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Gramsci, materialismo histérico e relagées internacionais Stephen Gill agate anil (12 UL iii JIE {SCI, HEGEMONIA E RELAGOES INTERNACIONAIS: ‘UM ENSAIO SOBRE 0 METODO Robert W. Cox "Hi algum tempo, comecci a ler 0s Cadernos do circere, de sci Nests fragmentos, escritos numa pris fascist entre 1929 «0 ex-lide do Partido ComunistaKaliano estava preocupado 10 problema de entender as sociedades capitalists das décadas de 201930, e,prncipalmente com o significado do fascismo e as ir uma forma alternativa de Estado esocie- Je bascada na classe operiria.O que ce tinha a dizer girava em do Estado, da relagio da sociedade civil como Estado eda rela- da politica, daétca eda ideologia coma produgio, Nao é de sur~ der que Gramsci nio tenha diretamente muito a dizer sobre es internacionaisiApesar disso, ache que seu pensimentoaju- |compreende o significado da organizagao internacional com slew etava ocupado naquela época,Particularmentevaloso foi eeito de hegemonia, ma também foram valios0s vérios con 3 correlats que cle elaborou parasimesmo ou desenvolveu para Este ensaio mostra minha forma de entender o que Gramsci Jia dizer com hegemonia ¢ esses conceitosafins, ¢sugere como que eles podem ser adaptados,preservando seu significado ‘para compreender os problemas da ordem mundial. Ele nde serum estudocrtco da teoria politica de Gramsci € uma derivagio de algumas dias dessa teora politica para oda eora cortent das relabesinternacionais! oi orginalmente pubiado em Milli, v.12, 8.2, 162-175, 102 # Rowers W. Cox Gramsci ehegemonia 0s conceitos de Gramsci foram todos derivados da historia — tanto de suas reflexdes sobre os periodos da histria que ele achava ‘que ajudavam a lancar uma luz explicativa sobre o presente quanta «de sua propria experiéncia pessoal de lua politica e social. Entre elag hérreflexoes sobre o movimento dos conselhos operirios do inicio dy ‘década de 1920, sua partcipasio na Terceira Internacional esua opo- sigdo a fascism. As idéias de Gramsci sempre estiveram relacionac das 20 seu préprio contextohistérico, Mais ainda; ele estava sempre ajustando seus conceitosacircunstancias historicasespecifias. Ni €possivel usar os conceitos de maneira frutifera se eles forem abstafe dos de suas aplicagbes, pois ao serem assim abstraidos, suas diversas utilizagdes parecem conter contradigoes ou ambighidades.? No pen- samento de Gramsci, um conceito & vagoeflexivel, «x6 adquire preci- sio quando posto em contato com determinada situacao que ele aju- daa explicar—contato que também desenvolveo significado do cone «eit, Nisso reside a forga do historicismo de Gramsci, assim como sua capacidade explicativa. Maso termo “historicismo” costuma set ‘mal-entendido e criticado por aqueles que procuram uma forma de conhecimento mais abstrata,sistematica, universal ¢a-histric Gramsci atrelou coerentemente seu pensamento a0 objetivo prético da aco politica. Em seus escrtos da prisio, sempre se referia a0 marxismo como “a filosofia da prdxis"* Poderfamos supor que, 30 menos em parte, isso se deve aa fato de querer enfatizar 0 objetivo revolucionério prético da filosofia. Em parte também pode ter sido _para mostrar sua intengao de contribuir para uma corrente de pens mento vigorosa, em processo de desenvolvimento, a qual recebeu set jmpulso inicial de Marx, mas nao esta circunscrita para sempre & Esse parece ser 0 problems de Anderson (1976-1977), que firma tet encontrado incoréncas nos conceitos de Gram » Sobre esse questo, ver Thompson (1978), que contasta uma posiclo historiitaanaloga ade Gramsci com oestrutualisme filossicoe abstr de Althuser. Ver "Marxism is not Historcism, em Althusser ¢ Balibat (41979, * Afrma-se que, com isso, Gramsci quis evita 0 confiaco de suas nots plo ‘censor da prisio, quem sesso € verdad, devia ser patcularmente otis [GrAMSCI, HEGINONIA E RULAGOES INTHRNACIONAIS @ 103 fe, Nada poderia estar mais longe de suas intengoes do que ixismo que represente uma exegese dos textos sagrados, cujo ja refinar um conjunto atemporal de categorias e con ‘Origens