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naa Wa aaa O que é a vida ? Sera acaso a vida o respirar, o sorrir, no trocar de cumprimentos banais e quantas vezes frivolos ... 0 banquetear com aparatosa regularidade, com suntuoso luxo dos amigos, algumas vezes tio indiferentes, ¢ alheios aos sentimentos de afeto, e de amizade que lhes votamos e até estranhos a gratidao; ag Cpe coer afagos vao cuspir sobre eles, seu sorriso de escarnio? ... Nd a isto vida? Nao, Ou sera entao o deslumbrante, e sedutor aspecto de um salao dourado, cujo ambiente perfumoso! pode encher 6 coragao de magicos Lele oats A vida para) mim esta nas lagrimas. Amo as que verto ha amargura pungenté de minhas ternas desventuras: com elas alimenta‘se.minha alma, elas acalmam o rigor do meu destino. stalinas e Lagrimas! Lagrimass«:. Elas despontam c brancas no ber¢go do recém-nascido, Elas nos seguem Pron iponr oy ent ceu Cee TL CRC RYE eon LADO ainda na derradeira agonia nem uma lagrima silenciosa como tm adeus 4 yida serenayaardéncia das faces requeimadas pela febre da,gangrena. LETTS rede ber Sie jas tem,sido as companhéiras da minha ardua e penosa arabe SMCS ET Ie ToMcey Nee Ce nr Crem Celt mses tela Ces Nelas é que me hei estribado para chegar ao breve iermo da minha longa peregrinacao. Triste do homi@m qué nao as tem... Guimaraes 15 de junho de 1873 Ce igi ar St) 1EL VMN Vssula IPN Pad B69. & Far he Ursula ee EL rome EN wae se 7 Maria Firmina dos Reis Ursula Romance A escrava ‘conto Posfacio Eduardo de Assis Duarte é editora Mulheres ee weinad nia Catarina tha de 2008 {© 2004, Ector vuheres: EatoraFUC Mines Sirecigéo: 1850 Sp ego: 1068, Coordenagto econ! ans Lipraee zane Auatzocto do romance Ursa, cotep com a prea ecicao evant de Assis Due ‘Auatzaea0 do conto * esc Far pee za Entiando de Assis Due ‘conetanca Uma Duar Preto gro eaoragao ia Maria Xavier tahoe Tote Lazzat soe desertas de Rugendase Debret Pontes Universe Ctoiea de Stas Gerais ‘ido-Chancelr. Dorn Valor Olvera de Azevedo for Btn lr Nato acositemacionais de Cao na Pbcago CIP Leyte an Co ao40 ‘sul: Accra 7 te a 580 : Farina dos Res; atmzago do texto © pence ihr eas ane,” Hany Bl Sates: BOS isos esasumn1 ® Poin: aco | ero ers Romance. 2. trata ras Cot se dada ds Ae il EDITONAFUC MAS ua Pe. Peto Evangel, 377 foro seuss sosssano CmuKte Eucarsten eatin sf a seca www purr rena ‘Sumario Observagées sobre a presente edigao Cronologia PROLOGO 1 Duas almas generosas 1-0 delirio I-A declaragao de amor 1V- A primeira impresso V- Aentrevisia M-Adespedida Vi Adelaide Vil - Luisa B... 1X- A preta Susana X-Amata X1- 0 derradeiro adeust Xi Foge! Xill © cemitério de Santa Cruz XIV - 0 regresso XV. convento de *** 13, 15 au 4a 87 or 7 a rat 135, 147 153 161 173, XM Bemando P. XVI Tullio XVIII - A dedicagao XIX - 0 despertar Xx- A louca EPILOGO AESCRAVA - conto POSFACIO Eduardo de Assis Duarte —— 231 aL 265 OBSERVAGOES SOBRE A PRESENTE EDIGAO com prazer quea Editora Mulheres, se@uin- do seu projeto original de reedicao das escritoras do século XIX, republica duas narratives da escrito ra maranhense Maria Fimina dos Reis: 0 romance insula © 0 conto A escrava. O cotejo com uma co pia facssimilar de um exemplar de 1859 permit esta edigao fosse devidamente atualizada quanto & coriografia, sobretudo a acentuagéo. Conigiram se, também, uns poucos erros evidentes, anotados no rodapé, como, por exemplo. a expressao “larva do vulcdio" para “lava do vulcso", como exige a obviedade. Respeitouse, todavia, a pontuagao or ginal do romance. Neste aspecto, Maria Firmina dos Reis tem caracteristicas proprias, Como, por exer: plo, o uso abundante do travess4o, de ving. @ separagio do sujeito € do predicado. Por ser uma pontuacao que persiste ao longo de toda a narrat: va, procurou-se conservérla 0 mais flelmente Pos: sivel, a fim de resguardar do texto da época o suf Gente para que 0 texto estabelecido nesta ecco 10a Ft 008 Ree puctesse ser considerado *histonco, isto &, fiel ao fato de que [..] € um documentario de uma fase de uma evolugao linguistica, com peculiaridades de um lapso de vida e de lapsos de tempo dentro des. savica’.' Por conseguinte, a0 contrario de reedicées que procuram modemizar a frase do autor, interte- rindlo no seu icholeto, nas suas escolhas de falante, fevese 0 cuidado de preservar a fala da escritora, Feflexo € tes de si propria Como ocorte sempre com 0s trabalhos da Ediora, este foi dividido consensualmente entre \vénas pessoas ¢ a generosa colaboragdo de cada ‘uma pernutiu que a presente edigfo se realizasse, Por isto ¢ imperioso deixar aqui expressos os agra: ecimentos a todas elas €, em especial, a0s cars © Prddigos biblidfilos brasileiros, 0 dr. Erich Gemeinder, que com toda a simpatia enviou a0 ‘organizador, prof. de. Eduardo de Assis Duarte, da Universidade Federal d recioso exemplar da segunda edicéo (facsimile) do romance de Maria Finnina dos Reis, a qual per- "itu a realizagao do cotejo ante mencionado: ¢ 0 iGo, abriu, condes: Cendente, as portas de sua biblioteca para as pes- ‘quisas daquele organizadior, ddr. Jose Mtindin que, sem he: Elamnbern regisiramos eagradccemos © apo da Ectlora PUC Minas que viabilizou esta edi ein eens on ‘onc 146 seat V8, p20 Mania Firsts pos Reis* (1825 - 1917) 1825 - Nasce Maria Fimina dos Reis na ilha de $40 Luis, capital da provincia do Maranhao. registrada como filha de Joao Pedro Esteves € Leonor Felipe dos Reis. 1847 ~ Aprovada no Concurso Estadual para a Cadeira de Instrugso Primaria na vila de Guia: res. 1859 ~ Publica Ursula. 1860 - Colabora com um poema trazendo {as iniciais M, F. R. no jomal A Imprensa 1861 - Participa na antologia pottica Pamaso maranhense. Colabora no Publicador Maranhense. (© jomal literdrio © Jardim dos Maranhenses omega a publicar 0 romance Gupeud. 1863 - 0 jomal Porto Livre republica Gupeva. 1865 - Publica poesias e novamente 0 roman Gupeva no jomal tierdrio Eco da Juventude. 1871 Publica Cantos @ beiramar 1880 - Aos 5S anos funda uma escola grat tae mista. 1881 — Aposenta'se no ensino puiblico oficial = Publica, alem de poemas. 0 conto Escravar em A Revista Maranhense. n. 3. 1sss - Compée © “Hino da libertagio dos ‘om letra € miisica. 7 = Falece aos 92 anos em Guimaraes, 1975 - 0 pesquisador José Nascimento Mo- rais Filho publica a edigéo facsimilar de Ursula, pre- tacio de Horicio de Almeida, Rio de Janeiro, Graf escravos", ca Olimpica. 1 José Nascimento Morais Filho publica Maria Fimina -fragmentos de uma vida, S80 Luis. Gover no do Estado do Maranhao, 1975. contendo: intro- ‘duséo, sintese bibliografica, poemas publicados na imprensa, “Poemas em prosa*, Gupeva, romance brasilense, “Enigmas*, “Charadas*, echo do dié- no “Album” , de 1853.4 1903, “Composigdes musi: cais", um Poema de Gongalves Dias, um "Hino & Mocidade’. um “Hino & liberdade dos escravos", centre outras, € Anexos, contendo entrevistas, infor magoes ¢ documentagbes biobibliogréficas. 1976 - José Nascimento Morais Filho publica Cantos 4 beira mer, ed. fac-similar. Rio de Janeiro, Granada, 1976. 1988 ~ A pesquisadora Luiza Lobo inclui na colegio Resgate da Eaitora Presenga 0 romance Ursula a Paras es, Cs: oar, ta fame rma x zane. rrhys de Chae Man) feJaneeo. Prescnga toes, Drain LN 1-10, PROLOGO Mesquinho ¢ humilde livro € este que vos apresento, leitor. Sei que passaré entre 0 indiferentismo glacial de uns ¢ 0 riso mofador de outros, ¢ ainda assim o dou a lume. Nao € a vaidade de adquirir nome que me * cegga, nem 0 amor proprio de autor. Sei que POUCO | vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educagdo acanhada e sem o trato € conversacéo dos homens ilustrados. que aconselham, que discutem e que corrigem, com uma instrugéo misérima, apenas conhecendo a lin gua de seus pais, € pouco lida, o seu cabedal inte, lectual € quase nulo. [Entéio por que 0 publicas? perguntard o Keilor ‘Como uma tentativa, e mais ainda, por este ‘amor matemo, que nao tem limites, que tudo des culpa — 0s defeitos, os achaques. as deformida: des do filho — ¢ gosta de enfeitéo e aparecer com em toda a parte, mosirérlo a todos os conhec imado € acariciado. e dos € vélon A ESCRAVA A ESCRAVA m sald onde se achavam reunidas uilas pessoas distintas, € bem colocadas na so- cicdade © depois de versar a conversacao Sobre diversos Assuntos mais ou menos interessantes, reeaiu sobre 0 elemento serv. © assunto era por sem dvida de alta impor: Anca. A Conversagio era sera: aS OpiniGES. Por rem, divergiam, Comegou a eiscussao, —Acimirame, disse uma senhora. de senti "mentos sinceramente abotcionista: faz-me até pas: ‘mar Como se possa Senti, € expressar Sentimen: tos escravocratas, no presente S¢culo, No SecLO dezenove! moral religosa, ¢ a moral civica ai se lem, ¢ falam bem alo esmagando a hidra que ich a farnita no Mais saggrado SANKINO Seu, © desmoraliza. € villa a nag inteita Levanta 08 othos ao Golgota. ou percorret 198 em tomo dla sociedadte, ¢ dizet me: Pam que Se deu em sacsificio, © Homem, Deus, que ali exalou seu derradeiro alent? Ah! eo 22 Maria Firmina dos Reis re Riri es Reig Enifonio ¢ verdade que seu sangue eraoresgate fo homen! & entio uma mentra abominével ter esse sangue comprado a iberdade!? E depas, ola asociedade... Naowedes 0 abuire que a conti cong ‘antemente!.. No sentis a desmoralizacéo que » enema, 0 cancro que a destror Por qualquer modo que encaremos a escra Nido, ela €. € sempre sera um grande mal. Dela a cecadéncia do comérci: porque © comércio, © a Javoura caminhan de mios dadas, ¢ 0 escravo ndo bode fazer florescer a tavoura: porque o seu traba. tho € forcado, Ele nao tem futuro: 0 seu trabalho nao € indenizado: ainda dela nos vem 0 oprébro, a. vergonha: Porque de fronte altiva ¢ esassombrata ndo podemos encarar as nagdes lites: por isso que 0 estigma da escraviddo, pelo chuzaniento das ragas, estampase na fronte de 10s nos. Embalde procuraré um dente nos, com Vencer a0 estrangeito que "Mi Suas Velas NAO gira uma $0 gota de sangue escravo, ‘depos. 0 carater que nos impnime, € nos lenvergontat © esctawo € othado por todos como visa = © senor. que papel representa na opinido soca” © senor € 0 verdugo ~ © esta quatiicagio ¢ hedionda, Buvounaarvos, seme quieres prestaraien- ‘S80. gn foto que umamente se deu. Podena oar 243 — __—__—__—_ aaa ‘vos uma infinidade deles: mas este basta, para pro- var 0 que acabo de dizer sobre o algoz € a vitima. te eotiogo: ro unre de agus, ba com um ideal de mulher, poética como um_ de vir se crcl caune cre Sons begets Sourn ance mitesowo eminence dus strona paleo, que se onran fencbueas a sop do vent, ce emia aa eo sol date seus is mics pautpernoorunem rip era “ioe snes acre agin no seh a serine ope ee oo repent uns gritos lastimosos, = neo in aay ‘em completo desalinho passou por Bes cone po una cbr Sempre a a va ner © Ht Sete ot cea pane meu rua, eto se no cio nea 9 OCHO mane. upresacoma apancao daquela mule, que areca femgdn, aguuela mulher que unr Minuto re scans = magoados, com gritos de suprema can sem com ait longa © oar a ultar se. Se eos 150. AOU a crore ab ucts Eu engio num mesma A, inert Quen sera a desta 1h procura ht coitadat Una pal pmagito, ny soeoAO, alguim pestena prestarie, Engine, lara ee and "gD, lembrei me, Mas no moniento mesmo em que este pen Samento, «tue code a todo homem em inten, cireunstincias, se me despertava, un homem ape feceut no extreme oposte do caminho, racle de cor parda, de estatita elevada, lar gas espaduas, cabelos negros, e anelads, Fisionomia sinistra era a desse homem, que bbrandia, brutalmente, na mio direta um azorrague repugnante: ¢ da esquerda deiava pender uma delgada corda de knho, = Infemo! Maldigdo! bradara ele, com vor rouca. Onde estaré ela? E perscnutava com a vista por enire 0s arvoredos desiguais que desflavam & smargem da estrada, — Tu me pagaris -resmungava ele. € apr ando'se de mim: No viu, minha senhora, interrogou com acento, cuja dureza procurava reprimi, ~ ndo vit por aqui passar urna negra, cque me fugu das mos jinda Iv pouco? Uma negra que se finge douda. “Teno as calgas rotas de correr airs dela poresias tenho félego. Aqucle homem de aspecto feroz era 0 algoz daqquela pobre via, compreendi com hoor 245 Aescome be pronto tive um expediente. = Via, tome tye com a naturalidade que 0 caso exigia: ~ Via, © Cha tamnbem me vu, coma em diregSo a este lugar: fins parecend inunidarse Com minha presenga, tomou directo opasta, volvendo'se repentinamen: te sobre Scus Passos. Por fim a vi desaparecer, in temando'se na espessura, muifo além da senda ‘que ali se abe. dizendo isto indiquetiine com um aceno a sencla que ficava a mais de cem pasos de distan- ‘oa, aquuém do morro em que me achava. ‘Minhas palavras inexatas, 0 ardil de que me sem, visavam a fazélo retroceder: logrei © meu intent. Franziu 0 sobrotho, ¢ sua fisionomia traiu a colera que 0 assaliou. Mordeu 0s beicos ¢ rus — Maldta negra! Esbaforido, consumido, a :melerme por estes caminhos, pelos matos em pro- cura da preguisosa... Orat Hei de encontrar te: mas, deixa ester, eu te Jur, sera esta derradeira vez. que "me incomodas. No tronco... no tronco: € de lé foe! 80, perguntei the. aparentando o mais pro- fundo inclferentismo, pela sorte da desgracada, — fore sempre caida go: Minha Senhora. AO menor des “Mo fe. Quer fazer acrestar que douda, if ‘clamet involuntariamente, com, de traia. 05 meus sentimentos, Mas © hom homem do azorrague nao pareceu Maria Firmina dos Reis 246 = Douda... douda fingida, caro te ha de custar. Acredite-o 0 senhor daquela misera; mas empenhada em vélo desaparecer daquele lugar, disse-Ihe: — A noite se avizinha, € se a deixa ir mais longe, dificl the sera enconira, — Tem razéo, minha senhora; eu parto ime: atamente, e cumprimentandome rudemente, re trocedeu comendo a mesma esirada que he tinha maliciosamente indicado. Exalei um suspiro de alivio, a0 vé-lo desapa- recer na dobra do caminho. © sol de fodo sumia-se na arta cinzenta do horizonte, 0 vento paralisado nao agitava as frangas os anosos arvoredos, s6 0 mar gemia ao longe «da costa, semethando o arquejar mondtono de um agonizante Ergui a0 céu um voto de gratido; ¢ lembrei ‘me que era tempo de procurar minha desditosa protegida, Ergurme conscia de que ninguém me obser vava, eacercavame jé da moita de murta, quando lum homem rompendo a espessura, apareceu ofe- ante, wémulo ¢ desvarado Confesso que semetnante aparicao causou- ‘me um teror imenso, Lembrcime dos criados, que cu tinha convocado a essa hora naqucle lugar, € «tue ainda ndo chegavamn. Tive med Pare instantemente, ¢ fxcio. Apesar do ter Tor que me havia inspirado, fxeio resolulamente Ascom a De repente Serenouo meu tenor helo, ¢ cdo medo, passei consideracto, ap a ra quase uma ofensa ao pur fxr a vista sobre aquele infelz,cwo como seminu mane se coberto de recentes cicatizes: entetanio svg fisionomia era franca, ¢ agradével. O rostonego,¢ descamado: Suposto seu juvenil aspecto aja de copioso suior, seus membros alquebrados de cansago. seus olhas rasgados, ora lings pee comacéo de angtstia que se Ihe pintavana rv. ora deferindo luz errante, e tremula, agitada, ¢ in. certa traduzindo a excitagdo, € o terror, tinham um «qué de altamente interessante, No fundo do coracéo daquele pobre rapaz devia haver rasgos de amor, ¢ generosidade. Cruzamos ee, € eu as visas e ambos rec amos espavoras, Bu, pelo aspecto comoverte, © iste daquete intel to deserdedo da sore: ee, Por que seria? Isto teve a draco de um segundo apenas tecobnednimo em presenca de tanta miséna, € tanta humithagao, e este animo procure’ de pronto transmiticthe. Longe de the ser hastil, 0 pobre negro com- preendeu que eu ia talvez minorer 0 ngor de sua Sorte; prot instantaneamente,crizo as m0 NO ito, € com voz splice, mumurou algumas pala vras que cu nao pude entender. ‘Aquela atitude comovedora, despertouine compaixdio: apesar do medo que nos causa a pre- 28, Maria Firmina dos Rois senga dum calhambo woz, que b | aproximeime dete, com ‘m Compreendicu ser protetora e amiga, tise ~ vem har © qe pocune? = A Mikes excenon enna os ob 0 poco mn A dein ent etn eon sean. anon ago sou un ales panes hima hora deco semigo pa estas pobre nt: pe kn de cna ent que oe AN! Minha mae ae ’ wee ue cor E preciso que eu corra, a ver se Aue 0 fevtor a cneontre, Aquele homem, tun tigre, manta Senora, - € uma fera, okie. Ele concurs. EM com também, cor te aqui porate rera se cle ae for esta a ditegio que womaram, Mas, onde esta ela, onde estar eke? — Escuta, the tomer eno, tua Ya. sakouag, ta sal Santi a80. 60 enor esta sora bem on — AN Minha sentra foncle, onde esti am ha mde © quem a savour? 249 —___ -gue-me, disse cu ~ tua mde esta ali - € apontei para a mouta onde se refugiara. —Minha mae, sem receio de ser ouvido, ex: clamou 0 filho: minha méet. ‘Com efeito, ali com a fronte reclinada sobre um tronco decepado; € 0 compo distendido no chéo, dormia um sono agitado a infeliz foragida. —Minha mae, gritowthe ao ouvido curvando, 68 joclhos em terra, tomande-a nos seus bragos. Minha mac... Sou Gabriel esta exclamacao de pt sera pareceu desperta Olhouwo fixamente: mas ndo articulou um ngente angiistia. a — Ant recargtitu Gabrel, aht Minha senhorat Munha mae more! Conchegueime aquele grupo interessante a m de prestarihe algum servigo. Com efeito era tempo. Ela era presa dum atlaque espasmédico, 'stava hitta € parecia prestes a exalar 0 demradeiro suspiro. — Nao, ela no more deste alaque: mas € preciso prestarihe pronto Socorro, «disse the: — piga, minha Senhora, fomou o rapaz na mais pungente ansicdade, que devo fazer? Volte eu embora a fazenda, seja castigado con rigor: mas NO quero, NO POSso Ver minha, Inge morrer ad, Sem Socorro algun, osc tlisse Ihe. vendo assomiar ao mor ro, doncie observavam tudo que acabe de narrat, ee 250 Maria Firmina dos Res 95 meus criados, «i rocuravam: ~ es} fados. que me procuravam; ~ ¢ = p espera, Nou fazer transpontar tua mac, tomar a vida. — Dig, minha Senhora, ordene, —Néo moro presentemer resentemente lonyge daqui. Sa bes a distancia que vai dagui a praia? Danhos salgados: ce minha casa, fou nos 4.sim, Senhora, 6 mw euae Pero. Que devo — TU. © estes homens = 08 enarlos acaba 1 «le Chegar = vio transportétla, imedatamente ALminha morada, ¢ a procuraret reaniméta, ‘Obt Stu © que dhsse. ¢ bobs senihora, «que bondade! Fol $6 fo continuo, Yomou nos bracos @ centtegue a0 seu dorido paroxts Mtb ser 0 fins do nando, ora, e486 leva m mie Ke focada de vencragiio cm presenga ‘loqquele aMOF fila, Kio singfelanvente mand Sighmos enti, = tome! Cu, stado. Gabel caminhava tio apressadamente que AI podtia acommpant lo ' gros transpuntie mos @uunbbral da cain, quae fat cos lias eu habiiava, da sawed elo met ato: ~ har does escravors foraidos, € eravos talvez Ue agen povleraso senbor € 251 poe porme & vindia da Ye: mas em prmelro lugar 0 rem edever € 0meu dever ea socorter AqUCIeS HY felizes. ‘ei, a vindita da lei: Ie que infelzmente ain: dda perdua, ti que garanie 20 forte o dete abustvo, ce execrando de oprimir 0 fraco. Mas, deixar de prestar auxilio aqueles des: sgracadas, tho abandonados, tio perseduidos, que rem para a agonia derradeira, nem para transpor ham sosse- ‘esse tremendo portal da Etemidade, 40, 04 tranclidade! Nao. ‘Tomei com coragem a responsabilidade do meu ato: a humanidade me impunha esse santo dover ‘Fazdeitara morbunca em uma cama. fiz abrir as portas todas para que a ventlacéo se fizesse livre, € boa, © prestetthe 0s services, que 0 €as0 Uurgia, ¢ com tanta vantagiem,, que em pouco recu: Derou os sentidos. ‘thou em tomo de si, como que espantada do que via, € tomou a fechar 0s olhos. Minha mdet... minha mae, de novo exctamou. otto, ‘Ao som daqucla voz chorosa, € to grata, cela enue a cabega distr yo, deta, mum FOU" = Calost... Urbano. — Nao, nha mie, Sou G leu os bragos, €, com, peel jabiel, toot ela, com voz estndente os para. onde foray? CS 282 Moria Firming dos Reis = De quem fata et lmpava as lagrimas mae. Nlerrogtuet Gabriel, que 'S Na coberta da cama de sua | ouda, minha senhora; fala de meus in fos Carlos e Urbano, cnangas de ofo anos, que ‘meu senhor vendeu para 0 Rio de Janeiro, Desde esse dia ela endoudeceu. ~ Horo exam com ne Pobre mae! estore og Ihe resto eu, Continuou solucando - 56 Entretanto a enferma pouco, e pouco Aas forcas. a Vida, e a razdio. Fenomenos a morte, por assim dizer: 6 kita imponente embo: a, da natureza, com 0 exterminio, — Gabne? Gabriel es we —E noite. Eu morro... E 0 servigo? E.0 feitor? ~ Fotis em seguranga, pobre mulher, disse- cu. s6-eut recobra ~ {© teu filho esiéo sob a minha protegio. Deseansa, aquininguém hes tocara com um dedo. Fomo ndo devem ignorar, eu ja me havia constituido entio membro da sociedade abolicionista da nossa provincia, e da do Rio de Janeiro, Exped de pronto um proprio a capital Envio ela fxoume, ¢ lucidez. esperanga, e gratidéo, Sornurse € munnurou. n Scus olhos brilhou — Inda ha neste mundo quem se compade- ade um escravo? Ha mutta alma compassiva, retorquithe, "ae Se condoi do sofnmento de seu imdo. 253 Ascmn Naqueta hora quase suprema, a infeliz excla- mou com voz distinta. — Nao sabe, minha senhora, eu morro, sem vermais meus filhos! Meu senhor os vendeu... eram to pequenos... eram geémeos. Carlos, Urbano... ‘Tenho a vista to fraca... é a morte que che- ‘ga. No tenho pena de momrer, tenho pena de dei xarmeus filhos... Meus pobres flhos!... Aqueles que me arrancaram destes brags... este que também Eescravol.. E os solugos da mae, confundiram-se por ‘muito tempo, com os solucos do filho. Era uma cena tocante. ¢ lastimosa, que des- edagava 0 coragao. An! Maldigio sobre a opressdo! Maldlicao Sobre 0 escravocratat Cheguetlhe a0s labios 0 cal mante, que a ia sustendo, e ordenei a Gabriel fosse fomar algum alimento. Era preciso separé-ios, = Quem ¢ vossemecé, minha senhora, que tio boa € pra mim, ¢ para meu filho? Nunca encon- rei em vida um branco que se compadecesse de mim; creio que Deus me perdoa os meus peca dos, ¢ que ja comego a ver seus anjos. —£ quem ¢ esse senhor to mau, esse se. inhor que te mata? —Entito, minha senhora, ndo conhece 0 se- nnhor Tavares. do Caju? — Nao, tomnetlhe com convicgdo: estou aqui apenas ha dois dias, tudo me € estranho: no 0 ‘conheco. E bom que colha algumas informagoes: dele: Gabriel mas dara. 258 Maria Firmina dos Reis — Gabriel disse la ~ Passo falar. E comecou: = Minha mae et india: mas cu