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CIRO GOMES ROBERTO MANGABEIRA UNGER O PROXIMO PASSO Uma alternativa pratica ao neoliberalismo TOPROOKS: Copyright © Ciro Gomes, 1996 Roberto Mangabeira Unger Composigio e folios Art Line Produgiies Grificas Lab Revisto Christine Aju Capa Victor Burton CIP Brasil. Catalogngao-na-fonte Sindical Nacional dos Editores de Livros, RJ Gomes, Cito GOL3p © préxime passo: uma alternativa pritica a9 neoliberalisine / Ciro Gomes, Roberto Mangabeira Unger. — Rio de Janeiro: Topbooks, 1996 Convtém dados bibliogeiieas 1. Brasil — Politica econdmiea. 2 Liberalisino. 3, Desenvolvimento econdimico. Unger, Roberto Mangabeira, Ul, Titulo. CDD 338.981 95.0131 CDU 338.984(81) Todos ox diteitos reservados pola TOPBOOKS EDITORA EF DISTRIBUIDORA DE LIVROS LTDA, Tinprereo no Bros Sumario Prefacio Uma alternativa imaginada © discurso politico dominante (O argumento e sta idéin-forga © camino politivy dificil A estabilizagao consolidada A estabilizagao interrompida ‘A divida piblica interna, as privatizagaes € 0 saneamento da situagio parrimonial do Estado © refinanciamento do Estado © a verdadeira reforma tributéria As conseqiiéncias priticas da desesperanga O neoliberalismo substitufdo Atarefa © neoliberalismo ¢ 0 nacional-populisimo, Diretrizes da proposta A clevagiio da poupanga pablica e privada A parceria entre o Estado € os produtores privados B 27 38 41 a 55 R 4 16 84 88 96 Sakivio igno, O problema da e: agi revisto Abertura sem submissio O dualismo superado Os dois fururos da alternativa ao neolibe- ralismo: nas na nova economia Vinyguandas © reragu mundial: a questio programsitica decisiv A primeira vertente da politica antidualist: redistribuigio da riqu em gente € heranga social A soguni vertente da politica antidualist: alianga entre a vanguarda ¢ a retaguarda © formas inrermedisrias entre o privado © 0 paiblico fa, investimento A democracia acelerada Pontos de partida para repensar 0 Estado © a politica no Brasil © presidencialismo sem impasses Partidos de verdade A politica ibertada do dinheiro ‘A profissionalizagio da buroceacia © 2 acele ragio da politica A democratizagao dla comunicagio A conscientizagio e « militincia dos direitos Sobre os autores Ciro Ferreira Gomes Roberto Mangabeira Unger loz 110 113 123 135 140 144 146 148, 151 152 153 156 158 Prefacio Este pequeno livro vem a prelo num momento de perplexidade — no Brasil € em toda a parte. O esgotamento do na cional-populismo no terceitro mundo, o colapso do comunismo no segundo mundo © até mesmo a postura politicamente de- fensiva e institucionalmente conservadora da social-democracia no primeiro mundo deixaram drfiios de idéias os que acreditam estar a democratizagio das sociedades con- temporaneas ainda a meio caminho. No Brasil, como em muitos pafses em desen- volvimento, uma crise de confianga das clites transformou uma encruzilhada numa debandada. Renderam-se, ¢ querem render 6 Brasil, ao idedrio ora dominante nos pat- ses mais ricos. Aderiram ao neoliberalis- mo, a ideologia atual das metrdpoles, desculparam-se repetindo a toda a hora, porém sem conseqiiéncia pratica, que pos- suem uma consciéncia social e que querem humanizar o pais. Abandonaram, como romantica, a tentativa de construir uma civilizagdio propria no Brasil. Rejeitaram a concepgao de que a histéria humana deve continuar a ser uma histéria de grandes alternativas, tanto no plano das institui- ges quanto no plano dos ideais, Pois o que vale uma diferenga de cultura se The falta a encarnagio numa vida institucional propria? Intervimos neste quadro para ajudar a provocar a discussdo que falta ao pais. Pro- pomos um caminho especifico, que se con- trapde ao discurso neoliberal. Damo-lhe contornos definidos para melhor suscitar a polémica, Nao acalentamos, porém, ilu- shes sobre a necessidade deste ou daquele pormenor da proposta. Para cada solugio localizada que abragamos existem alterna- tivas plausiveis orientadas na mesma dire- cao. Ea diregao o que importa. A mudanga das citcunstncias, 0 avango do