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ee Politica de saide mental no Brasil: uma visio histérica (Heitor Resende *) “+ Peaqulendoranistente do Departamento de Clincins Sociale da Hess Nox ‘onal de Satde Pilea, Fundagho Orwaldo Oran, Rio dy June ixas mais ouvidas, ainda nos dias de hoje, Ce eee ences i ereddaaloaiie siete sem divida, a que se refere rifiea que ultrapasse os limites das experiéncias ee ee ‘que pertinentes, Diante desta constatacio, considero mais conveniente, para efeito de andlise, recorrer ao termo tendéncias; este, conquanto mais impreciso, parece-me mais representativo da realidade. Chamar de tendéncias o que se pretendeu inicial- mente fossem politicas torna mais cdmodo o trabalho do Pesquisador, impedido aqui, por questées de limitagdo de espago, de empreender exaustiva reconstituic&o histérica ¢ de langar mao de farta Mesmo que estes impedit autor se veria diante de So do tema proposto, Refiro-me 16 eracdo de dados empiricos. néo se impusessem, 0 tulo & adequada avalia- & escassez de dados e tares como as caracteristicas da clientela dos nossos hea itais e ambulatérios e sua vari: longo de sua irta disponibilidade desses dados permite que se avance na compreensio das articula, g6es que a psiquiatria tem mantido com a sociedade e no entendimento das fungées que esta Ihe outorga, por outro lado, néo seria descabido supor que sua escassez esconde a existéncia de uma tendéncia central que se manteve intocada ao longo do tempo e nio pode ser claramente enunciada, Seria talvez possivel contornar esas limitagées ignorando-as simplemente e concentrar nossa atencio no estudo anélise dos discursos e idéi mente nortearam o rumo das pol de satide mental no pais. O risco a correr, neste eria o de se tomar parte de um processo pela sua totalidade, uma visio especular da situagio pela sua visio panoramica, Em reforgo deste argumento existe a incontestével evidéncia de que a historia das politicas de assisténcia ao doente mental no Brasil é, antes de tudo, uma crénica de desen- contros, propostas e priticas concretas nem sempre cami- gonistas de prestigio da divéreio entre diseursos e agées to i dente quanto m; do periodo recente, devido & emergéncia de — e freqlientemente contradité- rios entre si — interesses dos diversos grupos no poder. ‘Torna-se, por isso, il a0 pesquisador pingar este ou aquele discurso como hegemdnico sem correr 0 risco de incorrer em alto grau de arbitrariedade. Ww | Do mesmo modo que tabaco e o café, da assistincia psiquidtrica brasileira foram para of tea plantadas, apés longa evolugéo 0s séculos ¢ mesé,t"*a- nios que ‘precederam o descobrimento do Brant Me melhor compreendé-las seria desejavel que se rain, Para no tempo e se tentasse uma breve recapit cho esse do louco, da loucura e suas instituigses atravén e, a Nao possuo 0 necessério poder de reproduzir, numa visio a voo de péssaro, or Dara ntes emocionais e intelectuais prevalentes nea ‘odo histérico, assim como os fatores econdmicos leol6gicos que influenciaram a teoria e a praty ca psiquidtricas, mas arrisco-me, assim mesmo, a tentar demonstrar que as cireunstancias que determinaram emergéncia do louco enquanto problema social e trou: ram consigo a necessidade de instituigdes para controlé-lo no Brasil do_s6 e na Europa no século XVI foram, guardadas as peculiaridades Tocais-e-w—tetmsa- gem no tempo, bastante semelhantes entre si, A loucura e suas instituigdes Em seu Elogio da Loucura, escrito em 1509, Erasmo de Rotterdam afirma, j4 nas primeiras péginas, ser impossivel e inconveniente definir e limitar, «como é costume dos retéricos vulgares», a loucura, «Como poderia limitar-me quando o meu poder se estende a todo o género humano?... Além disso, por que haveria de me pintar como sombra e imagem numa definigio quando estou diante dos vossos olhos e me vedes em pessoa? Ela é filha de Pluto, deus das riquezas, e nao de nenhum desses deuses caducos e rangosos, e suas ninfas, cada uma com Seu nome, representam 0 amor-préprio, 0 esquecimente, a adulagio, 0 horror a fadiga, a volipia, a delicia, ® prazer da mesa e o riso e, por fim, 0 sono profundh. Nasceu nas Ilhas Fortunadas, onde no se sabe © Te sejam o trabalho, a velhice e as doencas e onde # 86 produz aquilo que deleita a vista e embriaga 0 0! be 000, L,ROTERDAM, Eraamo de, Blogio da loucure. Rio de Janeiro, Hilebt 18 Embora no a defina, Erasmo contrapée a loucura, «patriménio universal da humanidade», e da qual sio todos dotados ao nascer, A sisudez, ao’ sensaborio bom senso, A frugalidade e ao estoicismo que a ciéneia, as artes ea indistria, «como todas as outras pestes da roduziram no mundo, Identificando a loucura com as paixdes e o comportamento sensato com o raciocini dé a entender que aquela é inata no homem e este imposto de fora, no necessariamente em nome da razio, 4 que no se pode entender como razoa\ homens se infligirem tanto mal. Além passagem: 4...8e um sébio, dirigindo-se a alguém que chorasse a morte do pai, o exortasse a rir, dizendo-lhe que esta vida no passa, na realidade, de uma continua morte e que, por conseguinte, seu pai s6 fez cessar de passaria decerto, aos olhos de todos, por louco Felizes numa sociedade imagindria, o «século de ure», sem método, sem regras, sem instrucdo, guiados pela natureza e pelo proprio instinto, os homens tiveram que renunciar & loucura em nome do juizo e da virtu- de que, por atentarem contra a natureza humana, néo podem deixar de ser considerados, em si mesmos, vicios. Fragmentos maiores ou menores de paixdo, irreflexio, esquecimento e devaneio permanecem em cada um de nés ou seria insuportavel 0 confronto com a consciéncia da morte e as agruras da vida, Apesar de seu titulo, 0 Elogio é menos uma gk cago da loucura do que uma bem humorada a ideologia da nascente revolucéo burguesa, gia esta que, travestida de cientifica, filoséfica e religiosa, viria @ langar as bases de um novo conceito de natureza huma- na, Ao evocar 0 século de ouro, o autor sugere que existi ram_um dia um tempo e uma sociedade na qual, pela propria Feliglo que os homens mantinham ente 4 natureza, “a loucura_aparecia_diluida impre 6i Todos os homens, era, por assim dizer, natu dificagéo daquelas rela trazer dade de_um_novo rents 780 CORSigO & neces contengio, parciménia © razdo eram ett®®. 4 virtudy mites da norma, funta A definigho do normal e do retirees a oe de uma normatividade pessoal de cada sant # Partr eixo de referéncia supra-individual, emanado a’, © mm sidades da economia, entendida aqui, no mee tt Dees tido, como a praxis posta a servico da prom’ 2 reproducio da vida social, permanece até hoje 9¢,°* do dia como uma das questdes centrais da probe da doenga mental e das instituigdes que dela se occur Inclino-me a concordar com Erasmo em que 4 loucura tem sido uma companheira inseparavel do homem ‘ao longo de todo o seu trajeto conhecido pela histéria, Desde o Velho Testamento aos estudos etnogrificos das sociedades chamadas primitivas as referéncias a loucos sdo abundantes ou, como afirmou Foucault, «. . .ndo existe cultura que no seja sensivel, na conduta e na linguagem dos homens, a certos fenémenos com relacio aos quais a sociedade toma uma atitude particular: estes homens iio so considerados nem completamente como doentes, nem completamente como criminosos, nem feiticeiros, nem inteiramente como pessoas normais, Hé neles algo due fala da diferenca e chama a diferenciagio>. Durante todo 0 perfodo da Antiguidade e da 1atie ‘Média 0 louco gozou de um certo grau de eextratert ir lidade» ¢ a Toueura era no essencial ae tad estado livre..., circulava... Gee 2 A doenga mental era uma Cr temente, estreitar os ho Jinguagem comuns. i jcamente determi 7 tao largamente privada, basicamen| et rettumes, 0 poder piblico x6 intervindo &M {aoe um direito (validagéo ou anul dos cénjuges enlouquecia priedade de insanos perdu 2, FOUCAULT, M. Domga mentel ¢ Kino, 1978, p. 61. 20 na Grécia e Roma antigas permaneceram como fendmenos Jocalizados, restritos a uns poucos abastados, contraria- mente as priticas populares e mégico-religiosas ampla- mente difundidas, As famflias de posse mantinham seus Joucos em casa freqiientemente sob a guarda de um aasistente especialmente contratado, os «auxiliares psiquié- tricos» de entio, Aos pobres era permitido vagar pelos ‘campos ou pelos mercados das cidades, sua sobrevivéncia assegurada pela caridade piblica ou pequenos trabalhos realizados para particulares.4 Na América colonial os governos municipais costumavam remunerar aquelas fa- millias de lavradores que se dispunham a receber os loucos pobres no totalmente incapacitados para o trabalho, um sistema precursor da chamada assisténcia heterofamiliar que viria a ser proposta séculos mais tarde como parte do armamentério terapéutico psiquidtrico cientifico. > Nem tudo eram flores, no entanto. Convém nfo exagerar 0 jé alto limite de tolerdncia das sociedades pré-capitalistas aos doentes mentais, Numa passagem do Velho Testamento (Salmo 34) Davi, ao contemplar um demente sendo ridicularizado por criancas na rua, inter- pela Deus: «Senhor do universo, que vantagem pode ter © mundo na loucura? Quando um homem erra pelo mer- cado, rasga suas vestimentas e sofre a zombaria das criancas, seria isto belo aos teus olhost»® A imagem de loucos_errantes, pobres, alvos da chacota e até mesmo dos passantes, que nio raro Ihes atiravam fio & ineomum nos relatos histéricos. ___ A que atribuir a relativa liberdade de que gozaram 08 insanos no periodo considerado? Algumas razées sio imediatamente evidentes: embora néo haja na literatura referéncias quanto & magnitude do problema da doenca mental, 6 de se supor que o mimero de doentes nio era grande. As populagées eram reduzidas e a curta duragéo média da vida néo permitia que determinados transtor- cee Ese chia ay Siete a manure, aes to ‘Mental Health. lve ieee ‘Basle. Boks, ‘1961, ate ‘©. ROSEN, G., op. cit, pH. aa 21 sabidamente mais incidentes na i ta idade madura ve aparecessem em Proporcio significativa *nerito de doenca mental era muito mais © rp que nos das de hoje ¢ limitava-se 208 aspectog zestril mente exteriores