de do. Eu mesma. Ainda ra afncana, meu pai de raga Cor fusca. Era livre, minha mie cra eserava, Fram casados ¢ des SC MatmOnio, Nase eu, Para mintorar os eastigos que este homem cruct inf ‘8 dlianamente & minha pobre mc, meu pai quase Consuntia seus das ajucando.a nas suas clesmedi ‘as taretas: mas ainda assiny, redobrando o trabalho, ‘consequiu um fundo de reserva em meu beneticio, Ln aia apre valizaxta. dice cntou a meu hor a quantia, Jo que craparao meu ressate, Mew Senor recebeu a moeda somindo se —tinha cu ein: Co anos = © disse: A pameita vez que for a cidade ago a carta dela, Va descansado Custou ara cidade: q nas. © quando chegot eniregou a ett par uma fotha de papel esenta, dizendo the: ia, com cuuktado, @ a carta le tiberdhie de Joana, Meu pa nao sabia ter: de atadtecide bepou asinvios da a fera, Abraigout ime, chorou de alegna, ¢ guantou a suposta canta dle lverahade Piao tart amente eu comecel a aprender a ler conv un escrave mulato, ea saver com alum Wbyeteace Isto ehet does anos Mou paar mone de re pente. eno dha imediain meu sentiordisse a manha Aescnavn = — Joana que va para o servigo, tem ja sete ‘anos, € cu nao admito escrava vadia. Minha mae, surpresa, ¢ confundida, cumpritt a ordem sem anticular uma palavra. Nuncaamicu pai passou pela idéia, que aque- Ja suposta carta de liberdade era uma fraude; nun- ca dew a ler a ninguém; mas, minha mae a vista do rigor de semelhante orclem, tomou o papel, ¢ deu- (© a ler, aquele que me dava as ligdes. Ah! Eram lumas quatro palavras sem nexo. sem assinatura, ‘sem data! Eu também a li, quando caiu das maos do mulato. Minha pobre mae deu um gto, © Cait estrebuchando, Sobreveiothe febre ardente, deliios, ¢ és dias depois estava com Deus. Fiquei 56 no mundo, entregue a0 rigfor do. “Agni ela interrompettse: agtourthe os men ‘ros um temor convuiso. A morte fazia OS seus progressos. De nove cheguctihe aos labios a co- ther do calmante. que the apliava. € pede, nao as dolorosas que a podiam. revocasse lembran maine ant Minha senhora, comegou de novo, mais reanimada ~ apadinhe Gabriel mew filho, ou ‘o no funda da terra: — olhe Se ele for pre: debaxo do agonte, ComE LANDS outros, scone cer sentir fe eio eSpirar debaiso do aque meu sen ap Suaeoas portage? Met fo acaba asin. Tew io esta sob minha protogdo, ¢ ys Seja a atte que possa assume essen bas} € teu senhor. Gabriel NO voltara ee Ela recolheuse por al fomandorme as maos. bevo mento. ~ Ant Se pudesse, nesia hora extrema ver meus Pobres fihos, Carlos e Urbano! Nunes maa 08 vereit Tinham oito anos Lim homem apeouse a porta do Engenho, onde juntos tabahavam meus pobres fio ~ erg um traficante de came humana, Ente abjeto, esem Coragio! Homem a quem as kigrimas de uma mae nao podem comover, nem comovem os solicos do mocenie. Se homem trocou tigeias palavras com meu senhor € s ‘mais 20 seu poder Igum tempo, depois t's Com reconhect. W linha © Coragao opresso pressentia uma hova dessraga Ahora penn 10 descanso, conchegueta Hum ICUS pobres flhos, estenuados de cansago, {He Togo aomeceram Ouvi ao longe rumor, como de homens que conversavam, Alonguel os ouvk Embrevereconhec! pitar desordenadamente ori para #102 do senhor Seni pa ne do tatic peter os a0 CoraKa0. meu Coragio; lenibr tneus thos, que donk Entao sent unt umbide nos ouvidos, fuga me hig dos olhos & cream que perc os sentidos 257 ‘Asseyn [Nao set quanto tempo durou este estado de torpor: acordei aos giitos de meus pobres filhos, ‘que me arrastavam pela saia, chamandome: ma- mie! mamaet ‘Ah! minha senhora! abriu 0s olhos. Que es- petaculo! Tinham metido adentro a porta da minha pobre casinha, € nela penetrado meu senhor, 0 fe: tor, € 0 infame traficante. | Ele, € © feitor arrastavam sem coracao, os filhos que se abragavam a sua mie. Gabnel entrava nese momento, Basta, mk nha mie, disse the, vendo em seu rosto debuxados todos 0s sintomas de uma monte proxima, —Deixa conch, meu fiho, antes que amore ime cerre os labios para sempre... deixar me morrer amaldigoando os meus carrascos. — Por Deus, por Deus. gaitei eu. tomando a ne com meus fihost yeu feroz senhor. ~ Calate ‘mim, por Deus, leven — Calavte! gato (ou te fared cala — Por Deus, tomei cu de jocthos, ¢ tomando as mos clo cruel traicante: = meus filhos! fihost Mas ele dando um m umeagandoos com 0 chicote, que empunhava, Ceniregouos a algucm que os devia leva, ‘Agni & nusera Calo Se: CU Tespeitet © aw que cra doloraso, qtande the ouvi um ae iS forte empurdo, € © maagoanle: Fabric] ayocthou se, ¢ 258 a Ms tara Femina dts Monta? ‘Com eteito unha ees feito una cessado de softer. 0 emba te tha sido forte der femais para suas debe, 2° forgas, ‘Shia pe Paramos do céu, ¢ deena bite, en homer essen porta, Era o homem do : Ponava com uma fita de praia Yortague que eles aaqgucie bomen de fsionomia sunistra, € ferivel, que me intemetara algumas hoeas antes, acerca da nfeliforagich: ¢ este homem apa- rein 3 aus heciondo aunda, segue de dots 08, que, CoM Ele, pararam a porta, = Que pretende © senbor? Persuntertie. Pode ¢ © pobre Gabriel refuyyouse ti Ho, 90 cane fo da casa, Anta, 6, el, disse the com voz Segura © voltandome para 0 fetor, conunuen a tia abe ichz, a quem 0 catwveiro, € 0 marines despenbaram to depressa a Sepultura jorte, 08 dois Comonidos em presenga da ‘escravos deraram pender a fronte no pet: © pro- Jno fevor ao prmeao inpeto teve um ampulso de ty ado de pronto na rude, € teroz fisonomin, disse me waka vez que a encontro, mi = F oye ase hou sendioea,entretanto. no sevaunda a quem flo 239 necoae recothe que me diga 0 seu nome, para que eee pega o patra, 0 senhor Tavares. & escandalo- aehinha senhora, a protecao que dé a estes e5- cravos futidos ns palavras inconvenientes mereceram O seu descém: nv Ihe retort (© meu silencio the deu maior coragem. ©, fazerciose insolente, Continuo wp senhora coadivou.a mae em sua fuga: acabou acpi, mais tarde saberemos de que. Pre: tender também coadhuvar 0 flbo? 1 o que havemos de ver. Joao, Fei! E com um aceno indicourthes © que deviam fazer Gabnel, que ao meu chamado vollara para Junto do cadaver de Sua mae, sentindo que © vi ‘ham prender,levanou'se espavonido, sem saber © que faze —betennte! he gntet eu, Estas sob a minha :medtata protegao: € voltandome para o homem do azonague. disse he Insolente! Nem maus uma palavra. Vaite, «iz 4 teu amo, ~ miseravel instrumento de um cescravocrata: dz a ele que uma Senhora recebeu Cem sua casa, uma misera escrava, louca porque the arrancaram dos bragos dos fihos: (05 vender para 0 Sul: uma ‘scrava monbunda: mas anda assim persestada por seus implacavers algozes ‘arte, © entregathe este canéio. ai achara 0 Vai, que nunca RAS Nos tomemos ay Ele mordeu os | beigos para ‘agar o insult 7 desapareceu. me No dia sequin, er Se a desfiar o saimenio Ceampramentin me com my om mance da a ‘Sociedade, € disse-me: “ — Pesculpe-me, querida senhora, se me apresento em sua casa, tao brusca desazadamente; entretanto, — Sem ceriménia, senhor, dissehe, procu Fando abreviar aqueles cumprimentos que me in comodavam, Sei o motivo que aqui o trouxe. e podemos, Se quiser encetar jé 0 assunto. ‘Custavarme, confesso, estar por longo ten Po em comunicagao com aquele homem. que er — Pecothe mil desculpas, se a vim incomo — Pelo contrario, retorquitte. 0 sentir pou pottme o trabalho de 0 ir procurar Sei que esta negra esta morta, exciamou lc. € oflho acha'se aqui: tudo isto teve a bondade de comunicarme ontem, Esia negra, continuou. olhando fixamente para o cadkiver ~ esta negra era alguma coisa monomaniaca, de tudo tinha med, landava sempre foragia,nisto consumiu a exister- 261 Assume da. More, nao lamento esta perda; j4 para nada prestava. 0 Anténio, meu feitor, que é um excelen te € zeloso Servidor, € que se cansava em procuré 1h, Porém, minha senhora, este negro - designava © pobte Gabriel. com este negro a coisa muda de figura: minha querida senhora, este negro esta fug- do: espero, mo entregara, pois sou 0 seu legitimo senhor, € quero cortgito. — Pelo amor de Deus, minha mée, grtou Gabriel, completamente desorientado - minha mée levame contigo. —Tranqtiizate, the tomel com calma; nao te hei j dito que te achas sob a minha protecao? Nio tem confianga em mam? ‘Aqui 0 senhor Tavares encarourme estupe- fato ~ © depois pergunioume — Que signiicam essas patavras. minha que da senhora? Ndo a comprcendo —Vaicompreenderme, retorqul, apresentan done um volume de papéis subscntados © com: etentemente selados. Rasifou o subsctito, elewos, Nunca em sua ‘ida tinha soft tho extraordinsitia conirariedade — sim, minha cara senhora, redarguis, ter rminando a tua: © dreto de propriedacte. confers ‘do outrora por lea nossos avis, hoje nada mais € ‘que uma busta ‘A Ie rerogradou. Hoje protege-se escande- losamente 0 escravo, contra seu senhor: hoje ua ‘quer inividuo diz a Um iz de és 202 Femina dos Rots Em toca desta quantia exio a tberdade do escravo fulano ~ haa ot no aprovagao do seq senor. ao acham isto interessante? — Desculpe:me, senhor Tavares, disse:nwe: {Em concluséo, apresentoihe um cadaver © lum homem tre. Gabriel ensue atronte, Gabriel 6 tvret O senhor Tavares, cumprimentou, ¢ retroce- {dew no seu fogoso alazao, sem ckivida alguma ras funoso que um tre. Revista Maranhense ns - 1887 POSFACIO Mania Firina DoS REIS E 0S PRIMORDIOS DA FicgAo AFRO-BRASILEIRA Eduardo de Assis Duarte Maria Firmnina dos Reis nasceu em S80 Luiz do Maranhao, em 11 de Outubro de 1825, sendo registrada como filha de Jodo Pedro Esteves Leonor Felipe dos Reis. Menina bastarda € mulata Vivendo num contexto de extrema segregacéo ra- ial € social, aos cinco anos teve que se mudar Para a vila de S80 José de Guimardes, no munict io de Viaméo, situado no continente e separado a capital pela baia de $40 Marcos. O acolhimento ‘em casa de uma tia matema teria siclo crucial para @ sua formagao (Mott, 1988). Consta ainda ter obti do ajuda do escritor € gramético Solero dos Reis, Primo por parte de mae, “a quem deve sua cultura, 5 Professor de Teona ca Lreratura e Literatura Comyparacta (a LING: Coonienatior do Projo integrano de Pescpace ‘Alt escensncion ragaenia na Ctra asta” por 286 Maria Firmina dos Reis Como afimmia em diversos poemas™ (Lobo, 1986), AOS vinte e dois anos, Firmina vence c biico para a “Cadeita de instnucao Primaria” na 1 dade de Guimardies-MA, conforme escreve Nase mento Morais Filho (1975). &, ainda segundo esie ulor 20 Se aposentar, no inicio da década de 1880, funda ‘ONCUFSO pu @ primeira escola mista e gratuita do Estadio € volta para a sala de aula, Mantém, em paralelo, luma presenga constante na imprensa local, publi Cando poesia, ficgao, cronicas ¢ até enigmas ¢ cha Fadas.' Maria Fimina teve panticipacdo relevanie Como cidada € intelectual ao longo dos noventa € dois anos de uma vida dedicada a ler, escrever € ensinar, Atuou como folciorista, na recolha e pre: servacio de textos da literatura oral € atuou tam: bém como compositora, sendo responsivel, incr ‘sive, pela composicéo de um hino para a aboligaio da escravatura. FE, 0 mais importante, trouxe a pt blico dois romances, Gupeva, em 1861, de temética Indianista, © Ursula, em 1859, no qual aborda a escravidéo a partir do pont de vista do outro, as Sunto que também nortela a narrativa do conto “A. Escrava’, publicado em 1887, no auge da campa- nha abolicionista, No entanto, como era comum numa época em que as mulheres viviain submetidas a inime- ee " Sequaeko Zale Muza Conny 2 cohabit arene eran anus oy eran, tals (ot) Merten Stara Seren Sueonhetise 0 Deen (7.0 0a, Paconin tert canne Ursula a ten spec so oon ne Ursula, ali Consignando apenas o pscudénimo “Uma eee eenaseeeoraeeger eee cnet ee avons ae ceeeounn Se eee omnes en Suga ieemienacncats Sea iemiaeeee Seer Cincenn tecssromcnnen oie Te cate ener majo mans oaateeeions sa ecens eneonoi ees ee on ree sen ens Se et mens ae a oe cpt a Cultura Brasilena, O Leaman cone rs ue sc te cota eee rae op oman et ema Maia Frmina dos Reis Oo resiate de escntores afro-brasileiros do pasado. € do presente, passa a0 largo da obra de Mana mina dos Res, No prdlogo de tirstula, a autora afiema saber ‘Que “pouco vale este romance, porque escrito por ‘uma mulher, € mulher brasileira, de educagtio aca- ‘hada e sem o trato € conversagéo dos homens lustrados. Por tds dessa dectaragéo de modéstia, @ escilora revela sua condigao social: 6 fa de nag {er estudado na Europa, nem dominar outros ido. mas. como era comum enire os homens educa: dos de sta época, por si 6 indica o lugar que oc. Paina Sociedade em que nasceu. 8 desse kigar in. lermedidrio, mais proximo da pobreza que da ri: ‘dueza. que Maria Finmina corajosamente levanta stia ‘vor alravés do que chama “mesquinho e humilde x10", E, mesmo sabendo do “inciferenismo sac al de uns" € do -riso motador de outros", desafa “ainda assim 0 dou a tume © Prologo estabelece 0 terrtério cultural que fembasa 0 projcto do romance, Momento em que a prosa de fi ‘meiros pasos entte nds, Con utos aspectos inaugural - tamos em 1859, iogfio dava seus pe M Seu gesto - sob Maria Firmina aponta wico como atitude 1a de injusticas hha séculos ara ads na Soe pa ox inca brastcia € "V0 © na muher suas pric portant, co a mo mulher € como ao’ ‘aminho do romance ron Paltica de der * 2410Fa DOe-Se a narra o cam da oven Ursulae pal, € @ tragédia dos escraves Tullo, Susana ‘Antero, que recebem no texto um tratamento mar. ado pelo ponto de vista intemo, pautado por uma profunda fidelidade @ histéria oculta da diéspora africana em nosso pais. Essa solidariedade para ‘com © oprimido, também presente no conto “A Escrava', € absolutamente inovadora se compare: da aquela existente em outros romances abolicionistas do século XIX, pois nasce de uma erspectiva outra. pela qual a escritora, imanada 0s cativos © a seus descendentes, expressa, pela Via da ficcéo, seu pertencimento a esie universo de cultura, Do ponto de vista formal, o texto marcase Pela inearidade narrativa e por personagens des- rovidos dle maior complexidade psicologica. Tais figuras vivem quase sempre situagdes extremas, ‘marcadas pelo acaso e por mudancas bruscas do destino, Situando Ursult no contexto da narrativa folhetinesca, pode-se aquilatar 0 quanto a escnitora ‘Se apropria das técnicas do romance de facil acei- tagao popular, a fim de utlizélas como instrumen: ‘oa favor da dignificagao dos oprimiddos ~em espe- ial a muther € 0 escravo. © triingulo amoraso for- ‘mado pela jovem Ursula, seu amado Tancredo pelo tio Comendadlor (que surge como encamagio ‘de todo 0 mal sobre a terra), ocupa © plano princi Pal das ages. Alem de assassinar 0 pai ¢ abando: 0 Maria Frmina 60s Res ar a mie da proagonista anos e anos entrevada ‘numa cama, 6 Comendador compse a figura sé ‘ca do senhor crue! que explora a mo de obra ca va ate 0 limite le suas forgas, Ao final, enlouqueck do de ciimes. 0 vilio mara Tancredo na propria noite do casamento deste com Ursula, 0 que pro- voca a loucura, 0 posterior falecimento da heroina © 0 nconsolavel remorso que também leva 0 to a "morte, nao sem antes passar pela iberiagao de seus, escravos € pela reclusdo num Convento, © texto descaria 0 happy end e opta pelos esquemas con ‘sagrados no romance gtico a fim de estabelecer a ‘empatia com © pablico. ‘Todavia, 0 tivo cresce na medida em que ‘emergem os dramas dos escravos. A narrativa se inicia com 0 jovern Tilo - tinico cativo da deca: dente propnedacle da mae de Ursula ~ salvando a Vida de Tancredo num acidente. No por acaso, 0 capitulo primeiro, destinado a apresentagéio do ce: ‘nano € dos dois personagens, se inlitula “Duas A ‘mas Generosas” clogo saberemos porque. De ime- diato, destaca-se a humanidade condoida do sujel- "0 alto descendente, cujo peril dramético e exis: - fencial vat além da mera forca de trabalho ou do Papel de portavoz do édio rancoroso dos ‘quilombokas: = Que vernal ~ ent dss ete, engiendo asians ao eu ~¢pte-vermura ponte sal mem pe asa tava xa un pore "ognize ora pare cna vane Grsvla a7 ‘once anos. € que na fanca expresso de ‘sua fsionornia evava acNinar toda @ 90 breza de um coracio bem formsdo. © san se arcano reterasnernas velas:0 misero. lgavase & oWiosa cadeia da escravido: © ‘embalde 0 Sangue ardente que herdara de ‘Scus pals. e que onosso cima e servicio ‘io puderarn res, embalde ~ dissern0s ~ se revoltave: porque se lhe erguia como Dbarrera ~ 0 poder do fore conta ofraco!. Ble entanto resignava-se: e se uma lagen 2 desesperagao the arancava. esconda ‘ho fundo de Sua miséria. es, 2004: 22) ‘A composi¢o do personagem jé indica a perspectiva que orienta a representagio do choque Centre as etnias no texto de Masia Fimmina dos Reis. Aeescraviddo € “odiosa’, mas nem por isto endure: ce a sensiblidade do jovem negro. Eis achave para compreender a estratégia autoral de combate 20 regime sem agredir em demasia as convicgoes dos Ieitores brancos. Tilo vitima, néo algoz. Sua re- volta se faz. em siléncio, pois néo tem meios para confrontar 0 poder dos senhores. Nao os sabota hem 0s rouba, todavia, como os escravos presen: tes em Vitimas-algozes. de Joaquim Manoel de Macedlo (1869), Seu Comportamento pauila'se Pe- los valores cristios, apropriados pela autora a fim de methor propagar seu ideanio: cpa cio pn ie nett Sich ane anttea = 22 r Mirren sr teg oreo os sentimentos senexosos, que eu the nplanten no cera pee am itaclos, pnts cerns a a zs Mas ea Yale € pk eno Face entemecearse em presen selon toraceras che se fie ofaccua visa fe, Ressalte:se de inicio que nio se tata de con: denar a escravidio Unie nene porque tm esera- pecifico possut umn cardter Clevado. Teata se de condenar a escravidlio encpuantoinsiiuicio. fa auloraeotvz arti do pr6prio cscs Felis oan do da hegemonia branea, que afi mos wwlependent rente da cor da pete! Se pen- ‘SAMO €1n Feros do longnguo ano de 1859. da Jongingua provincia do Mar ho. poeremos aegis falar © «kano tal postura tem ee avangad, num, co ja Catokea resp testo ca que a nc Eno 6 80. 0 panei capitulo objetva apre tir os dos personagens miscuiis que ido "cheamar a possividade moral do testo: am bran Ct nest0. Assi os entra e1 Taneredo: depos, Tilo, cena, primeo iretanto, a0 utlizarse 1 faz com que 0 se- lo princi ecresc: Dpersonagent J8 de nica, 0 teiorp I do ation de deen a ate und tonne ate wpclespertar do desmavo, Tancredo © Con1-0 HeRFO sua frente &, apesiar da febre «tie jo the tury hovamente 0s sentidos, \istinbrenne escrave o honien hom que osalvour »cavalero comegava acoordenar suns GEES Cepeda do eseravo. © 08 Sere Sis tqc in prestratoeararm commas fay G0db coragdo. & que em seu coraga0. tr senamenvos 1 nobres © generosas limos om que ersmouam a ana do jover ‘Regto: porisso, nun ransperte de intima © Fepcrova gran, 0 mancebo,eancando Minwn qucth calgava.a desire. estendeua {rao bo homer eqs 0 alvara, Res: 2008 a. anlos nossos) Conforme destacou Charles Martin, no prefé- Gio a terceira ecicao, 0 negro nao € apenas coloce: do na trama em pé de iguakdade frente a0 nico ca: leit, Mais que isto, ele € a base dle compara- para que © leitor aquilate 0 valor do Jovem, her6i branco. (Martin, 1088: 11) Ou seja, no discur ‘so do narrador oniscientc. 0 negro € pardmetro de levaigito mora. Tal falo Se Conssitu em verdadeira, inversiio de valores numa sociedade escravocrata, ‘cujns elites clfundiam teorias “cientificas” a respet to da infeniondtacte natural dos africanos. Assim fa: zendo, a vor que narra mestra'se desde 0 inicio A clignificagao do personagem, no feMpO EM UE EXPESs comprometida e¢ ‘com todas as, © feml6rio cultural © axioldgico que re Sh 0 da afro-descendéncia, Esse eneimento se track ainda na simpatia que a autora devota a Tilio submetictos: 08 dlemais personagens 0 cativeito, conforme veremos, Ao abrigar o cays Senhora, 0 escr © iniewo aa ro ferido na casa de sua © encontto dos dois © aiNHO qUE OS leva A breve felicidade 10 propic 274 ti rina ds et £0. Um forte ea de amizade passa Partir de entao, o negro tormace nese 0 torna-se co inseparavel de Tancredo, mpanhia credo Ee faz a de bom carter. que espeia sacri ee lo mattratado, e que se hora Dor no 18. jlga em diva com ane Que © lbertou, No entanto, sua nova condicao & desmascaraa pr Nite Susan. and ceateues 2 “Uberdade” do alforiad = que aia. cond 108 more ~c + aa lore ~ Comparando-a @ vida que levava em. ‘ul in? ano mo fast exo aves sauna ols uypene tea {tbe x goes rtreta mt fue oman Suzana com sera ‘Rito, me to rangucr m gos rs ‘rapa here ue gaa mas toned ne Wess: 2004 114113) Akin de tefrgara propria congo aodes: cendonte do texto, a entrada em cena da vel at cha confere maor densidade ao senilo police va mmestno, Mas uma vez, 0 terato deorigem & co onarto sem roxas, 20 contario doe Se aoe outros escntos co sécuo XK, inclusive a ei por aforbrasiros. Sobressa, eno 8c aes aspoaca vida pes ersonages ANS oi irra eta para cum 0 e™82 a eepreservaca to taal Fito, Be On ee gatude Muza (2000: 260) © MEE ‘a Tullo (..) 0 sentido da jem val eXPlCA ‘susana vs verdadeira iberdade, que nao seria nunca a de um. Jafomado num pais racsta.” Para tanto, a velha es- Gawarecorda sua terra natal, ainfancia livre, amor Ge'seu companhei € a vida felz que levavam jun- to 8 fihinha até o dia em que foi capturada pelos parbaros” mercadores de seres humanos. Segue: ‘se a narrativa do aprisionamento ¢ da crueidade ‘com que fo tratada ao deixar para sempre “patria, esposo, mae, fii, € iberdade": Fol embalde que supliquet em nome de mi Fafa, que me restuissem a iberdade: fos Taybaros somarrese de minhas Kigrmas, hawarnme sem COMpANID. (.) MES fanme a mim e 0 mus mezenos compa: ines de inforinio € de calivero no es treo e ivecio pordo de umn navio. Tra (Gas de ucts tormentos, © de fla abso ta de tno epanio ¢ necessano a vida pas: Somos nessa sepulura até que abordarmos, is pass brass. Para caber a mercodo- ‘ir humarei no pordo formes amarrados er pe para ce no houwesse receio de rev0h fh, Scomentados como anima ferozes das fsa ras ue se evan para rece os, Peers a Buropa, (ERS. 2008, 116, rf da asoray Sobressai de imediato a postura do sujeito da rememorago, na qual 0 eu individual desaigua ‘um nés colelWvo. 