenwich da civilizac¢do europeia) tornou-se o mais primitivo. Esse mapeamento do primitivo era manifestamente racista: no imaginario branco ocidental sua localizagao era sempre escura, Porém, ele persiste tenazmente, porque é fundamental para as narrativas da / Johannes Fabian, Time and 2 Other: How Anthropology akes its Object. Nova York: lumbia University Press, 1983, . 1112. Para uma discussdo de apearnentes anélogos na storia da arte, ver meu “The iting on the Wall, in M. Govan @). Lothar Baumgarten, nerica: Invention. Nova York: jagenheim Museum, 1993- Sigmund Freud, “Toteme "in Totem e tabu, contribui- 2 histéria do movimento jcanaltico e outros textos 12-1914) - Obras completas, v. 1, d. Paulo César de Souza, S80 ulo: Companhia das Letras, 0, p. 18. Essaestranha yociago do selvagem com 0 urético — als, do primitive com nsano € # crianga - era tio \damental parao alto .dernismo a ponto de parecer ural. Sua desarticulagao elaria intimeros mitos. historia~-como-desenvolvimento e da civilizagao- -como-hierarquia. Essas narrativas do século xix sao residuais em discursos como a psicandlise e discipli- nas como a histdria da arte, que muitas vezes ainda supoem uma conexao entre o desenvolvimento (ontogenético) do individuo eo desenvolvimento (filogenético) das espécies (como na civilizagao humana, no mundo da arte etc.). Nessa associacao, © primitivo 6 inicialmente projetado pelo sujeito branco ocidental como um estagio primal da histéria cultural e depois reabsorvido como um estégio primal da histdria individual. (Assim, em “Totem e tabu" [1913], om seu subtitulo “Algumas concordan- cias entre a vida psiquica dos homens primitivos e dos neuréticos”, Freud apresenta o primitive como “um estagio anterior e bem conservado de nossa propria evolugao”.)"* Mais uma vez, essa associacao. entre o primitivo e o pré-histérico e/ou pré-edipiano, coutro e o inconsciente, é a fantasia primitivista. Ainda que reavaliada por Freud, segundo o qual nés neurdticos também podemos ser selvagens, ou por 164-165, Bataille e Leiris ou Senghore Césaire, segundo os quais essa alteridade €2nossa melhor parte, essa fantasia nao é desconstruida. F na medida mn que a fantasia primitivista nao é desarticulada, na medida em queo outro permanece confundido com o inconsciente, as exploragées da skeridede até os dias de hoje iréo “alterizar” ou [‘other” the self] & maneira antiga em que o outro permanece o contraponto do eu (por mais perturbado que esse eu pPossa estar no processo), mais do que fazer do outro um eu [“selve" the other] 0 outro de novas maneiras em que a diferenca seja permitida, até mesmo. apreciada (talvez por meio do reconhecimento de uma alteridade no eu). Também nesse sentido, a fentasia primitivista pode sobreviver na arte quasi-antropoldgica. Em seguida, existe o problema da politica desse outro-fora, Atual- mente, em nossa economia global, 0 Pressuposto de um “fora” puro é uase impossivel. Isso no significa totalizar nosso sistema mundial Prematuramente, mas especificar a resisténcia e a inovagao antes como relagSes imanentes do que como acontecimentos transcendentais, H4 muito tempo Fanon viu uma confirmago inadvertida da cultura europeia na logica oposicional do movimento Nnégritude, mas sé recentemente é ‘que os artistas e criticos pés-coloniais levaram apratica ea teoria das estruturas bindrias da alteridade aos modelos relacionais da diferenga, Ses espacos-tempos discretos as zonas fronteirigas mistas.\4 Esse movimento foi dificil Porque contraria a velha politica da alteridade. Bésica para grande parte do modernismo, essa apropriacao ‘60 outro persiste em grande Parte do pés-modernismo. Em The Myth of the Other [O mito do outro] (1978), 0 fildsofo italiano Franco Rella Sustenta que tedricos tao diversos como Lacan, Foucault, Deleuze e Guattari idealizam 0 outro como a Nnegacao do mesmo - com efeitos Geletérios na politica cultural. Essa obra muitas vezes aceita as defini- ees dominantes do negativo e/ou do desviante mesmo quando se prope a reavalid-las.® Do mesmo modo, muitas vezes permite que as nversées retéricas das definigdes dominantes representem a politica =m simesma. De maneira mais geral, essa idealizagao da condigao de putro tende a seguir uma linha temporal na qual um grupo é privilegiado 2OMO O Novo sujeito da histéria, Para em seguida ser desalojado por & Noentanto, aqui surgiu um uma distingo oumesmo uma Eorscc umaestetizacso,ou —_pureza prévia. ice ume fetichizagao, dos 15 Ver Franco Rella, The Myth of qualquer poitica da Sehibrdoedesespagos the Other, ved. ingl. Nelson Moe. Ver Stuart Hall, “New! ‘Ambos no 6 Washington: Maisonneuve Press, in K. Mercer (org), Bleck omistomas,oqueé 1994, especialmente pp. 27-28. Bleck Ginerna. Londres: ercblemdtico, pressupsem —_Pode-se replicar que essa Contemporary Art, 1988 Siete como emnograto outro, uma cronologia que pode derrubar nao so diferentes diferengas (sociais, étnicas, sexuais etc.), mas também diferentes posigdes dentro de cada diferenga.’