do conceito de hegemonia tem duas correntes principais que levam aida gramscia a. A primeira nasceu dos debates da Tercera Inter sobre a estratégia da Revolucao Bolchevique eda criacao de ‘socialist soviico; a segunda, dos textos de Maquiavel 4 primeira corrente, alguns comentaristas procuraram fo pensamento de Gramsci com o de Lenin, associando A idéia de uma hegemonia do proletariado, e Lenin, dita \do| Outros comentaristas sublinharam sua concor- sica® O importante é que Lenin se referia ao proletariado into como uma classe dominante quanto drigente; 0 dominio do ditadura, a direcio implicando lideranga com 0 con nto das classes aiadas (principalmente o campesinato). Na {Gramsci apropriou-se de uma iia corrente nos circulos da nternacional: 0s operdrios exerceriam hegemonia sobre as, re ditadura sobre as classes inimigas. Mas essa ida foi Terceira Internacional somente no que diz respeito 3 a e expressava o papel da classe operiria na lideranga de ga de operirios, camponeses¢, talver, alguns outros grupos nte simpatizantes da transformagio revolucionsria nn (1975) coloes Gramsctinequivocamente na tadigto Manto Porc (1972) quanto Maccocchi (1974) contrastarn ein. Ames ver, a obra de Buci-Gluckamann mito mas bern Yer ambi Most 197; Seon, 18 eharioniza bem om a saigto que Grams fr da stato Hi inicio dx cada de 19201» lane peri sovinba cn fag tui toda carga da evolu 6 poder undac un novo Imo de uma aang como campsinao alguns elementos da Durguesi Na verde, Gramsci considers. o movimento de ptirios uma cicoladelideranga dese tipo de coaiio vas fates de ser peso eram dvd construio dess consi, 104 ¢ Rovexr W. Cox Ariginalidade de Gramsci consste no vigs que deua priming ‘corrente: comesoua aplicé-la & burguesia, ao aparato ou mecanismiog de hegemonia da classe dominante.” Isso Ihe permitiu distinguir og casos em que a burguesia havia alcancado uma posigdo hegemOnica delideranga sobre as outras classes daqueles em que nao havia alcan- «ado, No Norte da Europa, nos paises onde o capitalismo se estabele. eu primeiro, a hegemonia burguesa foi a mais completa. Essa hege- ‘monia envolveu necessariamente concess6es para subordinar classes em troca da aquiescéncia lideranga burguesa, concessbes que pode- fam levar,em titima instincia a formas de democracta social que preservam o capitalismo ao mesmo tempo em que © tornam mais aceitivel para os trabalhadores ea pequena burguesia. Como sua he- ‘gemonia estava firmemente entrincheirada na sociedade civil, a bur- guesia poucas vezes precisou, ela prépria, administraro Estado. Arise {ocratas proprietiios de terrasna Inglaterra, os junkers na Prssia ow tum pretendente renegado ao cetro de Napoledo I na Franca, todos esses governantes serviam, desde que reconhecessem as estruturas hhegemdnicas da sociedade civil como os limites bisicos de sua agi politica. Essa visio da hegemonia levou Gramsci a ampliar sua defn ¢4o de Bstado. Quando o aparato administrativo,executivo e coerci vo do governo estava de ato sujeito& hegemonia da clase dirigentede ‘uma formagao social inteira, nao faria sentido limitar a definicao de Estado aqueles elementos do governo. Para fazer sentido, a nogio de Estado também teria de incluir as bases da estrutura politica da socier dade civil. Gramsci pensava nessas bases em termos hist6ricos con cxetos~a Igreja sistema educacional,aimprensa, todas as institu esque ajudavam acriar nas pessoas certs tipos de comportament © expectativas coerentes com a ordem social hegeménica. Pot ‘exemplo, Gramsci dizia que a lojas magénieas da Itiia constitulam ‘um vinculo entre os funcionarios do governo que entraram na ma ‘quinaria estatal depois da unificagdo da Italia, e, por isso, deviam set cconsideradas parte do Estado quando o objetivo fosseavaliar sua & Ver Buci-Glucksmann, 1975, p. 169-190 GGnAMsc1, HEGEMONIA ERELAGOES INTERNACIONAIS. @ 10S ia politica mais ampla, Portanto, a hegemonia da classe domi- fera tna ponte que unia as categorias convencionais de Estado jade civil, categorias que preservavam certautilidade analtica, ‘pa realidade, haviam deixado de