0 discurso do outro fazendo ‘ouvie peta primeira vez na hteratura brasileira a voz dos escravizados. Voz politica que denuncia, em plena vigencia do espinto das hize's, 0 Conquista dor europeu como brbaro, invertendo de forma Europa e Dresente no pensamento de fésofos do porte de Inédita a acusagdo racista - corente Ce a6 — aes Maria Firs fe emine tr teg Hegel — que exclu tet uth Ae do no saa 0 . Ne como veranda deseo scineptiendose & Gogo proptamene dc isto, otto ganta.em derstinde Heater nao que perde porventura em termo: de aprofundamncnio psicoloygco da ed os pesmi proprio andamento da tama, suspendendo-se oe para que se ouga a versio das viting aie as. ana (hrvhethte Susi em Aca ed eu aps. Por le Toa me at equa con heseravista perpassa pratica ‘seu camo "A publicado ni Fevista Meranhense (1887: wie da campanha abolicionista, co testernunho de uma vei cat 1 na personaagem Nie 4000 ‘a iteratura brasileira 0 0 pelo trago ances isgualmente © ya reese! essa yor aficana ta para senticiy suplementar configura’ i ouito continent © de ut te lexi para 5 anne ne suno, foxemnente reac Pe AS vomico to paso tropical DEaSseo ne em Jose de Afenen © e7 Terechbsicate ababns Pebs ago po ana Fans AS ense cated de que so weep ‘cus Howe yells at ESCH 1 cle: ana stoic net hierar oitocenti 277 _ ve nos estercoupas do bom SENT re. Mie Joana ¢ Mae Sus6n2 Ainica nao ficou para a tet rite escravo 008 espe a nes lembrar ae @ 7 oe ge € ura pan vio ‘A Africa est Pre ges relatos, CaPregados Ge UTA auiorida genie €€9 ‘ semana pero testers. SANTI ‘uma drama ot pine, Aponte t1Hza LODO LE 220) rae gerester a impressio de 9° Hr jana Frenina reaimente CO” temmos de verismo cons Nantcrior a0 MOAICHIS subversiva firma ue € ther de pessoas «que Mk Pensando em xa nasil ade nheceue nutivo na fn, a forga mara aio nos esenitos de Lima [A Escravar $6 enconira paral nwreto € NOS CONIOS ae a stae", “Mariana” © ern ches sofrdas icrubrangas ce Nie SUSAN ‘ea moka cxista que preside a nova ConA? cing, Urs trata aun cle ny outro DO de eS cewor o que perde a autorcstiana € s¢ CRU a0 can seente eno a figura decrepit de Pal AICO. sipato de bom coragao, mas dominade pelo aleo- Jtiamn, saudoso dos costumes dle sua terra € 0 cMniho de palneira® bebilo no aitual african Co descanso Semanal -que Maria Fimaina nome “es ta do feuche” =, Antero cumpre na trama © Ccontaponto dkamatica ao carter elevado de Till, Nici disso, ao ressatar © vicio do personaggeMm, Teainescapsi a ktealzacio pela anual todo negro seria perteito © toxko beannco rum, Com ANCHO, tachado — 29 a8 acta Femina do ats ine re a pr scan a enmeonnt it it s Seonieouen ‘cm importancia o previst ccexmsaido vrviependéncia. AO antecPar © cas: brancos. is6) vido) pelos! perearngens, Go aves pocta dos es cea producto va oe Oe an erin a SSBB wo es), Jom MeN wacedo de gsa7e6 jo fidade € a ingénua bore ro ses nn) 0 Bera SUS Jovem affo-brasieiro ¢ a negatvidede re va ence Isa (187): Pa ficarmnos 2 presentada pela decadéncia do veho afeane, #8 Mesprara anti eseravita mas ‘conhecda, Maria ee mina abre espaco para 0 discurso de Mée eran Ress desconst nO PETS 9 primar Susana, efo vivo com a meméria ancestral © com @ fap abosionsro Branco, MECN senhort conseiéndia da subordinagéo. Espécie de aller e00 en engsani0s ae UE: CON ‘aura personagiem configura aquela voz 8 fear ists, 20 fm € #0 CAO PL ‘vor da verdade histérica € que pon Pave een para as e5¢8 40 NOM ‘cori’ tua as ages, ora.com comentarios ¢snervencdes Bune €os, berm como dS vrcyatizantes, ora como verdad pionisa #16 Se ejeana. 00 stabeecet UT Se fee futuro nos antncios © Prev crac cura ae contasia em Drokund eS ‘odo, preparam o espitito do et a ronismo hegemonic 1 Mama Pe aes celeram o andamerso da narrallve 6, Fok corre sexs tempo, usa constr Para si eS re ratigam a reflcxto © 0 cca. ESs8 = set gar a erat fre oe emerge. pos. as magens do 20 Pa re publicar Oaks, Maria Fin os FAS a densidad, do mesmo medo cs Se desconsirot igualmente ters Sarre ue iamivem emerse J THES cert emascuna até SMO C1 SUAS FO a brasil para agregar © 8 ‘nsigante oo pes afr descendents Urs nto € apenas iro prasad: 6 prieio romance eongo ae, wicks, nem todos os hstoriad- chem o pre romance ck He: da esta COMO prod aura ajpo-tnasdera. envendd Jente, que tem omologa com 0 prOP pot atrndescensdcnte. que Val 2% a Fando a exctusso & que foray roles «io de muon afro-desce -» desempennar Un fassunto negro partir de uma perspectiva antenna © ‘comprognctila poliicamenie em recuperar © aRrae concici do sernegro em nosso pais. Acresca.se mfios de of. Par ee ouira nia arena dase ssclarn una wsiva cf nme cultura € poitica ae 200 Maria Firming dos Reis Aisto 0 gesto (cnikzatono! representado pela inser. io em lingua portuguesa dos elementos da me. ‘mona ancestral e das tracigdes afticanas. Texto fun dladior. sul polemiza com a tese segundo a qual nos falta um “romance negro", pois apesar de cenirado nas viassituces da heroina branca, pela primeira vez em nossa beratura, fem-se uma nar rativa da escravickdo conduzida por um ponto de vista intemo e por uma perspectivaaffo-descenden- te. Assim, ¢ romance da eseritora maranhense ver) fazer companhia as Trovas burlesccss de Luiz Gama, fambem de 1859, no momento inaugural em que ‘05 remanescentes de escrav'os querem tomar com a8 mos 0 sonho de. alraves da eranura, constuir ‘um pais sem opressao. Rereréxcis CAMARGO, Oswaldo de. O negro escrito, S40 Paulo: Secretaria de Esiado da Cultura, 1987. GUMARAES, Bemardo, A escrava isaura, S80 Paulo: Exitora Atica, $74, LOBO. Luiza. Critica sem juizo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993. MACEDO, Joaquim Manoel de. Vitmas-algozes. quadros da escravidao. + ed, Estudo Inrodutorio de Flora Sussekind. Rio de ‘MONTEI.LO, Josué, A primeira romancista brasitra, Joma do Bras, 14 now. 1975. Republicado ‘erm Macnd, Espanha, com o titulo La primera novelista braslefia, Revista Cultura Brasieiia, rimero 41, junio 1976. MORAIS FILHO, José Nascimento. Maria Pirmina, {fxgmentos de uma via. $80 Luiz: COCSN, 1975. MOTT. Maria Liicia de Barros. Submissdo € resisténcia: @ mulher na luta contra a escravidao, $80 Paulo: Contexto, 1988. [MUZARTT Zahid Lupinacet. Maria Firmina dos Rei. In MUZART, Z. L. (Org) Escrforas brasileras do século XIX. Flonanépoks: Exttora Mulheres, 2000. REIS, Mania Fimina dos. Ursula. 3 ed. Organizagéo. atualizagao © notas por Luiza Lobo: Introdugao de Charles Martin. Rio de Janeito: Presenca; Brasilia: INL, 1988. “A escrava" In Revista Maranhense, ano 1. 1° 3, novembro de 1887, APUD Morais Fuho. op. at TELLES, Norma, Encantagoes - escritoras € Imaginagdo Mterdria no Bras no século XIX. Tese de doutoramento, Pontificia Universidade Caidlica de S40 Paulo, S40 Paulo, 1987. Mimco. As mulheres loucas da literatura, Escria. 11. 39, 1988, ‘TEIXPIRA E SOUZA, Ant6nio Gongalves. O fio do Lpescarlor. introduc de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Sto Paulo: Methoramentos: Brasilia: INL, 1977. © romance Ursula fol descoberto, en 1962, por Horacio de Almeida, em um sebo, no Rio de Janeiro, No prologo 4 edigio de 1975, ele salienta a auséncia da escritora nos PTV OOMOR CRMC TMM OTT nc ie in ronm Om TNTTa) autor a menciond-la foi Sacramento Blake, A queatio da Aboligdo vai ser quase um leit-motiv da pena feminina, Mas somente com este romance, teremos uma visio diferentédo problema, O livro, por ter sido editado na perileria, ¢ por ser de uma mulher e negra, lastimavelmente, TR TOMCOKSMILNUCEDMEKY broke oe a publicado sob o pseudénimo Uma Maranhense, ery 4859, Publicar sob pseuddnimo era quase de praxe entre as mulherés, que assim se escondiam e se resguardavam de possivels ataques e maledicéncias, O romance fol construido cont a técnica de encaixes de narrativas, as personagens contando suas vidas. O tom lembra velhas narrativas de tempos medievais, cavaleiros e * Pins em ue Lah ee SS bt Peni tieen? Gtlinoer baled honra ¢ CISC ON Da LTO He Menno T he ey Cea Aa ROC Me ti RTS ROAR RY GORY COes NICOLE Pf avr oat oan tc a jovem Ursula que ira. cuidar!de seus ferimentos, Na segunda, o cavaleiro contasua triste vida cheia de decepgdes, amores ¢ traigdes, Na terceira, a mae de Ursula conta sua tambem triste vida, cntrevada © pobre, abandonada pela familia, em virtude de seu casamento contra os interesses da familia, Mas @ na quarta narrativa, a da velha africana Mac Susana, ondéscncontraremos a diferenga desse romance abolicionista, Comparando com outros da mesma Cpoca. Mac Susana vai contar como era sua vida na Africa, entre sua gente, de como se deu @prisao pelos cagadores de escravos ¢ de como sobteviy ct a tertivel viagem nos pordes do navio. | AY RRS TTCO OMe on a opie a Tulio, allorriado pelo Cavaleiro, o sentido da verdadeira liberdade, que essa nic seria nunca ade um alforriado num pais racista. Ao lado do amor entre os jovens protagonistas, Ursula PYiven city a trama traz, como personagens a tantes, dois Vos que vao dar anota diferente ao romance, pois, pela Nara VezeO escravo ne ane tem Voz ec, ue SRW TTONO RAM} ain parao Pertopentint Me, cafe Many Cer eT PS AN poo laddeda nafrativa 6 dos mais interessantes faz @ literatura brasileira uma visio diferente do ONT Ue aU en TOR Ont COO DRL SCORN y,\ escrayva fsaura, Quem €5? — perguntou © mancebo a0 ~ Senhort — balbuciou 0 negro — vosso estado, “'— Continuou corn acanhamento, que . fa para a terra, aguardan do timido uma nova int Apesar da febre, que despontava, 0 cavale Fo comegava . 28 aria Frmine dos Rele Esse beijo selou para sempre a miitua ami zadle que em seus peitos sentiam eles nascer e Vigorar. As almas generosas sé sempre itmas, — Nao foste por ventura o meu salvador? — erguntou o cavaleiro com acento reconheciclo, refirando dos tabios do negro a mo, € malgraco a Visivel tusbagio deste, apertando the com transpor. fe amo grosseira: mas onde descobria com satis: facdo lealdade, e pureza. = Meu amigo — continuou — podes acredi- tar no meu reconhecimento, € na minha amizade. Quem quer que sejas, cu ta prometo: sou para ti lum desconhecido: ¢ inda assim foste generoso, desinteressado. Arrancandome A morte tens de- ‘sempenhado a mais nobre misao de que 0 ho: ‘mem esta incumbido por Deus — a fratemnidade. ‘Comtinua, agora pegote em nome da amizade que te consagro, continua a tua obra de generosidade; Pordiue sinto que tenho febre, e no me posso er guer, Anredame destes lugares se te & possivel: Porque... Ea voz, que era fraca, expirou nos lab ©: porque ligeira vertigem precursora talvez. de um. ‘mais prolongado sofrer de novo Ihe ofuscou a vis- 1, © aS faculdades se Ihe afracaram, Afebre tornara'se ardente, ¢ © mancebo ext: ia mais sérios cuidados. © negro bem 0 compreendeu, € esperou ansioso que © mancebo voltasse a si para falarine, © aproveitando um momento em que por um POU 0 Se reanimara, disse-he. Ors fee le — Meu senhor, permit que vos leve a fazen- ‘da, que ali vedes — c apontava para a outra extve- ‘milade do campo —, ali habata com sua filha tinion @ pobre senhora Luisa 8... de quem talvez nao 'gnoreis a tiste vida. Essa infelz paraltica todo © ‘bem que vos podera prestar imitarse-4 a uma fran- @.€ enerosa hospitalidade; mas all esté sua filha, ‘que € um anjo de beleza e de candura, ¢ os desve 40s, que infetizmenic vos nao posso prestar, darvo. los-4 ela com singular bondade. Imerso entanto em novo cismar 0 mancebo parecia nada ouvir do que the dlizia o jovern ne- ‘870, deixando'se conduzir por ele, que como se fora leve carga 0 levava sobre seus ombros nus € musculosos. Fol um momento de meditacio:; a febre, a dor. © 0 movimento arrancaram-no a ela, ¢ soltany do um frouxo suspiro perguntou a0 seu condutor: — Como te chamas, seneroso amigo? Qual aa condigéo? — Bu, meu senhor — tomoutthe © escravo, redobrando suas forgas para no mostrar cansago — chamo-me Tio. —Tllo! — repetiu © cavaleiro — e de novo interrogou: —A tua condlicao, Taio? Entio 0 pobre e generoso rapaz, engolindo ‘um suspiro magoado, respondeu com amargura, malgrado seu, mal disfargada: —A minha condigao ¢ a de misero escravo! ‘Meu senhor — continuou — ndo me chameis am af ___ tora Fina 8 ets sige ene snes ‘Talo — inferrompeu o jovem cavaleito — dia vir fem que 0s homens reconhegam que 840 todos it iméos. Titi, meu amigo. eu avalio a grandeza de ores sem fenivo, que fe borbulha na alma, com- preendo tua amargura, ¢ amaldicbo em teu nome 20 primeiro homem que escravizou a seu seme- shante. Sim — prosseguiu — tens razéo; 0 branco desdenhou a generosidade do negro, € cuspiu so- bre a pureza dos seus sentimentos! Sim, acerbo deve ser 0 Seu softer, € eles que 0 nao compreen. emit as, Tulio, espera: porque Deus nao desde- ‘nha aquele que ama ao seu préximo... ¢ eu te aur ‘8uro um mehor futuro, & te dedicaste por mim! oh! uanto me hés penhorado! se eu te pudera com: Pensar gencrosamente... Tio —acrescentou apés breve pausa— oh dize, dize, meu amigo, o que de ‘mim exiges: porque toda a recompensa serd mes- ‘quinha para tamanho servigo, ~ Ah meu senhor — exclamou o escravo ntemecido — como sois bom! continual, eu vo-l0 Suplico, em nome do servico que vos presto, € a Ate tanta importincia quereis dar, continual, pelo céu, a ser generoso, ¢ compassive para com todo: Sxtvcle ue, como eu, tiver a desventura de set vil Emiserivel escravo! Costumados como estamos SO for080 desprezo dos brancos, quanto nos ser — Essa €, Tio, toda a recompensa que exi- es? — Sim, meu senhor. Fizeste-me tio feliz, que hada mais ambiciono; e rendendo a Deus gracas Pela minha presente ventura, supticothe que vos ‘que a compre- ‘endesse, transbordava agora de felicitade e de re- conhecimento, Pobre Tulio! E omancebo sentia mais, e mais crescerihe 88 dores, ¢ as ideias se he baruihavam: entretanto ‘Tillo aproximava-se da casa de sua senhora, para ‘onde conduzia o mogo enfermo. Empregava para isso todas as suas forcas, Porque conhecia que o moco softia crueimente. Dentro em pouco a sua tarefa conchiuse, Tullo penetrou, rendido de cansago, o fumiar da Porta. Simples ¢ solitia era essa casa implantada Sobre um pequeno outeio, donde a vista domina. va a imensidade dos campos. Um aspecto de no- bre singeleza apresentava: pouco extensa era, mas a Fn toa rin ds els coroava.a um agradvel mirante, oad de largas ‘varandas. por onde uma onda de ar tepid divagar va rumorejandto. splendid claridade de um sol Vivo € ani ‘madior fuminava as ries e brancas paredes dessa pldcida morada, ¢ dardejando nas vidragas das ja: elas, refleia sobre elas as cores cambiantes do ‘ocaso. Aiparecia gozarse a vida: — ai ao menos 0 homem tera um momento de felicitade: porque longe do buliso enganoso do mundo, com a men te erma de ambigbes. vive nas regibes sublimes de um pensar livre e infnito como a amplid3o— como Deus. A exisiéncia € serena, mais pura, ¢ mais for mesa; — ai despe-se a valdacle do coracéo: — af Ccessam os mentiosos preconceitos, que homem, ergueu em seu orguiho —vergonhosos limites con: tra 05 quais vao quebrarse de encontro 08 virtue 08 transportes do seu corago. Quanto ¢ 0 homem egoista € vaol. Tilo franqueou a entrada da casa de Luisa 5...no momento mesmo em que o jovem desco- ‘hecido, alquebrado pelo muito sofrer de algumas horas, acabava de cair em completa ¢ profunda letargia BP 1 O bewinio Violent, terivel, espantosa tinha sido a ct: Se, € Tullo veiava & cabeceira do enfermo. A noite ‘hd muito que tinha desdobrado sobre a terra seu pesado manio de escuridgo, animando destarte profundo siléncio dos bosques, apenas interrompi do pelo rogar do vento nos longinquos palmares, ‘0u pelo gemido triste de sentido noitibé, ou 0s agoureiros pios do acaua. ‘© quarto do doente era apenas aclarado por fraca luz, cuja baca claridade deixava contudo ver. '8€ © rosto do mancebo, afogueado pelo requelmar da febre: os olhos tinha-os ele dilatados, ¢ com esse bniho © movimento que $6 da, a febre. No entanto estava tranqiilo, © um 56 gemido no se the ouvia, ‘Apés um breve instante desse ficticio sosse- 0, enifou a tremerthe 0 labio superior, ergucu as ‘aos ambas para o céu, € volvendose no leito, murmurou com voz queixosa frases que no fo- ram compreendidas. ona Femina dos Reis 2 —Euavi—exclamou, erguendo a voz, num, transporte de satisfagéo — via, era bela como a rosa a desabrochar, ¢ em sua pureza semelhava. ‘se & acucena candida e vaporosa! E eu amet at, Maldigot.. ndo.. nunca a amel...E calouse, Depo's um gemido the veio do coracao: co briu 0s olhos com as méos ambas. ¢ repeti: —Oht Néo, nunca a amet. Seguiram-se palavras entrecortadas, ger. dos, ¢ esticulagdes desordenadas para a0 depois air em inercia, Era odelio assusiador que se manifestavat Tilo observava‘o com angiistia: as dores do miancebo sentia.as ele no coragao, ‘lua ia alta na azulada abdbada, pratean do © cume das arvores. © a superficie da terra, ¢ apesar disso Ursula, a mimosa fiha de Luiza B._..a for daquelas soliddes, nao adormecera um instar te. E que agora esse anjo de sublime dogura repar tia com Seu héspede os diutumos cuidados, que (ava a sua me enferma; ¢ assim duplicadas a ‘Sua ocuDagbes sentia fugirihe nessa noite 0 Sond. cla como o primeiro raio de esperanga trans: Punha éla a essa hora magica da noite o lumiar da Porta. em cuja camara debatia-se entre dores € Vio- lenta febre 0 pobre enfermo, Era ela tao caridosa, Palxdo Ihe inspirava o sofrimento alheio, que last nas de tisteza e de sincero pesar se Ihe eSCaP® am dos olhos, negros, formosos, € mclancblicas. Ursula chegou se ao leito do enfermo, ¢ com tinidez, que a compaixdo quase desinuia, tocow, the as maos. As suas selaram de desalenio ¢ de Comocao, pordue sentit as do doente arderies ‘como a lava! de um vulcdo, Enifo, a0 contato dessas débeis mos, que {ocaram a sua, © cavaleiro abrit 0s olhos, a que um delifo febril dava estranha expresso, e fitando. @ donzela, num transporte indefinivel do mais int, ‘mo Soffer, exclamou com voz magoada e grave: — Ob! pelo céut anjo ou mulher! por que tro- Caste em absinto a docura do meu amor? Amor! ‘Amelie eu? Sim, € muito, Mas tu nunca © compre. enddeste! Louco! louco que eu fui... &, pasando da dor a desesperacso, torcia os bracos gritando. — BUIe vi, mulher infame e desdenhosa, tha e Tawa, no oe RE) ac Fine os Reis 3 —rr" ot a estina! —inesoravel como 0 in- Ree ara of are erckicbo:. 00d primeito do meu amor... Minha nie! mina pobre mel... eenou a solucar desesperadamente ‘Ursula e Tilo estavam perplexos; estas pa. lavras Sem nexo produzlam em seus coragGes sen. sagdes, suposto que em ambos doidas, mas diver sas em sua natweza. A Tilo parecia aquele deliio precursor da mode, €a dor da perda de um amigo, o primeira talvez que 0 c&u the dera, absorviathe todas as faculdades, ¢ para do grande pesar nao nha pran- 40s, nfo tnha uma s6 palavra, Ursula, pelo contré- fo, sentia esiranho desassossego, um qué, que no sabia defini a st propria! Uma inquietagéo morta, uma desconfianca, € as lagrimas brotavanvihe es. Pontaneas do coragio — Adelaide! — prosseguiu ele apés longa ‘ausa — Adclaide!... Este nome queima me os bet ‘905; enlouqueco quando penso neta — Adlai. — repetiu consigo mesma a fiha de Luisa B... Oh quem sera... © que ¢ anatureza humana! © que 6 0 core a0 da muthert Ursula, pobre flor do deserto, due imponava um nome proferido em detito? ssa mulher, essa Adelaide, pareciathe cu ‘Tutto interessava ao mancebo, que ainda agore the vivia no coragiio malgrado as palavras ame AS, Ou entranhadias de desesperagio, que Ie iam dos labios ao emmbrarse dea. ssa mules. Buravassethe bela como um anjo, sedutora E hitde ele améla? — repeta Ursula asi pro- fa com uma pertinécia, que a teria admirado, se isso pudesse ateniar. Amor! — ue € amor Creio que jamais amarei. Mas Adelaide eve ser muito amada por ee... mas ett 0 out Por que diz. que the queima os bet $0 0 Seu nome? Oh! ndo € possivel, ee jé ndo a amal E Ursula. perdida nestes loucos pensamen- "08, no atenidia ao que em tomo de si havia, © doente tinha adormecido, nto ela voltou para junto de sua mae. A Pobre senhora, vencida pelo muito softer. titha tar. 'bém adormecido, eamenina, recinando se em ura ‘cadeira, procurou, mas embalde, concilat © sono, ‘que nessa noite parecia obstinado em fugrihe [Em vo deixava cair as palpebras, em vao \entava aredar 0s pensamentos do que ouvira, que ‘8 mente errava em torno daquele keto, donde cla Se destacara: € 0 coragao diaia he que no estava Kanguilo. Entretanto, pobre Ursula, julgava que ‘nunca havia de amar. Mais tarde um gemido saiu da cimara do ‘doente: 0 coragéo docurhe: porque se tinha esque. ‘ido até do remédio do enfermo: levantou se, pois, Ccortendo, ¢ 0 fot levar. ‘Ahora tinha j4 passade; porém 0 calmante Droduzit salutar efeto; porque ao retirarse-tie a aro Femina 405 Reis « os, o cavalo, deskzando um faco coe es endev aso a onze isseINe com one perder, com s0is Boa! QUEM quer Fi setnnas sincers agradecimentos ne sepals, socal Mev trais por um infe- pelo generoso inieresse que mosirais p« Mama muito —nao vedes que tendes febre? Perdoaime; mas eu nio consinto que fais, Ooh! —excamou ele — tania bondade me confunde. Detkal 20 menos agradecervos; mais tarde submeterme-i com gosto as vossas deter rminagées. — Agradecerme? — interrogou Ursula com. ‘yor um pouco comovidla — que vos hei eu feito que mereca 0 vosso reconhecimento? Pelo ctu, vem faleisnisso; ¢ em seus grandes olhos rou ‘uma Kgpima,| to sei que sentimento a trouxe do coragso ‘0 obtos: mas fosse qual fosse, o que é verdade ¢ «ue a lagima, semethando uma pérola escaped ‘@ precioso cola, roloushe pelas faces € foi car $0- bre a mao do enfermo, ‘la estremeceu invokuntariamente, © um Nt or subkineo, que ocultou com as maos, the ass0- ‘mou as faces, Mas 05 olhos do cavaleito, reavendo seu ful S9rFebn no viram essa kagrima, que the teria 5 ldado a mao, nem esse inocente rubor tio & PFESSIvO; porque comegara um Novo sollOqUlO. Ursula — Sim — dizia — ¢ nao era feliz. em possui- Ja? — Qué! — Oh! foi um 56 dia... foi. Mas, minha ‘mel... via no sepulcro! e ela era um anjo!... Mata- ram-nal... mataram-nal, E estendia os bragos, ¢ sonia-se como afa- ando benéfica visio, — Agora posso viver — disse respirando lar gamente — sim, agora posso viver: porque jé a no ‘amo: sim, jé no amo aquela que traiu crueimente ‘inhas loucas esperancas, — Nao vedes? — prosseguiu firando Ursula — ‘Como € belo amarse! Como se nos expande 0 co- Tago, como nos transborda a alma de felicidad?! @ moca dizia consigo — Meu Deus! meu Deus, que € 0 que eu sinto no coracéo que me ‘ntemece? Deve ser sem dlivida esta forcada vigs la, este lidar de todos os momentos. © estado de ‘minha pobre mae... a compaixéo que me inspira este infelz mancebo, t80 proximo talvez da mor: \el... Oh! tenivel idéial A morte! £ ele 180 Jovem, {1 oh se cu pudesse! © enfermo entrou a somse; a febre come- aN2 8 deciinar. Ao detitio violento seguiuse pict Giaxatucinagéo: — parecia que um mundo de gatas IMus®es, Povoado de meigos seres, 0 afagaver to, ‘Gadla os bracos como para esreitar entes que he Cram CaFOS © 0 rOsto Se the expandia suavemente aria Fmina dos Reis 38 ‘Depo's sua méo tocou uma mao alva, © tré- mula, ¢ gelada: esa mfo, que ele €m seu deliio ‘rocurou com aidor levar 20s labios, fugivthe me. drosa a0 contato desse belo de foKo. —Atendieme — exclamou com desalento— ‘do fas... eno a contarte uma historia bem tis. te! oh! bem tse... estenclia as maos stplices, e A nada enconirava, Tilo contemplava.o silencio. 