* Dai resulta uma politica que pode consumir seus sujeitos histéricos antes de eles se tornarem historicamente efetivos. Esse hegelianismo do outro nao é somente ativo no modernismo no pds-modernismo, como pode ser estrutural para 0 sujeito mo- derno. Numa famosa passagem de As palavras e as coisas (1966), Michel Foucault afirma que esse sujeito, esse homem moderno que desponta no século xix, difere do sujeito classico das filosofias carte- siana e kantiana porque procura sua verdade no impensado - 0 inconsciente e 0 outro (essa é a base filosdfica do cruzamento primit vista de ambos). “Uma sobrelevagao transcendental revertida num desvelamento do nao consciente”, escreve Foucault, “é constitutiva de todas as ciéncias do homem", e é por isso que desvelamentos como a psicanédlise e a antropologia sao os discursos modernos mais privile- giados.’” A essa luz, a “alterizagao" do eu, passada e presente, é néo mais que um desafio parcial ao sujeito moderno, pois essa “alterizagao” também reforga 0 eu por meio da oposigao romantica, conserva 0 eu por meio da apropriagao dialética, estende 0 eu por meio da exploragao Surrealista, prolonga o eu por meio da perturbagao pés-estruturalista etc. Assim como a elaboragao da psicanilise e da antropologia foi 16 Porexemplo, o movimento négrituds associeve 05 colonizados ¢ o proletariado como objetos de opressao e reificagao (ver Césaire, Discourse of Colonialism. Paris, 966). uma fillagao politica que preparou uma apropriagéo politica. Em “Black Orpheus’, seu prefaicio & antolog} de Senghor (citada na nota g), Sertre escreveus “De pronto, a ogo subjetiva, existencial, étnica de negritude ‘passa, como diz Hegel, aquela ~ objetiva, positiva, exata - de proletariado [-.] De fato, a negritude aparece como 0 tempo fracode ume progressio dialética” (p. xl) fed. bras.: Reflexdes sobre o racismo. 1 Reflexdes sobre a questéo judaice. 2 Orfou nagro, trad. J. Guinaburg, So Paulo: Difel, 1965, p. 118]. Ao que Fanon respondeu:“Senti que me roubavem a minha tittima ‘chance [...]. Nao fui eu quem criou um sentido para mim, este sentido jé estava ld, preexistente, esperando-me [..]8 esperadesia ‘oportunidade histérica” (Pele negra, méscaras brancas, op. ci. p.t21) 17 Michel Foucault, As palavrase 28 coisas [1966], trad, Salma Tannus Muchail So Paulo: Martins Fontes, 2007, p.504.Retomo esse desvelamento no capitulo 7 18 Paradoxalmente, essa preservacao do eu também pode ser efetuada por meio de um masoquismo moral na politica da sheridade, que Nietzsche atacou ‘em A genealogia da moral (1887) ‘como ressentimento atuando na Gialética senhor-escravo, Conforme me sugeriu Anson Rabinbach, Sartre exibe esse masoquismo em seu famoso preficios Os condenedos da terra, no qual, como que numa tesposta 8 acusagao de apropriagao dialética (ver nota ¥6), afirma que a descolonizacao & “o ultimo momento da dialética” {F. Fanon, Os condenados da terra [961], trad. Enilce Albergaria Rocha e Lucy Magathaes. Juiz de Fora: urar, 2010, p. 48). Sartre, entdo, desmonta 0 argumento de Fanon, segundo o qual a colonizagio também desumani- 20u ocolonizador, com uma ‘exortagdo masoquista para redobrar a vinganga redentora do colonizado. Seria esse maso- quisrno moral uma verso disfargede do *mecenato ideoldgico"? Seria um ressent- mento em segundo grau, ums posigio de poder com o pretexto de sua rendi¢0? Seria outro modo de manter a centralidade do sujeito por meio do outro? 166-167 -_ fundamental para os discursos modernos (af incluida a arte moder- nista), a critica dessas ciéncias humanas é fundamental paraos discursos pés-modernos (a(incluida a arte pds-modernista); como afirmei no capitulo 1, ambas se encontram numa relagao a posteriori. No entanto, essa critica, que é uma critica do Sujeito, ainda esta Centrada no sujeito, e ainda centra o sujeito.!® Em Opensamento selvagem (1962), Claude Lévi-Strauss prevé que o homem seré dissolvido na remodelagem linguistico-estrutural das ciéncias humanas.® No final de As palavras e as coisas, Foucault reitera essa famosa previsdo com sua ousada imagem do homem que “se desvaneceria, como, na orla do mar, um rosto de areia”, Intencionalmente ou nao, poderia a virada antropolégico-psicanalitica na pratica ena teoria contemporaneas contribuir Para restaurar essa figura? Nao teriamos recaido no que Foucault chama de nosso “sono antropolégico"?2* A alterizagao do eu 6 sem duvida fundamental Para as praticas criticas na antropologia, na arte e na politica; em conjunturas como a surrealista, pelo menos, 0 uso da antropologia como autoandlise (Como em Leiris) ou critica social (como em Bataille) 6 culturalmente transgressor e mesmo politica- mente significative. Mas também € evidente que existem riscos. Pois naquele momento, assim como agora, a autoalterizagao pode cair na autoal bsorgao, na qual o projeto de uma “automodelagem etnogra- fica” se converte na pratica de uma autorrestaura- 940 narcisista.