da loucua, 20 eomportamento gemineniente abservavel, mormente quando este se cons. Giretammey estorvo para o ambiente familiar imediato « para a comunidade, Hé ainda que considerar que, nas sociedades pré. capitalistas, aptidao e inaptido para o trabalho nko era capittierio importante na determinagéo do normal e do um vera, como viria a acontecer mais tarde, e isto porque andmas de organizagio do trabalho naquelas soc am, por sua natureza mesma, pouco dis ‘ad diferencas individuais, Tanto o trabalho agricola ara paistancia como o artesanato para ecnsimo imediato Gt roca nos restritos mercados da época, atividades nas Guais ge assentava a economia das sociedades pré-capita- tas; tinham em comum serem capazes de acomodar lvgas variagées individuals e de «respeitar> o tempo e o ritmo psiquico de cada trabalhador. Na atividade agri- Cola o-ritmo é ditado pela natureza, a alternancia das estagées climatieas, 0 tempo de germinacio de uma se- mente ou de gestagio de um animal, fendmenos conhe- cidos do agricultor e que se sucedem com regular e (© mesmo se aplica & atividade arte~ vencas individuais ou os diferentes uo em diferentes 0 nos, hoje e na vel (0 proprio ¢ nesta as estados animicos de um mesmo indi épocas e situagdes de sua vida, longe de desqu para o trabalho — como na moderna atividade indus! — expressavam-se no produto mesmo de seu trabalho, tal qual um artista «se mostra» em uma tela ou Pest musical, Em outras palavras, 0 trabalho artesanal nao anulava as diferencas individuais mas era a expressi® direta destas diferengas que se valorizavam no ato de s° exprimir diferentemente, Nao é uma simples coincidéncit que exatamente estas trés atividades, 0 trabalho no car Bo, 0 artesanato eo trabalho artistico sejam até holt ropostas como téenjcas de tratamento e ressocializacte dos doentes mentais, 0 que faz das colénias sgricols® 22, elevaram o tral a instituigées, e sobre as A categoria de na Europa, 0 trouxe aos trabalhadores artesios . Como assinala Kofler, «aos em- staurar, em lugar da atitude hedonista jal segundo a qual se trabalhava para viver, um sulo e lucro que desembocava na idéia de que se deve viver para trabalhar... a rotina artesanal baseada na tradic¢do, a cémoda e agradavel concepgio do trabalho que ante 0 novo jismo_aparecia como carente de disciplina, a atitude irracionalista ante 0 con- ceito de tempo e da vida resultaram em problema gigan- tesco... Primeiramente foi necessirio descartar um sen- timento ainda profundamente arraigado, préprio tanto do homem rural como do urbano, de que a liberdade vel com a subordinagéo a um pro- io e totalmente racio- 6 aquele momento 86 era conhecido nos presidios e nas casas de correcio... Nada mostra melhor © problema dos trabalhadores desta época de transigio qiieorfato de que as cidades se regurgitaram de desocupa- dos, mendigos e vagabundos enguanto se experimentava escassez de mijo-de-obrav.? $6 em Paris, nessa época, estimava-se em mais de 80.000 a populacio de mendigos. * rin de ta sociedad burguess. Amorrorty 1971, e Eeigme. Rio de Sonera, Zahar Baltoren, 1981, 23, it 3a pratica do 1 uma situagho similar; @ Na zona ropriedades, a dispersio dos dependentes ree mod ‘tnétodos de amanho da terra $EoGal e a modileagio dos métodos, de rn era. campos dos nn aaram Mesaltantes de estradas, ladroes vagabundos, Empreendeu-se em toda a Europa draconiana re- pressio & mendicincia, & vagabundagem e a ociosidade, Yoluntéria ou néo, Na Inglaterra, uma i de 1496 deter- minava que os vagabundos e ociosos de' . tronco por trés dias e noites e, em caso de reincidén- surrados com chicote e ter um colar de ferro afixado 7 Mea a0 ‘pescoco, Outras formas de punicdo incl jo do corpo com um ferro em brasa e até a pena de ee ema ge recalcitrantes, Na Franga, 08 trabalhado- res que abandonavam o trabalho eram cagados como os desertores das forgas armadas e eventualmente condena- dos as galés, Os pais que se recusavam a mandar seus filhos para o trabalho na indistria eram sujeitos a penas de pesadas multas e prisio. ° ‘As medidas legislativas de repressio se_comple- mentaram pela criagio de jes, as casas de corre- gio e de trabalho e os chamados hospitais gerais que, apesar do nome, ndo tinham qualquer fungio curativa. Destinavam-se a limpar as cidades dos mendigos e anti- |, a prover trabalho para os desocupados, lade e reeducar para a moralidade mediante iosa e moral, P. 79), sera varrida du gana social. Confinados nos porses das Santas Casas oo dennis erais o8 doentes mentais iriam partilhar com tortura, somenstados de toda sorte formas de punigiio e variedade fucadas algumas, groteseas a maioria, cuja € por demais extensa e conhecida de todos Ser aqui detalhada, Acresce que as vitimas da insani- 9 Mem, p. 2, 24 dade, na qual se reconhecia alguma especificidade. atamentos «médicos> que, levados a tal grau dade, n&o podiam ser desqi rados nos principios da medicina a doenca resultava do desequi- librio entre os quatro humores do corpo, os tratamentos destinavam-se a livrar os doentes de seus maus humores rando-os até 0 ponto de levi-los sincope, ou purg: varias vezes por dia até que de seus intestinos n: mais saisse senao Agua rala e muco, O tratamento moral final do século XVIII, com as i nismo, os prineipios da Revoluco Francesa, c tos do homem nos Estados Unidos, viu crescer e as torturas, disfarcadas ou nao sob a forma de tratamentos médicos, de que eram vitimas, nel na Franca, Tuke na Inglaterra, Chiaruggi Todd nos Estados Unidos, entre outros, serio os principais protagonistas de um movimento de reforma através do qual, pela primeira vez, os loucos seriam sepa- rados de seus colegas de infortinio e passariam a receber lado_psiquidtrico sistematico, Alegadamente centrado em bases humanitarias ou, como sumarizou Mann «...pode ser resumido numa simples idéia — humani- dade, a lei do amor — este sent do outro o is considero que representou a em jétrica de massa e seus prin- cipios teriam, segundo alguns autores brasileiros 1, forte- Journal of samento. dos nossos alienistas ¢ assisténcia ao doente mental a te inspirado 0 sen oganizagio 8 no Brastt— toriamente polarizadas entre, de um lado, venedo eega (Pipél, % louco de Bicétres, «pai qe'sHimeira revolugdo Ppsiguidtriea», deu seu nome a de todo 0 mundo e a reprodugio do quadro em rece libertando dos-gzilhdes_as loucas do Hos} presenca familiar nos sagudes dos hospi eles que afirmam que, Se aS amarras q atavam fisicamente os doentes mentais foram efet ‘das, outras surgiram, tanto mais perigosas consentidas ¢ sofisticadas. Em lugar das correntes, dizem «, . .reconstitu Joucos) todo um encadeamento moral que tr: sformava ia perpétua de julgamento; 0 loueo ado nas suas idicularizado nos seus erros...» 2 ou, como tizou Amarante: «A grosso modo tratamento moral \a0_conveniente da disciplina, onde todos os este fim." Para este segundo grupo de autores, por- tanto, os reformadoves do-século XVII nada mais teriam jo sendo a substituigdo da violéneia franca pela Violéncia velada da ameaga e das privagdes. ‘Nao pretendo negar que as consideragbes de ordem — entendida na sua acepgio de ética ou de tudo aquilo que se opée uo imoral — tenham sido componentes importantes do regime moral de Pinel e de seus contem- ordneos, mas no foi certamente o nico, O prdprio ia do século XVIII, referia-se tam- do espirito, em oposicao As ciéncias natu- : £ de se creditar, assim, a Pinel, o ter descartado as lesdes cerebrais como causa principal dos transtornos 1 Foveauun » 2 AMARANTE, "FB. 4 Mec theca Pagadian yStnet: $B zaluitrin ma ordem socal 26 psiquicos ¢, coerentemente, ter abandonado as san fas purgacées € os medicamentos e recomendado que as ncio A mente la que o chamado tratamento ir em um corpo acabado e tratamento da doenca ais rigidas de seus resto fro rica que 0 en que fot empregado € exemplificada pela descricéo do préprio Pinel, que se jactava de ver, em Bicétre, «...um grande niimero de manfacos reunidos e submetidos a um sistema regular de di: a» 5, e de outro, o relato de Charles Dickens de uma v. Boston, onde os p: garfo_e faca «como qi sunibes. e passavam resolugées sobre as ati «tudo em meio ao maior decoro» e concluia que, a seu ver, 0 ponto central do sistema de t mento era a inculeagdo e o encorajamento de um profundo senti- mento de auto-respeito ¢ dignidade nos pacientes." Ja Butler, outro terapeuta moral norte-americano, man‘ grupos de discussio nos quais os pacientes comentavi idavam mutuamente, mas nao confidenciais» nas quais bi assim poder melhor entender e tratar «mais inteligente- mente meus doentes», SION ON MENT. ULNESS AND HEALTH, op. eit. {JOINT COMMISSION ON MENTAL LLNESS AND aT demonstrado ter sido eficiente. Os dados se regete¢ “fo Hospital Estadual de Worcester, nos Esta. dos Unidos, que dio conta de um perfodo de 20 anos de atividade e cobrindo cerca de 4200 internagées, séo bas- tante elogiientes; dos internados com menos de um ano de histéria de doenga, 66% foram dados como curados ¢ 5% melhorados, enquanto que para 0s demais essa taxa caia para 45% e 14%, respectivamente. Conquanto nao haja detalhes quanto aos critérios de cura utilizados e s tenham sofrido criticas de outros auto- res, a verdade é que estes dados deram margem, na época, a grande otimismo quanto & curabilidade da doenca mental. £ de se perguntar, diante disso, por que teria o tratamento moral perdido substaneia, 14 por meados do século XIX, até ser totalmente abandonado na segunda A intensificagéo dos processos de darwit € conseqiientemente deterioragio das condigées de la das cidades, 0 afluxo macigo de imigrantes estran- para os Estados Unidos na segunda metade do elementos perturbadores da ordem e indese; inchar a populacdo internada dos hospitais e destruir 0 ambiente quase familiar que f trocas interpessoais, provaveis responsiveis pelo éxito das equenas mento moral, Como conseqiiéncia, as estati io deterioraram paralelamente, e 20 sucedeu 0 franco pessimismo quanto & curabilidade da doenca mental e a eficiéncia dos métodos empregados até entio, Além tigiosa neurologia do tratamento mor heredobiolégicas da Para as funcdes soc! exigia