80 até que por tiimo exclamou: — Homem generoso! tinico que soubeste ‘compreender a amargura do escravot.. Tu que nao ‘esmagaste com desprezo a quem traz na fronte es. ‘ampado © ferrete da infamia’ Porque ao afticano seu scmethante disse: — és meu! — ele curvou a fronte, ¢ humilde, € rastejando qual erva, que se ‘Calcou aos pés. o vai seguinda? Porque o que ¢ se- ‘hor 0 que éivre, em segura em suas mos ambas ®cadeta, cue he oprime 0s pulsos. Cadeia infame e "lgorosa, a que chamam: — escravidéo... E entre: fanto ¢ste também era livre, ivre como © passaro, Como oar: porque no seu pais ndo se ¢ escravo. Ele ‘souia a nénia plangente de seu pal, escuta a can ‘40 sentida que cai dos labios de sua mBe, € sente ‘Como eles, que ¢ Wvre; porque a raz tho diz, € @ ‘lmao compreende, Oh! a mente! isso sim ninguén ® Pode escravizart Nas asas do pensamento © ho ‘meM remontase aos ardentes sertées da Aftica. Ve 0S areais sem fim da patria © procura abrigarse de Dalno daquclas drvores sombrias do oasis, quando ‘© Sol requeima ¢ 0 vento sopra quente ¢ abrasador: vé a tamareira benéiica junto & fonte, que the ama- (62.2 fatanta ressequida: vé a cabana onde nases, ‘a. € onde livre vivera! Desperta porém em breve dessa doce iluséo, tamareira — foge ‘@ tranquilidade da choupana, foge a doce ikisao de ‘um Momento, como ilha movedica: porque a alma ‘esta encerrada nas prises do compo! Ela chamao Dara a realidade, chorando, ¢ 0 seu choro, 56 Deus Compreende! Ela, nio se pode dobrar. nem the pe. ‘Sam as cadeias da escravidéo: porque ¢ sempre i. ‘Te. mas © compo geme, ¢ cla soffe. € chora: porque ‘std liad ele na vida por lagos estretos e miste- tiosos, Tilo ficou pensativo, eas lagrimas cairam, @ Seu pesar fo por fio pela face abaixo. ‘Tinha no entanto terminado 0 detiio a0 do- ‘ente: seguityse-he extrema prostracio e um suor eral e feo, Ursula © Tuto tiveram entdo uma s6 idéia, terrivel © medonha —a monte! ¢ estremeceram de dor. © escravo; porque este homem era agora a vida da sua alma; porque era a imagem de Deus, ‘ue the Soria: — a donzeta, por qué?... Ela propria ‘nao no saberia dizer. Mas ambos sentiam iguais Yemores. afligbes iguais: 6 entio porque ambos 0 3 ‘amavam, 40 ara Fina dos Reis Eas noites, que sucederam a esta, eram ain. da povoadas de sustos ¢ ansiedade: 0 mancebg continuava a sofrer, ¢ seus amigos reclobravam de desvelos, ¢ choravam sobre suas dores., © cavalciro viaos, escutlava-os. © sentia "no fundo da alma um estranho sentir. Ursula toma, ase para ele a imagem vaporosa ¢ afagadora de lm anjo: € © que se passava naqucle coragio en. fermo 56 ele 0 sabia, Rm REP Mm A DECLARAGAO DE AMOR Muitos dias se passaram J, € TUllo, menos Preocupado, mostrava'se feliz © comunicativo \uulsa B... 0 tinha incumbido do servico exclusive do seu héspede, que comecava a recobrar as for. 625, 0 que ele ainbuia aos cuidados do jovem ne- 0. © da formosa donzela, © a0 ar puro que all respirava. Com efeito, ele ia a melhor, e cada dia ava esperancas de préxima convalescenca, ‘Aprazia'se Com essa noticia a boa senhora Luisa 5... mas a encantadora Ursula, melancdlica, ¢ mais bela que nunca, sentia um indefinivel pesar ao lem, brarse que em breve volveria para 0 seu antigo fexulamento, e ainda maior que dantes: o cavaleiro falava de sua préxima pantida, Tallio acompanhava-o. Tinhase alforriado, O generoso mancebo ‘assim que enirou em convalescenga derathe di ‘nheito correspondent a0 seu valor como género, ‘dizendo ine: Maria Firmina dos Res a2 ~ meuamugo, este pequeno presente que te faco, ¢ compra com ele a tua tberdade, Tullo obteve poss por dinheiro aquilo que Deus the dera, como a fodes 0s viventes — Bra lize como 0 ar, como 0 haviam sido seus pais, 14 nesses adusios sertOes da Alica: © como se fora & sombra do seu jovem protetor, estava disposto a ‘Sequlto por toda a parte. Agora Tilio daria todo o ‘seu Sangue para poupar a0 mancebo uma dor se. uer. o mais leve pesar: a sua gratidao néo conhe- ia limites. 4 tberdade era tudo quanto Tilo asph rava;tinha.a — era fez) E Ursula invefava vagamente a sorte de TUio ‘achava mor ventura do que a liberdace poder ele acompanhar 0 cavaleiro, Pobre menina! Toda entregue a uma preoct: Paso, cuja causa nao podia conhecer ainda. engolfava'se de dia para dia em mais profunda tris- {e2a, que Ihe tingia de Sedutora palidez as frescas rosas de suas faces aveludadas. Pouco © pouco desbotava'se he © carmim dos labios, € 0s olhos Perdiam seus vividos reflexos, sem que nem ela PrOpna desse 1 dessa transformagio! ‘Alguem havia, porém, que reparava nessa udanga, que © coragao ja Iho havia denunciado. fazendoine vibrar nas suas cordas todos 03 si Pitioos efivios que emanavam lo peito candio © Gescuidoso da virgem, Esse alguém amava a palr ‘lez de Ursula, esse alguém adoravaithe a suave Melancotia,e © doce langor de seus negros olhos Grsula a wees Mas ela nem sequer descobria tal, néo sabendo explicar na sua inocéncia 0 que sentia, A proporcao que se adiantavam as metho- ras do seu hospede, Ursula com precaugso oculta Vase 8s suas vistas, limitando-se unicamente a in- formar-se com Tilo da sua satide, e empregando as horas de seu mortal enfado no generoso desem- Penho de sua fial solicitude. Dias inteiros estava a cabeceira do lelto de ‘sua mae, procurando com temura roubar A pobre ‘Senhora os momentos de angustiada afiiio: mas tudo em vao porque seu mal progredia, e a morte ‘se Ihe aproximava a passo lento e impassivel; po- rém firme ¢ invariavel A noite, apés compridas horas de vigiia a0 PE desse leito matemo, onde ela consumia seus Primeiros anos da juventude, a donzela, recolhida €m seu gabincie, meditava profundamente. Ela antes 180 descuidosa, cla no arrebol da vida, no rimeiro despontar da existéncia,téo bela, tio pura, ‘Go ingénuia e t4o louga por que sentia esse desejo liresistivel de engotfarse em tistes pensamentos, ‘que davam4he a um tempo prazer ¢ pena?! Onde Alevava o ardor da mente? Ursula, interrogada, mal © saberia dizer, Eas noites, tomavamse para ela longas € fatigantes: porque 0 sono no ihe abreviava as ho- ras do cismar acerbo, nem the reparava as forcas, por isso a aparigao da aurora eraihe quase uma felicidad. via Firmina dos Rts oop ce ne ngs his AOR, em ae felva, event Do8 HOH, CTBUC SU {folhinhas © UE 0 Corae jue nasceu parma amar a donzela, proc Jira stuas MeCMACGES, sala a respirar a Dureza a aagen Quantas vezes revostada aa 1 sentada sob sun tronco colos meio combusio brad contra a bavbaria © toting diy nessa vou seniselvatica, via despontar o ones, espalhando om seus raios de fon a luz por toda a pane ¢ Clesiunalo como por encantamento a nebiina, que ual denso véu encobria aos olhos madnigadores Yoda aggicia paisaggen, S01 por sob a orla axa dos horize A de novo eniresue a seus pensamentos {sla perguntava asi propria a causa de seus soft Fantos. € 8s vezes chesiava a persuadise que seu {im estava proxino, e somiasse. Pobre menial, Quando 0 sol tna de cor dourada os cocares {2s palmers, eta votavaao lar matemo para contt tinea desempeuar a penossa tarefa de que se ha Wa iheumbido. Ea pobre mie exultava de vel 160 meta. Wo generasa, ¢ tio compassiva Ningtucm em casa sabia dos seus passcios maine, 05 advinhava, € por 1850 ©SPe 'nS!a.0 romper do dia: ¢ a hora em quea ning Ursula ueza desperta, 56, € Sem temor, tomava 0 ca ninbo, que bem the convint conversa, que nto voltava achawa Urstila enganavase— vvavam scus males, 86 Deus compreery mais aliviada, la dia mas Se agra: Eo cavalo, qua i belecido, apenas ressentinde-s cispunhase com efeto para a partida: © em seu coracao havia bem profundas Saudades: porque ‘nessa habitagtio encontr via © acothimento, Ai allaucin Ihe prenitera 0 coragao, € ¢ mancebo, chee dle amor e de sratdao, sentia destizarem-se the os las breves ¢ nsonhos, Enitretanto a sua partite cra infalivel mas ele nio porta afastarse taqueles be ares sem ter uma explicagio. Era preciso ver Ursula, © Ursula fuga the como a caca foge ao ca Gator. & 6 dia passava, ¢ vinta a Se QUO. © Maks oUttO dia, © 0 moco dilatava a stan Viagem, Keiramente testa. ‘algum tanto do pé, Bim uma madrugada, contude, apés uma COLE de atbuloda vigha, mais cedo aca, que de @ mimosa donzela entranhou-se por aca. Rais espesso da mata, onde ndo bulla a mate Pequena fotha, e onde ue no fora Ursula, de "4. COMO cla. 6 coragtio opran “4 aria Frmina dos Reis Ahora em que os passaros despertam ae. S'€9 € amorosos, em que 0 vento mais quichoss 8 Dor entte as fancas das arvoes, em que teva, orvalhada pela note, enue suits foliar Imals Verdes © mais belas, a essa hora magica ony Ave fda a criacSo louva ao Senior ¢ ue 6 conn {0 sente que nasceu para amar a donseis Fando tugir a suas mec spor a cts. s a reaps Pureza da aragem ‘matutina. mp Quantas vezes eta ser Ursula 7 Qe ls natureza desperta, $6, € sem temor,tomava o ca ‘inno, que bem he convinha,e ia converser com a solido, essa conversa, que 56 Deus compen, de. € quando voltava achava-se mais alvla Ursula enganava'se— cada dia mais se agra- vavam seus males © 0 cavalero, quase que interamente rest Delecido, apenas ressentindo se algum tanto dope, dlispunha'se com eleto para a parida: e em seu coragdo havia bem profundas saudades: porque nessa habitacdo encontrara vida e acofimento, Ai alguem ihe prendera.o coracdo, eo mance, chlo de amor e de gratin, senta destizarem-seihe os dias breves € isontos. Enretanio a sua para era infalvel mas ele no podia aastarse daqueles hr flares sem ter uma explicagto. Era preciso ver Ursula, ¢ Ursula fugiathe como a aga foge 20 ca ‘adr. 0 da passava, e vinha a noite, e suceda Se outro, e mais ouro dia, eo moco datava asta viagem, Em uma madugada, contudo, apés uma noite de aba viga, mais cedo ainda, que de Costume a mimosa donzela eniranou-se por aca 0 nomaisespesso ca mata, onde no bua a mais Pequena folha, e onde apenas 0 reflexo do solnas cente penetrava a custo. Divagando por ela sem tno, vencida pelo cansago sentouse. ou dexouse ccair sobre as raizes de um jlobs, cua altura cha- maria a atengao de outra que néo fora Ursula, de tutta que nao sentra, como cl, 0 coraso opr ara Fri dos Reis “ tar inn dose A trora em que as pissaros despertam ale res € amorasos, em que 0 vento mas qUeINOsO ‘cia por ene as francas das drvores. €m cue a relva, orvalnada pela noite, egue suas fothinhas ‘mais verdes ¢ mais belas, a essa hora magica em «tue toda a cing louva 20 Senter, € que 0 Cora: ‘40 sente que nasceu para amar, adonzela, procu: fando fugir a suas mediagées,saia a respirar a pureza da aragem matuina Quanias vezes ela sentada sobre a retva, ou ‘ecastada a algum tronco colossal, que decepado © melo combusio brada contra a batbaria € rotina da nossa lavoura semiselvénca, via despontar o Soler S0b a ora azul dos horizontes, espalhando COM Seus raios de fog0 a huz por toda a parte ¢ Gesiantd como por encantamento a nebina, que {al denso véu encobria aos olhos madrugadon ‘oda aqueta paisagem!, ° Al de novo entregue Lsdapemiva os ipo aensoaeeee enlos, ds vezes chegava a persuadirse que sen, fim estava proximo, ¢ soniase. Pobre mennan meninay inguém em casa sab sabia dos seus ‘matinais, kay ninaién os avitva por won ,e Com ansia o romper do diay Cahora em que a Ursula = natureza desperta, 56, € sem temor, lomava 0 Ca: minho, que bem the convinha, ¢ la conversar com, a solidao, essa conversa, que so Deus compreen- de, e quando voltava achava-se mais aliviada. Ursula enganava-se — cada dia mais se agra- vavam seus males. Eo cavaleiro, quase que inteiramente resta belecido, apenas ressentindo-se algum tanto do pé, dispunha-se com efeito para a partida; e em seu coragto havia bem profundas saudades: porque nessa habitacdo encontrara vida ¢ acolhimento. Ai alguém the prendera 0 coracéo, e 0 mancebo, cheio de amor e de gratidao, sentia destizarem-se-the os dias breves e risonhos. Eniretanto a sua partida era Infalivel: mas ele nao podia afastarse daqueles lu fares sem ter uma explicagao. Era preciso ver Ursula, ¢ Ursula fugialhe como a caga foge ao ca- gador, E 0 dia passava, e vinha a noite, e sucedia- Se outro, € mais outro dia, € 0 mogo dilatava a sua viagem, Em uma madrugada, contudo, apés uma oite de atrbulada vigilia, mais cedo ainda, que de ‘costume a mimosa donzela entranhouse por aca: ‘sono mais espesso da mata, onde néo bulla a mais: Pequena folha, ¢ onde apenas 0 reflexo do sol nas- Cente penetrava a custo. Divagando por ela sem tino, vencida pelo cansago sentouse, ou deixou'se air sobre as raizes de um jatobé, cuja altura cha- ‘maria a atengdo de outra que néo fora Ursula, de ‘ultra que nao sentira, como ela, 0 coragéo oprimi ring dos Reis do Por mortal desassosseso. Este jatoba, sobre ‘Cujas raizes Ursula se cetsara cai parecia em anos, ‘valizar com a eriagio: sua copa altaneira, bata. SSando'Se no espago, derramava grata Sombra em larga distancia. Ai em seu tranco a natureza, me. thor que um habil arista, entalhara em demedor espagasos degraus, como oultos fanios assentos Preparados para descanso dos que a sua sombra Duscassem uma hora de repouso, ou de medi vo cisma. Ursula sentouse sem o menor reparo num Alesse degraus, € continuou nos seus pensamen. {06 loucos, ou tavez inocentes como a sta alma mas Profundos. penosos para cla, que pela vez ‘Mas amava ela J Aalguuém? Ao cavaleito? Ta vez! Ursula sentia ur soe yee See como retnae ee Tinton cam cater ‘Cendo.a, ela julgave. ‘Se humilhada, re; nines ot ~perimentava todo ue supu. Btribuia-© a simples — rsa a Ole solidao derramava 6 pranto de padecer. Eniretanto, nessa madrugada em que Ursula, ferda pela mais profunda angustia, sentara-se jun- 10.20 allivo jatoba que ficava a cavaleiro as demais ‘arvores, pensava em que © mancebo ia nesse. mesmo dia part, esse pensamento erahe como © Ieito de Procusta, © © coracao desfaleciaihe de dor, a vida parcciathe agora init e fastidiosa. Sen- liu leve amruido de folhas secas, como que calca das sob pés que se moviam cautelosos, e desper 104. E oamuido no cessou. Entéo.ajovern donzela, ‘meio assustada, levantou os olhos, e perscrutou ‘em derredor; mas nada viu, Seria talvez alguma fugaz. cutia que atravessava 0 bosque correndo, Enio Ursula de novo voltou aos seus sonhos; mas um momento depois os pasos eram ja mais pro ximos, ela tomou.a olhar, e mais amedrontada, quis ‘eruerse, quis sair correndo: porém uma forca ocul- {a iresistivel, a deteve, e os passos mui pento ¢s- favam dela, Ursula, temerosa, ¢ sem poder atinar ‘com quem seria, esiremeceu, mas nao de verda: deiro medo. antes por um pressentimento incom: Preensivel € que as vezes pressagia vagamente algum acontecimento futuro da nossa vida. Ursula tudo ignorava; mas alguém com intima satisfagéo descobriu seus passeios matinais, alguém, que Sentia a necessidade de véta, de falarhe um mo- ‘Mento, e que devassouihe o retro ¢ fol perturba em sua meaiiagao, ‘amargo € oculto, EE de repente ela ouviu uma voz. que a essa hhora clo amanhecer, nesse lugar, onde Se julgava, 56, a surpreendeu, assustoua, ¢ Ihe arrancou um, grit, — Ursula! — diziathe a pessoa que estava ante seus olhos — Ursula, perdoarme-eis? — Oh! pelo céu, Senhor!—exclamoua moga ‘a wemer — que viesies aqui fazer?! Elevantou-se resolvida a deixtilo, castigan do assim tanta ousadia. 0 mancebo, antevendo @ Sua resolucdo, caiuthe aos pés e suplicante, disse-Ine: — Oh! nao, no, Cisula, por amor de vossa ‘mic, ndo me deixeis sem ouvieme. E tanta singe- ‘eza havia nestas palavras, ¢ tanta expresso nos othos do mancebo, que a donzela estacou indect Bao cavaeo convalescente 6 homem que asim flava, como o Feo pespicaz 1-8 J ac, wnnado Nesse momento tao solene para Ursula, sen- tt brofando arependimerwo de seus passeioe da alvrada,¢ rp pela mente repacsou todos os mos aos de sua vida, sem air comerncnee {ea even Goong de sun eas ea Aue que munca vir, por que fay adage homem a viera ai ‘Surpreender, suse Ursula 49 entrevista que tanto comegava a inquietvla, ¢ lem brando'se de sua mae, que tudo ignorava, exprobava ‘se a Si acremente de 10 leve procedimento, — Ursula — continuou © mancebo, reconhe: cendo sua perturbacéo — Ursula, mimosa filha da floresta, flor educada na tranqulidade dos campos. Por que tremeis de me ouvir a voz? Julgais acaso que vos possam ofender as minhas palavras?! Sossegai, em nome do céu, Ursula, sossegait Donzela! eu vos juro que sou leal, ¢ que 0 respeito que vos consagro, ¢ de que sois digna, nem o si léncio deste bosque, nem a solidao do lugar o que- brara jamais, © que sinto por vés — continuou comovido — éveneragio, € & mulher a que se venera, rende- Se um culto de respeitosa adoracéo, ama-se sem desejos, ¢ nesse amor nao entra a satisfagao dos: sentidos, ‘Ursula, — prosseguiu com voz que inspirava confianga — compreendo, e avalio a perturbagio em que vos achais: porque € inocente € pura a vossa alma; mas se me escutardes, se vos dignardes ouvirme, conhecereis que também pu: as sé0 as minhas intengOes. € que 0 amor que me inspirastes ¢ cdndido como a vossa alma, enido Ursulla, erguendo as méos com aflico, disse: — Oh! senhor, por quem sois, deixaizme vol: tar agora mesmo para ao pé de minha mie! — ¢ deu um passo; mas este passo foi vagaroso © té- s ari mina dos Reis E de repente ela ouviu uma vo?, que a essa hora do amanhecer, nesse lugar, onde se julgava 'S6, a Surpreendeu, assustoua,¢ Ihe arrancou um sit. = Ursula! — diziaine a pessoa que estava ante seus clhos — Ursula, perdoarme-eis? —Oht pelo céu, Senhort — exclamoua mega ‘a tremer — que viestes aqui fazer? Elevaniousse resotvida a deixéslo, castigan. do assim tanta ousadia, © mancebo, antevendo @ sua resolucao, caiusihe aos pés e suplicante, disseie: — Ohi nao, no, Ursula, por amor de vossa Inde. ndo me deixeis sem ouvirme. F tanta singe- leza havi nestas palavras, e tanta expresso nos cthos do mancebo, que a danzela estacou indect. sae conkisa, Fra 0 cavaleiro convalescente o homem que See leve: como o etor perspicaz eo. jade Nesse momento to solene para Ursula, serv ‘ve que nunca ve, Yomnem a vera af sunecea Gs, ameao wei {Be mali 0 sentmen de wn, tos © chase Orsuta 0 See ls entrevista que tanto comecava a inquietéla, © ler >branclo'se de sua mde, que tudo ignorava, exprobava- Se a sl acremente de to leve procecimento, — Ursula — continuou 0 mancebo, reconhe- cendo sua perturbagao — Ursula, mimosa filha da floresta, flor educada na tranqulidade dos campos, Por que tremeis de me ouvir a voz?! Julgais acaso que vos possam ofender as minhas palavras?! Sossegal, em nome do céu, Ursula. sossegait Donzetat eu vos juro que sou leal, e que 0 respeito, ue vos consagto, e de que sois digna, nem 0 s+ lencio deste bosque, nem a solidio do lugar 0 que Drara jamais. © que sinto por vés — continuou comovido, — €veneragéo, ¢ & mulher a que se venera, rende- Se um culto de respeitosa adoracéo, amase sem, desejos, © nesse amor nao entra a saisfago dos sennidos, Ursula, — prosseguiu com voz que inspirava Confianga — compreendo, ¢ avalio a perturbacao ‘6m que vos achais; porque € inocenie e pura a vossa alma; mas se me escutardes, se vos dignardes ouvirme, conhecereis que também pu: aS So as minhas inteng6es, € que oamor que me. Inspirastes ¢ candide como a vossa alma, Entdo Ursula, erguendo as mos com aficdo, disse: — Oh! senhor, por quem sois, deixaime vot tar agora mesmo para ao pé de minha mae! — ¢ dou um paso: mas este passo fol vagaroso e tré- “a E de repenie ela ouvtu uma vor, que a essa hora do amanhecer, nesse hugar. onde se Julgava 56, a surpreendeu, assustou-a, € he arrancou im Brito. — Ursula! — clziatne a pessoa que estava ante seus olhos — Ursula, perdoarme eis? —ohi pelo céu, Senhor! —exclamoua moga ‘a emer — que viestes aqui faze Elevaniourse resolvida a deixélo, castigan do assim ‘ania ousadia, © mancebo, antevendo @ sua resolucéo, caiuthe aos pés ¢ suplicante, disseihe — Oh! nao, néo, Ursula, por amor de vossa ie, néio me deixeis Sem ouvime. E tanta singe- leza havia nestas palavras, e tanta expresséo nos ‘thos do mancebo, que a donzela estacou indlect sa€ contusa, Era 0 cavaleito convalescente © homem que assim falava, como 0 leitor perspicaz te10-4j4 ad vinhado, 'Nesse momento téo solene para Ursula, sen- tty profundo arrependimento de seus passeios da alvorada, € répido pela mente repassou todos 08 Utimos alos de sua vida, sem atinar com 0 motivo ue a levou tao longe de sua morada, e a um bos- «ive duc nunca via, © por que fatalidade aquele homem a viera ai surpreender. Ursula, amando véto, arependiasse, © quase (he maleizia 0 sentimento de seu coragéo, que @ Obniara a Wo lone, ¢ ater, a seu pesar, acrucla > Ursula 0 cntevisa que tanto comegava a inquitéa,e lem brando se de sua mie, que tudoignorava, exprobava. 