entendi- mento € as revelagdes do debate hao de renovar os pormenores da proposta, rejei- tando alguns ¢ aprimorando outros Pertencemos a partidos politicos dife- rentes — um de nés, a0 PSDB; 0 outro, a0 PDT. Imaginamos set 0 papel de uma pro- pos termedidrio entre o debate das idéias e o a como essa situar-se num ampo in- embate dos partidos. Nem s6 por partidos politicos se afirma o potencial transforma dor da politica. F também, correntes de opinitio ou partidos latentes. Geram parte da matéria-prima com que se constréi um futuro mais livre e mais consciente. Os adeptos de um idesrio, crescendo em ni- mero, espalham-se pelos partidos estabele cidos € pelas organizagdes da sociedade civil e sua influéncia se faz sentir, pouco a pouco, em muitas cabegas. Querendo fo- mentar um debate, queremos, também, trabalhar pelo surgimento de uma corrente de opiniio, Foi assim, no Brasil, com os que se opuseram a escravatura € ao impé- tio. Assim ha de ser hoje, no Brasil, com os que se opdem ao neoliberalismo. Tal movi- mento de pessoas ¢ idéias nao bastaria para mudar o curso da histéria brasileira. Sem ele, contudo, nada se fard. Além de pertencermos a partidos dife- rentes, temos caras diferentes no pais. Um de nés tem sido criticado por alguns como vitima da ambigao; 0 outro, como vitima do devaneio. Ambos, porém, sabemos que © importante € a dialética en:te a li penosa dos fatos ¢ a imaginagao disciplina- da do possivel. E facil ser realista quando se aceita tudo. E facil ser visionario quan- do nfo se enfrenta nada. Aceitar pouco € enfrentar muito € 0 caminho ¢ asolugao. 2 Uma Alternativa Imaginada O discurso politico dominante Todo © Brasil reclama a falta de pro- posta e de alternativa. Com 0 colapso dos regimes comunistas, 0 descrédito dos esquerdismos tradicionais ¢, sobretudo, a exaustao da nossa antiga estratégia de crescimento econémico, sobrou para o o da adesio ao modelo de organizagao © que parece ser um nico caminho: econémica ¢ social representado pelos ses mais ricos. Nesta obra de estreita- mento de horizontes, a inflagao foi parcei- ra da histéria: torturado pela inflagao, 0 povo brasileiro nao tinha cabega nem ocasiiio para tratar dos caminhos possiveis do desenvolvimento econémico e da re- 3 construgdo institucional. A conjuntura tem sido tudo para nés; a estrutura, nada. A época dos projetos nacionalistas e do viés estatizante, seguiu-se 0 discurso do adesismo desencantado, travestido de realismo maduro. Nestas condigSes, ge- neralizou no pais um s6 discurso politi- co: um discut 0 que afirma a incapacida- de do Estado para as atividades produti- vas ¢ estratégicas enquanto reclama a atuagio social de um Estado eficaz contra 08 extremos de desigualdade no nosso pais. © primeiro-muny “tudo pelo social”. O Estado, segundo esta visto, deve ser apenas um zelador das regras do mercado ¢ um agente de assis- téncia social. Foi assim que todos viraram mo imitativo eo proponentes da economia de mercado € defensores da social-democracia, tanto na esquerda quanto na direita da nossa po- litica. As politicas sociais compensatérias, destinadas a moderarem as desigualdades, seriam, junto com 0 zelo pela vigéncia das normas de concorréncia privada, as tare- 4 fas supremas do Estado. © Estado, segun- do 0 refrao ouvido a toda hora, deve tomar-se menor para fazer melhor aquilo que s6 ele pode fazer. Conservadores ¢ progressistas, direitistas e esquerdistas, distinguem-se hoje no Brasil mais pelo grau de radicalismo nas reivindicagdes redistribuidoras do que por roteiros con- cretos de desenvolvimento nacional. Divisdes iluséri s ¢ superficiais orna- mentam esta nova unanimidade em vez de rompé-la, Como arremedos de projeto temos dentro do governo, de um lado, 0 neoliberalismo compungido e, de outro lado, a defesa de quebras da ortodoxia neoliberal em favor de concessbes a seg- mentos do grande empresariado. Nao adianta proclamar triunfos ideolégicos na revisio constitucional ¢ na propaganda da capacidade do Estado de poupar ¢ inves- privatizagdes. Importa recuperar a tir. Governo