da psiquiatri das origens cura vieram cair como uma luva ue aquele momento histérico a de referendar cientificamente 28 os processos de exclusio das evidé imigrantes vagabundos e desor do pauperismo, 08 18 (0 citado Hospital de Worcester chegou a ter na sua populacdo internada 67% de estrangeiros, em 1893), vitimas j4 niio mais das suas lamentaveis condigées de la, mas de taras e dege- i i mergulha novamente no longo sono do periodo pré-pineliano, e nao considero exagero afirmar que deste pesadelo s6 comecard a desper- tar na época da segunda grande guerra. ‘A loucura e suas instituigées no Brasil # apenas parcialmente verdadeira a afirmagio, feita mais acima, de que as circunstincias que determi- naram a emergéncia da loucura e da pessoa do louco a condigio de problema social, justificando as proposicdes de criagio de instituigdes para controlé-los e eventual mente traté-los — foram semelhantes na Europa do século XVI e no Brasil dos primeiros anos de século XIX; tive 0 cuidado de resguardar-me, ao alegar que as peculia- ridades da vida econdmica e social do Brasil colénia introduziam algumas dissimilaridades quanto as causas que levaram aquelas circunstancias. Em ambos os casos, 0 doente mental, que péde desfrutar, durante longo tempo, de aprecidvel grau de tolerdncia social e de relativa liberdade, teve esta liber- dade cerceada e seu seqiiestro exigido, irem ou nao poderem se adaptar a uma nova se constituiram em ameaca a esta mesma Enquanto na Europa, como ja vimos, a ruptura da ordem feudal e a emergéncia do capitalismo mercantil trouxeram consigo a necessidade de um «novo» homem ¢ introduziram-the exigéncias que nio puderam ser s: feitas por muitos deles — entre os quais os loucos — 29 jeriva, vieram abarrotar as cidades ¢ pertut See ares no Brasil o doente mental faz Zia apavigdo na cena das cidades, igualmente em meio a tm enitexto de-desordem e ameaca A paz soci rentemente do que se observou 1a igencia da sociedade rural pré-capitalista, tradicional. mente pouco diser para a diferenga, Ow faquelas condigdes classicamente invocadas como determi- nantes de um corte a partir do qual o insano torna-se am problema» — a industrializacio, a urbanizagio ma- ‘ga e suas conseqiiéneias — e que levaram muitos autores io século passado a admitir a doenga mental como corolé~ ric | do ‘«progresso», ainda nao se (providéneias das autoridades. Este aspecto particular da situagio brasi is — como € 0 caso do chamado tratamento moral, do iil 36 foram retidos alguns aspectos — de modo a se ria, do mesmo modo que todas as outras impre determinadas fungdes soc plas e varidveis com 0 tempo e as diversas s0% ea natureza deste mandato é fungao das sociedades con- eretas onde ela opera, _Embora com receio de ser repetitivo, eu diria ria do doente mental pela historia do Por um longo periodo de tempo, dele nfo hé referéncias nos relatos e crénicas dos viajantes que escrevem sobre nal Brasileir de Peigwatia, priwidtrice brasileiro, Tove poca, & de supor, segundo que aos loucos pobres, wr pelas cidades, aos motejos da er’ roupa em No caso de exil indecorosa, nio receber maus tratos, Aparentemente, esta nio er uma pritica muito indida, as reclusdes sendo por curtos periodos de tempo, nio ‘indo tampouco refe- réncias a ‘onde os doentes mentais se represen- tassem em mimero expressivo, Mesmo as Santas Casas de Misericérdia e outras instituigdes de caridade, JA existentes desde os séculos XVI e XVII, e que abrigavam doentes pobres, velhos, dFfaos mendigos, nao contavam com loucos em sua variada clientela. As familias mais abastadas, estas escondiam em casa_seus doentes, em quartos proprios ou constru- Oss~anexas especialmente levantadas; se violentos ou agitados também contidos ou amarrados. Ao invés, entéo, de «manifesta ¢ loquaz», como pintou Foucault a situagio da | na Europa da Antiguidade e Idade Média, a impressio mais marcante A literatura de Guimaries sertées das Minas Gerais da ¢ que, esquisitdes e ensimesma semanas ou anos aos retiros (Itigares remotos das pro. Priedades) ou navegavam sem rumo pelos rios, até que Se sentissem novamente em condigées de retornar ao convivio da comunidade, Esta, apesar de muitas vezes Teconhecer nestas atitudes «coisa de maluco» ou «doidei- 31 i frio intervir e via esses compor- », nao julgava necessério in ‘ {amentos muito mais como um aspecto da singularidade dessas pessoas do que propriamente evidéncia de pato- logia. ‘A Toucura: de silenciosa a silenci Retomando a questo levantada mais acima, 6 de se perguntar por que teria o doente mental, no Bi na cena social muito antes de se ter alterado aquela mesma organizagio que, até um certo momento, Ihe proporeionou extraordindria acolhida? Na verdade, ao final do séewlo XVIII, as cidades brasileiras permaneciam ainda escassamente populadas, a capital, o Rio de Janeiro, nfo contando com mais de jtantes; mesmo outras aglomeragées importan- tes, Bahia e Pernambuco, nao deixavam de ser ainda prolongamentos da vida rural, permanecendo vazias por grande parte do ano, os senhores de terras e agricultores somente af acorrendo por ocasido de feiras e festas reli- giosas, As grandes propriedades ri i ientes, chegando & produgio doméstica de seus pré- Prios implementos agricolas, tecidos e outros bens de i des a indiistria era menos que ios artesai i Ao mesmo tempo em que descarta a existéncia de uma revolugao industrial e de um Processo importante io ‘como pré-condigées a determinar uma da sociedade ao doente ido por Medeiros, sintetiza a si- da época: «ramos uma economia iva, baseada no trabalho escravo, a Corte uma mediocre cidade de populacdo ralan, 2 Fy Be LOBE; 4, Peimelwe esti, Rio de Saneeo, donk. Olympla, 32 agdes coneretas, A onipresenca do escravo, dutiva como na at como no campo, restringiraé de tal maneira o e: reservado ao trabalho livre que poucas ocupagées dignas restaréo ao homem livre. Por sua vez, a Jo uni. versal do negro nos varios e social terminara por estigmatizar 0 préprio conceito de trabalho em geral como atividade pejorativa e desabona- dora e poucos serio os homens livres, mestigos, mulatos € mesmo brancos que se dispordo a se engajar em qual- quer atividade laborativa sem se considerar, e ser consi- ignas.® Sobre este Jr., comentara: cavadores de enxada: os criados (vindos de Portug: tém por melhor sorte o ser vadio, 0 andar morrendo de fome, o vir parar em soldado e As vezes em ladrio do que servir um amo honrado que lhes paga bem, que os susten- ta, os estima, e isto por nado fazerem o que os negros fazem em outras casas. . No campo, a mesma situacio. Nenhum homem livre se submete a Pegar a enxada, £ do mesmo Vilhena a observacio: «.. .havendo embora terras abundantes carecem de propriedade até mesmo aqueles gue poderiam ser proprietdrios, pois nao tendo 1503000 Para comprar negro que trabalhe, o mesmo é ser proprie- trio que o nio ser», cag AS Conseaiiéneias deste repiidio ao trabalho sobre a vida econémica do pais sio as esperadas, Onde faltam a coagdo do chicote e demais castigos, a atividade 6 quase FERRARO JUNIOR, C. Formacdo do Brasil contempordneo. Sio Paul, Brase 38 i Jiros_comentam nul, Os eon, = pin oral cess QU ae mines Slot ‘Afora o trabalho constrangido nao aim do estrito minimo de esforgo necessfrio & al imediata. 'A vida social da época aparece assim fortemente 08 dois extremos di ; de um a de escravos; entre estes, ies jue nao de crescer dos inadaptados, dos 0 ey trabalho. ‘ido ou totalmente sem trabalho, «Sao tos forros, mesticos de ie, niio podendo sei a \digéneian, cos puros se encontraréo arrastando-se na in a apartados da nio raro pi- caravanas ¢ tropas de burros: outros procuram particula- lade canali- a dos desocupados permanentes, cata do que se manter e que, enveredam francamente pelo ermos da cidade do Rio de Janeiro, até mesmo em plena luz do dia. 2A. Mem, 88 34 com que, as vezes, reagem aos gracejos e provocacbes dos passantes, As Santas Casas de Mise seus héspedes mas da-lhes ento di demais, amontoando-os em pordes, sem assi guardas e carcereiros, seus dé jidos por espancamentos ou contengio em t iando-os literalmente & morte por maus trates ifecciosas, lade destas enfermarias, no entanto, niio da magnitude com que o problema se apresentava nas ruas; contam-se em algumas poucas deze- nas os loucos recolhidos aos pordes das Suntas Restavam-lhes as prisdes, que di condenados ou nao, bébad riamente ao idade, os maus tratos eram de a todos, Desordem franca e ociosidade, perturbagio da paz € obstiiculo ao crescimento econémico, esto af as que, alguns séculos antes, pa, © que Foucault qualificou de ‘o>; as diferencas residem apenas i, € que nao foram poucas. les: remocio dos elementos estigio, © sua reeducacio rabalho num segundo tempo. e exterioriza por comportamentos que, ta das necessidades da economia e do perturbadores, num primeii Para o trabalho, pel A loucura que do ponto de vist 35 convivio social assimilam 0 louco 208 outros dendaptados, ser arrastada na mesma trajetéria destes itimos ; mI ee vine. Mas, reconhecendo-se na loucura uma certa Vidade e nas suas manifestagdes algo de nfo neces- ccreemente voluntario, ela ser posteriormente triada, Geralmente sob a pressio de dendncias ¢ apelos humani- tarios. Apesar disso, irremediavelmente paral natureza: exclusio em hospitais, reeducagdo por laborterapias, caricatt trabalho forcado. ‘Uma diferenca em desfavor dos alienados mentais: estes processos sero, a partir de um certo m¢ ito, referendados pela ciéncia; o seqiiestro seré indicagéo cliniea; o trabalho, uma imposigio terapéutica; a presen- ga de um nimero desproporcional de representantes das classes populares e de certos grupos téenicos na populagio dos hospicios se justificard como taras hereditarias e ten- déncias naturais desses grupos a determinados. distirbios mentais e A sociedade. Ao abrir este trabalho, falei da minha preferéncia pela expressio tendéncia como mais representativa da realidade do que o termo politica e creio ja ser possivel, a partir do que j4 se disse, extrair uma primeira con- clusio, talvez a mais importante, Ezcluséo, eis ai, numa s6 palavra, a tendéncia central