5c st acremente de tao leve procediment, rsula — continuo mancebo, reconhe- cendo Sua perturbagdo — Ursula, mimosa filha da foresa. flor educada na tranquiidade dos campos, Por que treme's de me ouvir a voz Julgais acaso ‘que vos possam ofender as minhas palavras?! Sossegai, em nome do céu, Ursula, sossegail Donzela! eu vas juro que sou lel, e que o respeit ‘due vos consagro, ¢ de que sois digna, nem 0 st Jencio deste bosque, nema solidéo do higar 0 que- bear jamais © que sinto por vais — cortinuou comovido —€ veneracéo, ¢€ muthera que se venera, rend: ‘Se um culto de respeitasa adoracéo. ama'se sem desejs, € nesse amor no enira a satistacéo dos sentidos. Ursula, — prossegui com voz que inspirava Confanga — compreendo, ¢ avato a pertutbacio fem que vos achais; porque ¢ inocente © pura a vossa alma; mas se me escutardes, se vos \ignardes ouvieme, conhecereis que também pur "sso as minhas inleng6es, € que o amor que me inspirasies 6 cindido como a vossa alma. "tio Ursula, erguendo as méos com aficéo. Asse: —On! senhor. por quem soi, deixaime vot tar agora mesmo para a0 pé de mina mae! — © {dou um passo; mas este passo fi vagaroso 6 mé maa _— aia Fina 60s Res mulo, eo mancebo, elerizado, encantado por essa ccandica timidez, que revelava a mais angelica pu: reza, coreu para ela com indefiivel transporte, rmisturado de amorosa veneracao. © docemente, obrigando-a a sentarse, curvou'sehe a0s pes, € udo, ¢ contemplativo. ¢ enlevado Ro rubor, que tingia as faces da donzela, guardou siéncio por al ‘guns insiantes. e depois, rompendoo, disse the: — tsa, casto & 0 meu amor, € s¢ 0 no fora, por prémio de tanto desvelo © generosidade, no wélooferecera, Nomeu detino, Ursula nao éreis 6s quem me aparecia oh! nao, Uma oultra mulher eu Vit Era terivel essa visio infernal, ¢ julguel morrer de desesperagéo: porque dia ¢ noite cla, implacavel. desdenhosa, ¢ fria estava ante meus ‘othos!... Sim, julguei moter: mas v6s aparecestes Junto ao meu kit, vivos, © as dores se amodorra- ram, € como se eu visse a Senhora dos Afitos le vando @ minha cabeceira um dos anjos que a 0 deiam, ¢ que langou balsamo divinal em minhes feridas, que se cicamizaram ¢ 0 coragao serenou, & ‘alma ficou livre, Entao a imagem odiosa, que me perseguia, desapareceu para sempre. Ursula, pude esquuect Ia para sempre, sim! esquecé-la! ¢ esque Cer com ela no 0 armor que sentia; porque esse hé muuto que me morreu no coragao; mas 0 6dio. © dio, que the votava. A vossa bondade deu-me forgas pare coquccla, talvez. mesmo para perdodsla.- Grsula sf — Bu tinha 0 coragio dilacerado por cruen: tas dores, — prosseguiu © mogo, com voz pausa da, ap65 um momento de silencio —e esse estado de penosa angiistia ocasionou a enfermiciade que me deu a ventura de conhecervos, e se vos no houvesse visto, se prolongaria até © extremo da vida, que nao poderia tardar. és, Ursula, aparecestes e espancastes as trevas de t80 apure do sofrimento. — Fostes o meu anjo salvador. Ursula, cu vos amo! € se vossa alma simpatizar ‘coma minha, meu coragéo vos tem escolhide para ‘a companheira dos meus dias. —amais-me, Ursula {um stiito rubor, methor que a rosa, tingiu as faces da delicada virgem, e ela baixando 0s olhos, dissesthe: — Tavezt... A voz era to débil que seme: thou © doce murmiiio de queixaso ribeiro. ‘Mas, enquanto os labios ciziam simplesmen- te talvez, 0 coragéo desfeito em transpories de ine- faveis doguras sonhava as venturas do paraiso. ‘Sua inquictacdo, e suas noites de villa, jé nao eram Para cla um penoso mistério, ou uma forcada diss mulagéo. — Ursula confessou a si mesma, que ‘aquilo que sentra era verdadeiro e ardente amor. E Adelaide — essa muiher, esse nome profe- Fido em deliio, que Ihe aparecia em seus sonhos ‘como uma viséie que a incomodava, deixava de ‘agora em dante de ocuparihe o pensamento; por ‘Que © mancebo havia dito: — Esquecta, perdocta 32 aria Firmina dos Reis Sara Firming dos Reis Por amor de vés. Mas, inda assim, quem seria ela ‘que tanto amor the tinta merecido? Que the imporiava? Bra fell2: porque era mada, e sua vida inteira teria dado por esse mo. mento de ventura, ‘Amot!esse senimento nove —ardente como, © sol do seu pais, amrebatador como as comentes, ‘que se despenham no vale — fol a varinha magica ue transformouihe a existéncia, Julgou tudo um ‘Sonho encantador, cujas docuras comesava ape- nas a apreciar. Exiasiada e louca de amor, a donzela ‘embalde procurava reaver a razéio: e mais embalde. brocurava interogarse a si mesma, — quem seria ‘aquele homem, que assim atraia o seu coragéo? Pordue este 56 the dizia: — amé-o¢ viver, ea vida assim vivida € a etemnidade no gozo. — Ursula, — disse © mancebo, comovido. ‘apés de um longo silencio — devo-vos a fiel narra. ‘S80 da minha vida. © homem, que vos ama, que 0s idolatra, 0 homem que vos escolhe para sua ‘esposa, néo vos deve ocultar @ minima particular dade da sua triste existencia; ¢ depois que me lwWerdes ouvido, depois que souberdes quem 6 0 Ceavaleiro que tendes a0 vosso lado, dane 0 V0ss0 coragio, dizelthe que 0 amals, ¢ ele serd uma vez feliz, uma s6 na vida; mas esta feicidade deve Ser ‘80 grande. que 0 seu pasado eairé para sempre ‘em um abismo de profundo esiquecimento, Porém, Ursula, se me recusardes essa ventura, a dnica que Orsula 7 ra) almejo. a minha vida tomar'se-4 um prolongado ‘mantiio, e quem sabe se a poderei suporiat... — Oh exctamou a donzela com interesse — [Pesavos acaso no coragéo téo pungente mégoa?! — Sim, — tomou ele comovido— sim, grant de tem sido o meu softimento, Julguei, Ursula, nun- ‘ca mais amar, e morrer amaldigoando meu primei Fo amor; mas eu volo disse ja — vives e meu co ago cobrou nova vida, ¢ novo amor curouhe 2s ferdas, que 0 destruiam. Agora, deckdireis da mi ‘nha sort: feliz, ou desgracado, Ursula, sO és sereis, omeu amor [nto 0s oinos da donzela desferiram brihan tes reflexos de amor, e cedenlo a um transporte de Indefinivel entusiasmo, exclamou: — Seats vés, senhor. quem quer que fordes, ‘uaisquer que sejam os precedentes da vossa vida, ue generosamente prometeis confiar me, aqui, na Solidao silenciosa e grave desta mata, onde sé Deus [NOS Ouve, onde s6 a nattureza nos contempla, juro- os pela vida de minha mae. que vos amarel agora ‘© sempre. com toda a forga de um amor puro € {ntenso, e que zombaré de qualquer oposi¢So don: ‘de quer que part. —Vos?!—Repetimas, repettmas ainda uma ‘vez essas inebriantes palavras que transportam-me! = Sim — tomou ela, cujos olhos cintiavam. ‘como dois asttos luminasos ¢ diziam mais que 08 labios, € cujo coracio arfava de amor € de felcida ‘de — sim juro.vos pelo céu. que nos escuta, que 3 Femina dos Reis het de amarvos sempre! Fela. ou deseragada lembaor qe poramarvos ecapecsaea Fle = oh exctanot oem comescnte ~svagaeoven mendes. de manonnere faci! verde coca env haves edad Meu Bes, Seer mea eae Como #08 bom. ~ B alan donne ean evga eran ~ Grade — posse — ve me erecta to asin da desespemsto en ae rn one Inher me ha despa, apg ras aa deraceiaenbraga do seu taeso a & eu ameia, Ursula, ameia com todas as ‘A da ont estan, Depo de to longo © apurado sofiment, evs de ter esgoiad ae as foxes o each oe Saga, vote co ela que ms foro wa os ae s¥0 eta omeuaieo: mas cle uch ©. deo do meu cova, © hoje stu fer ea rer fandoe nexngtvel despa Desprezo! — content mecitando sobre {ta pila — stn desprezo: mas ote ane ISCO © as. minha tee hs conta oma Hehehe tura infame foram que o trouxe IM. € gore vole, one coe mato: mas gt YR bouco erm tamonia comm me nae mol los ante 05 vassos pes, any hem nae? Ae | Srsuia ss — Cumpre que vos confesse como a ama- va... — "Adi, ecolheu:se a si, € fazendo um esfor 50 sobrehumano, continuou." Oh! amavaa como ‘© cativo amaa liberdade. como 0 ébrio 0 vicio que ‘© mata; Seguia-a como © cole as flores, como a bissola o norte, como o fel lebréu a seu dono: — ‘era uma paixo que me prendia 0 coragio € os sentides — era um frenesi, um deliio proximo da Joucura, perene. Tudo ela desiruiu em um momen: to, como a crianca 0 brinco, Cujo valor no sabe! Viera na escuridade da noite, no cair da tarde: view na erva do prado. no calix de uma flor. no frmamenio ene as estrelas mais brihantes, no amulho amoroso das aves, no canto sentido da sororina.... Oh sempre ela, sempre ela, em todos 6s lugares, em todos os tempos, e sempre bela, Sempre meiga e sectutora, sempre apaixonacta! B eu geemia de amor. e de sauctades, ¢ amal dicoando a separacao: porque esse aero, que me escaldava © se apossara de todo 0 meu ser. julga- ao igual e to intenso, no seu peito, Engano. en- sano fatal. — Ursula! agora todo esse amor, oulinda amor ‘mais sublime, mais ligno de vés nutre o meu cora- ($80; axtora poderet ter forcas para Contae vos a his- ‘oria da minha vida. depois de breve pausa, prose, susp: ranlo: — Quisera que omeu pasado fugisse como Sombra de uma ave inquicta, ou come a nuver 56 aria Fina J08 Res que o vendaval destaz. par porque € triste e pungente: mas € preciso recordagées, que me rasgaréo de novo feridas mal ‘cicatrizadas, para patentearvos todas as minhas Jongas e profundas dores. ‘Rogo-vos, pois, que nao fomeis @ minha nar rag, quando tenha de ser apaixonacda, como de- _scjo do passaclo ¢ saudades dele. Podtcis amarme ‘sem receio de que ele perturbe 0 nosso miatuo afe- to. Ressentmento, édio, makdigao, tudo, tudo het ssacriicado ao vosso amor Oh! de novo juraime que 50s minha, que 0 vyosso amor é igual ao meu, doce e mimosa Ursula, para que eu possa falarvos daquela que foi casta © pura como vos, daquela que fol minha mae. Ea voz tomousehe débil, e surda, ¢ dolo- rosa, como um choro sentido, que fica no coracao endo ver aos olhos. SP Vv |A PRIMEIRA IMPRESSAO na voz, € no coragao: GUE ram de atar 0 fio da sua esforco sobre si © CO- Lagrimas tinha ele tha embargaram e impedt narragao. Fez por titimo um megou Ursula, se eu vos néo encontrara meiga, © desvelada, no caminhar de minha amarga existéry Gia, odiosa me fora cla, ¢ a recordagao do passado seria para mim um proiongado martino: (0 segredo de minhas dores seria para sem pre sepultado no mais fundo clo meu coragao: mas eu vos amo, € 0 vosso amor dime forgas para tamanho sactificio. Ouvime, pois, ¢ perdoaime. 's6 aparteime de minha mae quando ful para 440 Paulo cursar as aulas de Direito, ¢ seis anos de ‘saudades ai passci, tendo‘a sempre em meus pen: samentos; porque amavara com uma fernura que ‘s6.v6s podeis comprecnder. Num dia recebi 0 grat de bacharel ¢ noutro Segui para a minha terra nate se aria Firina dos Reis Ah! como me transbordava a alma de pra- 2er! cu vinha rever aquela, que cercara de amor & de cuidados a minha infénciat Afeigao alguma me péde reter em S80 Pau: lo; minha mde, o lugar onde eu tive meu berco, ‘Meus amigos de inféncia, n3o os podia esquecer, Pari pois com prazer duma terra onde tinha vivido. longos anos de saucades, e de pesares. E cu vi essa mulher, que me dera a vida, essa muiher, que era 0 idolo do meu coracéo, € anceme nos seus bragos, chorando de alegria por tomar a véla; mas ela estava desfeita, e suas fei (8s denunciavam grande abatimento moral. Nunca tive felicidad a que se nao viessem misturar sentimentos de angtistia; nunca fui com- pletamente fez —S¢loeis ainda — disse the a donzela com indefinivel tenura, — Sim, agora 0 creio — respondeu ele com confianga — Vés, Ursula, sois a mulher com quem sonhava minha alma em seu continuo devanear. — B junto de minha pobre mae — continuou © cavaleiro, apés breve siléncio — eu vi uma mu: ther bela e sedutora, dessas que enlouquecem des- de a primeira vista No primeiro transporte de alegria, enquanio ‘minha mée chorava de satisfa¢ao, cla com os olhos fitos em um bordado. que tinha entre as méos, Parecia distraida; e eu reviame na sua beleza tao ura como a estrela da manha. Orsula 59 (ht minha doce Ursula, eu amei a essa en: cantadora donzela, ¢ © meu amor foi puro, arrebatador; mas ela no 0 compreendeu. — Meu filho — disseme minha mae, apre- sentando-me a formosa donzela — cis Adelaide, a minha querida Adelaide. € filha de minha prima € 6rfai de mae € pai. Recolhia e amo-a como se fora minha propria filha. — Tancredo — continuou — no poderei es- perar de ti desvelada protecdo para aquela que ado- tel por filha, para aquela que tem enxugado as lé- ‘grimas de tua mae na auséncia de seu filho?!, Minha Ursula adorada, de joethos prometi ‘a minha infeliz mae ser 0 escudo da formosa érfa. Entio ela em sinal de reconhecimento, esten- deume a mao, que apertei com enlevo. Creio que ‘meus olhos exprimiam algum sentimento temo a cu respeilo: porque seu rosto se tingiu de carmim, e depois um débil suspiro, como que ha muito repr ido, saiu meio abafado de seus réseos labios. ‘Ouvio, € Julguel, — louco de mim! — que ‘esse suspiro era a primeira expresso de um re- pentino e profundo afeto: julguei que sonhava: por ‘que nunca havia sentido 0 que entéo se passava em mim. Mais tarce, velo meu pai feicitarme. Mostra- ‘va‘se feliz € orguihoso de seu filho; € abracoume com transporte Nao sei por qué. mas nunca pude dedicar a ‘meu pai amor filial que rivalizasse com aquele que so. Maria Femina os Rels ‘Sentia Por minha mae. e sabeis por que? 6 que centre ele ¢ sua esposa esiava colocado 0 mais des- Potico poder: meu pai era o tano de sua mulher; & fa, tiste vitima, chorava em siléncio ¢ resignava- ‘Se com sublime brandura, ‘Meu pai era para com ela um homem desa: iedado ¢ orguthoso— minha mae era uma santa € bumilele mulher. Quantas vezes na infncia, malgrado meu, {estemunhei cenas dolorasas que magoavam, ¢ de Jouca prepoténcia, que revoltavam! & meu coragéo alvorocava-se nestas ocasibes, apesar das pruden- tes admoesiagdes de minha pobre mae. que as ldgrimas da infelz, ¢ os desgosios, «que a minavam, tocavam o fundo da minha alma. E meu pai ressentia-se da afeicdo que tribu- tava a essc ente de candura e bondade: mas foram, 8 suas caricias, os seus meigos conselhos, que Soaram a meus ouvidos, que me entretiveram nos. Drimeiros anos; a0 passo que o genio nucle de meu Pai amedrontavame, © desprazer de ver preferida a sia mulher ue odiava, fez com que meu implacével pai me @partasse dela sets longos anos, néo me permitin ‘do uma $6 visita ao ninho patemo; e minha mae Mnava-se de saudades; mas sofia a minha ausén ia, porque era a vontade de seu esposo, Mas eu Voltava agora para 0 seu amor, e Scus dias Vina, a ser belos © cheios de doce esperanca, Orsuia o Entretanto, eu também era feliz. Aprazia me ver Adelaide, no arrebol da vida, to casta, tio en ‘cantadora, compartihando ora a dor, que nos ope ‘mia, ora 0 prazer que enchia 08 nossos coragies. [Em Adelaide minha mée encontrara uma desvela- dda amiga: a sua exirema beleza, € a dedicagio ‘quela mulher, que eu tanto amava, atraiam-me Incessantemente para ela: € a primeira vez que a vi, o meu coracdo adlvinhou que havia de améta. ‘Sim, ameta loucamente, ameia com todas as forcas de um primeiro amor, € quando um dia the revelei 0 profundo afeto que me inspirava, co- nnheci que era correspondido, nao obstante o ela dizerme: — Tancredo, sou pobre, ¢ teu pai se ha de por a semethante unido, — Ah! prorrompeu o cavaleiro com azed: ‘me mal disfargado — mulher infame e ambiciosa! minha mée conheceu a afeigdo que nos ligava, € esiremeceu de horror. — Meu fiho, — disse me um dia, chorando — tu amas Adelaide, eu o tenho adivinhado: por: ue ao coragéo de uma mae nada se ocula. Vais ‘amargurar a tua existéncia, Tancredo, meu fio, nao cedas a um amor ‘que te pode vir a ser funesto. Adelaide ¢ uma po- bre érfa, e teu pai ndo consent que sejas seu esposo. ‘Adelaide entrou, soruse para mim, e foi ‘abragar minha mie, ¢ €u continue! a conversacdo. a aria Firming 605 Res Sim, minha querida mae, amo Adelaide, & ‘Seu coro retnbut me, meu pal amname, NBO Po- der, portant, contranar a minha primeira inctina- ‘940, Nao, minha mae, abengoal prime que ele asso amor; porque esta ha de ser a esposa de vsso fo. Ndo ¢ verdade, minha Adelaide? Ela corou de peo, ¢redarghit — Tancredo, sou uma pobre 6, vosso pal — Oh! pelo céu— interompi-a — pelo céu. ‘meu pai no tem coragéo de tre —Ant meu fiho! —objerou minha pobre me ‘com voz to rémmula que semethou um choro amar 80: — receio. — Receais. — Receio a prepoténcia de teu pai, © uma ‘oposigéo tenaz e exorbitant, — Tendes razdo! — disse'he, porque as re- corlagées do passado se erguiam ante mim como ‘Pavorosos fantasmas de dor e de vergonha. Creio ‘No entanto que ele cedera a seu filho 0 Gnico favor {que Ihe hi pedido em toda a vida, — Duvido! —repicou, abanando tristemente ‘a cabera.— Meus fihos, 0 céune tumine as trevas co Pensamenocobigoso © que eu os veja unidos — Sim, minha boa ¢ tema me — the tomel ‘com convigio — haveis de vernos feizes, 6 vos © serts também, Estou cue meu pa ndo me pode. "4 negara esposa que meu comagio escotess Nolet que meu pai comecou a ser mats oo- ‘unicatvo © mas talvel, © com sso myo Gravla 63 perancas robusteciam € minha mae cedeu a essa enganosa ilusdo. ‘Oht como escoaram felizes esses dias! Eu ‘amava, e meu amor coreespondido bastava para a minha ventura, “Todo embevecido no meu amor, nao curva ‘de meus interesses e nem de lusirar meu nome na: camera publica, Toda a minha ambigéo era essa mulher to loucamente amada. Mas isto no podia ‘durar muito — era ventura demais para um pobre ‘moral Era 0 dia dos anos de Adelaide. Esse dia! ‘que de amargas recordagdes me traz! Decicime a ir comunicar a meu pai o segre: do do meu corago — esse segredo que me trans- bordava ja da alma, e que ele fingia nao conhecer. — Qualquer que seja a impressao que ameu al possam causar minhas palavras, — disse a minha mae — Adelaide ha de ser minha. Bla, olhandome com sevenidade, redargulu: — Tancredo, no chames sobre tia célera de teu pai. Oh! Deus nao protege a quem se opoe vontade patemat Baixel os olhos confuso e magoado, ¢ quan: do os ergui duas lagrimas the sulcavam 0 rosto, — Oh! minha pobre mae — exclamei reco- Ihecido — perdoatme! Entao cla somu'se. porém. ‘Seu sorriso era amargo ¢ temo a um tempo! ‘Ah! ela temia seu esposo, respetiavaihe a ‘vontade férrea: mas com uma abnegagéo sublime ‘quis saerificarse por seu fio. a Moria Firmina dos Reis = rei eu— alisseme € $2 Comi para meu quarto, contigo a0 de meu pal, € ouni tudo quanvo se passou entre ele © mi ‘nha mie, 0 que oun. ainda hoje enche-me de espan- to, e reconheci desde entéo que meu pai era mais desapiedado, ¢ cruel do que imaginava. E minha desditosa mae tudo @arrosiou, por que era a causa de seu filo que advogava! Era as vezes tio debile wemula a sua voz, ¢ 180 aspera e Violenta a de meu pal, que seus acentos chega- vam a meus ouvides como a queixa a0 longe de ‘sentida rola, ‘Mas outras vezes vinha ela a0s meus ouvE os, € eu acreditei que era minha mae uma santa. Deus meu! parece-me que inda a escuto! ‘A mansidéo com que se exprimia desarma- na a uma fera; mas meu pai imitado € fora de st fexclamou com voz terrivel, que ecoou medonha ‘em meus ouvidos. —€ acrechtastes, senhora, que eu consent ha em semethante unio? Estas louca?! Sem div: da perdestes a razA0. Idewos, e no continuels @ almentar no Corago desse louco uma esperanga due jamais he devera ter nasi, ne mafwoemant — aventurouse a retorquit™ ha desvelada mie — adelaide é a filha d& uma patenta quent! sano a ela digna de meu filho?, esee ave nen se — Cala vost velo crden evaeos —interompeuace- 50 cm wa.— dus Ge Hor sex esa mera Cf Ursula ss vvossa parenta, € porque a amais, hei de desposé: Ja a meu filho 86 por ser essa a vossa vontade? Decididamente que eniouquecestes. E sorriu'se, mas com um sorriso sardOnico que me gelou de angtistia. [Nao se. alerrou, e respondeuine com uma voz to débil, que no ouvi; mas to meiga € quet xosa, que © acalmou um pouco. — Louvovos a generosidade, minha nobre _mensageira; — disse pouco depois com tom de ‘sarcasmo, que me fuiminou — guardai para uma esposa mais dligna de Tancredo essa parte da vos- 5a fortuna com que pretendets tio desinteressada- mente dotar a vossa Adelaide. 'E terminou isto com esirepitosas gargalhadas. — oh! senhor, pelo amor do céut & $6 para ‘me roubardes a tilima ventura de um corag&o ja ‘morio pelos desgostos que me negais © primeiro favor, que vos hei pedido! Que vos hei feito para ‘merecer tanta dureza da vossa parte? Que vos hé feito meu fiho para vos opores a sua felicidadet ‘Oh! quanto sois implacavel em odiarme... Sim, lealdade e © amor le uma esposa, que sempre Vos acatou, merece-vos tio prolongado, desabido © maligno tratamento?! Perdoai:me... mas tanto tenho sofrido; tan- tas lagrimas me tém sulcado 0 rasto desfeito pelos pesares tanta dor me tem amargurado a alma, que csstas palavras, nascidas do iriimo do peito, pun genies, como toda a minha existéncia, no vos 6 podem ofencer, Amranca-as, senhor, dos abismos dda minha alma; a agonia lenta, que nela tem gera- do © desprezo © o desamor com que me tendes tratado! FE extenuada por tamanho esforco ¢ pela dor, 'ndo péde continuar, E meu pai ouviasa em silencio: quando ela terminou suas magoadas expressdes, ‘ele com tom seco e firme, 140 esiranho aos quetau. ‘mes de sua esposa, como se as néio ouvira, excl — e-vos! —£ acresceniou no mesmo tom — ize’ a vosso fitho que a vontade de seu pai no a domastes vés, e ninguém 0 conseguir, — & nem uma palavra de esperanca?... — ssolugou minha fellz mae, —de-vos — tomourihe 0 endurecido esposo. Bla obedeceu. Qquep AENTRevista = A dor, que sent, minha querida Ursula — prosseguiu © mancebo com voz magoadla — 180 ‘vos poderei exprim... fla caloume aié 0 fundo do coragdo, eu gemi de angista por mim. por minhas cesperancas assim cortadas, e por minha mée desde- Inhada ¢ aviltada 20 tlimo apuro por seu esposo! ‘Com para cla chorando: esse choro, que eu no sabia reprimir, arrancava-mo © Soffer profundo daquela cratura angéica. ela também chorava; mas era um pranto sentido € temo, que contrastava com © meu, que era provocado mais pela indignagao mal sufocada ho coragéo, a0 passo que o dela era o de uma santa. — Que humithacao! exclamei palido de co- imihhacho, minha mae! mogdo — que hurnilhacdo. f "— amo as humilhagées, meu filho — disse ‘com brandura, que me tocou as tilimas fbras® ca eS Teves, no oneal aia Frmina os Rels alma — 0 mete do Calvanio sofreu mas Por AMOF de nos, Meus jochos vers ‘essa mudber de tio sublines vinudes, € cucisse the: — Ao menos 0 sacnficio do lvoe Deus nO {ov ininl, mintsa mie, € 0 vosso?!...Léxgrimas, & desesperanca — Pacéncia, meu fiho, Deus assim © quer ‘Fu tudo ouvt, minha me, fuxto. — E, ajure tando as mvios sobre seus jocthos, que wemiam de afi, conte! solucando.