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JOSE Sea ENCONTRO pile) 59 MUNDOS: epee is Get aleNsavsNiie) DLAs Colegao Cultura Africana ‘Meus Ordculos Divinos Agenor Marti José Beniste ORUN AIYE O Encontro de Dois Mundos Sistema de Relacionamento Nag6-Yoruba entre o Céu e a Terra BERTRAND BRASIL Copyright © Jose Beniste, 1997 Capa: projeto grafico de Leonardo Carvalho Composigio: Art Line 1997 3 Impresso no Brasil A Carol, esposa ¢ companheira de jornadas, Printed in Brazil por compreender minha dedicacdo aos estudos afro- brasileiros e incentivar a realizacao desta obra. CiP-Brasil. Catalogecdo-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livios, RJ ‘BAIS ‘Bente, Jose run, Alyé: o encontro de dois mundos: o sistema de relaclonamento nago-yorubé entre o céu ea Tetra José Beniste, ~ Rio de Janeto; Bertrand Brasil, 1997, 3369 Inclul bibliogeala ISBN 85-286-0614-7 1, Torubés ~ Retigito. 2. lorubés — Ritos e cerimo- iss. I, Titulo, IL Titulo: O sistema de relacionamento nage-yorubl entre o céu e ster, cop 299.6 97-0932 cD 299.6 ‘Todos os direitos reservados pela: BCD UNIAO DE EDITORAS S.A. Ay. Rio Branco, 99 — 202 andar — Centro 2040-004 — Rio de Janeiro ~ RJ ‘Tel.: (O21) 263-2082 Fax: (O21) 263-6112 Nao ¢ permitida a reprodueio total ou parcial desta obea, por {qualsquer meios, sem a prévia autorizagao por escrito da Editora, ‘Atendemos pelo Reembolso Postal, Sumario OBSERVAGOES INICIAIS 11 A Lingua Yoruba 11 Canticos ¢ Rezas 15 Autores Bibliografados 16 APRESENTAGAO 19 O Sistema de Crenga 19 Corpo das Tradig6es Orais 20 A lyatorga Cantu de $a i fe $ing6 Aira Told, iniciada no Age Afgojd por Eugenia Anna dos Santos — Qba Bit, ext pee 1 PARTE — DEUS — O PODER SUPREMO 25 junho de 1936, Atributos do Ser Supremo 29 Culto e Veneragao ao Ser Supremo 37 Conclusio 39 Notas 41 JOSE BENISTE 2? PARTE — UNIVERSO E SUA EXISTENCIA 47 Formagao da Terra — Osaala 50 Formacao da Terra — Odadawa 53 Conelusto 62 Notas 63 3* PARTE — Os Orisa — CLASSIFICACOES 75 Os Origa —O Nome 80 Os Origa — Numero e Fragmentos 84 Ayéldla 89 Origa — Multiplicidade 93 Ordnmila 95 © Nome e sua Origem 98 Rituais a Ita 106 Finalidade da Predicio 108 O Jogo de Bazios 109 Os Oda no Jogo de Bazios ul Os Oda no Jogo de It 112 Distribuigdo dos Caminhos entre os Oda do Jogo de Bazios 113 Os Origa no Jogo de Bazios 113 Conclusio 114 Notas 116 4" PARTE ~ © HoMeM # as DiviNDaDEs 121 © Corpo Humano e seus Elementos. 124 © Conceito de Ort 128 Ot Ode © Ort Ina 129 Ajala e a Criacao do Ort 133 Orfeo Destino 135 Ort e Origa 137 Orfeo seu Culto 142 Descri¢do de um Ritual de Bost 148 8 ORUN AYE As Possiveis Alteragées do Destino 162 Os Valores Eticos e Morais da Religiio 170 Notas 181 5 PARTE — ANCESTRAIS E ANTEPASSADOS 187 Crengas e Ritos 189 Ik — A Morte 191 Isink — Ritos Funerarios 195 1d4j6 Ti Qlgrun — O Julgamento Divino 200 Atanwa — Reencarnagto 203 Egdngdn e Esa ~ Espiritos Ancestrais 205 Notas 207 6! PARTE — Os ELEMENTOS DO CULTO 209 Ord — Ritual 212 Adara — A Prece 216 Orin ati Ij6 — Canticos e Danga 218 Awon Orin Agbo Sango — Canticos da Roda de Sango 225 Ipd ati Oye — Cargos e Titulos 230 Olort Ebf ~ O Chefe da Famflia 231 Aword — O Sacerdote 232 Elegon — O Médium 233 Idile Origa — A Familia-de-Santo 236 Awon ipd Origa — Cargos de Santo 238 Notas 246 7° PARTE — ILE Ase / OJOBO ~ 0S LOCAIS DE CULTO 249 Tendéncias que os Orisa Impdem as Pessoas 259 Perfil das Pessoas — Tendéncias e Temperamentos que os Orisa oferecem 263 Igb@rg = Iniciagio 268 Religito © Magia ~ © Age 276 9 JOSE BENISTE Ebo ~ Sacrificio e Oferendas 280 io de Agradecimento 280 Ebo Eig — Sacrificio Votivo 281 Ebo Etata — Sacriffcio de Apaziguamento 281 Ebo Qp¢ — Sac Ebo Ojakortbi — Sa Secas "284 Ebo Bje — Sacrificio com Sangue Animal 286 Oro Pipa Orisa — Ritual de Sacrificio Ipadé — Ritual do Encontro 293 won Orin Ord Ipadé — Seqiiencia dos Canticos do Ipadé 297 Os Elementos dos Ritos e Materiais Simb6licos 305 inn — Sacrificio de Substituicao 282 9 Ipile — Sactiticio de Fundacao 283 Ebo Onje Gbigbe — Oferendas de Comidas Adie — A Galinha 306 Eiyelé — © Pombo 307 Eja— 0 Peixe 309 Igbin — O Caramujo 310 Obi — Noz de Cola 310 Epo Pupa — Azeite-de-dendé 311 Ewé — Folhas 312 Sasanyin — © Cantico das Folhas 312 Notas 315 8% PARTE — CONCLUSOES FINAIS 319 Escritores e Escritos 322 Os Ancestrais Afro-brasileios 324 Os Problemas Atuais para o Futuro do Candomblé 327 Notas 330 Recomendacao de Leitura dos Autores Consultados 333 10 Observagées Iniciais A Lingua Yoruba Este livro adota as palavras yorubas da forma co- mo se escrevem e devem set pronunciadas. Para me- Ihor entendimento e boa leitura dos textos em yorubé, damos abaixo algumas regras e recomendagoes. SISTEMA TONAL — E marcado por acentos em cima das vogais, que servem para dar o tom certo as palavras. Acento agudo — — indica uma entonagao alta. ‘Acento grave — indica uma queda de voz. ‘Sem acento — indica um tom médio ou voz normal. 1 JOSE BENISTE Nos antigos textos, o til (*) era usado para indicar uma vogal longa. Foi abolido por revelar apenas o alon- ‘gamento da vogal, omitindo o tom da prontncia. wa — vir 16— pensar ok — enxada wa —nossolal ro—pingar ko — marido wa—existir rd—soar gk — carro Letras que se utilizam de um ponto embaixo: Q, Ee $. © sinal embaixo das vogais Q eB dé um som aberto. Sem ele, 0 som sera fechado, O $'adquire o som de X ou CH; sem 0 ponto tera o som original de S, ALFABETO — E composto de 25 letras, assim pronun- ciadas; A-a F -fi J —dji O-6 § —xi B-bi G —gui K-ki Q-6 T—ti D-di GB-gbi L— P—kpi U—u E-ée H —-hi M—-mi R-ni W-ui E-é€ I -i N-=ni S-si Yi Nao sdo usadas as letras: CQX ZV. VOGAIS Vocals PURAS — AEEIOOU Vocals Nasals ~ AN EN IN ON UN As vogais nasais se utilizam da letra N para dar um som nasal, sendo assim, ela deve ser entendida, 12 QRUN AYE neste caso, ndo como uma consoante, mas como sim- bolo do som nasal. A prontincia de AN e ON € quase igual (ON). Melhor dizendo, certas palavras so escritas com a vo- gal nasal AN, mas cuja prontincia ¢ QN. Essa observa~ do torna-se necessdria em vista de o autor do Dis- tionary of Modern Yoruba, R, C. Abraham, ter adotado © sistema de escrever todas as vogais nasais AN com 0 som de ON, por ser esse 0 som com que elas sio pro- nunciadas. Com isso, o autor praticamente elimina do contexto a vogal nasal AN, por ter considerado confu- sa essa identificacdo de sons idénticos, mas com grafias diferentes conforme declara a pag. VI, item 1. Essa medida nao deslustra seu excelente trabalho, porém contraria todos os textos yorub’ dos autores que, por sinal, no seguiram a sua ortografia nas publicagdes