*? E certo que a reflexividade pode Perturbar os pressupostos automaticos a respeito das posicdes do sujeito, mas também pode promo- ver um mascaramento dessa perturbagao: ressurge na teoria uma moda do confessional traumatico, que s vezes é critico da sensibilidade, ou uma moda de informes pseudoetnogréficos na arte, que @s vezes parecem didrins de viagem oriundos do mercado de arte mundial. Quem na academia ou no. mundo da arte jd no testemunhou esses depoi- mentos do novo intelectual empatico ou essas Aaneries do novo artista nomade?® 5 Oartista como etndgrato 19 Aesse res; psicandlise, ver Borch-Jabobsen, The Freudian Subject, trad.ingl. Catherine Porter: Palo Alto: Stanford University Press, 1988. Sou igualmente grato aqui a Mark Seltzer, “Serial Killers, | and wt Differences 1993) € Critical Inquiry (outono 199g). 20 Claude Lévi-Strauss, Oem ‘samento selvagem (1062), trad Tania Pellegrini. Campinas: 2008, p.282. Essa é sua: contra a dialética sartriana, 21 VerM, Foucault, op. cit, PP. 470-73, “A ‘antropologi em nossos dias, 0 grande interior do saber” (p. 481). Mas. esse caso, a restauragio| ‘oque sa erte quasi-antr pretende; certamente é fem alguns estudos culturais. polavrase as coisas conclu imagem do homem levada; gues do mar; Crusoe's (Nova York: Routledge, 1990} Patrick Brantinger, um mento des estudos culturais, conclu com suas pegadas na areia, Essa muttipicidade de homens no deve perturbars categoriade homer, 22. Clifford desenvolve a de “automodelagem ‘em The Predicament of Culture, em grande medida com base em Stephen em Renaissance Self (Chicago: University of Press, 1980). Isso indica ums associngao entre a nova antropol ccismo, sobre os quais me dobrugare’ mais adiante. ia eonovo his 23 Em World Tour [Volta a0 undo}, uma série de instalagdes ‘=naiferertes locais, Renée Green ‘p52 0m pritica esse nomadismo ‘db artista de orma reflexiva. De s=niado, ea trabalha com ectigios da diéspora afticana; de ‘eto, faz um tour artistioo (sua camiseta “World Tour" lembrao- modelo do show de rock). 24 Em The Predicament of ‘Culture, Cifford estende essa ogo & etnografia em geval: “Mas todo etnégrafo ndoé um poues ‘surrealista, um reinventore um ‘recombinador’ de realidades” 147). Alguns autores se perguntaram o quanto a arte ea antropologie eram reciproces no melo surrealista. Ver Jean Jamin, “LEthnographie mode c'inemplo.. De quelques reports de Téthnologie avec le malaise dans la ivisation’, in J. Hainard e R Kaehr (orgs), Le Mal et la doulour. Neuchétel Musée d'éthnographie, 1986; € Denis Hollier, “The Use-Value of the Impossible’ ‘October, n. 60, primavera 1932 25. Néoexclusivada nova antropologia, essa inveja do artista evident na andlise retérica do discurso histérico que teve inicio nadécads de 1960. "No houve nenhum esforgo significative’, escreve Hayden White em *O fardo a historia” (1966), "na historiogre~ ffa surrealista, expressionista ou existencialista deste século (a nao ser da parte dos prdprios romancistas © poetas),em que pese ao tio slardead ‘talento artistico’ dos historiadores dos tempos modernos’ ('O fardo da histéxia’, in Tipicos do akscurso fha76], trad, Alipio Correia de Franca Neto. So Paulo: Edusp, 2001, p. 58) Clifford Geertz poe a antropologia “textual” nomapa em Ainterpretagéo das culturas, trad. Faney Wrobel. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. Aarte e a teoria na era dos estudos antropolégicos Oque aconteceu aqui? Que mal-entendidosse passaram entre a antropologia e a arte ¢ outros discursos? Pode-se apontar para um teatro virtual de projegées e reflexdes durante pelo menos es duas Ultimas décadas. Em primeiro lugar, alguns eriticos da antropologia desenvolveram uma espécie de inveja do artista (o entusiasmo de James Clifford pelas colagens interculturais do “surrea- lismo etnografico” é um forte exemplo).** Nessa inveja, 0 artista tornou-se um exemplo da reflexivi- dade formal, um leitor consciente da cultura compreendide como texto. Mas seria@ artista o exemplo aqui, ou sue figura ndo seria a projecao de um ego ideal do antropdlogo: o antropdlogocomo colagista, semidlogo, vanguardista?