— Por amor de mim quisesies sactiicarvos!... E reprimindo 0 pranto vei — Meu pal = Silencio! — exclamou ela intetompendo- Ne. — Meu filho, nfo levantes a voz para acusar sam insinwvamente ante aqucle que te dew a vida, Avlclaide, que estava presente, pélida € aba: tia, disse com voz grave © melancalica; porém. firme, que revelava dignidade: — Para que repetiremsse estas cenas de hu- miltagio © de pranto, que me magoam? Cessem las, Senhora, para sempre, E voltando'se para mim, com acento breve, mas trémulo e amargurado, conclu — Tancredo, eu te restituo teus votos. Edeposs, com voz mais tocante ¢ mais dolo rosa, que Me COrtOU 0 CoraKO, prossegui: — Agradlegorte, generoso maneebo, o afelo desinteressado, que animou teu coragiio, mas Se me € pemiido pedtte ainda un limo favor Gow ‘Tancredo, pelo amor do céu ndo desafies a c6lera de teu pait — mulher angéticat — bradet comovido por 180 sublime expresso — Que me pedes? Posso por ventura esquccerte? poderei viver um s6 dia ‘sem vere? Sem ouvir © harmonioso som da tua. voz? Oh! Adelaide... esse sacnificio fora demais para mim — nunca o fail... Deixasses embora de amar me, que ainda assim cu te amaria loucamente. =F cu, — disse ela com amargura: mas t80 baixo que $6 eu Ihe ouvi — triste de mim! amare ‘ei sempre; mas em silencio — basta que 36 Deus © saiba, E um turbilhao de Kigrimas borbutharam de seus olhos € sufocaram-na, Ursula... minha Ursula, —s6 agora sei que essa mulher mentia, que suas lagrimas eram ‘encadeadas aleivosias, € suas palavres refalsadas, ‘como 0 seu coragao. ‘Tresloucado, porque essas lagrimas feriam a ‘minha alma, aranqueime a tiste cena que to do- lorasamente me magoava, ¢ ful procurar meu pal. ‘Apenas fiz:me anunciar, ful logo introduzido em seus aposentos. Nesse quarto, onde brihavam o luxo e a opt lencia, tudo era triste © sombrio, ‘Cruzava‘o meu pal com passos ripidos © incertas: seus olhos refictiam 0 dio que the do- -minava nese momento 0 pensamento. Note que suias feigdes estavam transtomadas, ¢ que baca os Rels oar iin ds Rts palitez te anuviown o rosto, Semetava 0 leo fet do, que despede chama dos othos. € ¢u julguei que ia promomper em insensatos brados. Enganei-me. "Apenas viume, serena um pouco, assen towse, eacenoume para uma cadeira, que estava 20 lado HHouve entao um momento de profundo si lencio. nesse momento. meu pal observava atento ‘minha fisionomia, que devia estar bastante altera: dla porque eu sofa honivelmente. EEntetanto, depois de minucioso © aturado fexame, deixou enar nos labios um sorriso meio ‘animador. € meio escamecedor, ¢disse-me com téico acento que esmagava: — Por mais que tenha cogtado, no atinet ainda, meu Tancredo, com o motivo, que te obriga assim obsequiarme. No ousava contar com este favor, Inctinetme, ¢ ele posse: — Dspunname agora mesmo air procurer- Xe: porque tenho noticias de alta importénca para comuricart. — stout vossas ordens, meu pal — disse- the com secquiddo, elon ee Scans moreno 6s 4908. — Que reserva, Taneredor, 2€°? Desconhegote, ue quer iso dh = Senex. — redag interpelago cue io espera NS? Por aquela 7, TaneTedo! Bradoui com voz. de ovo — vers poracaso quesona cme tain Ursula n E somiusse com desdém, © depois continuo: — De ha muito que conhego que 0 amor que me de- dicas nao excede aos limites que te impoem a so- ciedade € a decadéncia. Bem; nem outra coisa podia esperar: entretanto para provar-ie 0 meu des: velo, nao hei poupado fadigas, nen deslenhiado meios para oferecerte um lugar distinto entre os homens. — Meu pail — disse-he com dignidade — agradego-vos 0s desvelos de que me tendes cer ado; mas senhor. — Calate, — intertompeu ele mudando de ‘tom — nada de recriminagbes. Podes seguir —con- linuou — as tuas incinacdes, teu pai nao te estor: varé a carrera, E com certo sorriso, meio fagueiro. pergun- toume: —Poderei saber 0 que aqui te trouxe? — Eniao, nao atinastes ainda com 0 motivo {da minha visita? — disse-he — Pois bem, explicé- lor! se o permities. — Pala, — disse me friamente. 4 ndo podeis ignorar, senhor — comecei — que amo com paixio a jovem Adelaide, € que & la digna da minha mao: uma s6 palavra vossa Dastaré agora para a minha completa ventura. O ‘vosso consentimenio, senhor, para desposéla, que ‘© meu reconhecimento sera etemo e profundo, — Deveras? — interrogou. fitanclo em mim ‘seus olhos com indefinive alivez, e depois cravan- aia Frmina dos Rels mo dos no chao, guardou profundo siencio, Tue eu rémn mais tarde, compondo 0 no ousel quebrat: Po rosto avermelhado € severo, objetou Com Or fi ‘me; mas pausada, grave, € sem cole: — Meu filho, tenho pensado madura © Jongamente sobre os teus amores — so uma lou: —Loucurat — exclamei com énsia — loucu: ra, meu pai? Porque 0 dizels? Porque é ela pobret Ohta um tesouro de riquezas € preferivel seu cora- ao. Escutoume sem alterarse, ¢ depois pergun- tourme, pesando cada uma de suas palavras. — Sabes tu quem era o pai dessa menina? Néo te falarei, — continuou— de seus cores, vazios de ouro pelo seu péssimo proceder: mas. ‘Tancredo, sobre o nome desse homem pesa uma, — Perdéo, meu pai — atalhel com alligo — Amo, Que me importa © nome de seu pai? Dar Ihe-e! omeu; € se alguma nédoa houve sobre esse homem, purificoua 0 gelo do sepuicro. Meu pal ‘Adelaide esté pura dessa mancha como de toda @ culpa. Esperava uma explosdo de célera; mas con- tra toda a expectativa somiuse com bondade ¢ dis- seme: — Tancredo, tens © meu consentimento. Adelaide, seré tua esposa: mas has de permit que te imponha uma condigao, Sesto 3 A estas palavras, Ursula, cu estava de Joe thos aos pés desse homem, que pela vez. primeira ‘se mostrava bondoso. "— Pala, meu pal, — disse-the —cualquer qe la sea, aceito-a ‘—Pois bem — tomou ele indo se té0 expary sivamente, que, Deus meu! acredite! que vinha tudo ‘aquilo do coraco, que se Ihe expandia pela minha felicidade: ¢ eu transportado de reconhecimento eiavathe as mAos. ¢ sentia que oamava: porque cra feliz. Mas esta isto passou, € o despertar fol doloroso, — Tancredo, és 0 desposado de Adetaicle — disse me — doravante esse tesouro, que has ama do, sera por mim vigiado como a mais preciosa ‘esperanga da tua suprema ventura; Adelaide, po rém, ainda uma crianca, e a experiencia de uma |é longa existéncia obrigame a importe a condicao ‘de esperar por essa unio um ano. — oh! meu pall —scuta me, Bem sabia eu que te las asi: porém alendeme. A esposa, que tomamos. € ‘companheira ctema dos nossos dias. Com ela re- partimos as nossas dores, ou 0s prazeres que nos ‘afagam a vida. Se ¢ ela virtuosa, nossos filhas eres ‘cem abengoados pelo céu: porque ¢ ela que Ines 4 a primeira educagao, as primeiras idéias de moral; é ela enfim quem Ihes forma 0 Coraga0. © 0S ‘mete na carreira da vida com um passo, que a vit: tude marca. Mas, se pelo contrério, sua educacao 74 ada Frmina dos Reis abandonada toma.a uma mulher sem alma, ineon- sequiente, leviana, estipica, ou impertinent, en- '80 do paraiso das nossas sonhadas venturas despenhamo-nos num abismo de etemo desgos- 10. 0 somiso foge-nos dos labios, a alegtia do cora- ‘$80, 0 sono das noites, ¢ a amargura nos entra na ‘alma nos tortura. Amaldigoamos sem cessar essa mulher que adordvamos prastrados: porque se nos figura agora 0 anjo perseguidor dos nossos dias, — Yes, meu flo — continuou — Adelaide é ‘apenas uma crianga: € t80 nova... 180 Pouco co- nheces suas qualidades que... Mas, meu pai! — interompio — que do- tes faiam ao espinto de Adelaide? néo a tem edu- cado minha mae! Franaiu ligeiramente os superciios, e disse: — Sua educagio néo esta completa: e de: ‘mais — continuou, apresentando-me um papel dobrado © selado — eis aqui um despacho, que ‘obtive para i, meu flho, Honroso & 0 emprego que te oferecem, € eu ouso esperar que o meu. ‘Tancredo, no $6 0 nao recusaré: porque fol solic tado por seu pai. como que nao deixara de partir breve, obedecendo as ordens superiores que 0 mandam a cidade de "** ‘Abr o fatal papel, ro, € gelel de dor. Era para longe da minha provincia que me desterravam. — Meu pai! — exclamei pilido de comogao. — Recusas? — perguntoume desconcertan: dose. Recusas? Grsula 5 =o, senor a. Shes. One? — Nea por que no desposarl lade aries de part pare a ea do xB? Ono, no, fet de despost ae depots re conte tno ele mordeu asperamente os kas semen seo de cea. © com vox mal str cave arava de vrata contro, seme ancedo, detain pale, Adee sera in esposa, Cum sacle: pute una cor digo, acetastoa. sacico pox sacri. A con Cig tcl de ncetarse as. Ierompeusee cou em SENG. Xe coc dia eva mim mesmo: por aie semetnnteproecment para com” retpcabemos com so; —fomoume cee fuccdo uma palva some. ACERS, OU HE tes har comin? evetveramseae enti na mene aves da wens ue a se compaciam a oS ros deveres restos am io pea soeade€ peta nea omormid 0 cog, sna etre de gona; ¢ cu oava esse veo mplctve ©, cenbergva a ita venta me ‘Baixei os olhos, mediiei por largo tempo, € subnenine as vrs fen Sido Seu a de amar. porgc dr anh tm meu crac. A DESPEDIDA Minha desvelada mée aguardava:me wému Ja e ansiosa, ¢ perguntousme afta: —Recusou? Nido, senhora — tomethe amargurado, —Louvado seja 0 Senhor! — exclamou en- #80 com reconhecimento, mal compreendendo 0 ‘excess0 da minha dor, €ligrimas de satisfagao Ihe regaram as faces. B Adelaide, exguendo as mos aos céus, € ftando neles seus grandes olhos tiidos de prazer, ppavecia conciira oracéo comegada por minha mée. — Adelaide — isse-ne — no cedas assim a0s transports de uma ventura. que ainda se en Volve nas sombras do porvi porque o desperiar te seria doloroso. Meu pal impésme dura conic. € 41 submetime a ela. Meu Deus! que posso eu fa 2eP? Sabeis qual Seja? Oh! & um custoso € amargo saceficio, ¢ um ano de separao arrastado no ext lio! Este ano ¢ um século de desesperagio. 7 Maria Fiemina dos Reis — Meu Deus! — exclamou minha pobre mae ‘com acento to doloroso, que me estalou © Cora, (a0 de maga — £ mais uma prova, Senhor, que ime enviais! — Meu fio, — continuou — esta separagéo ser talvez eterna! ‘Muitos dias ndo eram passados, quando eu ‘em pé no meio do salto de meu pal, com os bra ‘cos cruzacos sobre © peito, que seniia partirse de dor, observava em sléncio a agonia intima dessas dduas mulheres, que na derradeira despedida, se- melhavam dolorosas estatuas de Niobe, ‘Adelaide recinava-se nos bragos de minha be, pélida como a agucena pendurada na corren- te; € essa mulher cheia de bondade ¢ de virtude cesforgavase por consoléla de uma dor, que s6nela cra real: mas que supunha igual na donzeta, que tum dia seria minha esposa, ‘Com mégoa compare! entéo o semblante plo © emagrecido dessa muiher de alma to he- r6ica e santa, com 0 seu retrato, pendente de uma das paredes do salfo, € gelei de pasmo e de an aiistia. pintor havia ai ragado uma beleza de dezoito primaveras, AS madeixas de seus sedosos cabelos ‘molduravam the as faces brancas de neve, € 5 ger om Stn fr aes on oe ih temosCexessN0s ecoldiee en enon 8.605 labios acarminados. Uesula ~ ‘onde pairava angélico soriso, deixava meio perce: ber-se dois renques de alvissimas pérolas. E agora, demudada, macilenta e abatida pe Jos sofrimentos de tantos anos, era a duvidosa som- bra da formosa donzela de outros tempos. Esta separacio forcada era contudo a maior dor que a havia torturado; porque um funesto pres: ssentimento dizia‘he — que seria eterna! essa dor debuxava'se muda, porém viva € profunda, em seu rosto macilento € cheio de rugas. Minha pobre mae! Bao lado desse retrato estava outro — era 0 ‘de meu pai. Sessenta anos de existéncia nao Ihe hhaviam alterado as feigies sccas ¢ austeras, $6 0 tempo comegava a alvejarihe os cabelos, outrora negros como a noite. Enquanto retragava na mente aggiada os des- gosios de minha aflta mae, entrou seu esposo. Notouthe © abatimento, viu as lagrimas de Adelaide, € seu rosio de leve se contraiu. ‘Tomeithe a mao e beije:a: e ele, voltando- ‘se para a inconsolavel esposa, com severa inflexso de voz, € com aspecto colérico, perguntouthe: — Senhora! quando deixareis partir vosso f ho? Por toda a resposta, $6 Ihe ouvi um gemido de rofundo desanimo. — Meu pail. — exclamei sentido. —Oh! meu flho — fomoume ele com aque- le somiso que the ¢ particular — € necessario que 7 sara Femine dos Reis 20a Fina dos Reis hem sempre se atenda as lagrimas clas mulheres; Porque é o seu choro to tocante. ue @ pesar nos. 0 comovernos, e a honra. eo dever condenam a nossa comocdo, ¢ chamamhe — fraqueza, —Pois bem, meu pai, na horaem que saio a ‘cumpara vossa vontade, peri que vos recomen. de zel0s0 0 tesouro de minha futura Felicidade, e a, mde desvelada, que minha alma adora, —Meu pai — continue com voz queixosa — adocai o amargor do meu exilo! Bem sabeis quan- to me € penosa esta separagéio, que $6 um requin- te de filial condescendéncia a ela me obrigou, Oh! fazei com que nao saiba no lugar do desterro que minha pobre mae verteu uma kigrima de afta dor, fonge do coracéo de seu flho, e que a desposada, ‘ue me concedestes, se conserva triste e pesarosa como ora a vedes. Oh! velai por ela, meu pai, € ‘que cla Se conserve digna da mao que the esta destinada, Entao olhoume, ¢ seu olhar era sinistro: su Porte'-o, © sempre imével ante ele, aguardei uma resposta, Morcleu 0s libios, ¢ com esforgo disse-me: — Deseansa. Aviate, avi 1 iate. — Ursulat minha Ursulat.. ~ prossequitt 0 ‘cavaleiro reprimindo um doloraso gemido — bevel 8 faces mimosa de minha desposada, uni minha Iniie conta © coragio: mas no the disse umn adcus. hem um semido m1 ArqUEION no peito: i havia dorido sofrer. eon sula a Bla deume um derradeiro olhar, tio temo, 140 apaixonado, 10 expressive de magoa intima, ¢ de sincero reconhecimento, que as kigsimas, que _me gotejavam no coracao. por fm me ressaltaram, nas faces, e prorrompi em copioso pranto. esse olhar, em que Ihe estava a alma, dis- seme a infeliz seu derradeiro adeust vil Agora —prosseguiuomancebo, apés alguns momentos de profundo siléncio — agora, se no fosseis vs, minha Ursula, que de novo acabais de prenderme a vida, que me restaria sobre a terra?!! No exilio, encerrado entre as paredes silencio- ‘sas da minha morada, a eram comigo as saudades de um estremecido amor, € as faguciras esperan- ‘gas de um porvir de afelos e ventura. Loucas espe rangas eram essas! Nao podia imaginar que sob as aparéncias de um anjo essa pérfida ocultava um ccoragio traidor como 0 do assassino dos sertdes. Recebia constantemente cartas de minha mie, em que me falava de Adelaide, animava-me no meu desterro, e néo dirigia queixas contra o seu marido, ‘As cartas deste eram sempre breves ¢ frias. ‘Adelaide, que com frequéncia também es ‘creviarme a principio, entrou a espagar mals a sua comespondéncia, que era 0 alento da minha vida, era. o que me fazia permanecer com alguma alma, ‘do Jonge de entes caros, Por tlio cessaram! E eu chorava no exiio dores. que cla havia ‘esquecido — afetos. que nunca Ihe tinham pulsado, ho corago — esperancas ¢ saudades que eram 56, minhas' ‘Com que lentido espreguicavam-se entio 0 diast... Contava as horas, longas como séculos, Itistes como as agionias do padecente. ‘Com 0 tempo o espirito cansado de tao apu- ado soffimento reagiu sobre 0 fisico, e caf perigo. samente doente. Prolongou'se a minha enfermidade, apesar dos esforcos dos médicos, ¢ eles recearam pela ‘minha vida; porém 0 amor e a esperanga salva- ram-me. Recobte! fnalmente a vida, ¢ quando ache ‘me com forgas para empreender viagens, pensei fem tever 0 objeto de minha tema afeigao, € no obstante ndo ter carta de meu pal, que me cha- masse a receber a recompensa de meu sacificio, dispus-me para a parta, Mas... Deus elemo! como so ocultos os teus Juizos! Uma ordlem muito positiva do govemo obri- Soume a renunciar a0 meu projeto, e tive de digit ‘me @ comarca de ***, onde fa incumbido de uma comisso espinhosa ¢ honrosa, Enfraquecido pelos sofimentos, contrarado, Gtunse que desesperado, empreend essa viagem, que fz com tanta rapidez. quarto me pemnurarn Ursula 85 ‘minhas forgas, € alguns dias depois estava de volta. Levava no coracao a imagtem dese anjo idolatrado: mas uma magoa estranha anuviavamne © coraco, ‘© eu nao podia compreendéta, € 0 absolute e tétrico siéncio desse espaco. que perconta, mais aumen: tava esse sentir vago de indefinivel melancolia E dei de rédeas 20 animal com loucura e sem. parar, porque sentia a necessidade do movimento: mas depois a aflicdo sempre crescente trazia me 0 ‘abatimento, ¢ cu deixava 0 cavalo andar como Ihe parecia, © coracdo pressagiava males € ndo tinha cenergia para desvanect-los. Conchuida esta penosa tarefa, ao entrar em ‘minha casa encontrei uma carta, cuja letra era tré ‘mull, e mal tragada, cuja data era ainda anterior & ‘minha enfermidade. Oht Deus meu! Gelouse me de dor 0 sangue — essa carta era de minha mée! Escrevera.a as portas la Etemidade, e cada uma, de stias palavras era um queixume desanimado de dolorosa angiistia. Néo havia af uma palavra que ‘acusasse meu pal; mas compreendi logo que ele the cavara a sepultura ‘Adelaide! minha pobre mae nao me falava ela, E apés essa, Ii sucessivamente uma carta de meu pal, € outras de alguns amigos — minha desditosa mae cessara de exist 86 Mara Firmina dos Reis Ah! essa dor fot profunda, € to aguda, que Fecal © por muitos dias ignorei 0 que Se passava, (em derredor de mim, Recuperei a satide, alentado Por meu amor. Adelaide estava no coracdo, e ago- ra mais que nunca seus afetos eram necessérios a ‘minha alma. Erguime pois, ¢ de novo pus-me a caminho © quinze dias viel, ja pela arcentia do Sol, jé pela lumidade da noite, sempre depressa, sem nunca descansar, animado pelo desejo de chegar e ver a minha Adelaide, tinico ente adorado que me resta- va sobre a terra! No cabo dos quinze dias bati, A noite, @ porta da casa onde nasci e onde morrera ‘minha infeliz mae! A dor, que eu sentira ao receber essas cartas, fatais. crescia, e sufocava me a proporcéo que me ‘aproximava dessa casa, onde eu deixara minha’ desventurada mae, palida € desfeita, ¢ onde ia en- ontrar lutuoso siléncio: € 0 aspecto kigubre do escravo, que vigiavaa entrada, aumentou mais essa dor profunda, Levantouse apenas viu me, ¢ falourme com ‘Voz magoada: ¢ depois, cruzando os bracos sobre © peito, aguardou mudo por uma interrogacao. — Meu pai? — perguntelthe com voz tremu Ja.€ convulsa —. — Esté fora, senhor — tomoume tristemen- te, ~E Adelaide? onde esta clan = No salio — ' Feciargoit © negro no mesmo Ursula 87 Entrei. Veloz como um raio atravessei corre- dores, @ salas, ¢ num minuto estava no sala. Ursula, minha Ursula, eu a vi, Oht antes no a hou- vera visto, antes tivera descido ao sepulcro, que la indo me seria revelada to triste € nefanda hist6ria! ‘No salao havia um turbilhao de luzes; no fur do, reclinada em primoroso sofé, estava uma mu- ther de extremada beleza. Figurou-seme um anjo. ‘Aeesplendente claridade, que iluminava esse sala dourado, dando the de chapa sobre a fronte larga e limpida circundava.a de voluptuoso encanto. ra Adelaide, ‘Adomava.a um rico vestido de seda cor de pérolas, € no seio nu ondeavarihe um precioso co lar de brilhantes € pérolas, ¢ 0s cabelos estavam enastrados de joias de nao menor valor. Distraida, no meio de t80 opulento esplery dor, afagava meigamente as penas de seu leque dourado, ‘Alucinado por beleza tdo radiante, com para la, exclamando: — Adelaide! minha Adelaide! aquele momento, seduzido pelos seus encanto, Jouco peia ventura de véla, esqueci a magoa, que me doia no coragao, da perda de mi- nha mae. Estendlihe 05 bracos, © as expressécs ‘morreram-ime nos labios: € depois. curvando-me ‘ante ela, ia tomarihe as maos. ¢ beljélas com efusdo; mas la entao altiva © desdenhosa disse- ‘me com frieza, que me gelou de neve. 28 ari Fimina dos Reis Tancredo, respeitai a esposa de Vosso pai ‘Oh! nao sei como nao enlougueci! Em tre- vas de desesperaco tomouse-me a luz dos olhos, € todo 0 salio parecia ondular sob meus pés. A "mulher, que tinha ante meus olhos, era um fantas- ma temrvel, era um deménio de waig6es, que na, mente abrasada de desesperagdo figurava.seme sortindo para mim com insultuaso escémio, Pate- cla horrivel, desferindo chamas dos olhos, ¢ que me cercava © dava estrepitosas gargalhadas. Er ‘uia'Se para mim ameagadora, € abracava € beija: va outro ente de aspecto também mecdonho. Am- 'bos no meio de orgia infemal cercavam-me e n&o me deixavam parti. Se durou muito este fatal pesadelo, néio osso dizer. Quando acordel debatia me no tapete 0S pés dessa mulher orgulhosa, Dissiparam-se-me as trevas, a luz volveu- ‘me e com ela apagaram-se as ondas de (0g0, que Fodeavam essa pérfida criatura, Encare/a de face ~ estava impassivel e tria como a estatuua do de- sengano, Levanteime cheio de desesperacho édio, Adelaide permanecia indiferente, — Mulher infamet — disse-ine — pequra onde esto 0s teus votos? F assim que reitibuiste a Compreendeste ou Sondaste J4 © profundo abismo de intarne by 89 Ursula execracao, € de baixa degradagso, em que te despenhaste? — Silencio, senhor — bradou-me com org Iho € desdém — silencio — estais na presenca da. mulher de vosso pai, e respeitat-a — Nao, nao me hel de calar, — redargui fur 050 — nao me pode esmagar o teu desdenhoso acento. Monstro, deménio, mulher fementida, res: litukme minha pobre mie, essa que também foi tua mae, que agasalhou no scio a éspide que ha- via de mordé-Ja! Oh! divida é esta que jamais me poderas pagar: mas a Deus. ao inferno, a pagaras ‘sem diivida, Foi essa a gratidao com que the com: pensaste os desvelos de que te cercou na infancia, a generosidade com que te amou?!! Estava louco de aflicao e a voz faltoume: porque © que cu sentia era demais para as minhas forgas. Torcia as mos de desesperagao; porque acordar de minhas Joucas esperancas era amargo edoloroso. E de repente um somiso, que me pareceu {infemal, erroushe nos labios — era seu esposo. que Brave € silencioso atravessava o saldo. ¢ ela julga vase isenta de minhas recriminagées ¢ sentiase livre de desagradave's lembrangas. Othe, € vio. Velava.the 0 rosto palidez mortal E cambiamos longo, amargo, © expressive olhar: creio que fol um século de torturas para meu Pal; porque depois ele cravou os olhos no chao, € respirava a custo. 20 aria Fring dos Rats = senhort — exclamel, fora de mim — resti tubme duas mulheres, que-vos recomenctci na hora ‘em que me desterrastes. Lima era a mae querida ‘que eu tanto amava; a outra era minha desposada, ‘era a mulher, que me havieis cedico para a compa nheira dos meus dias, Onde estéo clas? ‘Continuou mudo a far 0 tpete de seu vasio salto, — Livraime, senhor da presenga deste ho- ‘mem! — exclamou Adelaide agtiada e convulsa, — Que fizestes delas, senhor? Compreendo agora. 