posteriores 4 primeira edigdo de seu dicionirio, em 1946, Portanto, preferimos seguir a forma tradicional de toda a literatura yoruba, que obedece a seguinte re- gra: ON — 6 usada depois das consoantes B, F, GB, M, P, e W; e AN — depois das demais consoantes. Ex.: Sango em vez de $ongo; Itan em vez de Itgn, Aridan em vez de Aridgn., Este esclarecimento torna-se necessario a fim de se evitar precipitagdes na aceitaclo de teses e idéias pessoais como verdades absolutas, promovendo duvi- das e confusses, Observagdo sobre as vogais nasais — Nas palavras terminadas com vogal nasal, antecedidas por M ou N, suprime-se o N da vogal nasal, permanecendo, porém, © som nasal. Ex,: Ona, Ind, mo, Im@ devem ser lidas como se existisse um N na sua silaba final. Essa regra 13 JOSE BENISTE também néo foi observada no dicionario anteriormente citado, PRONUNCIA DAS LETRAS YORUBA — Todas as le- tras possuem um som proprio e tnico, ABFILMTU —Sio aproximadamente parecidas em Prondncia com 0 nosso idioma. E—leia comoem EMA —§ ~ leia como em LIXO E —leia como ELA N ~ Ieia como em NOVO ia como em CASA R — Ieia como em ARISCO ia como em OVO J — Ieia como em DJALMA Q —Ieia como em BOLA W — tem o som de U S— lela como em SALAH — tem o som aspirado GB — possui um som particular e tem de ser pronun- ciada com as duas letras juntas e ndo separadas, G —Ieia como em GUERRA. Nunca deve ser pro- nunciada com 0 som de J. R_ —nunca tem o som de RR como em CARROCA. P_ — tem o som de KP e deve ser lido junto. Y tem o som de I ligeiramente longo. A letra N, quando seguida de uma vogal, tem o som normal. Colocada como prefixo de um verbo, for- ma o tempo gerdndio, indicando uma aco que esta sendo realizada: le F§—querer Nig — querendo Nig — indo (leia sin ip) ia tin fe) SUBSTANTIVO — seguido de um possessivo tem a sua vogal final pronunciada de forma alongad: Ex.: lyé mi — Minha mie (Leia: Iyaa mi) 14 QRUN AlYE NoTAs: et pronunciadas, 41. Nao existem letras mudas: todas devem ser p Durante a leitura, acentuar todas as palavras na wltima sflaba, res- peitando os tons alto, médio e baixo. 2, Todas as palavas teminam em vogal, pura ou nasal 3. Todo verbo comesa com uma conspante. 4, Em alguns cAnticos, colocamos a letra N entre parénteses no final de algumas palavras, para lembrar sua condigio de som nasal, conforme regra explicada. senta um advérbio 5. A letra Q, no final de uma frase, represent: sobre 0 assunto. Em outros casos, & a repeti- 1 de um verbo que a antecede, para formar pro- nome rellexivo da 3? pessoa do singular: Ex.: Mo md § — Eu 0 conhero (ele). 6, Em alguns casos, quando ocorre uma elisio, a palavra pode ter a sua vogal detdobrada. Essa regea¢ seguida por alguns autores, mas outros nto procedem assim, sem que com iso se per ca o sentido da palavra: Ex. Qloeun = Qigorun Osala = Qyadla, KG aby — Kiabp Canticos e Rezas Alguns textos dos canticos e rezas nao foram tra- duzidos devido a dificuldade e incerteza do reconheci- mento das verdadeiras palavras que os compdem, 0 15 JOSE BENISTE que nos impediu de traduzi-los, Por essa razio, utiliza- mos expresses que mais se aproximassem do yoruba, sem modificar 0 seu contetido, reservando-nos o drei. to de nao traduzilas, a fim de néo incorrermos em €tt0s que pudessem prejudicar o sentido. Ha pessoas que, no