corresponder a entidades ‘Como dissemos acima, a segunda corrente que levou a idgia sciana de hegemonia percorreu um longo caminho desde M: fesjuda a ampliar ainda mais alcance potencial daaplicacao eito. Gramsci refletiu sobre o que Maquiavel havia escrito, rte em O principe, em relagdo ao problema de fundar ovo Estado. No século XV, Maquiavel estava interessado em a lideranga ea base socal de apoio para uma Itilia unifi- foséculo XX, Gramsci estavainteressado em encontrar a lide fa base de apoio para uma alternativa a0 fascismo. Enquanto vel considetara o principe individual, Gramsci considerava 0 pe moderno: o partido revolucionério engajado num dislogo lee produtivo com sua propria base de apoio. Gramsci retirou ra imagem do poder como uum centauro, metade ho: ade animal, uma combinagio necesséria de consentimen~ Enquanto o aspecto consensual do poder esté em pri , 4 hegemonia prevalece. A coercio esté sempre latente, éaplicada em casos mgrginais, andmalos, A hegemonia és ;garantir o comportamento submisso da maioria das pes- te a maior parte do tempo. A conexio com Maquiavel i= czito de poder (eo de hegemonia como uma forma de po- lum vinculo com determinadas classes socias historicase Ihe Juma esfera maior de aplicagdo as relagdes de domfnio e su 0, inclusive, como vamos sugerirabaixo, as relagdes de or- ial. Mas isco nao separa as relagdes de poder de sua base to & no caso das relagdes de ordem mundial, transformando- Besentre Estados concebidas de forma estreita), drigindo 9. 30 contrario, para aprofundamento da consciéncia des- social i 1971, p. 169-190. 106 © Ronexr W. Cox Guerra de movimento e guerra de posiglo Pensando na primeira influéncia em seu conceito de hegemo. nia, Grams refletin sobre experiéncia da Revolugio Bolcheviquee procurou determinar que ligdes podiam ser tiradas dela para a tarefa 4a revolugio na Europa Ocidental.’ Chegou & conclusio de que as vernamental e coercitivo, e nao pelo conceito ampliado de Estado ‘mencionado acima) como “uma trincheira avangada por trs da qual hi um poderoso sistema de fortalezase casamatas” * 0 termo “Europa Ocidental” refere-e, ai Inglaterra, Franga, Aleman «Ilia das dézadas de 1920 ¢ 1930, Grawsct, HEGEMONIA ERELAGOES INTERNACIONAIS @ 107 Ns Riso Eades i a sae hl oo Frise glatinow ao Ociente, hava uma ego aeo- fis cage Estado ode cv quando o undo ve Bee caraure firme da scntade cd reise ine Diiaamest: (Grime, 1971, p28) Por iso ¢ que Gramsci dizia ques guera de movimento nfo raerefetiva contra osEstador-sociedadeshepemnicos da Eu- Ccidental. cstratgialternativa ca guera de posigo, quelen- consti osFundamentos dos aliceressociis de um novo GaN FuropaOcidental tata de servencia no scio daso- te antes que um aslo ao Estado pues ter ito. Um fueprematuro 2 Estado por mo de uma guerra de movimento na fraquera da opie clevara a reimpoio do domino "Asimplicagdes estratégicas desta anlise sto claras, mas cheias \dades. Construir as bases de um Estado e de uma sociedade nativos soba lideranca da classe operiria significa criar ins- {recursos intelectuais alternativos dentro da sociedade exis {construir pontes entre os operirios eas outras classes subordi ‘Significa construir ativamente uma contra-hegemonia no in- deuma hegemonia estabelecida, e, a0 mesmo tempo, aumentat téncia contra as pressOes e,as tentagbes de recair na busca de fncrementais para grupos subalternos no seio das estruturas Egemonia burguesa, Essa 6a linha que separaa guerra de posicao, Jestratégiarevolucioniria de longo prazo, ea democracia social, sa para obter ganhos dentro da ordem estabelecida. Revolugh pass " Gontudo, nem todas as socidades da Buropa Ocidentaleram nis burgess. Gramsci distngsia dais tipos de sociedade. lipo hava pasado por uma evolugio soil completa edese- intiramiente suas conseqatncas em novos modos de produ- toca, Nese sentido, a Inglaterra ea Franca fram os ichegaram mais onge do que a maioria dos outros patses. O po era as socidades que por asim ier tinhamimporae 108 # Roneer W. Cox do, oulheshaviam sido impostos, aspectos de uma nova ordem crada no estrangeiro, sem