Você está na página 1de 10
ESTUDOS SOBRE MULHER EB EDUCACAO: ALGUMAS QUESTOES SOBRE O MAGISTERIO Cristina Bruschini Tina Amado RESUMO A atvidade doconte, especialmente o magistéo primétio, 6 uma ‘ccupagio predominentemente feminina. No entanio parece haver ‘mull pouea ariculagéo entre a pesquisa na drva de educagSo © 08 ‘ectudes sobre mulhor no Brasil. Um brove apanhado histrieo mostra como 0 magistro, enquanto careirafeminina,incorpora elementos a idoologia sobre @ domestcdade 0 a submissdo da mulher, En- Yretant, a presen revsso da biblogratia recente sobre 0 magisi- fo, de tabalhos elaborados nas insitugbes mais relevantes do Es- tado de Sé0 Paulo, mostra que o conhecimento produzid pelos es- ‘dos sobre mulher raramente € inorporado & pesquisa educacional ‘Ro mesmo tompo, 08 estidos sobre mulher votaram-se mullo Povco para a drea da Educapio. AintagracSo dos esutados dos dois cam= os teria conseqincas extremamente postivas; porém um requisto bésico para tal 6 que no s6 as proessoras, mas as pessoas envol- vidas na pesquisa @ na elaboraedo de polficas publics assumam, ‘como prondla, a elminagso da dscriinagdo de género. SUMMARY “Though tetching sa predominant finine occupation - especialy ‘elementary school teaching - there seems tobe ite aculaton bet- ‘Ween esearch done in he areas of educaton and women's studies in Brazil. A brit historical appraisal shows how teaching, while beco- ming a female career, incorporates a deep-seated ideology of wo- men's domestcty and submission Yet the present review of recent works regarding eacher Waining and porormance, done by the main Instone in the stato of So Paulo, shows that knowledge produced through women's studies is seldom incorporated in educational re= search, At the same ime, women’s stuces have scarcely been d= ‘ected tothe area of Educeton, An inlegrtion of ndings trom both fields might have exromely postive results; butin order to bridge this ‘980 Its imperative thal teachers, scholars end policy makers give hi- ‘Shor pity to the overcoming of gender discrimination. Cad. Pesq., Sao Paulo (64): 4-13, fev. 1988 © objetivo deste artigo 6 0 de procurar avaliar a arti- culagdo dos estudos-sobre mulher com aqueles realiza- dos na rea educacional. Muitos caminhos seriam poss'- veis para se refletr sobre esta questo mas, tendo em Vista a experiéncia anterior de pesquisa de uma de nés, centrada no tema do trabalho feminino, pareceu-nos um desafo instigante analisar a interseccao entre essas duas vertentes do conhecimento focalizando-a a partir da andli- se de um Gnico tema: a condigo ferinina do magistério primario, com consequéncias sobre a pratica docente, e a ‘desconsideracao deste fato pelos estudos educacionais. 'No Brasil, como em indmeros outros paises, 0 ma- gistério € uma atividade profissional predominantemente feminina. Dados do Recenseamento Demagrafico de 1980, que séo as informacées desagregadas mais re- centes de que dispomos, revelam que 86,6% do professo- ado brasiteiro 6 do sexo feminino, As mulheres repre- ssentam a quase totalidade (99%) do ensino pré-primario e €@ maioria absoluta (96,2%) do ensino de 12 grau (1? a 4? ‘séries), embora sua presenca deciine gradativamente nos riveis subseqdentes. Este fato, no entanto, nem sempre 6 levado em conta nos estudos educacionais, que ignoram ‘a condigéo feminina da maioria do professorado, 0 que se Teflete numa avaliacao incompleta da atuaco dessa pro- fissional Nos limites deste artigo pretendemos mostrar como (© magistério primério se consolidou como carreira femini- ra, levantando a hipétese de que este fato ter implica (Goes sobre a pratica docente. Recorrendo a um levanta- mento de teses académicas sobro a formacao do magis- tério, em algumas biblotecas representativas da drea educacional, constatamos que os conhecimentos obtidos através dos estudos sobre mulher no tém sido incorpo- rados na maior parte dos estudos em educagao, com gra- ves prejuizos para essas duas correntes. Na certeza de que uma integracao entre essas ‘duas areas do conhecimento beneficiaria a ambas, suge- ‘imos, 20 final do artigo, alguns passos nessa direc, © MAGISTERIO COMO PROFISSAO FEMININA Um répido exame ao longo da Histéria Brasileira re- vela que foi somente no século passado quando, apés a Independencia, 0 ensino, pelo menos ao nivel dos pro- jetos € das leis, se tomnou gratuito e extensivo a todos, in- Clusive &s mulheres — que até entdo s6 tinham acesso A ‘educagao religiosa, nos recoihimentos © conventos — que Surgiram as primeiras vagas para 0 