da assisténcia psiquidtrica brasileira, desde seus primérdios até os dias de hoje, 0 grande e sdlido tronco de uma drvore que, se deu e perdeu ramos ao longo de sua vida e ao sabor das imposigdes dos diversos momentos histéricos, jamais fletiu ao ataque de seus contestadores e reformadores. A histéria da assisténcia ao doente men- tal neste pais, repita-se, no passa de uma mondtona ‘sucesso de volteios em torno desse tema central e, desde que enxugada da exaustiva citagdo de datas e decretos de criagées de instituigdes (mais cabivel numa tese acadé- ‘© destino do doente mental seguiré elo ao dos marginalizados de outra arremedos de prisdes, uras de campos de mica do que neste texto), caberia com sobras numas poueas paginas. Proponho-me, por isso, a empreender um breve apanhado histérico da organizagéo do cuidado do doente mental nos seus primeiros, digamos, cem anos, e deter-me um pouco mais no seu perfodo recente. Explico-me: sua trajetéria naquela primeira fase foi lativamente linear, as mudangas mais de natureza quantitativa do que quali- tativa, suas fungdes bastante transparentes, numa socie- dade ainda pouco complexa com o aparelho de Estado pouco diversificado, Além disso, por ter sido um pai ici- pante direto do segundo periodo, posso contribuir, com meu testemunho, para sua melhor compreensio. Os primeiros tempos tucional_da Nesse ano f ugurado, pelo préprio imperador D. Pe- dro II, 0 hospfcio que recebeu seu nome, no Rio de Ja- neiro; tinha cay lade para 350 pacientes e destinava-se a receber pessoas de todo o império (um contra-senso dadas as dimensdes do territério e as dificuldades de transporte e comunicagio, na época). Ao se abrir, abriga- va jé 144 doentes, mimero que se elevou rapidamente até atingir a lotacdo completa pouco mais de um ano depois. Asilos que, uma vez abertos, se viam, em curto espaco de tempo, assoberbados pela demanda, justificando o clamor Por_mais verbas e mais hospitais. Esta foi uma tendén- cia constante ao longo de toda a histéria da assisténcia psiquidtrica até os tempos recentes, A ‘istrativamente nao houve ruptura com 0 periode anterior, permanecendo a diresa0 do hospital subordinada & Santa Casa de Mise- ia, Situava-se na Praia Vermelha, hoj i : P , hoje um aprazivel = a lasse média; & époea; um lugar remoto do centro da cidade do Rio de Janeiro. Alids, sob a alegagio la necessidade de se proporcionar aos doentes calma, 37 nesses e espaco, tornou-se lugar _comum, ade ee om hospicios em sitios afastados, alguns an it Sendo recuados para mais longe, tio logo 0 crescimento das cidades os deixava perigosamente prOximos. Sobre a construgio da Colénia de Jacarepagua, no Rio de Janeiro, por exemplo, comenta Almeida: «...0 pesadissimo trans- porte do material, através do mar e de 30 quilémetros por terra, exigindo seis baldeagdes do Galeio a Jacare- pagua (...), as chuvas prolongadas tornavam os cami- nhos Vargem Alegre, no Estado d 6 de acesso de tal modo di isolamento e a protegdo contra fugas continuam garan- jos, permanece & édicos, que nao se dispdem a se locomover das cidades préximas até o local. A exemplo do Rio de Janeiro, seguiram-se cons- trugées, nos anos e décadas seguintes, de instituigses em Sao Paulo, Pernambuco, Bahia e Pard. A urgéncia que igia nio permitia que se esperasse por hosp{- ‘08, recorrendo-se a instalagdes provisori: tho entre as internagées nos pordes das Santas Casas e as celas das prisées e a solucio final. Como j4 se viu, as primeiras institui tricas no Brasil surgiram em meio a um contexto de ameaca a ordem e & paz social, em resposta aos reclamos gerais contra o livre transito de doidos pelas ruas das cidades; acrescentem-se os apelos de carater humanit4rio, as deniincias contra os maus tratos que sofriam os insa- nos. A recém-criada Sociedade de Medicina engrossa os protestos, enfatizando a necessidade de dar-lIhes trata- mento adequado, segundo as teorias e técnicas j4 em pra- tica na Europa. Trés proposicdes contraditérias entre num extremo, uma indicacio prioritariamente social, a Temogiio e exclusio do elemento perturbador, visando a preservacdo dos bens e da seguranca dos cidadios, e no outro extremo, uma indicagio clinica, a intencdo de 35, ALMEIDA, A. G. Coldnin Juliano Moreira, Revista Brasileira de Sade Men- , alimentar, vestir, tratar. vo de cada um desses verbos na ideologia da primeiros at pratica, sem véus ou ntela_no periodo; tratava-se 8%, 08 escravos, uma raridade, 8 negros, a maioria mestigos e mesmo europeus e brasileiros de «raga puray”, uma amostragem fiel daque- les grupos de individuos que, na descrigio de Ca Jr., formavam a popt das cidades, os vadios, os rior, ‘am as dentincias de maus tratos, imundicie, superlotagio, b: tes e falta de assisténcia médiea, No Hospicio D, Pedro II os doentes eram vitimas «das camisolas de forca, os jejuns_impostos, as cacetadas, os maus tratos e até o assassinato». * Em Olinda, em alguns anos, a mortalidade ultrapassou os 50% da populagio internada e no Para o beribéri era uma das mais importantes causas da morte.” A preméncia e a preeminéncia da funcéio saneadora imeiros hospicios dio as origens da assisténcia psiquiatrica brasilei $8. AIDE, 0. 14. on. city 48 2: MEDBinOs, #09. ci,” BB Hem OS Be om a 3! dem. 39 ea estava ausente das ificados e dispostos cyan os eritérios de selegio da clientela, a juizo da autori- dade publica em geral, o saber médico ndo sendo chamado hem mesmo para referendar esses processos. No caso do Hospicio Pedro Il, para conter o excesso de demanda por internacdes, a decisio final sobre admissdes passou a se centralizar na figura do provedor. Os médicos tampouco detinham poder administrative. No Rio de Janeiro, «as jrmis de caridade eram as diretoras de fato do estabele- cimento, porque tudo estava a elas subordinado, desde o iiltimo empregado até o diretor do servigo. * Quando, porventura, 0 médico por um acaso providencial, nao surpreendia os delitos (praticados pelos enfermeiros con- tra_os internados), os pobres alienados saiam das casas fortes para as valas dos cemi como se fossem viti- mas de um ataque», denunciava Teixeira Brandio. No asilo provisério de So Paulo, as visitas médicas eram esporddicas e se faziam pelo cirurgiao da Santa Casa apenas na eventualidade de intercorréncias clinicas; mes- és a incorporagio de médicos aos quadros regulares da instituigdo, seus saldrios foram por muito tempo infe- riores 20 do administrador que nao era médico). Os médicos se faziam representar em pequeno ni- mero nas instituigées, tinham pouca influéncia nas ques- tdes administrativas como também na selecdo da clientela . O mesmo. Teixeira Brandio reclama contra indiscriminada de érfaos As enfermarias do D, Pedro-If, misturados a loucos de todas as tendéncias, Pode-se argumentar e interpretar (e nfo sem ra- 740) que tais dentncias, por partirem de membros da classe médica, representavam movimentos na direcéo de afirmar a hegemonia de um poder e de re M8, SILVA. P. 0 Hompicio Pedro TI ¢ nex ta Cana de Mise eben Cadernse de Paigiatta’ Sora He da Senta a exclusividade de um saber sobre assuntos de saiide ¢ Goenga mental e a tutela sobre a pessoa do louco, mas nao se pode ignorar que o hospital psiquidtrico de fato nao existi lugar_de cura e que a caridade e os prinefpios humanitarios jamais finham penetrado suas portas, em que pese a presenga ai das religiosas. Diante da afirmacio da medicina cientifica e posi- tiva, das descobertas da bacter’ , da imunologia e da neurologia, soava anacronico deixar o cuidado dos doentes mentais entregue a religiosas, os pacientes deixa- dos & sanha de «enfermeiros bocais». Do mesmo modo ito moral nos Estados Unidos, embora exer- .08, sucumbiu por parecer carente de base sepul- ‘Além disso, a situagao social e econdmica, que tinha, determinado o nascimento de instituigées cuja fungio ‘nica, que Ihe exigia a sociedade, era a simples segrega- Go de desviantes, alterava-se rapidamente e pedia novas providencias, Nos primeiros tempos o doente mental foi, digamos assim, um subproduto da cristalizagio das relagées de trabalho do Estado escravista, em certa medida uma viti- ma ou conseqiiéncia do nao progresso (com as devidas ressalvas pela liberdade de uso desta expressiio a-1 a-dialética), no se justificando portanto o investimento de qualquer empenho curativo, ou de outra natureza. A quebra daquela ordem veio trazer problemas novos — sobretudo o agravamento da questio da margi- nalidade — pedindo nao s6 a intensifieacéo dos processos de exclusio, mas uma proposta de recuperagéo do mate- rial excluido, e um corpo de conhecimentos que justificasse € legitimasse ambos os processos. Em contraste com 0 Periodo anterior, no qual o bindmio ordem-desordem era © equivalente social da equacio saide-doenca mental e a contribuigdo para a restauragio da ordem podia ser cum- 41 ‘rica, no emergente capitalismo il br somava-se Aquele pro- ea reproducao da forga ise, ao proprio proceso de Ma industrial. bras bjema a ameaca & sobrevivéne! de trabalho e, em ultima an reprodugdo do capitalismo. zoo desenvolvimento do ércio importa Fie ae ai através de seu porto, da avi ‘comers industrial e bancdria, iu intamente com o d nio da produgio cafeeira da regiio do Vale do Paraiba, determinou abrupto aumento da populacdo urbana, que passou de 266,000 habitantes em 1872 para 522.000 em 1890, quase duptteamto-portamto em s de vinte anos, Grande parte deste crescimento demografico se deveu & incorporagio & populagio de vastos contingentes de imi- grantes estrangeiros (s6 na década 1887/97 0 pais rece- beu 1.300.000 imigrantes). Destinavam-se sobretudo a Sao Paulo, para onde se transferira a lavoura de café, mas muitos deles permaneciam na Capital «a limpar baledes de comércio e entupir as cidades». 