* Em outras palavras, essa inveja do artista poderia ser uma autoidealizagaio, em que 0 antropélogo é recons- truido como intérprete artistico do texto cultural? Essa projecao raramente se detém ali na nova antropologia ou, nesse caso, nos estudos culturais: ‘uno novo historicismo. Ela se estende com frequéncia ao objeto desses estudos - 0 outro | cultural -, que é também reconfigurado pare refletir uma imagem ideal do antropdlogo, critico ou | historiador. Essa projecao nao chega a ser nova para a antropologia: alguns cléssicos da disciplina apresentaram culturas inteiras como coletivos de artistas ou as leram como padrées estéticos de praticas simbdlicas (Padrées de cultura [1934], de Ruth Benedict, 6 s6 um exemplo). Mas ao menos a antiga antropologia projetou-se abertamente; a nova antropologia persiste nessas projegdes, porém as considera criticas e mesmo desconstrutivas. Obviamente a nova antropologia entende a cultura de modo diferente, como texto, o que significa que sua projegao em outras culturas é tanto textualista como esteticista. SupGe-se que esse modelo textual desafia a “autoridade etnogréfica” por 168-169 a > meio de “paradigmas discursivos de didlogo e polifonia”.?® Nao obstante, algum tempo atrés, em “Esbogo de uma teoria da pratica” (1972), Pierre Bourdieu questionou a versao estruturalista desse modelo textual porque reduzia “as relagdes sociais a relagdes de comunicagao e, mais precisa- mente, a operacdes de decodificacao” e assim Outorgava mais autori- dade ao leitor etnografico e nao menos.” Alids, essa “ideologia do texto", essa recodificagao da pratica como discurso, persiste na nova antropolo- giaena arte quasi-antropolégica, como ocorre nos estudos culturais ¢ no novo historicismo, a despeito das ambicGes contextualistas que também impulsionam esses métodos8 Recentemente, a antiga inveja do artista entre os antropdlogos inverteu sua Orientagao: uma nova inveja do etndgrafo consome muitos artistas e criticos. Se os antropdlogos queriam explorar o modelo textual na interpretagao cultural, esses artistas e criticos aspiram a um trabalho de campo em que a teoria e a pratica paregam conciliadas. Em geral, recorrem indiretamente aos Principios basicos da ‘tradigao do observador- -Participante, entre os quais Clifford nota um foco criti especifica e num tempo narrativo 28 J. Clifford: “A antropologia ieterpretativa, 20 ver as cultures corm conjuntos de textos] ontribuiu significativamente para ‘Sestranhamento de autoridade =mogrifica” (The Predicament of Culture, op.cit.,p. 41). 27 Pierre Bourdieu, "Esbogo de ums teoria da pritica” [1972], in Renato Ortic (org.) A socologia de Pierre Bourdioy, trad. Paula Montero e Alicia Auzmendi. So Pato: Atica, 994. Reconheco que ‘25 "paradigmes discursivos" da oe antropologia slo diferentes ~ pés-estrutralistas.e ndo © arasa como etrégrato autoridade etnogrifice, Em “Banality in Cultural Studies’, Meaghon Mortis comenta:“Uma ez que 'as pessoas! ao tanto fomte de autoridade para um texto como figuras de sua prépria atividede critics, o empreendi- ‘Mento populista nao é circular ‘mas (como grande parte da Sociologia empirica) narcsista na.estrutura’ (in P. Mellencamp (01g,), The Logie of Television Bloomington: Indiana Uriversity Press, 1990, p. 23). 28. Ver Fredric Jameson, Ideologies of Theory. Minneepolis: University of Minnesota Press, 1983. Como observe Jameson, 0 primeiro movimento textualsta foi Necessério para desligar a CO numa institui¢ao que favorece “o presente etnografico" 2? Entretanto, esses empréstimos nao Passam de sinais da virada etnogra- ficana arte e na critica ‘contemporaneas. O que a impulsiona? Ha muitas formas de envolver o outro na arte do século xx, a ‘Mmaioria primitivista, ligada a Politica da alteridade: no surrealismo, em Que 0 outro é figurado expressamente Nos termos do inconscient arte bruta de Jean Dubuffet, em que o outro fepresenta um recurso na antropologia de suas tradigaes Positivistas, Em “New Historick ‘A Comment”, Hayden White ‘sponta para uma “faldcia ‘eferencial” (relacionada a meu “pressuposte realista’) ¢ uma “falécia textual (relacionada a ‘minha “projegio textualista’: Sacusagao dequeo novo historicismo é reducionists num duplo sentida: reduz 0 social & ondieo de fungao do cu depois reduzo cultural & de texto” (in H. Aram Veeser The New Historicismn. Nova etnogréfica, op. cit, pp. 28-30. “O presente etnografico” est de moda na antropologia. anticivilizacional redentor; no expressionismo abstrato, em que 0 outro representa o exemplar originario de todos os artistas; e, de maneiras variadas, na arte dos anos 1960 e 1970 (a alusao & arte pré-historica em alguns earthworks, o mundo artistico como sitio antropoldgico em parte da arte conceitual e da critica institucional, a invengao de sitios arqueolé- gicos e civilizagdes antropoldgicas de Anne e Patrick Poirier, Charles Simonds e muitos outros).