sexo feminino no ma- istério primério. Como nao se tolerava a co-educaco € 08 tutores deviam ser do mesmo sexo de seus alunos, um ‘espaco para a protissionalizagdo feminina foi aberto, ao ‘mesmo tempo em que se expandia a propria instrugéo da mulher. Essa abertura, porém, era justifiada em nome das fungdes maternas da mulher defendendo-se, simultanea- mente, dterengas de género nos curticulos: os das meni- nas davam mais énfase & agutha e ao bordado do que & instrugao propriamente dita. Assim, se de um lado a pri- ‘meira lei do ensino (1827) representou um marco para a ‘mulher, na medida em que ratficou seu direito & instrucéo, significou também um instrumento que acentuou a discr- Estudos sobre mulher e educagao . . minago sexual, pois s6 admitia 0 ingresso de meninas na escola primaria, no aceitava a co-educacao nas esvolas @ relorcava as diferencas nos conteddos curriculares, ‘com visfveis consequéncias sobre os niveis salariais: as professoras eram isentas de ensinar a geometria, mas ‘como 0 ensino desta matéria era o criério para estabelo- Cer niveis de salério, as mestras ganhavam menos do que ‘seus colegas do sexo oposto, embora a legistacao deter- ‘minasse que os salérios deveriam ser iguais para profes- ‘sores de ambos os sexos (Saffioti, 1969). Por outro lado, embora pela letra da lei e das inten- ‘goes, 0 ensino primar tivesse sido considerado gratuito @ universal, na verdade 0 acesso a ele ora muito limitado, ‘assim como reduzido 0 nimero de escolas e questionével sua qualidade. Assim, a maioria das mulheres - com ex- cago das de elite @ talvez das dos poucos estratos as- cendentes urbanos ~ no teve, de fato, muito acesso & escolaridade nesse periodo. Em meados do século XIX foram fundadas as pri- moiras insttuigdes destinadas a preparar os professores Para a pratica docente. As chamadas escolas normals, ‘embora a principio atendessem a uma clientela de ambos 05 sexos, 0 que era inovador para a época, logo passa- ram a apresentar freqiténcia predominanterente ferinina. Ao se formar, as novas mestras ou lam dar aulas nas oucas vagas existentes no primario para meninas ou, mais freqlientemente, eram contratadas como perceptoras ou professoras particulares, nas casas ou fazendas das familias abastadas. ‘Como 0 ensino secundério, com seu perf marca- damente propedéutico, destinava-se apenas aquelas que pretendiam prosseguir os estudos até o nivel superior, € este era vedado as mulheres, as escolas normais, nasc- das como ramo de ensino que se sobrepunha ao primério e com uma caracteristica marcadamente profissional- zante, converteram-se numa das poucas oportunidades de continuacdo dos estudos para as mulheres. Por esse ‘azo, acabaram servindo tanto 8s mulheres que iam efe- tivamente lecionar, quanto Aquelas que pretendiam ape- has prosseguir os estudos e adquirir boa cultura goral antes do casamento, Natureza e vocagéo Sob a infubncia de correntes de pensamento que consideravam a mulher, e somente ela, dotada biologica- mente pola natureza com a capacidade de socialzar as criancas, como parte de suas fun¢Ges matemnas, e cons derando que 0 ensino de criancas, na escola elementar, ea visto como extenséo dessas atividades, o magistério priméro, desde 0 século passado, comecou a ser consi de recursos humanos @ ‘magistéro de 1° grau. Slo Paulo, Diss. (Mesi.) PUC-SP, 1963. MARTINS, M.A. V, © professor como agente poltic, S80 Paulo, Dissor (Mest) PUC-SP, 1981, MELLO, G. N. Pra coconte a escola de 1° grau. So Pau 'o, Tese (out) PUC-SP, 1981. MIRANDA, M. G. de, Do cotdlano da escola: observag6es pre liminares para uma proposta de interven¢o no ensino pdb, ‘Slo Carlos, Disser. (Most.) UFSCar, 1963, NOVAES, M. E. Professora primdria: mesa ou ta? Belo Horl- zone, Dissent (Mest.) UFNG, 1981, CONAINDIA Y LEGUERICA, M. A.A formacdo @ a prdtica de professores de 1¥a 48 séries do 1? eau, incantes no exerci docente, Sc Paulo, Dist. Mest.) PUC-SP, 1963, PENIN, S. A satistapo/insatsfar40 no rabalho pelo professor e 18 a 4 séves dt rede municipal de ensino de Sao Paulo. ‘Slo Paulo, Dissort (Masi) PUC-SP, 198% FRIBEIRO, M. LA formsrdo poitica do professor no exericio ‘rofissional, anos 70. S80 Patio, Tose (Dout) PUC-SP, 1963. TREZZA, E. S.A protessora de 18a 4? sérios do ¥?grau: um tudo emp sobre auo-percepeio de professoras no muni pio de So Paulo, Séo Paulo, Dissen. Mast.) USP, 1985, 2AGO, N. O professor unidocente na drea rural: um estudo de ‘caso. Rode Janeiro, Dissort (Mes) FGV-Ru, 1980, Estudos sobre mulher e educagéo . . 13

Você também pode gostar