3! Urbanizacdo acelerada, deterioragio das condigées de vida da populagio trabalhadora, de higiene e sanea- mento das cidades, proliferacio de cortigos e favelas, focos de desordem e reservatérios de vetores de doencas infeceiosas, aglomeracao de maltrapilhos nas ruas A espera de trabalho, surtos epidémicos que dizimavam a popula- cdo de recém-chegados, tao necessarios & economia paulis- tae desejaveis, de qualquer modo, para «depurar as veias da mesticagem primitiva», como afirmava Ruy Barbosa 5, novos e graves problemas para os quais, na érea da sadde mental, a psiqui 08 asilos provisérios despovoados de médicos eram solugdes de amadores. BWBBITAL YE Batt steer depts, Ta sora Beet Bnei sates teste rit Toe erecta A Bee ie eta at 42 ‘A psiquiatria clentifica reinado € & a ascensii x trole das instituigdes e ao papel de porta-vozes legitimos do Estado, que jo da assisténcia tal como a g1 Lopes Rod) no entanto, que a psiquiatria _verda i tenha feito sua do poder pelos médicos, Critica as idéias de Brandio, primeiro diretor do Hospicio Nacional de Alienados-(nova denominagio do Hospicio.de Pedro II) e da recém-nascida Assi: 0-Legal aos Aliena- io de Janeiro, e titular, por concurso, da cdtedra tria da Faculdade de Medicina, como aferradas & decadente psiquiatria francesa, estagnadas no tempo de Magnan e responsaveis pelo descrédito que a disciplina desfrutava junto aos alunos da faculdade e aos demais médicos, dada a si ia terapéutica e as movedicas bases teéricas e cientificas em que se assenta- vam. Para Rodrigues «...0 pens: ito universal deste ramo do saber patejava neste estudrio levadigo das ‘dege neragées’ de Morel, e em Magnan, continuava a se estag- nar adeno psiquiatria francesa e todo o pensa- nacional ndo se arejava fora das cercanias da ‘idiotia adquirida’, da ‘melancolia’ e do “del rio erénico de evolucio sistematica’. Quase 90% dos d nésticos dessa época caiam na categoria da generalidade enomistiea de ‘degenerado atipico’.. .», 4 Na_concey vio deste mesmo autor, «...hd uma ¢ base e sintese do conhecimento mé- €m cuja complexidade se universaliza todo o edificio Psiquiatria cient TES, (A dounga mental no. Brasil. Revi i BS. A! i. Revista Brasileira de 43 das ciéncias médicas e dos ramos da medicina; objetiva, das células e dos humores, de etiopatogenias sensiveis aos fatos da histopatologia, da fisiopatologia, da neuropato- ia; que a genética vislumbra e a heredologia esclarece, a unidade do proceso biotipolégico imprime configura- es, contornos e dimensées....». sta_psiquiatria s6_se materi loreira) que fez do «microscépio o olho da da pesquisa o fulero de sua mégica oficina, do escalpelo 0 silogismo, da lamina a dialética (...) em vez do livro © doentes, Estas citages entram aqui a titulo meramente ilustrativo, pois nao foi no terreno das idéias que se jogou essa disputa por hegemonia; a teoria de Brandio era perfeitamente adequada ao uso nas circunstancias histé- ricas brevemente esbogadas acima, O exemplo da buig&o por diagnésticos da clientela do Hospicio Nacional de _Alienados—(eo%s—e-casos clasificados como degene- radosatipicas) dé bem uma idéia das possibilidades de se recolher das ruas, sob esses rétulos bor jcos, um Jeque extremamente amplo de individuos, desde doentes mentais, digamos auténticos, a marginalizados sociais de todos os matizes e categorias. Nao foi, pois, certamente, a teoria de Teixeira Brando que acabou por desbancé-lo do poder, mas seu Pouco empenho em usé-la, «distrafdo que estava com sua carreira politicax, com a firmeza que a magnitude dos problemas requeria, Em conseqiiéncia de «decisées frouxas», a assisténcia pdblica a alienados na capital da Repiblica e nos demais estados deixava a desejar, comen- ta um observador. ¥ O Estado de So Paulo era a exce- 5. tem. 9. Se tee Bt 4 PS \gho; este Estado, dado o dinamismo de sua economia, finha interesse em preservar sua forga de trabalho e de remover os empecilhos & atragio de imigrantes estran- geiros e investiu pesadamente em saneamento e satide piblica, na tltima década do século XIX, a ponto de chegar a destinar ao setor, em 1892, expressivos 46% de seu orgamento. 7” A assisténcia a alienados foi entregue a Franco da Rocha que fez construir, em 1898, 0 Hospfcto © qual se falard mais abaixo. No Rio de Janeiro, com Rodrigues Alves na presi- déncia, em. , a direcéo da Assisténcia a Alienados e 2 geatho Ge Hosptcio- Nacional aoe ert a alee Moreira” ao mesmo tempo em que subia Oswaldo Cra 4 ditecdo dos servicos de Satide Publica, A SaidéePabli= ca e a Psiquiatria dao-se as méos na tarefa comum de sanear a cidade, remover a imundicie e a morrinha, os focos de infec que eram os corticos, os focos de desor- dem que eram os sem-trabalho maltrapilhos a infestar as cereanias do porto e as ruas do centro da cidade. Lopes Rodrigues, com propriedade, coloca lado a lado Oswaldo Cruz e Juliano Moreira, os dois gigantes da ciéncia de seu tempo, na Medicina Medicina Mental. Louva-lhes o espirito prati @ firmeza nas decisées, 0 mesmo repiidio & cultui a e ao ensino académico e a mesma fonte de i («so ambos germanéfilos»). * Convém ficar claro, no entanto, que, nesta faina comum a que se langaram a Saide Piblica de Cruz e a Psiquiatria de Moreira, coube a esta tiltima apenas 0 papel complementar, secundério, menos espetacular para os re- gistros da Histéria, o de recolher as sobras humanas do Processo de saneamento, clas no asilo e tentar, se Possivel, recipe modo. Como exemplo da fungSo que coube & psiquiatria, basta examinar a composicéo da clientela do Hospfcio H. 9Qgta. N, mon: SLOPES RODRIGUES op, ot, p. 0. 45 Nacional no periodo; numa estatistica de dez anos, de 1905 a 1914, Juliano encontrou 31% de estrangeiros entre os internados, um espelho fiel da situagio externa ao asilo, Repete-se pois 0 mesmo fendmeno que ja se dera ho periodo anterior, pré-cientifico, da psiquiatria do Vice- Reinado, No caso atual, Juliano Moreira, socorrendo-se ia sua ciéncia, em seus aspectos heredobiolégicos, e par- tindo do argumento de que «a terra era boa e 0 indio sadio» (antes da chegada dos colonizadores) concluiu que a Europa nos mandava a sua «escumalha», e propos-se a bater iis portas dos consulados estrangeiros pedindo a re- patriagio do material «defeituoso» que nos enviavam, Sem diivida, uma das primeiras praticas preventivas co- nhecidas entre nds. * Seus discipulos falam de um tempo de grande atividade cientifica: a classificagio brasileira das doen- cas mentais, as duas sociedades sibias, a de psiquiatria, neurologia ¢ ciéncias afins e a Liga de Higiene Mental, 0s congressos, as teses dontorais, os prélios verbais, as conferéneias, os torneios letives, os arquivos de pecas anatémicas, E que falar dos tratamentos? Se a volipia cienti- fica dos alienistas os levava a acompanhar o individuo «do leito até a morgue», pouco podiam fazer para que ele chegasse ao seu destino final em razoAveis condicées de integridade psiquica. Do armamentario terapéutico da época constavam a clinoterapia (0 vulgar repouso_no ito), a meloterapia 7), a praxiterapia e 0 open-door. Falava-se também em psiquiatria preventiva e hi- giene mental, mas hé pouea ou nenhuma evidéncia de que qualquer prética preventiva tenha sido implementada. Nos dois primeiros tratamentos listados nfo ereio que se possa reconhecer valor terapéutico. Restavam a praxiterapia eo chamado open-door, em outras palavras, © trabalho, seja em instituigdes fechadas seja em ambien- tes abertos, onde-se_pretendia reproduzir a vida de uma \ comenidade rural, ARAQIO. D. Aumectos ps na de Sate Ben los da Imigvagio no Brasil, Revista, Bras nano Ps ages, 46 Como ja vimos mais acima, o estimulo ¢ a glorifi- cago do trabalho se incorporaram & ideologia da nascente sociedade burguesa européia, € os ociosos recalcitrantes, os inadaptados A nova ordem, foram jogados na categor Ge anti-sociais e duramente reprimidos; trabalho e ni trabalho seria a partir de entéo mais um ponto de geri a estabelecer os limites do normal e do_anorm: Como @ pratica psiquidtrica nao existe num vazio soci: era de se esperar que ela assi de diferenciagio do normal e do tempo meio e fim do tratamento. Ja Pinel constatava, em uma viagem de vi varios hospicios da Europa, que os asilos de indigentes (sobretudo na Espanha), onde os doentes deviam tr thar para retribuir os gastos que se faziam com eles, contrastavam com o ambiente dos hospitais destinados aos mais abastados, que nada faziam ou apenas se di- vertiam com jogos e passatempos. Nos primeiros, 05 pa- cientes pareceram a Pinel mais ativos, menos bestificados mais tranqiiilos, levando-o a concluir pelo valor tera- péutico do trabalho, No Brasil, a entusidstica adestio 2 politica de (0 de colénias agricolas Hao se ett apenas por exclusiio das ontras estratégias terapéuticas, de eficiéncia duvidosa, mas também por ter encontrado ambiente poli. tico e ideolégico propicio ao seu florescimento, As neces- sidades do incipiente capitalismo brasileiro tinham lentes desde 0 tempo da colonia, um sério obstaculo. Era_preeiso reverter ao «normaly a tra do_brasileiro, atitude, ja se-viu, histérica-e-sociologica- mente determinada, mas elevada pelos alienistas a cate- goria de caracter da indole de certos grupos soci € étnicos, Esta ideologia nfo contaminow apenas a psiquia- tria; 0 direito colocou a vadiagem no rol dos delitos e contravengses puniveis com prisio, Wanderley Guilherme aT tos afirma que o préprio conceito de cidadania, _ ia simples pertinéneia do i fs, nfo se define i neste pase qunidade nacional, mas define-se por sua {uo em uma categoria profissional reconhecida e d ‘ei, Seriam pré-cidadios todos aqueles que nfiopar- ‘pam do processo e «. . .a carteira profissional se torna, Poalidade, mais do que uma evidéncia trabalhista, uma certidio de nascimento civico». ® Além disso, a id agticolas para doentes mentais se coadunava com a dec: tada yoeagio agraria da sociedade brasileira. «O fazendei- 6 ainda o lar brasi se casa com a dogu ‘a felicidade... ‘expresso pelas fazendas>, em 1980, A lista abaixo, compi i idéia da cronologia de instituigdes psiqu até a década de 50. Medeiros, a4 ricas no pafs SEQUENCIA HISTORICA DO SURGIMENTO DE LOCAIS PARA INTERNAMENTO DE DOENTES MENTAIS NOS VARIOS PONTOS DO TERRITORIO NACIONAL ANO. CIDADE INSTITUIGAO 1841 Rio de Janeiro 1832 ‘Sto Paulo Rio de Janeiro 1860 ine foci 1864 ‘Sto Paulo Hospicio de Alienados (Ladeira =. de Tabatinguera) Olinda Recife Hospicio da Visitagéo de Santa Isabel BARTON W. Cadena « fate, Rode