*° Logo, 0 que distingue a virada atual, além de sua relativa autoconsciéncia a respeito do método etnografico? Em primeiro lugar, como vimos, a antropologia é considerada a ciéncia da alteridade; nesse sentido, juntamente com a psicandlise, ela é a lingua franca da pratica artistica e do discurso critico. Em segundo lugar, é a disciplina que toma a cultura como seu objeto, e esse campo ampliado de referéncia é o dominio da pratica e da teoria p6s-modernistas (portanto, também a atragao pelos estudos culturais e, em menor extensdo, pelo novo historicismo). Em terceiro lugar, 30 Sobre esse aspectods arte Fa ee eradaconteal i concatudl ver dosephKosutn, 2 etnOGrafia € considerada contextual, uma caracte- “The Artist as Anthropologist” The _ristica cuja demanda amitide automatica os artistas e For, n. 1, 1975. criticos contemporaneos compartilham com outros pe emo raticantes hoje, muitos dos quais aspiram ai feria pritica fer@) rad. Glrgio PONE SMBS NOI: ay Pi = Tadeu de Niemeyer Lamarao, rev. trabalho de campo no dia a dia, Em quarto lugar, téc. Luis FemendoDias Duerte. —_ supde-se que a antropologia arbitra o interdisciplinar, Rilo de Janeire: Zahor,eoes-Ess9 Gy tra valor frequentemente repetido na artee na crtica foi eserita no augedo a . critica contemporaneas. Em quinto lugar, a recente 16s-estruturalismo, e Sablins, na ‘époce préximo e Jeon Baudrillard, — autooritica da antropologia a torna atrativa, pois onieciore Slooioa sim eke promete uma reflexividade do etnégrafo no centro, (linguistica)em detriment da ‘ ratio prétice (mersste). Naohs ida Que nas margens preserve urn romantismo do. égica material separada do outro. Todas essas raz6es conferem status de interesse pratico’,escreve Sahlins, yanguarda as investigacées esplirias da antropologia, “eoimeresse préticodehomemne aid fics da eranell sais duwbokcaiaen: jo mesmo modo que as criticas da psicandlise instaurado”(p, 206), "Na cultura oriundas do mundo homossexual: ¢ af que se ocidental’, continua,"seconoma —_ percebe que a borda critica corta mais incisivamente. 60 Kécus principal da produgso : a Stace. Pura nt poaickdde Entiotanto; avirada etnogréfica é firmada por mercadorias é a0 mesmo tempoo Outro fator, que implica a dupla heranga da antropo- modo privlegiadoda produgso_logia, Em Cultura e razao pratica (1976), Marshall simbélcs ede sua transmissi0. Shins sustenta que a disciplina ha muito tempo se A singularidade de sociedade ee 5 . . burguese nis esti no tats deo viu dividida por duas epistemologias: uma enfatiza a . sistema econdmico escapar 3 ldgica simbdlica - 0 social compreendido principal- determinagao simpdlica,mesem mente em termos de sistemas de troca -, a outra que o simbolismo econdmico & a x i : - eoériti alerts debasitinarti” privilegia a razao pratica - o social compreendido {p.209), sobretudo em termos de cultura material.** Sob yo-171 essa luz, a antropologia jd participa dos dois modelos contraditérios que dominam a arte ea critics contemporaneas: por um lado, na antiga ideologia do texto, a virada linguistica nos anos 1960 que reconfigurou ‘2s0cial como ordem simbélica e/ou sistema cultural e propds “a dissolugao do homem", “a morte do autor” ete.; e, por outro lado, no anseio recente pelo referente, a virada para 0 contexto e a identidade que opée os velhos paradigmas do texto as criticas do sujeito. Com uma virada na diregdo desse discurso cindido da antropologia, os artistas e criticos podem resolver esses modelos contraditérios magicamente: podem adotar os disfarces do semi6logo cultural e do pesquisador de campo contextual, podem continuar e condenar a teoria critica, podem relativizar e rescentrar 0 sujeito, tudo ao mesmo tempo. Em nosso atual estado de ambivaléncias tedrico-artisticas e impasses politico-culturais, a antropologia é o discurso do compro- misso na escolha.®* Como eu ja disse, essa inveja do etndgrafo é compartilhada por muitos criticos, especialmente nos estudos culturais e no novo histori- cismo, que assumem 0 papel de etnégrafo geralmente de forma disfargade: o etnégrafo dos estudos culturais vestido como um aficio- nado (por raz6es de solidariedade politica, mas com grande ansiedade social); o novo etndgrafo histori- cista vestido como um arquivista experiente (por razdes de respeitabilidade erudita, mas com grande arregancia profissional). De inicio, alguns antropélo- gos adaptaram os métodos textuais da critica fiteraria para reformular a cultura como texto; em seguida, alguns criticos literarios adaptaram os métodos etnogréficos para reformular os textos como culturas em pequena escala. E esses inter- cambios explicam grande parte das obras interdis- ciplinares do passado recente. Mas esse teatro de projecées ¢ reflexes dé lugar a dois problemas, o primeiro, metodolégico, o segundo, ético. Se