0 vosso silencio assaz mo tem explicado. Sondastes 0 coragéo de uma, € sem dificuldade cconhecestes que era vil ¢ baixo, que 0 ouro a des lumbrava, a enlouquecia, a aviliava, € essa, que ‘com tanta facticade sacrificava a0 lux os afetos de seu corago, ou que com infame procedimento ‘esquecia 0 amor desinteressado, ¢ puro do homem, que sabia Idolatréia, essa, roubando-a ao meu co Taco, levasies aos altares, € fizestes a vossa es: posal Tivestes razao: ela nao era digna do meu Meu pai fez'se livide, € de raiva mordeu os beigos. ‘A otra — prossegui—a outra atomnentastes, fonturasies, conduzstes lentamente a sepultura, Set ‘crime? Oh! meu pal! meu pak... minha mc era uma angelica mulher, € vés, implacivel no vosso 6dio, ‘envenenastes ine a existéncia, a roubasies ao meu Coragio... Oh suas cinzas, senher, ctamam jason bs a Grsuia contra os auriores de seus tilimos pesares, contra aqueles que tram sobre suas dores, —Pazeio retirar, senhor — de novo bradou a esposa, pallida € abatida. — Tendles razio, senhora — dissethe — ‘Sentis que vos incomodo? assim deve ser. Eu Sou para v6s 0 remorso vivo. Esperal, nao seré longo 0 tempo que gastarei aqui: porque também me inco- moda a vossa presenca: porque nesta casa respi- ra-se um halto pestilento; porque aqui enfim estais, ‘vos, Pouco me demorarei — 56 quero dizervos: —Muther odiosat eu vos amaldtigoo. Por cada um dos transportes de ternura, que outrora meu. coragdo vos deu, tende um pungir agudo de pro: funda dor; ¢ a dor, que me dilacera agora a alma. seja a partha vossa na hora derradeira. Por cada, uma 6 das lagrimas de minha mae choreis um ranto amargo: mas érdo como um campo pedre- 18080, doido como a desesperagéio de um amor ta: do. Enem uma mao, que vos enxugue o pranto, & hem uma voz meiga, que vos suavize a dor de fodos 05 momentos. 0 fel de um profundo, mas itremedidvel remorso, vos envenene futuro, € desejado prazer, € no meio da opuléncia e do Iuxo, firamvos sem ttéguas 05 insullos de impiedosa Sone, Arfe vosso peito, € estale por magoados sus- piros, e ninguém os escute: e sobre esse sofrimen- to tertivel cuspam os homens, e riam-se de vés, ‘Avor dle todo Se me extinguits, eu sai lou code desesperagao ¢ de dor da casa de meus pais, 92 Maria Firmina dos Reis arta Frmina dos Rate a casa, onde tao leda se passou a minha primeira fdacter AP6s um momento de silencio, 0 cavaleiro disse a filha de Luisa B...: Eis, Ursula. a fiel narra. ‘S40 da minha vida, eis os meus primeitos amores; © Festo toca-vos. Fazeime venturoso. Oh! em vos. ‘885 mAos esta a minha sone. A donzela, comovida, nao pdde falar es. tendeuthe a mao, que ele beljou com amore reco- nhecimento, vill Luisa B... O dia ia ja alto quando Ursula entrou no quar- to de sua mie, ¢ esta admirada de nao vé-la logo 20 amanhecer, como de costume, comecava a in. quietarse, © por isso estendewine os bragos com transporte de indizivel sastacao, ¢ disse-the: — Dommiste hoje muito, minha cara Ursula, € 4 julgue! que me tinhas esquecido. Suposto a voz de Luisa nada tivesse de repreensiva, todavia Ursula corou de envergonha 4a, €ao mesmo tempo oremorso he errou na alma. — Deus meu! perdoame — disse consigo, ¢ ‘Correu com os bracos abertos para abracar sua carinhosa mae, que the soni — # verdade, minha mée, clemoretme mul to; mas haveis de descuiparme. Ache me incomo- dada durante a noite, fot me preciso respiraro ar fresco da manha para restabetecer as forcas — Ah! minha fiat — tomou a senhora B.. uerendo atair Ursula 20s seus bracos. a qual ate mara Femina dos Rels tada pelo primeiro remorso, receava algum tanto langarse nos bragos matemos.— vem abragarme.. {que tao ansiosa estava por verte! Entdo a timida menina, vencendo a sua per turbagéo, langou-se com jiblo no seio de sua mae, € solugos mal sufocados ihe rebentaram do pei. Luisa B... mal podia compreendéta, ¢ olla. va entemecida. Pouco e pouco convencida de que seu penoso” estado era ainica causa de to sen {ido choro, que outro motivo néo podia ela desco- bir, procurou serenar a extremosa fina, chamando sua atengdo para outro objeto, e disse-he: — Enxuga, minha Ursula, as tuas lagrimas, no vés que eu nao choro? — & procurava sori se; mas era um riso amargo: porcuc © coragdo NBO estava isento de dores. — Minha filha — continuou afetando trang lidadie — 0 nosso héspede intenta devxarnos hose: ped que me queria ser apresentado, eeu te aguar dava para fazerihe as honras desta pobre casa, Ursula levou 6 lengo ao rosto por um move mento répido, Luisa julgou que ela procurava dat extinguir 0 vestigio das suas igrimas; mas a donzela ocutava 6 rubor subiténeo, que the tngla as faces, cu sua mie flr do homem. due ne ocupava a alma, € por distr disse dstadamente ea RCOORHO —E 0 nosso Tio, que também se val Penal, no oni BOE Oe — £ verdace! — tomou a pobre paralitica — canossa casa valse tornancdo cada vez mais ISO facia € mais triste! Ursula deixou descair 05 olhos para a terra. © reprimiu magoado suspiro por amor de sua mae, 'E um profundo siléncio reinou no quarto da doente; porque cada uma dessas dues mulheres Se abandonava a seus pensamentos. Luisa sem Giivida ocupave'se $6 do porvir de sua filha: esta pelo contrério recordava as doces expresses do tavaleito, seus votos de amor, € sentia pesar Por Velo parti, Contudo Ursula tinha ja uma esperanga {que the dava forgas para arrostar as dores da vida: — amava, € tinha a convicgéo de ser amada, E cla meditava na breve mudanga da sua vida, e sentia 0 coragao palpitar com estranho de- ‘sassosseg0. Depois o siléncio fol interrompido pelo antin- clo da chegiada do mancebo. — Ho — disse a moga a sua mae, que se tinha imergido em tristes reflexdes, € nao ouvira pronunciar 0 nome de seu héspede — € levantou- se para ir a0 seu encontro, — Ursula, —exclamoua enferma como quem acordava de um pesado sono — onde vais? ‘A moca compreendeu que sua mae multo Sofiia e com meiguice chegou-se a ela ¢ disseine: — fo nosso héspede. minha mac. — Ah! — exclamou entio a infeliz senhora, caindo em si— sejais bem-vindo, senhor. — Espe rava por vos. 0 mancebo transpunha o liminar da que me fazeis, e que apar corresponder, ficard gravada profundamente em E Ursula, trémula de pejo e de amor, guiava- 0 para 0 leito de sua mae. uma longa enfermidade; € 0 seu rosto conservava morbida palidez, que nessa hora sobressaia-lhe, au- ii i es srs ea eee genes alma. E que nesse esqueleto vivo, que a custo meneava Os bragos, o mancebo nao podia desco- eee baat existéncia, que se finava lenta e dolorosamente. Estremeceu de compaixao ao vé-la; porque — Sepp rarer earcne am bem quanta dor, quanto sofrimento lhe retalha- mene 40 0 mancebo contemplou-a com ca desse leito de peito, ¢ © que sentiu em pres tao apuradas cores mal poderia dizer. ‘semelhava um cadaver a quem o galvanismo emprestara movimento limitado &s extremidades ssuperiores, mirradas ¢ palidas, ¢ brilho a uns olhos negros, mas encovados. Venceu a sua perturbacao, ¢ chegando-se a mae de Ursula, estendeulhe a mao, que ela aper- tou com efuséo, tanto quanto Ihe permitiam suas débeis forgas. Essa mao era leal e generosa, ¢ Luisa B. sentiu-se comovida; porque era a primeira pessoa que a visitava em sua triste morada, ¢ que em face de sua enfermidade a ndo desdenhava, nem sen tia repugnancia da sua miséria ¢ do seu penoso estado. E por isso disse com reconhecimento, que focou 0 mancebo: — 0 céu vos proteja, senhor; porque sois generoso ¢ bom. E quereis partir? — acrescentou com benevoléncia. —sim, senhora — tomou-the 0 cavaleiro com voz firme; mas magoada por ai Ihe ficar parte do coragéio — 0 dever me chama. Acho-me restabele- cido, € ndo devo por mais tempo abusar da vossa bondade. Com desvelo € carinho, ¢ sem que eu 0 merecesse, tencles me dado um novo existir, ve- pois protestarvos a minha gratidéo. Se algum| ‘dia — continuou depois dle breve pausa —as vicis- esse alguém se esqueceret da frank me acolhestes. — sim, senhor, — redargiliu a enferma — creio em vos: porque Sols gencroso € bom: 0 fostes para com Tullio, sé-loeis também para comigo: mas. E olhou para sua filha, que pala e perturba- da como a flor na ardentia da sesta, descaida a face nas maos, estava a sua cabeceira, ¢ suspen- deuse. Luisa B... queria dizer: eu nada pego para im nada mais que a sepultura; mas se sols cava- iro, Se tendes virtudes na alma, proteget esta po- bre 6rfa, Mas aquele homem eralhe desconhect do, € aidéia de sua proxima morte ia despertar em Ursula sentimentos dolorosos. A pobre mulher ca- louse. —Falai, minha querida senhora — apressou- ‘se 0 mancebo em dizer, reparando nessa penosa reticéncia — falai, no sabeis que nutro satisfacao em escutarvos? — Ah! senhor, — exclamou Luisa B... repri- mindo amarguradas lagrimas — sou téo desditosa, aue flan tle mim, 86 poderia dizervos coisas lisics € fastidiosas, que vo: i Vos car s peg insarieis de 2: ee one ‘contratio, — disse 9 mancebo — gran *TESSE, UE Me inspirais: quaisquer que ssitas, € por mais longa que s, cul as escutarei, € fomarel or elas todo 0 interesse. gem divida, minha pobre Ursula, tinhas razAo quando, tocada pelo generoso proceder do nosso héspede, me falavas de suas bondades, € de seus delicados pensamentos. tentéo 0 mancebo incinou-se para a donzela em sinal de gratidéo, e viu-lhe pender dos olhos uma légrima, que do fundo do coragao Ihe arranca- va a saudade de tao forcada separacao. Essa lageima transportou de amor ao joven aclorador ca fha do deserto, ¢ ele desejou beb@la tem um longo € arclente belo, e Seu coragao jurou de novo que aquela mulher angélica seria a doce companheira da sua peregrinacao na terra, E quan- do ela houver deixado de existir, acrescentava ele em seu sonhar delicioso, eu a seguirei na campa, € 14 numa outra vida, onde tudo é amor, pureza, & santidade, 14, redobrando de amor e de ternura, viveremos unidos para sempre. B a senhora B... notando que seu héspede estava comovido, e attibuindo ao exérdio da sua conversago a comocio do mancebo, apressou- se em dizerthe: — Percoatme, senhor, uma pobre mulher enregelada pela doenca, e pela morte, que se the aproxima, deve falar com toda a franqueza, ¢ de- mais, a sensibilidade co meu coracao ainda existe, € 0 céu permitiume simpatizar com as agées no Maria Firmina dos Reis ressacas. Eu amel. Senhor, 0 Yosso senhora, —murmurou 0 — Continuai, eu vos escuto. — Ha doze anos — comegou Luisa B... sus- pirando aquele suspiro, que vem do fundo da alma, nao para comover a outrem, € captar a sua aten- ‘G40, ua sua bondade; mas aquele suspiro, que € ‘0 momentaneo mas triste alivio de um sofrimento apurado € baldo de toda a esperanga. — Ha doze anos que arrasto a custo esta penosa existéncia S6 Deus conhece 0 sacrificio, que hei feito para conservérla, Parece-vos isto incompreensive?) — interrogou ela a0 mancebo, que atento a escutava —Sou mae, senhor! Vede minha pobre filha! € um anjo de docura e bondade, e abandondlla, € deixé- la 6 sobre este mundo, que ela mal conhece, 6 a maior dor de quantas dores hei provado na vida. Sim, ¢ a maior dor — continuou ela com amargo acento — porque entio perderé 0 tinico apoio que ainda the resta! Ao menos se meu irmao pudesse esquecer 0 seu ddio, protegé-lal... — Yosso imi, senhora? — interrogou 0 ca: valeiro, como admirado de que um irmao pudesse odiar a sua irma. —sim— : fomou ela — meu irméo. Mas, Se: nhor, ele € implacavel, no dio, ¢ esque: nunca o Ursula — Nao é possivel senhora — objetou 0 cava- quem quer que seja, no vos leiro — vosso irr pode odiar. © vosso estado, ¢ as desgragas que por certo tém pesado sobre vos, que ele talvez nao ignore, lavardo toda a ofensa, que por ventura Ihe houverdes feito. — Lavarao, dizeis v6s, todas as ofensas que Ihe hei feito? Ah! pudera assim acontecer! Mas nao, cu chamei seu édio sobre a minha cabeca, eu 0 conhecia: seu coracao $6 se abriu uma vez, foi para ‘© amor fratemo. Amou-me, amoume muito; mas quando tive a infelicidade de incorrer no seu desa- grado, todo esse amor tornou-se em 6dio, implacé- vel, terrivel, € vingativo. Meu imao jamais me po- dera perdoar. — Talvez! 0 tempo. Luisa B... meneou tristemente os olhos, € interrompeu o cavaleiro: — Entao, senhor, nao conheceis o comendador F. de P** — 0 comendador P...2! — exclamou 0 mogo admirado — € ele vosso irmao?. —Sim, senhor—tomouhe a mae de Ursula, — € um desyelado irmao foi ele. Conheceisio tal vez pela sua reputagao de fereza de animo; mas ‘esse homem tao implacavel como 0 vedes, era um. temo ¢ carinhoso irmao. Amoume na infancia com tanto extremo ¢ carinho que 0 enobreciam aos olhos de meus pais, que 0 adoravam, e depois que am: os cairam no sepulcro, ele continuou a sua frater- 102 Maria Firmina dos Reig 3202 nal ternura para comigo. Mais tarde, um amor irresistivel levourme a desposar um homem que ‘meu irmao no seu orgulho julgou inferior ands pelo nascimento ¢ pela fortuna. Chamava:se Paulo B.,, Ah! senhor! — continuou a infeliz mulher — este desgracado consércio, que atraiu {40 vivamen. te sobre os dois esposos a célera de um irmao ofen- lo, fez toda a desgraga da minha vida. Paulo B.., No soube compreender a grandeza de meu amor, cumulou-me de desgostos € de afligges domésti cas, desrespeitou seus deveres conjugais, € sacrif. cou minha fortuna em favor de suas loucas pai x6es. Ndo tivera eu uma filha, que jamais de meus labios cairia sobre ele uma s6 queixa! Mas ele me perdoara do fundo do seu sepulcro; porque sua fi Iha mais tarde foi 0 objeto de toda a sua ternura, € a dor de fracamente poder reabilitar sua casa em favor dela Ihe consumia, € ocupava o tempo. E ele teria sido bom; sua regeneragao tomarse-ia com- pleta, se 0 ferro do assassino lhe néo tivesse corta: do em meio a existéncia E uma lagrima pendeu dos olhos alquebra- dos da desditosa vitiva — Assassinaram vosso marido, senhora? — interrompeua 0 héspede horrorizado. — Assassinaram-no, sim — tomou Luisa B... com voz pausada. — Oh! isso € hor © seu assassino? ‘el! E sabeis vés quem foi — Nao, senhor — Ninguém, a nao ser eu sentiu a morte de meu esposo. A justiga adorme- cet sobre 0 fato, € eu, pobre mulher, chorei a or fandade de minha filha, que apenas saia do bergo, sem uma esperanga, sem uM arrimo, € alguns veio a paralisia — essa meia-morte — roubarme o movimento ¢ tirar-me até 0 goz0 a0 menos de seguir os primeiros passos desta meni- na, que 0 céu me confiou. — Oh! — disse 0 cavaleiro comovido — quantas desgracas! E nao tendes suspetta alguma de quem quer que fosse esse assassino, que a jus- tiga nao procurou punir? — Nao sei — tomou ela com desanimo — E para que pensar temerariamente, quando ja me acho tao proxima do meu fim, ¢ tantas culpas te- nho para com aquele que a todos nés ha de julgar? 6 Deus, senhor, deve conhecer 0 culpado € os remorsos té-10-40 punido. Uma tarde, meu esposo deixou-me para ir & cidade de *** donde voltaria ao cabo de trés dias. Foi embalde que © esperel: porque a sua alma es- tava com Deus, € 86 ae amanhecer do outro dia dois homens compassivos trouxeram-me 0 seu cadaver! Ah! que triste recordagao! — E vosso irmao, senhora, néo procurou consolar-vos? — Meu irmao? — tomou ela sorrindo'se dolo- rosamente — Esse comprou as dividas do meu casal, ¢ estabeleceuse na fazenda de Santa Cruz, ‘utrora habitagao de meus pais, onde eu passei os anos da minha juventude, onde nascera minha pobre Ursula. —_ ii. — senhora? — perguntowthe 9 neo com ternura para a animar. — Nao. Oh! que nunca o veja— tomousthe a $s bracos de sua mae. ha cara Urstila, — disse a Pobre mae, procurando ampardla — grande mal |, minhas queridas senhoras — objetou o mancebo — acaso ignorais que de hoje €m diante velarei por vés? E 0 que mais podeis recear dele? Tem sobejamente saciado seu terivel rancor. — Tendes raz4o, senhor — prosseguiu Luisa — Ble habita as nossas vizinhangas desde que ‘orreu meu marido, ¢ jamais nos tem incomodado. — 0 comendador habita estes arredores? — Perguntou 0 cavaleiro, Bor — Sim. senhor— A fazenda de Santa Cruz esta a meia légua de nds, —Eeutenho.he tanto horror — a tremer et disse Ursula — due mal Posso suportar a idéia de a idéia de que ésicjamos sempre td proximas dele. Pareceme que esse homem ainda m ne ha de s oe le ser funesto. E — disse mae angus- ’aS Me matamn, Na Verte isonha e feliz, tam. Nao, eu quero —sim, — interrompeu 0 mancebo 140 ovido que tocou © coragao de Luisa B.. vossa filha ha de ser feliz, — Vés!... — interrogou a pobre mae, sem atinar verdadeiramente com 0 sentido destas pala- ras proferidas com tanto fogo. E 0 jovem cavaleiro tomou-Ihe: — sim, minha senhora, eu; porque amo-a, € ‘como 0 meu amor nao poderd jamais arrefecer, juro- vos em nome do céu, que nos escuta, que Ursula ser a mais venturosa de todas as mulheres, se anuirdes aos meus desejos. Luisa B... reduzida a tiltima miséria, e desco- brindo nas maneiras do seu héspede os sinais de um nascimento distinto, assim como o esplendor de uma préspera fortuna, julgou-se vivamente ofen- dida por aquelas palavras proferidas com tanto ar- rebatamento, € que aos seus ouvidos pareceram insultuosa ofensa: e ressentida, envergonhada, € quase que desesperada, abandonada ja de forgas. caiu quase que completamente desmaiada nos bra- G0 de Ursula, que Ihe bradava: — Minha mée... minha met... E 0 mancebo arrependeu-se de nao se ha ver exprimido de outra maneira, € pediu ao céu. um momento de vida para aquela infeliz mulher, cuja delicadeza involuntariamente ele acabava de fender, para convencé-la da pureza dos seus sen- timentos. pe GF 106 Maria Firmina dos Reis a Os Reis E Deus 0 escutou: porque aos esforcos da donzela, ao acento de sua voz melifa © doce, a Pobre mae abriu as olhos, ftando a filha com redo. homem, — Puro € 0 seu amor, minha pobre mae! — animouse a dizer a moga, rubra de pejo — 6 9 esposo que meu coragéo tem escolhido. — Ele? — perguntourlhe angustiada a receo- same, conchegando-a a si— ele? E sabes tu quem seja? Entéo 0 jovem cavaleiro, erguendo-se com dignidade, exclamou: — Senhora, eu sou Tancredo de ***, — Tancredo de — exclamaram ao mesmo tempo mae e filha; e depois um profundo 'ncio reinou na camara, Entao uma viva pa avermeihadas da pobre Ursula, que na sua inge- nuidade nunca tinha indagado do nobre cavaleiro o,2cu Sobrenome. Sabia de seu nome, que era Tancredo, ¢ esse the bastou; seu nascimento, sua Posicéo social, néo the lembraram ao menos, Ela lez tingiu as faces val Miolento, 107 ° 0 compreendendo entao 0 que se passava na alma dessa menina tao casta € t40 de- ‘ada como um anjo, tornouhe a mao, dizendo- — Ursula, eu sou incapaz de uma mé agao, ‘0 mancebo, que junto ao bosque solitario, depois de consultar 0 Vosso coragéo, Vos jurou amor € fidelidade, ¢ que tomou a Deus por testemunha de que seria Vosso esposo, esta agora de novo ante vés. Sou o mesmo, Ursula. Olhaime. Entdo ela levantou os olhos — havia neles amor e confianga. — Agora, senhora — continuou 0 mancebo dirigindo-se a Luisa B... que apenas ouviathe a voz — agora ndo me negueis o tinico bem que ambici- ono na vida. Senhora, eu amo a Ursula, e fora pre- ciso nao conhecéla para sair desta casa sem leva- lano pensamento e no coragao. & Ursula, senhora, © anjo dos meus sonhos, ¢ a esperanca da minha vida. Viver sem ela d’ora em diante fora morrer mil vezes, sem nunca encontrar 0 descanso da sepul- tura, Nao ma negueis. Ursula é a esposa que con- vem a minha alma, 6 a esposa que pede o meu coragao. Sereis vés surda a minha stiplica? Entanto Luisa B... mais tranqtiila por aquelas alavras que francas e leais Ihe pareciam, cobran- do ligeira esperanga, sem contuco poder vencer sua comogao, disse com voz fraca: — Perdloai, senhor. se nao tenho bastante confianga em vos. Bem vedes a que estado me — vejo reduzida... e eu nunca aspirei a mao de um homem como vés para minha filha. Tancredo de ***, quem vos nao conhece? sols grande, Sois rico, sols respeitado; e nds, senhor? nés que somos?! Ah! vés nao podeis desejar para vossa esposa a minha pobre Ursula. Seu pai, senhor, era um pobre lavrador sem nome, sem fortuna. O mancebo sorriuse, e redargiiu-lhe: — Entéo recusais-me a mao de vossa filha? — Oh! senhor — tomou Luisa — minha filha uma pobre 6rfa, que s6 tem a seu favor a inocén- cia, ¢ a pureza da sua alma. — Ursula, — disse 0 mancebo, voltando-se para a donzela — pelo amor do Céu, fazei conhecer € vossa mae a lealdade dos meus sentimentos. Entaéo a desvelada mée, procurando ler no coragao do jovem Tancredo, € no de sua filha, 0 sentimento, que os animava, ¢ elevando a Deus seu pensamento por alguns segundos guardou si- léncio, que ninguém ousou interromper, e depois erguendo as maos ambas ao Céu, disse: —Tomo-vos por testemunha, meu Deus, de que as minhas intengées sao puras. E acenando para os dois jovens, que a esc" tavam, disse-lhes: — Aproximai-vos. Entao Ursula ajocthou aos pés do leito de sua mie, e Tancredo, imitando-a, dobrou também 0S joclhos, € unidos assim, ¢ cheios de respeito, d& amor, € de veneragao, aguardaram um gesto, OU uma palavra dessa mulher, a quem 0 amor materno nessa hora tao radiante de celeste beleza. tomava E depois de uma breve pausa ela exclamou solenemente: — Meus filhos, eu os abengdo em nome de Deus. Que ele escute a minha oragao, € os vossos dias corram risonhos e tranqtillos sobre a terra. E depois acrescentou — Bendito seja 0 Se nhor! minha filha nao sera mais uma desditosa Orta. a 308 Maria Frmina dos Reg Ta mo de um, Tancredo de grande, sois reo, Ah! vos nao podeis desejar para vossa esposa a minha pobre Ursula, Seu pai, senhor, era um pobre Javrador sem nome, sem fortuna. © mancebo sorriuse, ¢ redargiiiu-he: — Enido recusais.me a mao de vossa filha? — Oh! senhor — tomou Luisa — minha filha uma pobre 6rfé, que $6 tem a seu favor a inocén- ia, € a pureza da sua alma, — Ursulla, — disse 0 mancebo, voliando-se Para a donzela — pelo amor do Céu, fazei conhecer 4 vossa mie a lealdade dos meus sentimentos. Enléo a desvelada mae, procurando ler no coracao do jovem Tancredo, no de sua filha, 0 Sentimento, que os animava, e elevando a Deus Pensamento por alguns segundos guardou si- ‘encio, que ninguém ousou interromper, e depois etguendo as maos ambas ao Céu, disse: — Tomo-vos por testemunha, meu Deus, de que as minhi \GOes So puras. Para 0s dois jovens, que a escu- oamormatemo de celeste beleza de uma breve pausa cla exclamou — Meus filhos, eu os abengdo em nome de Que ele escule a minha oragao, ¢ 05 vossos dias cortar risonhos © tanetilos sobre aera. depois acrescentou — Bendito seja 0 ha filha nao serd mais uma desditosa orf Deus. xX A PRETA SUSANA Estavam jd feitos os aprestos da viagem, © ‘Talio, entanto no meio da sua felicidade parecia as vezes tocado por viva melancolia, que se Ihe debuxava no rosto, onde