dams, Bd Compan 1% EN a Fa WR Ha® Urbenneto « madence sical mo Bras. Petrépoly Bl 48 1891 1892 1893 1905-1941 “Son 1918 CIDADE INSTITUICAO maria do Hospital de Belém Belém io de Alienados nga do Hospital dos Salvador Paraiba Niter6i Recife Porto Alegre Fortaleza Rio de Janciro Maceis Leopoldina As Hospicio de Alienados (Marco da Ttapemirim (ES) Rio de Janeiro Natal ‘Sto Paulo ANO CIDADE INSTITUICAO “921 Rio de Janeiro Rio de Janciro Belo Horizonte Rio de Janeiro Oliveira (MG) Paraiba Barbacena (MG) Barreiros (PE) Colénia (para homens) ‘Sio Paulo Judicidrio ‘Sao Paulo de Paicopatas da Penha ¢ de Perdizes Fortaleza Casa de Saide particular (Drs. Picango e Vandik Ponte) ™ Recife Sanat6rio Recife 1938 de 1940 1942 1945 hia Centro Psiquidtrico Nacional (Engenho de Dentro) 1944 Hospicio de Alienados Psiquidtrico Santa Teresa 19401950 Maceié Hospital Colénia Portugal Ramalho Hospicio de Alienados Hospital Coldnia Adauto Botelho Hospital Colénia Adauto Botelho (Cariacica) Como se pode observar, a_maioria dos Estados brasileiros incorporam coldnias agricolas 4 sua rede de oferta de servicos, seja em complemento a hospitais tra- dicionais j4 existentes, seja como opgio Gnica ou predo- minante. No primeiro caso, dariam conta do de Janeixo, por exemplo,_9 Hospicio Nacional de Aliena- dos da Praia Vermelha assoberbado pela superlotacao, recorreu-se as colénias da Ilha do Governador que, uma 50 jnsuficientes em satisfazer a demanda, wen, Peveeeeyg eolbniss Jo Engenho de Dentro e de era 10a aerarepasta 7 Estados como Sio Paulo e Minas Gerais encalxam- Estata eventualidade; as instituigées agrieolas se na sexe como solucses globais para o problema do propunharsndo-o em todas as fases da evoluclo de sua louco, assexperiencia de Sio Paulo, onde Franco da donne ce constauir-vm hospieio-colGnia, em Juques, des- Rocha *rjeilmente a abrigar #00 pacientes, pretendia {inado “igudo, reeuperd-lo pelo trabalho agricola e devol- Velo & comunidade como >; esse retorno se faria diretamente ou pela d farMernado por familias das redondezas, humildes em ‘a, e que se supunha veriam de bom grado a idade de receber alguma remuneracéo do Estado wires anos chegou-se a reservar verbas para este fim) pela sua participagiio na reinsercio do egresso, uerando ainda com os servigos que este poderia the prestar. Tentava-se, desse modo, a titulo de solugdo tera- péutica, recriar artificialmente o ambiente rural pré- ta no qual algumas das praticas agora propostas como estratégias terapéutieas eram, até certo ponto, es- pontaneas e decorréncia natural da propria organizagio social daquelas sociedades. A _contradicao basica residia no fato de que os doentes seriam devolvidos a uma nova realidade externa (a0 asilo) que, j4 na época, estava longe do modelo idflico de goeledaile PuFaT ae por Jiilio Prestes, A nova ica lavoura cafeeira exportadora paulista ia fracas, € certo, mas é duvidoso que o hospicio Paez ae fornecer 0 material humano eficiente e disciplinado oun necessitava. Experiéncia idéntica foi tentada por Tee Pemambueoem, Pernambuco, nos anos 30, mas ace e ao certo quantos pacientes se beneficiaram da a isténcia chamada heterofamiliar. Em Sio Paulo, as as destinadas ao programa declinaram gradualmente 51 | até serem abolidas totalmente nos primeiros anos deste | séeulo. Malogradas as intengdes de recuperacio do doente contidas nas propostas de seus eriadores (mesmo porque ésta demanda talvez jamais lhes tenha sido feita pela Sociedade), restava ao hospital agricola ater-se A inica fungio que-jé-caracterizava a assisténcia a0 alienado, no desde a sua criagio; a de excluir odoente-de seu io social e, a propésito de Ihe propor ¢ liberdade, escondé-lo dos olhos da socied Situados geograficamente a centenas de quiléme- tros (em alguns Estados mais mil quilémetros) dos locais de onde provinha sua clientela, os hospicios-colénias nio tinham qualquer condicdo de interferir-nos-processos s0- ciais de selegio€ exclusio do_material que Thes chegava e.sobre o qual deveriam intervir. E esses processos nem pre — para nao dizer raramente — tinham em sua que se pudesse classi- ico ou teraptutico. De fato, quem se dispu- opulacdo das nossas coldnias de aliena- dos vai encontrar, amalgamadas 4 massa de cronicos, tornada indiferenciada pela cultura mesma do asilo, desde pessoas-que-lé_chegaram_apés_uma passagem por um hospital-psiquidtrico até individuos em cuja histéria de vida consta, como determinante da internacdo, «doencas> como a de mocas namoradeiras que foram desvirginadas e desonradas, eriangas que se tornaram érfas, mendigos ou arruaceiros que, pela intermediagio de um chefe poli- tico_local_ou_um_del de policia, encontraram no encaminhamento a0 hospicio a solugao definitiva, Como era de se esperar, a populagio de internados, condenados a um caminho sem retorno, nfo cessou de Grescer; @ construgo de novos hospitais ou a ampliagio dos j4 existentes_eram meros paliativos e as demandas Por mais verbas e mais leitos a tonica dos relatérios conclusées de encontros e congressos de especialistas. _, Mantinha-se pois inalterada a destinagio social do hospital psiquidtrico a despeito da substituicao da psiquia- 82 psiquiatria cientifica; resta saber se Htarios, em nome dos quais os médicos indo parece ter sido o caso; a figura oa que ‘Teixeira Brande aera et 1 ali inda hoje é uma categoria fu fli ¢ ads m4 gospels psiquidtricos pablicos. er dos «maus | a cacetad primeiros tempos da assisténcia psiquiétrica? Tudo também que Pi ao assumir a direao do Instituto Horizonte, em 1929, assim resumia a Jos nados (que documentou com fotos): «Da maioria dos quartos, funcionando como -prisées, partiam os gritos dos insanos, trancados, atados e imobilizados. Os esgares ecoavam pelos corredores, em cujos Tajedos outros tantos pacientes jaziam com os punhos amarrados (...), cordas, correias, firas, manchdes, argolas, lonas e coleiras forma- vam o arsenal patéti .. 08 bragos livres que restavam, fora dos manquitos célebres, eram para atirar montoes de fezes pelas paredes, que iam até os tetos, (...) Diarfa- mente o chamado carro-forte da policia despejava & ports” do Instituto, com guias dos Delegados, magotes de loucos de_todo_género. (...) Os loucos, cont os pés @ mios atados.-.~eram castigados por um calabrote de couro, com uma argola de ferro na ponta, o ‘relho mestre’, vibrado por bragos de guardas habituados a trat4-los por meio de todo aquele instrumental de sevicias». # Até recentemente o Hospicio de _ na foi um eneroso fornecedor de cadaveres para os institutos anaté- ‘mleos_ das Tactidates de med icina de Belo Horizonte. ‘stes slo apenas uns poucos exemplos pingados entre Tues, © diante dos quais as formas mais sutis e sofisti- cadas de persuasio denunciadas por Foucault a respeito do tratamento moral de Tuke, ao final do séeulo XVIII, Soam como cenas paradisiacas, tratos e das cacetadas» dos a indica ‘2 LOPES RODRIGUES, op. eit, p. 126, 58. ‘A despeito de algumas propostas e tentativas isola. das que nio frutifiearam (como a de Ulysses Pernambuco que, na -década de 30, preconizava uma organizacio assistencial abrangente, com ambulatérios, hospitais aber. tos, atenclo ao egresso), 0 euidado ao doente ment nesse periodo permaneceu essencialmente restrito ao int Tor dos asilos, Com excegao do ambulatério do Eng de Dentro eriado sob inspiracto da Liga Brasileir Higiene Mental, por Gustavo Riedel, e que se nfo s6 a acompanhar o egresso mas {ambém a dissemin; aconselhamento genético a titulo de prevencio de dist com a crit i (SNDM), do qual Botelho foi 0 1961, contavam-se apenas 17 em todo o pais, segundo relatério de Edmundo Maia, entdo diretor do SNDM. o Juqueri abrigava 11 215-mil doentes, 0 mesmo ocor em Barbacena, onde 3.200 enfermos «desdobram em ver- dadeira pletora> e com 0 Hospital Sio Pedro, de Porto Alegre, que acolhia mais de 3.000 e 86 tinha capacidad para 1.700; os hospitais colénias de Curitiba e Floria polis, de construgao relativamente recente, j4 atingiam, cada um, a casa dos 800 pacientes, sem que suas lagdes comportassem a metade dessa cifra. O Hospital da Tamarineira tinha um excedente de 300 doentes, «dormin- do pelos corredores»; 0 velho asilo de Sao Joao de Deus, na Bahia, ja nio recebia mais ninguém, por estar com mais de duas centenas de pacientes ultrapassando a stia lotagio; 0 pavilhao de agitados da Colénia Nina Rodri- gues, no Maranhio, teve de dispensar o uso de camas € 0 recurso adotado foi deixd-los dormir pelo chiio; a mesma situagio experimentava o Hospital Psiquidtrico de Niteréi, «que nio podia manter tantos doentes naquele exiguo espaco»; o Hospital-Colénia Eronildes de Carva- Tho, de Sergipe, estava ameacado de ruir, ¢ em Cuiabé, W.MATA, B. Visio ys Brava de Sande Men cia paigutrien mo Brasil, Revista 16 1a Ponte oferecia } ¥ t \ ito que a instituigao piblica_atingiu_j A popula. covdite em Tarchinhas de carnaval, anedotas s rét sjorativos atribuidos_a_determinados_hospitais, seria utilizado pouco mais tarde, no perfodo mais recente, como evidéncia incontestével de sua incompeténcia e um forte argumento em favor da exceléncia da livre inicia- tiva. ‘A psiquiatria de massa no Brasil Lango mao deste subtitulo para tentar caracterizar © periodo atual da assisténcia ao doente mental como mareado pela progressiva extensio do cuidado psiquié. trico a grupos cada vez maiores da populagio, e diferen- cid-los dos dois periodos precedentes que, em contra- posigio ao atual, poderiam ser intitulados de psiquiatria da ralé, Explica-se: nos primeiros vinte ou trinta anos deste século, a chamada questo social nio se punha como uma preocupacdo central do Estado, Numa economia eminentemente agrario-exportadora e pouco exigente em termos de qualificagio de sua mao-de-obra e na qual a forga de trabalho & disposicio do mercado confundia-se com 0 volume de pessoas em idade de trabalhar, no se justificava empenho maior em ages de preservagio da mio-de-obra, A psiquiatria cabia simplesmente recolher e excluir as sobras humanas que cada organizagao social, de cada momento histérico, tinha «produzido»; como ja se viu, foram homens livres num determinado