as viradas textual e etnogréfica dependiam de um discurso nico, até que ponto os resultados podem ‘Ser verdadeiramente interdisciplinares? Se os estudos culturais e o novo historicismo frequente- mente se imiscuem num modelo etnografico (quando nao sociolégico), seré que “a ideologia te0nica comum que habita silenciosamente a © artista como etnégrafo 22 © papel do etndgrafo também permitaqueo erties Tecupere uma psicao ambi Jente entre a cultura e outras subcuituras como posigdo erica, especial quando as alternativas limitadas a irrelevancia académica ou a afirmagio: subcultural, 33. Essosintercimbios ns séo triviais numa spoca em: as adestes S80 rrinuci calculedas— err que. administradores defendem| retomo a disciplinas ar Passo que outrostentarn: as.agdes de riscointerdi fes como programas Aliés, esses intercimbios parecem ser regidos porim: principio de discurso: aodo carro usado qui dieciplina desgasta um paradigma ("texto’ na Merdria, "outtura” na: troca-0 por outro, passa: 34 Louis Althusser, Philosophy and the Spontaneous ideology Of the Scientists & Other Essays. Londres: Verso, 1990, p. 97. A virada etnografica nos estudos culturais e no nove historicismo raramente é questionada. Em Re- naissence Self-Feshioning [1980], texto fundador do novo histori- cismo, Stephen Greenblatt é ex- plicit: “Tentei no lugar (da erica literéria] praticar uma oritica mais, cultural ou antropolégica - se por antropoldgica' entendermos aqui os estudos interpretetivos de cultura realizados por Geertz, James Boon, Mary Douglas, Jean Duvignaud, Paul Rabinow, Victor Turner, entre outros”. Essa eritica vé a literatura como uma parte do sistema de signos que cons~ tituem uma dada cultura” (p. 4). Entretanto, isso parece um circulo metodoligico: a critica textual aproxima-se da interpretagao antropoligica, mas sé porque seu novo objeto, a cultura, ¢ reformu- jade como texto. Para Stuart Hall, os estudos culturais briténicos no Birmin- gham Centre deserwolveram-ce da critics literéria ertica cultural 28 ideologica, resultando numa definigao ‘antrepolégica mais ampla” da cultura citado em Brantlinger, Crusoe’s Footprints, ap. cit, p. 64). Essa virada também oifundamental para os estudos pulturais norte-americanos. Para Janice Radway, a passagem de ima *definicZo literério-moral fe cultura para ume definigao sntropolégica” foi propiciada pelo mingham Centre, em conjunto 20m 0s programas de estudos jorte-americanos. Igualmente mportante foi seritica da esposta do leitor, que preparou ydequadamente as “etnogratias ja leitura” dos estudos culturais: Reading the Romance. Chapel fil: University of North Carolina ‘consci&ncia' de todos esses especialistas [...] estaria oscilando entre um espiritualismo vago e um positivismo tecnocrdtico"? O segundo problema, anteriormente esbogado, € mais sério. Quando o outro € admirado como |lidico na representagao, subversivo na questao do género etc., isso poderia ser uma projegao do antropdlogo, do artista, do critico ou do historiador? Nesse caso, uma pratica ideal poderia ser projetada sobre o campo do outro, que é entao solicitado a refleti-la como se ela fosse nao s6 autenticamente autéctone, mas também inovadoramente politica. Essa proje¢do em parte € minha, ea aplicagao dos novos cu antigos métodos etnograficos foi muito esclarecedora, Mas também obliterou muita coisa no campo do outro e em seu nome. O que 60 oposto de uma critica da autoridade etnografica, até mesmo 0 oposto do método etnografico, ao menos como os entendo. E esse “lugar impossivel", como hd muito tempo Benjamin designou, é uma ocupacao comum de muitos antropdlogos, artistas, criticos e historiadores. Alocalizagao da arte contemporanea Avirada etnografica na arte contemporanea & também motivada por desdobramentos no interior da genealagia minimalista da arte nos ultimos 35, anos. Esses desdobramentos constituem uma sequéncia de investigagées: primeiro, dos materiais constituintes do meio artistico, em seguida, das condigées espaciais de sua percepeao, e depois, das bases corporeas dessa percepodo — desvios marca- dos na arte minimalista no comeco dos anos 1960 até a arte conceitual, performance, body art e arte site-specific do comego dos anos 1970. Em pouco Press, 199%, PP. 3-4) Aqui, mais etnograficos, 6 evidente, mas seus uma vez, una base etnogrdficaé —_priprios pressupostos raramente reconhecida, mas no ques- so questionados, ao menos tionada. A nova antropologia ‘quando s8o adotados nos estdos questiona os pressupostos culturais eno novo historicismo. 