uma légrima recente ha- via deixado profundo sulco, Era por sem duivida a saudade da separacao, essa dor, que aflige a todo © coragao sensivel, que assim o consumia. Ia dei- xara casa de sua senhora, onde senao ledos, pelo menos nao muito amargos tinha ele passado seus primeiros anos. © negro sentia saudades. B aihavia uma mulher escrava, ¢ negra como ele; mas boa, e compassiva, que the serviu de mae enquanto Ihe sorriu essa idade lisonjeira e feliz, nica na vida do homem que se grava no coragéo com caracteres de amor — tinica, cuja recordagao nos apraz, © EM GUC sere original fac-similar. O Unico exemplar da extraviad. saudades elas, —on! sinto-as, sinto-as, © muitas, mae ‘Susana! — Entdo nao procures ir com esse homem, (Xe apenas conheces! Olha, ainda ha pouco vi uma lBarimma pender dos olhos dessa boa menina, esex lBérima, creio que Ihe arrancou do coragio a noticia 6@ Wa Partida.... © tu vais-te! Quando voltaras aqui? — A nossa separacdo, disse me o senhor Tancredo, sera por pouco tempo. Volto para junto de v6s, mae Susana, e a senhora nao reclamara €™M Vao os meus servicos, — A Senhora! — replicou a velha com ma: goa — essa, meu filho, jamais reclamaré os teus Servigos; ou eu me engano, ou tu vais dizerihe 0 Ultimo adey “Rilo, — continuou — nao sabes quanto 10 recordome de que a nossa querida I 180 breve ficar sé no mundot S6, Acompanhara? quem podera consol: Nao. Pouco poderei demorarme neste mun- do. acho bom que ndo te vas. Que te trocares um cativeio por outro! E sabes tu © encontrards methor? otha, chamarte-4o, 412 _ Maria Firmina dos Reis Azar Firmina 608 Res Susana, chama'se ela: trajava uma saia de rosseiro tecido de algodao preto, cuja orla chega- vaclhe ao meio das pemas magras, € descamadas, como todo 0 seu corpo: na cabeca tinha cingido um lengo encamado e amarelo, que mal Ihe ocuk fava as alvissimas cas. ‘TUlio estava ante ela com os bragas cruza- dos sobre 0 peito. Em seu semblante transparecia um qué de dor mal reprimida, que denu-ciava o seu profundo pesar. A velha deixou 0 fuso em que fiava, ergueu- se sem olhélo, tomou 0 cachimbo, encheu-o de tabaco, acendeu-o, tirou dele algumas baforadas de fumo, € de novo sentou-se: mas desta vez nao pegou no fuso. Fitou entao os olhos em Tilio, € disse-Ihe: — Onde vais, Tiilio? — Acompanthar o senhor Tancredo de *** — respondeu 0 interpelado. — Acompanhar 0 senhor Tancredo! — conti- nuou a velha com acento repreensivo — Sabes tu © que fazes? Tuli, Tuo! .. Depois de pausa, ajuntou: — Nao sentes saudades desta casa, ingrato?! — Nao, mae Susana, nado me alcunheis de ingrato. Quantas saudades levo eu de vés! oh SO Deus sabe quanto me pesam clas! — Tu!? — exclamou ela pprocurando lerlhe no fundo do coracao os sentimentos, que o anima vam. — Tu nao levas saudades algumas. Tullio: S° as levasses, quem te obrigaria a deixarnos? a Ursula 113 —A gratidao — respondeu ele com presteza. — A gratidao!? E nao a deves a senhora, que. para ti tem sido quase que uma mae? Nao a deves A menina? e por que as deixas? é que nao sentes saudades delas. — Oh! sinto-as, sinto-as, € muitas, mae Susana! — Entao no procures ir com esse homem, que apenas conheces! Olha, ainda ha pouco vi uma lagrima pender dos olhos dessa boa menina, essa lagrima, creio que Ihe arrancou do coragao a noticia da tua partida... € tu vais-te! Quando voltaras aqui — A nossa separacao, disse-me o senhor Tancredo, sera por pouco tempo. Volto para junto de vés, mae Susana, e a senhora nao reclamaré em vao os meus servicos. — A senhora! — replicou a velha com ma- goa — essa, meu filho, jamais reclamara os teus Servicos; ou eu me engano, ou tu vais dizerlhe o ultimo adeust — Tulio, — continuou — nao sabes quanto Sofro quando recordo-me de que a nossa querida menina vai tao breve ficar $6 no mundo! $6, Tuli Quem a acompanharé? quem podera consolé-la! Eu? Nao. Pouco poderei demorarme neste mun- lo. Meu filho, acho bom que nao te vas. Que te adianta trocares um cativeiro por outro! E sabes tu S€ ai o encontrards melhor? Olha, chamar-te-4o, falvez, ingrato, ¢ eu nao terei uma palavra para defenderte, meu filho. rangart = a> houve muiher aigura cass ayia VERE YES Ne aes fe (AEN ANY 114 — Oh! quanto a isso nao, mae Susana — tomou Tulio — A senhora Luisa B... foi para mim boa e carinhosa, 0 céu Ihe pague 0 bem que me. fez, que eu nunca me esquecerei de que poupou: me os mais acerbos desgostos da escravidao, mas quanto ao jovem cavaleiro, é bem diverso 0 meu sentir; sim, bem diverso. Nao troco cativeiro por cativeiro, oh nao! troco escravidao por libercade, por ampla liberdade! Veja, me Susana, se devo ter limites @ minha gratidao: veja se devo, ou nao, . se devo, ou nao provarlhe até a morte © meu reconhecimento! — Tu! tu livre? ah nao me iludas! — excla- mou a velha africana abrindo uns grandes olhos. Meu filho, tu és jé livre?... — Iludi-la! — respondeu ele, rindo-se de feli- cidade — e para qué? Mae Susana, gragas a gene- rosa alma deste mancebo sou hoje livre, livre como © passaro, como as aguas; livre como o éreis na vossa patria, Estas tltimas palavras despertaram no cora: gao da velha escrava uma recordacao dolorosa; soltou um gemido magoado, curvou a fronte para a tera, € com ambas as maos cobriu os olhos. ‘Tilio olhou-a com interesse; comecgava a compreenderlhe os pensamentos, — Nao se aflija — disse — Para que essas lagrimas? Ah! perdoe-me, eu desperteithe uma idéia bem triste! 4 afticana limpou 0 rosto com as maos, € um momento depois exclamou: — — a — Sim, para que estas lagrimas?!... Dizes bem! Elas sao intiteis, meu Deus; mas é um tributo de saudade, que nao posso deixar de render a tudo quanto me foi caro! Liberdade! liberdade... ah! eu a gozei na minha mocidade! — continuou Susana com amargura — Tulio, meu filho, ninguém a go zou mais ampla, no houve mulher alguma mais ditosa do que eu. Tranquila no seio da felicidade, via despontar o sol rutilante e ardente do meu pais, € louca de prazer a essa hora matinal, em que tudo ai respira amor, eu corria as descamadas e areno- sas praias, ¢ ai com minhas jovens companheiras, brincando alegres, com 0 sorriso nos labios, a paz no coragéo, divagavamos em busca das mil conchinhas, que bordam as brancas areias daque- las vastas praias. Ah! meu filho! mais tarde deram- me em matriménio a um homem, que amei como a luz dos meus olhos, e como penhor dessa uniao veio uma filha querida, em quem me revia, em quem tinha depositado todo 0 amor da minha alma: —uma filha, que era a minha vida, as minhas am- bigdes, a minha suprema ventura, veio selar a nos- sa tao santa unido. E esse pais de minhas afeigoes, © esse esposo querido, essa filha to extremamen- te amada, ah Tulio! tudo me obrigaram os barba- tos a deixar! Oh! tudo, tudo até a propria liberdade! Estava extenuada de aflicéo, a dor erahe Viva, e assoberbavaihe 0 coragao. — Ah! pelo céu! — exclamou 0 jovem negro necido — sim, pelo céu, para que essas re- enter cordagées!? 14 Maria Firmina dos Reis quanto a isso nao, mae Susana — fomou Tulio — A senhora Luisa B... foi para mim boa e carinhosa, o céu Ihe pague 0 bem que me fez, que eu nunca me esquecerei de que poupou- me os mais acerbos desgostos dla escraviddo, mas quanto ao jovem cavaleiro, é bem diverso 0 meu sim, bem diverso. Nao troco cativeiro por cativeiro, oh nao! troco escravidao por liberdade, por ampla liberdade! Veja, mae Susana, se devo ter limites & minha gratidao: veja se devo, ou néo, acompanhé-lo, se devo, ou nao provarlhe até a morte o meu reconhecimentot... — Tu! tu livre? ah nao me iludas! — excla- mou a velha africana abrindo uns grandes olhos. ia! — respondeu ele, rindo-se de feli cidade — ¢ para qué? Mae Susana, gragas a gene- rosa alma deste mancebo sou hoje livre, livre como © passaro, como as aguas: livre como o éreis na vossa patria. Estas tltimas palavras despertaram no cora- g80 da velha escrava uma recordagéo dolorosa: soltou um gemido magoado, curvou a fronte para @ terra, © com ambas as maos cobriu os olhos. Tilio olhou-a com interesse; comecava a compreenderihe os pensamentos, — Nao se aflja — disse lagrimas? Ah! bem triste! 3 — Para que essas Perdoe-me, eu desperteithe uma idéia A africana limpou 0 rosto ¢, um momento depois exclamou: ‘om as maos, ¢ Ursula 115 — Sim, para que estas lagrimas?!... Dizes bem! Blas so inuteis, meu Deus; mas € um tributo de saudade, que nao posso deixar de render a tudo quanto me foi caro! Liberdade! liberdade.... ah! eua gozei na minha mocidade! — continuou Susana com amargura — Tilio, meu filho, ninguém a go- zou mais ampla, néo houve mulher alguma mais ditosa do que eu. Tranguila no seio da felicidade, via despontar o sol rutilante ¢ ardente do meu pais, € louca de prazer a essa hora matinal, em que tudo ai respira amor, eu cortia as descamadas € areno- ‘sas praias, ¢ ai com minhas jovens companheiras, brincando alegres, com o sorriso nos labios, a paz no coracao, divagévamos em busca das mil conchinhas, que bordam as brancas arcias daque- Jas vastas praias. Ah! meu filho! mais tarde deram- me em matriménio a um homem, que amei como aluz dos meus olhos, ¢ como penhor dessa uniéo veio uma filha querida, em quem me revia, em quem tinha depositado todo o amor da minha alma: — uma filha, que era a minha vida, as minhas am- bigées, a minha suprema ventura, veio selar a nos- sa to santa unio. E esse pais de minhas afeigées. © esse esposo querido, essa filha to extremamen- te amada, ah Tulio! tudo me obrigaram os barba 10s a deixar! Oh! tudo, tudo até a propria liberdade! Estava extenuada de aflicéo, a dor erahe viva, e assoberbavailhe 0 coragao. “ant pelo céu! — exclamou 0 jovem negro _— sim, pelo céu, para que essas re- entemecido cordagoes!? ——_—— 116. Maria Firmina dos Reis Ursula ii — Nao matam, meu filho. Se matassem, ha muito que morrera, pois vivem comigo todas as horas. Vou contar-te o meu cativeiro, Tinha chegado o tempo da colheita, e 0 mi- Iho € 0 inhame € o mendubim eram em abundan- cia nas nossas rocas. Era um destes dias em que a natureza parece entregarse toda a brandos folga- res, era uma manhé risonha, e bela, como 0 rosto de um infante, entretanto eu tinha um peso enor- me no coragao. Sim, eu estava triste, € nao sabia a que atribuir minha tristeza. Era a primeira vez que me alligia to incompreensivel pesar. Minha filha soriiase para mim, era ela gentilzinha, e em sua inocéncia semelhava um anjo. Desgragada de mim! Deixei-a nos bragos de minha mae, e fui-me a roga colher milho, Ah! nunca mais devia eu véla... Ainda nao tinha vencido cem bragas de ca- minho, quando um assobio, que repercutiu nas malas, me velo orientar acerca do perigo iminente, can soomnenna E logo dois homens apare- . € amarraram-me com cordas. Era uma pri- sioneira — era uma escrava! Foi embalde que SU" pliquei em nome de minha fil vrestiul Wa, que me restituis- nhas l4grimas, e olha guei enlouquecer, julguet morre possivel.... a sorte me reser, T. Mas nao me foi ¢ liberdade! meu Deus! 0 que se passou no fundo de minha alma, s6 vos 0 pudestes avaliar! Meteram-me a mim e a mais trezentos com: panhciros de inforttinio e de cativeiro no estreito & infecto pordo de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, ¢ de falta absoluta de tudo quanto é mais necessario & vida passamos nessa sepultura até que abordamos as praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porao fomos amarrados em pé e para que nao houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes das nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da Europa. Davam-nos a agua imunda, podre € dada com mesquinhez, a comida ma € ainda mais porca: vimios morrer ao nosso lado muitos compa- nheiros a falta de ar, de alimento e de agua. & hor rivel lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que nao Ihes doa a conscién- cia de levé-los a sepultura asfixiados famintos! Muitos nao deixavam chegar esse ultimo ex: tremo — davam-se a morte. Nos dois tillimos dias nao houve mais ali- mento, Os mais insofridos entraram a vozear. Gran- de Deus! Da escotilha langaram sobre nds agua & breu fervendo, que escaldounos ¢ velo dar a mor- te aos cabegas do motim. ‘A dor da perda da P liberdade foram sufocadas nessa viagem pelo hor ror constante de tamanhas atroct lades. tria, dos entes caros, da vo sei ainda como resisti— é que Deus quis Pouparme para provar a paciéncia de sua serva COM Novos tormentos que aqui me aguardavam. © comendador P... foi o senhor que me es- colheu. Coracao de tigre é 0 seu! Gelei de horror ao aspecto de meus irmaos... 0s tratos, por que pas: saram, docram-me até 0 fundo do coragao! Oo comendador P... derramava sem se horrorizar 0 Sangue dos desgracados negros por uma leve ne- sligéncia, por uma obrigacao mais tibiamente cum: Prida, por falia de inteligéncia! E eu softi com resig- NaCAo todos os tratos que se dava a meus irmaos, € ldo rigorosos como os que eles sentiam. E eu lambem os sofri, como eles, ¢ muilas vezes com a mais cruel injustica. Pouco depois casou-se a senhora Lutsa B... © ainda a mesma sorte: seu marido era um homem mau. © €u suportei em siléncio 0 peso do seu rigor. E ela chorava, porque doialhe na alma a dureza de scu esposo para com os miseros escra- Vos, mas cle via-os expirar debaixo dos acoites os mals Crucis, das torturas do anjinho, do cepo € Oulos instrumentos cle sua malvadeza, ou entio NaS Prisdes onde os sepultava vivos, onde, cane: Hadlos de ferros, como malévolog assassinos aca bavam a existéncia ligoando a escravidao; € duantas vezes aos mesmos céusy © senhor Paulo B... morteu, ¢ sua esposa, € sua filha procuraram em sua exten bondade fa ZEPNOS ESUCCEE NOSSAS Passaclag ade fe me las! TUlio, meu filho, eu as amo de todo 0 coracio, € thes agradego: mas a dor, que tenho no coracao, s6 a morte podera apagar! — meu marido, minha filha, minha terra... minha liberdade... E depois cla calou-se, ¢ as lagrimas, que Ihe banhavam 0 rosto rugoso, gotejaram na terra. ‘Tlio ajoelhou-se respeitoso ante tao profun- do sentir: tomou as maos secas, e enrugadas da africana, € nelas depositou um beijo. Avelha sentiu-o, € duas lagrimas de sincero entemecimento desceram-the pela face: ergueu entao seus olhos vermelhos de pranto, € arrancou a mao com brandura e elevando-a sobre a cabeca do jovem negro, disse-Ihe tocada de graticao: —Vai, meu filo! que o Senhor guie os teus passos, € te abencoe, como eu te abengoo. Maria Firmina dos Reis us. Nao sei ainda como resisti—é que Deus quis Pouparme para provar a paciéncia de sua serva com novos tormentos que aqui me aguardavam, © comendador P... foi 0 Senhor que me es- colheu. Coracaio de tigre 0 seul! Gelei de horror ao aspecio de meus inndos... 0S tratos, por que pas- saram, docram-me até 0 fundo do coragao! O comendador P.... derramava sem se horrorizar 0 Sangue dos desgracados negros por uma leve ne- ligéncia, por uma Obrigacdo mais tibiamente cum- Prida, por falta de inteligéncia! E eu Sofri com resig- Nagao todos os tratos que se dava a meus irmaos, € 0 rigorosos como os que eles sentiam. E eu também os sofri, como. eles, € muitas vezes coma ‘mais cruel injustiga Pouco depois casou-se a senhora Luisa B..., Cainda a mesma sorte: seu marido era um homem mau. € cu suportel em silencio o peso do seu rigor. E ela chorava, Porque doia-the na alma a dureza de seu €sposo para com os miseros escra- Vos, mas ele via-os expirar debaixo dos agoites os Mais cruéis, das tonuras do anjinho, do cepo Outros instrumentos de sua malvadeza, ou entao ‘ma bondade fa- ZePNOS esquecer NOssas passadas descitast Tile, a — Ursula une meu filho, eu as amo de todo © coragdo, € thes agradego: mas a dor, que tenho no coragao, $6 a morte poderd apagar! — meu marido, minha filha, minha terra... minha liberdade.... E depois ela calouse, ¢ as lagrimas, que the banhavam 0 rosio rugoso, gotejaram na terra ‘Tilio ajoethou-se respeitoso ante tao profun- | do sentir: tomou as maos secas, © enrugadas da Jas depositou um beijo, a eravena enn € duas lagrimas de sincero | entemecimento desceramhe pela face: ergueu entao seus olhos vermelhos de pranto, € arrancou a mao com brandura ¢ elevando.a sobre a cabega do jovem negro, disse-the tocada de gratidao: — Vai, meu filho! que 0 Senhor guie os teus passos, ¢ te abengoe, como eu te abengoo. AMATA Ursula, no entanto, no meio da acerba amar- gura da saudade, sentia um inefavel transporte de amor ¢ era feliz — seu amor ardente € apaixonado fora compreendido, sem que por seus atos 0 des ‘se a perceber ao homem que o merecera. AMbos esses corag6es sentiram ao mesmo tempo desa: brocharihes a centelha do amor, que os abrasou. A saudade pungente da donzela tinha pois um len tivo —aesperanca, esse dom do céu que nos acom: panha em todas as circunstancias da vida. ‘Tancredo, esse homem de suas loucas afci G6es, e que ela tinha amado ainda desconhecido, era toda a sua vida; € por isso a saudacle, a mais pungent, a primeira que Ihe tocava a alma, enve- henava agora essa fonte de prazer inocente, esse manancial de venturas, que ai havia feito nascer a ‘chama de um primeiro e ardente amor. Nunca tinha amado — na sua solidao seu coragaio era t&o puro como o de um anjo: fol esse 0 122 Maria Firmina dos Reis Primeiro choque, que the abalou a alma, € a sauda- de devia corresponder a grandeza desse sentimen. 10. Chorava, pois, porque ia ver partir © objeto de. ‘suas mais caras afeicoes: mas No Momento da Partida fez um supremo esforgo sobre sua allico estendeu a mao ao mancebo, que a beijou com enlevo, ¢ perguntou:the com magoado acento, que bem revelava 0 pungir do seu coragao. — Tancredo, quando vos tomarei a ver? Omancebo, comovido por tanto amor, amor, que era temamente correspondido, amor, que cle ‘embalde tinha procurado na primeira mulher, que amou, soriulhe com reconhecimento, € tomou-lhe com afeto. —Lembrai-vos, Ursula, que vos levo no cora- Gao, que seguirme-é a vossa imagem, que hei de vervos em todos os objetos, que me circundarem, que deixo minha alma ¢ meu coragéo — todo omeu prazer, minha felicidade presente, 0 esquecimento de um passado amargo, as esperangas de um por vir deleitoso ¢ cobi¢ado: lembrai-vos disto, ¢ acreditai que breve estarei convosco. Contarei os dias da auséncia pelo pungir de minhas saudades, € por breves que eles sejam achdos-ei por demais lon- Sos, Longinquo € ainda o camino que tenho a per Corer, ras a Jembranga de que um anjo me aguar: da com amor, € que esse anjo sois vés, darmoa asas, ¢ estarel Convosco dacui a melo més, Entao, — acrescentou com um acento inexprimivel — err tao serei para sempre vosso! - >, Ursula 123 mo se uM pe- E Ursula sentiase ina rigo iminente estivesse a ameagéla © cavaleiro enfim partiu, ela nada disse, € 56 UM SolUugo doido, como 0 de quem geme de um pesar profundo, Ihe rebentou do peito. ‘Tancredo transpusera ja grande espaco, Ursula ainda nao mudara seus olhos umedecidos de sobre ele, ¢ 0 mancebo prosseguia rapido, até que uma ilhota de verdura 0 encobriu a vista da saudosa donzela. Entéo deixou 0 lugar clessa to- cante despedida, e, como desejosa de confiar a alguém a dor das suas saudades, foi correndo a mata, onde tinha ouvido dos labios dele a confis- s8o sincera do seu amor, € logo para ai dirigiu os passos, penetrou a mata, € ld, junto ao tronco se- cular, comegou a derramar sentidas lagrimas. © Sol, segundo sua marcha inalterével, dardejava na terra ‘seus tllimos e enfraquecidos raios, insinuando lu minosos resplendores por entre as frangas do ar- voredo da mata solitéria. E Ursula solugava com a lembranga da parti- da de seu joven adorador, quando ao longe julgou ver dois pontos fugitivos. Era Tancredo, era Tullo, ela os reconheceu, ou melhor, © seu coracdo reco- nheceu o primeiro; € ela, louca de um afeto, que Ihe fequeimava 0 peito, estendeuthe os bragos com delitio, e com voz Sufocada de novo Ihe enviou seus ternos protestos. Mas ele ia j4 muito avangado para ouvirlhe essa Voz Saida clo coragao. —_——_ 124 Maria Firmina dos Reis A donzela entéo sai da mata: porque lem. rouse de sua mae, e volveu para cla: mas no dia imediato, a mesma hora do creptisculo, voltou a € imergida em sua meditagao. as vezes es. quecia'se de si propria para 6 pensar no seu ndo as asas & sua ardente imagina- 0 na sua divagacéo, escutavarthe a voz no rumorejar do vento, via-o no meio da soliddo, e afagava-o com seus meigos transportes nesses lu- gares onde s6 estavam ela e Deus. E depois de longo e profundo cismar, muitas vezes punhase a entalhar na arvore, testemunha de sua primeira veniura. © nome querido de Tancredo! tao doce 808 Seus ouvidos. Com tanto esmero procurou entalha.lo esse dia, que completamente absorvida esse empenho se esquecera do mundo inteiro. © nome enfim estava completo, e ela pés-se a Soletré-lo com um enlevo proprio da sua idade, & ave 86 as almas apaixonadas podem compreen- Get, quando © som desagradavel, e medonho de Um tio de arcabuz, disparado bem junto dela, a Velo arrancar a esse recrc 10vida de Compa Vaneceusethe por encay ompaixao, des- mn tro the incutira na alma, e ' que 0 som do mando a pobrezinha ; 25 Ursula # €m suas maos, por excesso de bondade levoua a0 peito. Um rasto de sangue Ihe nodoou os vesti- dos alvissimos de neve. Nesse momento a desgracada perdiz. exalou © derradeiro suspiro: ‘a moca deixou.a cair das maos. levou estas, aos olhos, ¢ exclamou: — Jesus! Meu Deus! que mudo, e contemplativo, junto dela es- fava um homem. Os olhos, tinha.nos ele fixos so- brea donzela amedrontada — dir-se-ia a estatua do pasmo, ou da admiragao. E Ursula € esse homem por alguns momen- fos guardaram profundo siléncio; nela motivavam- No a surpresa, o terror, 0 desgosto, que Ihe causa- vam a fisionomia desse homnem de to sinistro olhar; nele deleitavel contemplagao dlesse rosto feminil de 180 pura e ideal beleza, E assim permaneceram, ela a recobrar cora- ‘gem para escapar a esse desconhecido que a in ‘comodava; ele a contemplarihe, as negras trangas Molemente recinadas sobre uns ombros de mar. fim, as méos diéfanas © mimosas, que Ihe vela- vam 0 rosto, que divisava ser belo, como 0 rosto angélico de um querubim. Por fim @ moca desembaracou de entre as aos as faces candidas ¢ aveludadas, e olhou em cheio com horror e com desdém para o seu mudo Companheiro. Assim desdenhoso esse rosto, que ainda {80 vivamente Se ressentia das comogées __- ia,

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