periodo, imigran- tes estrangeiros num outro, As conseqtiéncias de um mercado regido pelas re- Bras do laissez-faire sobre a saide da populagio eram, até certo ponto, contornadas pelos préprios trabalhadores através da constituiggéo de grupos de socorro miituo, as chamadas Caixas de Aposentadoria e Pensio, organizados 4 margem do Estado, ou entio pelo recurso as instituigées de caridade, 56 ‘A erise de 29, segundo Fernando Henrique Car- wmareou a primeira grande transformagio nesta doso, m@eral. «O desemprego macigo, a debilidade do atitude Fipresarial ante a avalanche de problemas criados mundfueda das exportagoes, a presenga jé ento impor- pele ja vida urbana, tudo fez ver aos que tinham res- fanbilidade piblica e também aos que lutavam nos da sociedade civil para melhorar as condigées 's, que nao bastavam a autonomia, a crenca no libe- "0 e o remendo da caridade para equacionar e solu- fr as questées sociaiss.!S Essa questo social consistia, diz Cardoso, em re- conhecer a existéncia de um mercado de trabalho que, regulamentado pelas leis do laissez-faire, nada mais fazia do que aumentar 0 agregado de caréneias da populacdo, £ a partir do viés do trabalho que o Estado entra na questiio das politicas sociais, inicialmente por medidas de regulamentacio das condigdes de venda da forca de tra- balho, e mais tarde por preocupacdes de preservacéo da mercadoria forga de trabalho: satide, alimentagio, edu- cagio, ete, As instituigées ou grupos privados de socorro mituo, organizados por empresas ou categorias profis- sionais, serio, na década de 30, incorporados pelo Estado © organizados nos Institutos de Aposentadoria e Pensées; a assisténcia médica, que ao tempo das caixas j4 fazia parte dos beneficios concedidos, foi mantida e ampliada, va- tiando a sua importaneia proporcional no orgamento dos diversos institutos segundo o maior ou menor poder de barganha e pressio de cada categoria profissional, Apesar, pois, de a assisténcia médica j4 ter-se tornado al entre os ben ©8 previdenci atengio ica 86 sera incor- Porada As demais especialidades mais tarde, na Gécada de 60, e mesmo assim ineipientemente. Ha 30 anos strés, no Rio de Janeiro, apenas comerciérios e bancérios {axARDOSO. FH. Poiiean sociis na dcada de 80: moves opedes? Santingo, 87 comecavam a ter direito a internagées em sanatéri ticulares, e mesmo assim, o nimero de leitos montava a umas poucas dezenas, Em Sio P, os baneérios tinham esse direito, por sua viva’ cia de classe», e no Maranhio também os comecc «por constituir 0 IAPC naquele Estado feudo de pres” sioso politico local. * Os demais institutos contayam eo nas com peritos para efeito de auxilio-doenga, recommen para a eventualidade de internagies, aos hospitaig blieos, nos quais entravam na categoria comum de i gentes, ‘08 Par. Teservadog Somente ‘onseién. A que atribuir essa incorporacdo tardia da tria ao conjunto das praticas de satide da prevides social? Antes de tudo, fazia-se necessArio, a fim de as} & condigéo de poder ombrear-se as outras médicas, que a i ea lamentavel rizava qualquer prognéstico oti que o poder pil 6 ou era incapaz de gerir decente- tes Psiquidtrica ou que Ihe faltassem Profissionais competentes ou mesmo bem intencionados, A referida caétiea condi¢éo dos hospitais pul era conseqtiéneia direta do papel que a sociedade atribuira & psiquiatria nos dois periodos precedentes e sobre os quais j4 se comentou. Diga-se ainda, em socorro da in: tuigio psiquiatrica daquele periodo, que as drogas anti- Psicéticas, responsiveis, pelo menos em parte, por grafi- des transformacdes na atmosfera dos asilos, 6 faria sua aparigo no mercado em 1955, , £ sintomatico através de uma resolugio de un especialmente aos paises em d ves- ‘i A in lesen i User em agdes de sate mental, ugandon, We BEES {65 SERQUEIBA, Le Painiatria we Hho GEtncin “athnes asd “Ah Peboae Sree de de mena 58 ‘mental para 0 processo produtivo. Ito cus Itados de uma investigacao Fixemplificava Com OF Teal Research Council da Gré- abo pelo rnos psiconeurdticos levada a ¢ Bretanha, segue uma produsienjquela devida ao res! r 0 de produgao na industria da de emmatriado comum, Concluia, s de satide mental era e a erentavel> economicamente, «além de aju- odem acompanhar a indus- a pr Tin vevitar os desajustes que P trializagio». 7 Preservar, manter e adestrar a forca de trabalho (c indiretamente 0 préprio processo produtivo), bem como atenuar 0s aspectos disfuncionais inerentes ao desenvol ae mento capitalista — o desemprego, as desigualdades de distribuigao de renda, os desea ios de desenvolvimen- to entre as regiées, o problema na velhice, do menor, a cia das cidades, etc. — sao estas essencialmente as fungées das politi i mo moderno sem 0 recurso as quais 0 Estado se veria a bragos com uma crise de legitimidade e perderia suas bases de apoio. A psiquiatria sé seré chamada a dar sua contri- buigio efetiva e adquiriré o status de pratica assistencial de massa apés 1964, As fungées da pratica psiquidtrica Embora correndo o risco de particularizar para a iatria fungées que, ressalvadas algumas pequenas Peculiaridades, sio comuns assisténcia médiea em geral € ao conjunto maior das politicas sociai afirmagio de Castel de que «a pratica p: tica de uma contradigio (...) entre uma finalidade tera- Péutica e certas fungdes politico-administrativas». © Estas ving octal; scummuingio © legitimidade. Revista ‘pibitca, “sane Wag humans exit . 3 eee a Freee a eae Te iam a pee ues 59 fangées se resumiriam em um grupo de quatro seriam: curar, produzir, normatizar e controlar nc? (We cendo a nivel de maior detalhamento, poderiamos Vet a) curar, b) recuperar a forca de trabalho, ¢) att! criar novas fontes de trabalho para o pessoal doen mental, d) auto-reproduzir 0 préprio sistema de aes“ ia e de setores da economia a ele ligados: he indistrias de medicamentos ete., e) ideologizar as ney sociais, conferindo, desta forma, racionalidade a iri nalidade do sistema, f) dar um lugar aos desviain, excluindo-os, g) difundir e inculear normas de compa’ tamento visando homogeneizar as diferencas individune & fécil induzir que cada uma destas fungées esti embutida em virtualmente qualquer procedimento psiquis. trico; numa sociedade cada vez mais complexa, dada a lade dos interesses em jogo, freqiientemente contraditorios entre si, torna-se dificil e art Por, recortar e individualizar uma determinada fungio social da instituigao psiquidtrica como predominante numa dada proposta de politica ou estratégia de intervencio, ces Por isso mesmo, nfo compartilho da opiniéo de alguns autores que pri iam apenas os aspectos ideolé- gicos do aparelho de cuidados Psiquidtricos e elevam a fungéo ordenadora e controladora da psiquiatria & cate- goria universal, a ponto de identificar como igualmente Perigosos € virulent tanto uma lobotomia como uma interpretagao psicanalitica, tanto asilo do periodo pré- pineliano como a comunidade terapéutica. da situacéo brasileira, ni 8 is nos autorizem a concluir que aquelas fungdes tenham chegado a ser varidveis impor- tantes na ideologia da instituigao psiquiatrica, a nova fase a partir da & massa de trabalhadores J4 mencionadas precérias qual se estendeu a cobertura e seus dependentes, Dadas as 60 atacao de leitos em hospitais privados, ‘damente para atender & demanda. .-se pela contrat ne floresceram rapi ma rede ambulatorial ainda incipiente e que funcionon cutm0 auténtica malha de captagdo de pacientes para hospitalizagio, 0 qlinglénio 1965/70 foi marcado Delo fendmeno do afluxo macigo de doentes para os hospi- fais da rede privada; neste periodo, enquanto a popula- cio internada do hospital puiblico permaneceu estavel, a Glientela das instituigdes conveniadas saltou de 14.000 em 1965 para 30.000 ao final do perfodo. O movimento de internagées seguiu a mesma tendéncia, pendendo a balan- ga franeamente para o lado da empresa hospitalar, que em 65 internou 35.000 pessoas e em 70, 90.000. © controle da duragdo das internagées era também frouxo; 0 tempo médio de permanéncia, na rede privada, nesta fase, chegou a mais de trés meses, uma duragéo média de hospitalizagdo compativel com os recursos tera- Péuticos e as concepgoes da psiquiatria do inicio do século, mas incabivel na déeada de 60. Nos gréficos 1 e 2, nos quais 0 movimento hospi- talar do pais leva em conta tanto o hospital piblico como © privado, observa-se a tendéncia ascendente das hospita- lizagdes e da populacdo internada, Observou-se ainda uma subversio no tradicional il nosolégico da clientela dos hospitais psiquidtricos; interpretacio: muitos atribuem-no 4 simples avidez da indistria de hospitais por mais pacientes e mais lucros; no entanto, ele nio é restrito ao Brasil. Paises como a Gri-Bretanha e os Estados Unidos tém mostrado tendéncias semelhantes, sem que se possa invocar como 61 determinantes, naqueles pafses, a motivagéo a respeito da situagio americana, interpreta ¢ 7 Castel 0, fcomo um reforgo da funcio do hospital cana, Taomeng ‘tratamento’ de desviantes e inai ier de Pereebidos como perigosos, mesmo se é dif A Hs i I Ah um, Tétulo nosolégico preciso>, Nao dispomos de arlst qus.noe permitam avancar na interpretagto deqeue™ déncia no Brasil; pode-se apenas especul 5 elastico rétul versos que tém no asilo a tniea solu \¢Ho possivel, Preocupou-se em diferenciar hospital previden. cifrio conveniado do velho e decrépito hospital pit, scbretudo nas condigSes de hotelaria, atribuindo-se, pice efeito de classificacdo — © conseqiientemente melhor Te. muneragio — mais pontos a itens n néo diretamente rela- cionados & qualidade do tratamento ou do pessoal. Prete dia-se, assim, sendo tratar, pelo menos abrigar e vedi: © doente. Nao é exagerado admitir que o primeiro qiiingiénio . em suma, mais eficiéncia do sistema, que condenavam como dispendioeg e crete da Nos primeiros anos da década de 70, vieram uma infinidade de novas propestag, erfeig"iaP ‘servic, aches coneretas que tiveram duracto efamera urase ret duram sté hoje outras, partiden tanto do Minn, 4, CARTED, Ft all La sets Perches Pari Be Grane, 1978 enede. Le mode américain, 62 Secretaries Estaduais de Saiide, como a GO INPS. Como o sistema acolhia as também do PrP criticos, é de se supor que 08 interesen dentincias de S008 se, nfo eram antagdnicos. Ca Ber de ambos, Mine interessava ao sistema que & palqulatsia guntar Poe algum empenho curativo, que faltou in deme na fase anterior? : . ' mostra 0 quadro absixe, 0 ano de 1968 Compyjelo de um perfodo de grande aquecimento pens evidenciado por altas taxas de eee a PNB e redugao draéstica da ociosidade na industria. QUADRO 1 PNB, INFLACAO E OCIOSIDADE INDUSTRIAL NO BRASIL ANO PNB INFLACAO OCIOSIDADE INDUSTRIAL 1, 780 81 — a a7 13.2 1965 27 354 1835 1966 sa 382 2s 1967 48 30 an 1968 93 255 29 1969 99 204 188 1370 83 192 175 1971 Bs 198 116 1972 us 155 7 1975 139 15,7 15 1974 3 MS 09 1975, 58 292 19 1976 30 463 06 1977 47 388 34 1978 60 408 49 1979 64 m2 FONTE: Jornal do Brasil, 19/5/80. Singer‘! assinalava, para o ano de 1973, sintomas evidentes de escassez de mAo-de-obra, inclusive a de baixa St, GINGER P. A crise do “milagre”, Rio de Janeiro, Pas ¢ Terra, 1977, p. 80-81. 