ruim para 0 Brasil perpetua a dependéncia da estabilidade monetéria sobre duas bases frageis e insustentaveis: 0 cambio sobrevalotizado e os juros escor- 15 chantes. Cala sobre qualquer estratégia nacional de desenvolvimento econdmico. Aceita como fatalidade hist6rica irresist vel as regras do jogo da nova ordem eco- némica internacional, conformando-se com as exigéncias da hegemonia norte- americana. Presidente tuim para o Brasil exerce 0 poder presidencial como instru- mento de acertos entre politicos € empre- sfrios. Prima pela cordialidade. Foge aos 5, porque 0 aceita, ssiste, impotente, a esta conflitos. Trai o pa A esquerda abdicago nacional. Sem rejeitar co samente seu discurso tradicional, também nao acredita mais nele. Sua pregagao anda a reboque da militancia dos empre- gados das estatais ¢ dos sindicatos da grande indistria privada. Defe ide as esta- tais, indiscriminadamente, sem propor uma estratégia especifica de crescimento a que elas pudessem servir, E insiste nesta defesa, quer por compromisso com os in- teresses corporativos dos quadros das em- presas puiblicas, quer por nostalgia por um ideario perempto que Ihe parece 0 tinico 16 baluarte remanescente de resisténcia ao neoliberalismo. Descartada a defesa ceri- monial das estatais, s6 a estridéncia no protesto, frustrado, contra as desigualda- des distingue a esquerda das outras facgSes da politica brasileira. Por isso mesmo, nem sequer consegue dar voz aos ressenti- mentos mudos e desorientados da peque na classe média. O pais quer oposigao. Precisa de oposig4o. Nao confia na oposi- go que tem. Ha consenso no discurso politico bra- © consenso est errado. Seus sileiro. Mas equivocos ficam patentes na sua incapa- cidade de resolver os problemas do pais em trés setores cruciais: a consolidagao da estabilidade monetétia, a moderagio das desiguldades sociais ¢ a formulagio de um novo projeto de desenvolvimento nacional. Nao se completa a obra anti-infla- ciondria em sanear a situagiio patrimo- nial do Estado e elevar a receita puiblica Nao se fazem nem uma coisa nem outra sem compreender como avangos arrojados re nas privatizagées ¢ na tributa 0, aparen- temente regressiva, do consumo podem, logo em seguida, servir para financiar e fortalecer um Estado estrategista ¢ redis- tribuidor. Nao se conseguem des artar os expedientes do plano real — 0 cambio sobrevalorizado e os juros altissimos — tao titeis como expedientes tempordrios quanto ruinosos como solugées duradou- ras, sem limpar as contas € elevar as recei- tas do Estado brasileiro. O consenso, argu- mentaremos, deixou-nos despreparados Para as opgdes ¢ os conflitos que a conso- lidagao da estabilidade monetitia exige Por isso, deixa-nos sob a sombra da volta, a qualquer momento, da inflagdo desen- freada. ‘A mesma incapacidade de fazer 0 que promete caracteriza a politica social deste discurso hegemdnico. Todos lamentam que o Brasil ostente as d sigualdades mais terriveis do mundo. Todos em querer humanizar o pais. Porém, o caminho vis- lumbrado pelo discurso politico dominan- te — © das politicas sociais compensats- 18 rias - jamais bastard para alcangar o re- sultado almejado. ‘Temos uma economia ¢ uma sociedade divididas em dois. Enquanto parte do pais esté cada vez mais integrada na economia ena cultura dos pafses ricos igiia de acesso ao capital, outra parte continua am aos mercados € a tecnologia. Por causa desta estrutura dualista, 0 pafs cria desi- gualdade ao mesmo tempo que produz riqueza. As transferéncias do primeiro Brasil — do Brasi do ¢ favorecido — capitalizado, organiza- iam de ser ara o segundo Bra: —o Brasil marginalizado — te gigantescas para resolverem os problemas da maioria que continua aprisionada neste. Tais transferéncias nunca ocorre- ‘ria. As forgas que comandam o primeito Brasil jamais 0 riam na dimensao necess permitiriam, nem 0 poderiam permitir sob pena de se desorganiz: gada do pais Qualquer forma realista de moderagio a economia avan- das desigualdades exige, em condigdes como as nossas, a revistio do modelo eco- 19 