que a antiga ordem tvesse sido substitu Esse segundo tipo entrou numa dialética de revolugio-restauragio que tendeu a ser bloqueada, pois nem as novas forcas nem as antigas pox deriam triunfar. Nessa sociedades, a nova burguesia industrial nig chegou & hegemonia, O impasse resultante com as classes sociais trac dicionalmente dominantes criou as condigBes do que Gramsci cha- mou de “revolugio passiva" a introdugio de mudangas que nao en- vvolveram nenhuma sublevagao de foreas populares.” De acordo com a analise gramsciana, um exemplo tipico de ‘evolugdo passiva é 0 cesarismo: um homem forte intervém para re- solver o impasse entre forgassocias equivalentes e opostas. Gramsci admitia a existéncia tanto de formas progessisas quanto reacionsrias de cesarismo: progressistas, quando o governo forte preside um pro- cesso mais ordenado de criacio de um novo Estado; reacionérias, ‘quando estabiliza o poder existente, Napoleio I foi um caso de cesa- rismo progressista, mas Napoledo IIo exemplo clissico de cesaris- mo reacionario~ era mais representativo do tipo com maior probabi- lidade de surgir no decorrer de uma revolugdo passiva. Aqui anise de Gramsci épraticamente idéntica& de Marx em O dezoitobrurdrio de Luis Bonaparte: a burguesia francesa, incapaz de governar direta :mente com seus pr6prios partidos politicos, contentou-se em desen- volver o capitalismo sob um regime politica que tinha sua base social no campesinato, classe social desarticulada e desorganizads, cujo re presentante virtual Bonaparte podiaalegar sr. Na italia do final do século XIX, a burguesia industrial do Nor- te,aclasse que mais tina a ganhar com a unificacao do pals, do esta~ vam condigbes de dominar a peninsula. A base para o novo Estado passou a ser uma alianga entre a burguesia industrial do Norte e 08 propritiros de terra do Sul~ uma alianga que também oferecia be neficios & pequena burguesia dependent (principalmente do Sul) "Gramsci tomou 0 termo “revolusio passa” emprestado do hisorador rnapolitano Vincenzo Cuoeco (1770-1823), que esteve em atiridade #0 primeirs estigios do Risorgimento, Segundo a interpretagio de Cuoco 08 ‘xtrciios de Napoledo levaram a revlusio passiva para 2 Tull (GraMscl, HEGEMONIA ERELAGOES INTERNACIONAIS. @ 109 os quadros da nova barocraca etl e dos novos part tcosetornou-se intermedia entre os virios grupos da po eoFsiao. A falta de qualquer participagi popular prolon ano movimento deunificastoexplica. er de revoliciopasiva"queteveo seu resultado, Nacsteirada {Guerra Muna ocupacio de ibricase tras por oper es mortrou a exstncia de wma fogasiientemen erivel para amas o Estado cxintente, mas no paradesalo Aconices entio 0 que Gramsci chamou de “deslocamento da Estado" rumo& pequena burguesia, nica clase presente popals, «que setornowa ancora do poder fascia. O fascism dade arevoiiopassiv,dfendendoaposgso das ant es propritiris, mas nto consguit apoio de grupos sal jos operrios ou os camponeses, m do cesarismo, a segunda caracteristica mais importante passive data Go que Gramsci cham de transform Plifcado na politica italiana por Giovanni Giolit, que fzer uma coaizo de interesses mais ampla possvle que ‘cena politica nos anos que precederam o fscismo. Por tle pretendia formar uma fente nica entre os opeiris Norte cos industiis por meio de uma politica prot O transformismo trabalhavapaa cooptarideres potenciais sociissublternos. Por extenso, 0 transformismo pode etratégia de asimilao edomesticagto de idéaspotencial goss, sjustando-s as politica dacoalizdo dominane ¢ forma, obsteuia formacio de uma oposigo organizada, nactasse, a0 poder social politico estabelecido,O fascism imldade so transformismo. Gramsci interpreto corpora Estado fascist como uma tetativamalograda de intodzir 5 das priticas industria mais avangadas do capitalismo nor ano sb aide da antiga administaseo Weonceto de evolu pasa & ma contrapartda do con hegemonia por descreveracondicao de wma sociedade nio 110 @ Rooter W. Cox hhegemdnica ~ uma sociedade na qual nenbuma classe dominante

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