63 de Janeiro e Guanabara constatava do; no Rio da absorgdo do desemprego crénico, no sentido ‘Nao pretendo analisar as politicas de sade mental pelo viés economicista, nem tampouco estabelecer relagées Pereais mecanicas entre a conjuntura econdmica € os Cimos que # assisténcia psiquidtrica brasileira veio a to- war a partir de 1970, Permito-me apenas especular que, hao fossem as circunstaneias conjunturais daquele mo- mento historico, as mencionadas dentine tivessem sido consideradas, Nao é uma simples coi ‘cia que em todas as propostas que viriam a seguir se mencionasse explicitamente 0 objetivo, entre outros, de manter o doente na comunidade e néo afasté-lo de seu vineulo com o trabalho, E néo s6 as deniincias foram acolhidas, como tam- bém a muitos dos erfticos do sistema de livre empresa em satide foram dadas posigdes de destaque na administracio do INPS, do Ministério da Saide e das Secretarias de Saiide. Os resultados néo se fizeram esperar; passou-se a exercer mais controle sobre os tempos de permanéncia dos doentes nos hospitais, através das chamadas super- visées, a cargo dos médicos do préprio INPS. 0 ambula- tério, igualmente, empenhou-se em limitar as internagées e os indices de encaminhamento de pacientes aos hospi- tais, que no qiiingiiénio anterior chegara a 36% do total de consultas em alguns Estados, estabilizou-se em torno de 12% na década de 70. * Como relata Tacito Medeiros, em Pernambuco e Minas Gerais instalam-se centrais de internagio com © propésito de disciplinar os encaminhamentos para hospi- talizagéo, fazer valer os critérios clinicos e resistir as tendén¢ Rio Grande do Sul cuidado psiquiatrico, 52. VAISSMAN, M, Ausaténcia peiauidtrioe © previdtncia social: endiise, da Poy tica de sadde mental moe anos 70. Teve apresentada & UFRJ, Rio de aneiro, 198% 64 do interior para as colonias das capitais, manté-los tes do Mrcomunidades e trabalhando; estas duas iltimas ea eriencias perduram até hoje. © Estado de So Paulo entrega sua coordenadoria « saide mental a Luiz Cerqueira que profbe as interna- ‘sbarrotado Juqueri, cria um pronto-socorro para de no s Soes fas de curta duragio e firma convénios com as ca- entate de clinica psiquidtrica das faculdades de medicina, oriotivando igualmente conter as internagoes na rede pri- vada, ‘A enumeragio das experiéncias nfo é absoluta- mente exaustiva e muitas outras, por limitagdes de espaco, deixaram de ser mencionadas. Logrou-se com estas medidas reduzir as taxas de internagio e de pacientes hospitalizados (ver graficos 1 icos e, através de um documento elaborado em conjunto com os ministros da saiide dos demais paises latino-americanos em Santiago do Chile, em 1972, lana os prineipios bAsicos que se pretendia deveriam nortear os rumos da assisténcia psiquidtrica no pais; em linhas gerais, recomendava a diversificacao da oferta de servicos, sua regionalizagio, condenava o macro- le crénicos visand is facial an eaicinieete indo «a pronta reintegracao ,.. Bm consondncia com as recomendagées mini a 1 com ages ministe- ons is da Divisio Nacional de Satide Mental ae ), dirigida por Hamilton Sequeira, so melho- oan — condigées de hotelaria e dinamizados em cmatal ura, funcional (até onde lhes permitem os re- ace isponiveis e a inércia secular do asilo). Embora nce nacional limitado, firma convénios de assistén- -ERQUEL TIGGEIRA. La Perepectives do hoepitel peiquidtrico brasileiro. So Paulo, 65 jorizar as ages de satide ve diate ssos do Ministério da Saude e bliea seu M vigos de Asssténcia Psiguis- uibliea 52 racionalizava as linhas {nn 7, 0 de oe mle. de gorais de 20% stiba, 0 Manual de Servigos jamais foi Stetivamente implementado pelo INPS. — : 0 ano de 1974 veio marcar 0 inicio do fim deste ‘odo de relativa prioridade dada & psiquiatria, Expli- period se mnos do «milagre econdmicor, dado o desgaste case; foi submetida a forca de trabalho (traduzido por 3 aie Go poder de compra do salério mfnimo, aumento do nimero de horas trabalhadas, crescimento vertiginoso fos acidentes de trabalho ete.) deixou um saldo de dete- Horagdo das condigdes de vida dos trabalhadores e das Glasses populares em geral, evidenciado, ao nivel dos indi- eadores de saide, por erescimento dos padrées de morbi- fade e mortalidade infantil, aumento na incidéneia de casos de tuberculose e doencas erdnico-degenerativas, culminando com uma epidemia de meningite justamente nas duas maiores cidades do Brasil. ‘A nivel politico, as eleigdes de 1974 demonstravam que 0 Governo perdia apoio e legitimidade; respondeu intensificando as agées de assisténcia médica (néo psiquid- triea), estendendo a cobertura previdenciéria a grupos mais amplos da populagdo e facilitando 0 acesso de qual- quer pessoa aos servigos de urgéneia (o Plano de Pronta Agio), Como remédio para o crescimento da mortalidade infantil langou méo-de-obra de saneamento nas grandes cidades e medidas paliativas de curto aleance como 0 fornecimento gratuito de leite a criangas, gestantes € nutrizes. A assisténcia ao doente mental perde a importén- a relativa que chegara a ter no primeiro qilingtiénio da década de 70, tendéncia esta evidenciada pela redugio da proporedo de gastos com satide mental em relagio aos dispéndios com assisténcia médica, como mostra quadro 2: ia com os Estados, visa {rental nos Estados mais 0 INPS segue 08 Pa Manual de Ser 66 ‘QUADRO 2 QUADRO COMPARATIVO DAS DESPESAS EM ASSISTENCIA MEDICA E ASSISTENCIA PSIQUIATRICA NO PERIODO: 1970/1980 a) By Assisténcia Médica —_AssistOncia Psiquidtrica % (B/A) 2.240.553.615,66 181.221 .000,00 80 2.685.318.112,72 221.129.704,90 824 3.442. 685,344.68, 263.731.572,02 766 4° 989.237.746,41 525.611 826,60 633 7.017. 182.554,15 401.918.628,58 573 12,088.570.210,57 668. 398.859,44 553 23.759. 812.836,16 1.217.730. 109/00 53 532.171.2386. 521,22 1.688.707 .602.49 525 40.718. 345.685,02 2.575.920. 602,87 632 84.027.975.485,49, 3.764.400.716,51 4a7 177 036.630. 782,67 7.525.390. 113,25, 425 ee FONTE: INPS — Balangos Gerais MPAS — INAMPS — Balancos Gerais Mergulhado em uma crise de racionalidade com o declinio da atividade econdmica, o Estado nao tem con, digdes de banear os custos eada vez mais altos dos pro. cessos de legitimacio do capitalismo. 0 Conselho de Desenvolvimento Social (CDS) apela infrutiferamente iis classes dominantes a que paguem sua parte neste pro, cesso do qual sio elas mesmas as maiores beneficidviasy diz textualmente a resolugdo do CDS: «A seguranca ¢ 4 tranqiiilidade dos grupos sociais mais abastados depen. dem, em certa medida, do estado sanitério e da capacidade fe trabalho das eamadas mais pobres, Conseqiientemente as transferéncias de recursos da populagio mais riea parg assistir aos mais pobres poderiam ser contabilizadas como investi rang: i e : ae em seguranca nacional» (Jornal do Brasil, A psiquiatria, «ataraxic Bes social ; » «a ‘0 das tensdes sociaisy, teri: : ais», teria eapertante papel a desempenhar nesta conjuntura, mas vra numa limitagao conereta que Wanderley Guilher- 67 oe da escassez» chamou de «a estrutura i (a ame dos, Santos Taos materials disponfveis), © a equestig finiras om que ser tratada com 0 recurso a outras agén- aocialy om di em f02. ago mas certamente menog dispendiosas. © gritico 4 mostra as taxas de prisées efetuadas yr cem mil habitantes, cobrindo o perfodo de no iy, Note-se o pico ascendente a partir de 1974; ressalte-se ainda que uma grande maioria dos atos prati. cados correm por conta das detengdes sumérias, arbitra- rias, sem o recurso A intervengio da justiga, como as prisbes para averiguagdes ou por vadiagem, Que papel restou A assisténcia psiquidtrica? O exa- me das earacteristicas sécio-profissionais da clientela de um grande hospital psiquidtrico do Rio de Janeiro, conve- niado com a Previdéncia, talvez fale por si 86 (ver quadro 3 abaixo). QUADRO 3 PRONTUARIOS SEGUNDO RAMOS DE ATIVIDADE Diregio ou administratiy Indistria de transforma Comércio e financeira ‘Transportes e comunicagdes . fe seguranga piblica .. FONTE: Casa de Satide Dr. Biras Divisio de Servigos Médicos, 1976-1977. Observe-se a baixa representatividade dos setores da indiistria e comércio em contraposicéo A alta propor- ao dos «mal definidos e sem declaragio>, 68 A assisténcia psiquitrica brasileira parece nao ter restado outra alternativa sendo renunciar as timidas inten- ges de empenho curativo que lhe atribuiram por um breve periodo de cinco anos, muito pouco para os seus mais de 100 anos de idade, e reassumir o papel que sempre lhe coube na histéria, o de recolher e excluir os dejetos humanos da sociedade, os «homens livres> num momento, os imigrantes num ‘outro, os «mal definidoss de hoje. 69 orarico 2 800 700 600 500 400 300 200 100 60 62 64 66 68 70 72 74 76 BRASIL 1954 56 PACIENTES NOSPITALIZADOS EM HOSPITAIS PSIQUIATRICOS TAXAS 100" HABITANTES FONTE: FIBGE -ANUARIO ESTATISTICO- VARIOS ANOS Grarico 2 3000 2500 2000 1500: 1000. 500. anos. 199456 7896012345678 97012345677 BRASIL INTERNACOES EM HOSPITAIS PSIQUIATRICOS TAXAS 1003 HABITANTES FONTE: FIBGE. ANUARIO ESTATISCO-VARIOS ANOS » ontayus

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