ndmico — as instituigdes econdmicas e as relagdes entre Estado e produtores — nao apenas politicas destinadas a compensa- rem os efeitos de um padrao de cresci- mento que € excludente e desigualizador. Como elemento acessério desta revisio de modelo, as politicas sociais sao necessa- rias. Como maneira de dispensar tal revi- so, as politicas sociais sio um embuste Precisamos de uma alternativa produtivis- ta que integre a maioria dos brasileiros aos centros dindmicos da nossa economia, nao de uma formula caridosa que oferega aos excluidos as migalhas caidas da mesa dos abastados. E fécil ser defensor da de- mocracia social quando a democracia so- cial é impos vel de realizar. O “tudo pelo social” do discurso politico dominante nao € programa; € alibi Se 0 discurso dominante na politica brasileira € incapaz de nos guiar na conso- lid moderagao das desigualdades sociais, 6 ao da estabilidade monetéria ou na igualmente intitil 8 demarcagio de uma hova trajetdria desenvolvimentista para o 20 pats. Como programa para o desenvolvi- mento, o discurso hegeménico sofre de dois defeitos insanaveis. O primeiro defeito é que, no sabendo como refinanciar o Estado nem como diminuir as desigualdades, nao sabe, tam- bém, como conduzit o desenvolvimento. Pois o estrangulamento financeiro do Estado e 0 actimulo da divida social repre- sentam inibigées farais a um desenvolvi- il, avolumam-se os pontos de estrangula- > aparato fundamental de mentismo sustentavel. Hoje, no Bi mento no ne energia, transporte e comunicagao. E irrealista supor que, mesmo que radicaliza- das as privatizagGes, possa o capital priva- do, nacional ou estrangeiro, suprir as necessidades de investimento no instru- mental basico do nosso sistema produtivo. Por outro lado, um Estado quebrado nao pode também investir, em grande escala, na qualificagao do nosso povo e na gene- ralizagao das praticas mais avangadas de produgao. Restrito a préticas compensat- rias, que nem tem sequer como financiar a adequadamente, nao tem, também, como evitar, no futuro, que a massa miseravel do pais recorra a qualquer promessa de salvagio, interrompendo, pela politica plebiscitaria dos demagogos, os planos autoritarios dos tecnocratas. © segundo defeito do discurso domi- nante como biti sola de uma nova etapa de desenvolvimento nacional fica claro a luz de uma constatagao histérica simples. Nunca houve na histsria modema, com a excegao parcial da Gri-Bretanha ¢ dos Es- tados Unidos (se é que se pode compreen- der a industrializagao inglesa sem o prote- cionismo contra a indtistria téxtil da {ndia € as guerras contra os concortentes comer ciais da Inglaterra ou a industrializagao norte-americana sem o protecionismo contra quase tudo), nenhum pafs que se haja desenvolvido sem uma associagao in- tima e duradoura entre o Estado ¢ os pro- dutores privados. A agdo estratégica e pro- dutiva do Es em muito o horizonte das responsabilida- ado comumente ultrapassou des estritamente sociais e compensatérias. 2 As na s sim foi com a Alemanha e 0 Japio gunda metade do século XIX. Assim € hoje com as novas economias do nor- deste asidtico — Coréia do Sul, Taiwan e, sobretudo, as zonas adiantadas da propria China continental. Entre os paises con- temporfneos, as excegdes aduzidas, como uudeste as jAtico — © Chile ou 0s paises do Malisia, Indonésia ¢ Tailandia — nao se sustentam como exemplos para o Brasil. Os casos do sudeste asitico sfio de paises cujos regimes autoritatios, havendo supri- mido por longo tempo o conflito social, patrocinaram a formagaio de vanguardas exportadoras sem vinculos estreitos com o resto da economia nacional. O Chile, com uma economia agraria € extrativa, ¢ com um passado de lutas sociais igualiza- dor: que tanto os governos anteriores & ditadu- , € um situagio singular: um pais em ra quanto 0 proprio regime ditatorial se dedicaram ao investimento social ¢ em que o Estado usou seus recursos € poderes para fomentar uma lavoura moderna e exportadora dentro de uma economia 2B

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