72-173 tempo, a instituigao da arte ndo podia mais ser descrita apenas em termos espaciais (estudio, galeria, museu etc.); era também uma rede discursiva de diferentes praticas e instituigdes, de outras subjetividades e comunidades. Tampouco 0 observador da arte podia ser circunscrito apenas em termos fenomenolégicos; ele também era um sujeito social definido na linguagem e marcado pela diferenga (econdmica, étnica, sexual etc.). Sem diivida, o esgotamento das definigdes restritivas de arte © artista, identidade e comunidade também foi provocado pela pressao dos movimentos sociais (direitos civis, ferninismos diversos, politicas queer, multiculturalism), bem como dos desenvolvimentos tedricos (a convergéncia do feminismo, da psicandlise e da teoria do cinema; 0 resgate de Antonio Gramsci e 0 desdobramento dos estudos culturais na Gra-Bretanha; as aplicagGes de Louis Althusser, Lacane Foucault, especialmente na revista britanica Screen; o desdobramento do discurso Pés-colonial com Edward Said, Gayatri Spivak, Homi Bhabha, entre ‘outros; ¢ assim por diante). Portanto, a arte passou para o campo ampliado da cultura, que supostamente é o dominio da antropologia. Esses desdobramentos também constituém uma série de desvios na localizacao da arte: da superficie do meio ao espago do museu, dos enquadramentos institucionais as redes discursivas, até o pontoem que muitos artistas e criticos passaram a tratar as condigdes como desejo ou doenga, Aids ou caréncia de moradia como lugares para a arte. Essa figura da localizagao comportoua analogia do mapea- mento. Em um momento-chave, Robert Smithson e outros levaram €sSa Operacao cartografica a um extremo geoldgico que transformou drasticamente a localizagao da arte. Porém, essa localizagéo também Sinha limites: podia ser recuperada pela galeria ou pelo museu, ela =ncenava 0 mito do artista redentor (um lugar bastante trad icional) ete. Omapeamento na arte recente, por sua vez, tendeu 35. Assim, por exemplo, John para 0 sociolégico e 0 antropolégico, até o ponto Lindell, um membro do coletive de =m que um mapeamento etnogrdfico de uma artistas Gran Fury, aimou instituigao ou uma comunidade torna-se uma forma “Quanto a0 meu trabalho, o deseje homossexual é um lugar e o munde essencial da atual arte site-specific. ‘927. coMo um todo é um lugar. De Omapeamento socioldgico esta implicito em nov, estou tentando esvaziora Parte da arte conceitual, por vezes de forma ogo de um lugar fsico: um lugar ode ser um grupo de pessoas, Porddica, desde o registro laconico de Twenty-SIx ina comunidade" (Reendtsbioen Gasoline Stations [Vinte e seis postos de gasolina], _Site-Specifcity’. Documents, n. 4/5 de Ed Ruscha (1963), ao projeto quixotesco de Primawers 1904, P)- Douglas Huebler de fotografar todos os seres Den Groham, Lares paraa Humanos (Variable Piece: 70 [Pega varidvel: 70]).Um América, 1966 [detalhe}. S Qartste comoeindgrafo exemplo importante aqui é Homes for America [Lares para a América], de Dan Graham, um registro (publicado na revista Arts de 1986-67) das repetig¢ces modulares no desenvolvimento de um conjunto habitacional que reenquadra as estruturas minimalistas como objetos achados num subtirbio tecnocratico. O mapeamento sociolégico é mais explicito em grande parte da critica institucional, especialmente na obra de Hans Haacke, desde as enquetes e o levantamento dos perfis dos frequenta- dores de galerias e museus e as dentincias em torno dos magnatas do setor imobilidrio em Nova York (1989-73), passando pelo pedigree dos colecionadores de obras-primas (1974-75), até as investigacdes dos acordos entre museus, empresas e governos, Entretanto, embora essas obras questionem incisivamente a autoridade social, nao refle- tem sobre a autoridade socioldgica Each block of houses is asel-contained ‘The eight color variables were equally sequence —there tna development selected from diribumalamong thehowseetions The fest the pouthieacceptbl arrangements. Asan buyer were mor likey to have cbteoed tex ‘example, if a section was to contain eight houses of choice in color. Family units had to make which foar model ype wee tebe wed any Sheice baad onthe avalabesoloes whic dao tok af these permutational possibilities could be used: Account of both husband and wife's likes and AABECCDD_ABCDABCD lathes. Adult ale ad female colo ike and AABEDDCC —_ABDCABDC Slee were compared ina survey a the AACCBRDD —_ACBDACED omer: AACCDDBB —ACDRACDB 1 AADDeCHB —_ADBCADBC Fenaie Mate AADDBBC? —_ADCBADCB earn eeneee BBAACCDD —_-RADCBADC an sl ee BBAADDCC BACDBACD Nickie Patio White BBCCAADD —_BCADBCAD ColoialRed Yellow Chifoa BBCCDDAA ——_BCDABCDA Pr a ato BBDDAACC BDACRDAC Palo Whie Niele BBDDCCAA —_BDCARDCA - oe CCAABRDD —CARDCARD hobs CCAADDBS =—_CADBCADB CCARDDAA —_CBADCBAD. “pastnke? CCRRAADD —_CRDACHDA Femelle CCDDAABS—-GDABCDAB PatioWhie Lawn Groen CCDDORAA —_CDBACDBA Paws Colonial Red DDAABBCC —_BACADACB Colonial Red Patio White DDAACCBB —_DABCDABC Moonstone Grey Moorstenc Grey DDBBAACC —_DBACDBAC YelowChifon Fawn DDBBCCAA —_DBCADECA LawaGren Yellow Chon DOCCAABB —_DCABDCAB Siyway Blue Nickle DOCCBBAA —_DCBADCBA Nickle Skyway Blue 74-175 Isso vale menos para as obras que examinam a autoridade arrogada nos modos documentais de representagao, Em um video como Vital Statistics of a Citizen, Simply Obtained [Estatisticas vitais de um cidad4o, simplesmente obtidas] (1976), e em um fototexto como The Bowery in Two Inadequate Descriptive Systems [Bowery em dois sistemas descritivos inadequados] (1974-75), Martha Rosler desvirtua a aparente objetividade das estatisticas médicas relativas 20 corpo feminino e das descrigdes sociolégicas sobre 0 alcodlatra desajustado. Recentemente, ela também levou esse uso critico dos modos docu- mentais para questdes geopoliticas que por muito tempo guiaram o trabalho de Allan Sekula. Em um ciclo de trés sequéncias de fototextos, em particular, Sekula delineia as conexdes entre as fronteiras alemas e a politica da Guerra Fria (Sketch for a Geography Lesson [Esboco para uma aula de geografial, 1983), uma industria de mineragao e uma instituigdo financeira (Canadian Notes [Notas canadenses], 1986), e 0 espago maritimo e a economia global (Fish Story [Historia de peixes], 1995). Com essas “geografias imagindrias © materiais do mundo do capitalismo avangado”, ele esboga um “mapa cognitvo" da nossa ordem global. Entretanto, com esses desvios perspectivos na narrativa ena imagem, Sekula é tao reflexivo quanto qualquer novo antropdlogo 2 respeito da arrogancia desse projeto etnografico.® Uma consciéncia dos Pressupostos sociolégicos e das complexida- des antropoldgicas também quia os Mapeamentos femininos de artistas ‘como Mary Kelly e Silvia Kolbowski. Assim, em Interim (1984-89), Kelly registra posig6es pessoais e politicas no interior do movimento feminista através de uma mistura polifonica de imagens e vozes. Na realidade, ela fepresenta o movimento como um sistema de afinidades, do qual participa como etnégrafa autdctone da arte, teoria, ensino, ativismo, amizade, familia, aconselhamento, envelhecimento. Em diversos reen- quadramentos das definigdes institucionais da arte, Kolbowski também faz uso do mapeamento etnogrdfico reflexivamente, Em Projetos como Enlarged from the Catalogue [Ampliado a Partir do catélogo] (1987-88), ela prope uma etnografia feminista da autoridade cultural operante em exposigoes de arte, catdlogos, resenhas e. similares.” 36 Para Martha Rosier, ver Essa reflexividade é essencial, pois, como especialmente 3 Works, Halifax: apontou Bourdieu, o mapeamento etnografico é The Press of Nova Scotia School iepoat cee \ if Artaod Doce Boek Predisposto a uma oposigao cartesiana que leva o ‘Allan Sekula, ver Photogaphy observador a abstrair a cultura em estudo. Esse Against the Grain: Essays and mapeamento pode entao confirmar, em vez de Photo Works 1973-1985, Halifax: é nt i ae iSchool CONtestar, a autoridade do mapeador Sone olocal of Art.and Design, 1984, e de uma maneire que reduz a troca desejada de A. Sekula, Fish Story. Diisseldor: — trabalhos de campo dialdgicos.** Em seus mapea- Reheter Ver atG PUP FRedC ce outras culturas, Lothar Baumgarten é Jameson sobre omapeamento . . ‘cognitive, ver Pés-madernismo: @S VEZeS acusado dessa arrogancia. Em vérias Alégica cultural do capitalismo obras das duas Ultimas décadas ele inscreveu os ee ae ran nomes de sociedades indigenas da América do asco @ Ina Camargo Costa ee SioPeulo:Atica, 2007. Norte ¢ do Sul, amitide impostas pelos explorado- 37 Para Mery Kelly, ver interim. res e pelos etnografos, em locais como a torre Pee ae Nee alae neoclassica do Museum Fridericianum em Kassel Contemporary Arte, 1999; e para . é iSivts Kotbowsla: vera zs, (Alemanha), em 1982, ea espiral modernista do Nova York: Border Editions, 1gg3. + Guggenheim Museum em Nova York, em 1993. No Muitos outros artistas também entanto, em vez de troféus etnograficos, esses ‘questionam as representagaes : Paes documentaise/ourecoremacs MOMES retornam, quase mie signos distorcidos mapeamentos etnogréficos do reprimido, para desafiar os mapeamentos do (Susan Hiller, Leandro Ketz, Elaine Qcidente: na torre neoclassica, como que para peekee) Halk ue Nee declarar que a outra face do Iluminismo do Velho geral, ver Arnd Schneider, "The ‘ . ‘ArtDiviners". Anthropology Today, Mundo é a conquista do Novo Mundo, ena espiral %9,N. 2, abr 1993. de Frank Lloyd Wright, como que para requerer um $8 VerP Bourdieu. op. cit novo globo sem narrativas do moderno ou do Allan Sekula, Histérias de pei Primitivo, nem hierarquias de Norte e Sul, um 1995 [detalhe]. mapa diferente no qual o enquadrador também é 176177

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