afa de traduzir, mudam as pa- lavras yoruba por outras, segundo suas concepgées pes- soais, visando facilitar a tradugdo, Assim procedendo, o verdadeiro sentido € modificado e 0 cantico fica de tal forma alterado que a tradugdo n4o guarda qualquer Telagdo com o que esta sendo feito no ritual, naquele determinado momento, Além disso, a tradugdo assim feita se torna dificil de ser cantada, por ndo ficar em harmonia com a misica, E necessério haver critério e muito cuidado Para Serem preservadas as tradicoes que nos foram legadas, No dizer de Ulli Beier: “Cada palavra yorubé pode re. Presentar uma verdadeira frase contrafda através de uma série de clisées e contra¢oes, Na tentativa de re- construir a frase original, as pessoas chegam a varios significados", Autores Bibliografados Varios textos dos autores consultados foram aqui Feproduzidos pela qualidade da pesquisa e competen- ia desses estudiosos, Alguns poemas transcritos foram adaptados, evi- tando-se, assim, repetigées desnecessarias, mas sem com- Prometer o sentido a que se desejou chegar, 16 QRUN AlvE ‘OBS.: Apenas para efeito de simplificagao, men- cionamos o dirigente do Candomblé no género femini- no — iydlériga. : Por possuir diferentes denominagdes, adotamos os nomes Olédimaré ou Olgrum para o Ser Supremo dos yoruba. Apresentagao O Sistema de Crenga Tomando para modelo de estudo 0 grupo nagé- yoruba, aqui no Brasil representado devidamente pelos ‘Candomblés Ketu, podemos dizer que o elemento cen- tral de sua vida é a religiao. Em todas as coi sio religiosos. Apesar de todos os problemas, quem esta no controle da situagdo, durante nas to, vida e morte”. A religido participa tanto da vida de- les, que ela se expressa por si s6 em varios sentidos: constitui o tema de cAnticos, acha veiculos em mitos provérbios que sio a base de sua filosofia de vida. Como nao havia nenhuma forma de documento escrito no passado, tudo que foi preservado sobre suas divindades chegou até nés por palavras faladas, que passaram de gerago a geracio, constituindo-se 0 que 19 JOSE BENISTE Se costumou chamar de TRADICAO ORAL. E isso remon- ta ao continente africano, Essas tradigées séo os nos- 808 Gnicos meios de se saber qualquer coisa de sua teogonia e cosmogonia, o que eles pensam e no que acteditam acerca das relages entre 0 CEU e a TERRA (QRUN ~ AIvE). Corpo das Tradigdes Orais No campo dos estudos afro-brasileiros, ha sempre a tendencia de se fazer com que uma pesquisa seja ajustada a uma teoria preconcebida, Hé ainda a ten- déncia de se supor alguma coisa como verdade sem ter sido feita uma investigacdo adequada. E isso diz. respei- to aqueles que estudam os costumes e a ciéncia de Povos que vivem em mundos de idéias e crencas dife- tentes daquele em que foram educados, O mesmo ocor- re com © que se chama de “parte de dentro de um Candomble”. Para entendé-la € necessdrio it a esse po- vo, encontra-lo, vé-lo como realmente 6; entrar solida- riamente em seus sentidos para saber 0 que pensa, ¢ ao 0 que achamos que esse povo deveria pensar e crer. Observemos alguns detalhes sobre os varios cle- Mentos que, em resumo, i- menos qu formam 0 Corpo das Tradi 12 — ODU — Signos de Ifa 2° —ILANA ISIN — Liturgia 3° — ORIN — Canticos 42 — 8DE — Linguagem 5° — OWE — Provérbios 20 QRUN AIYE ODU (Signos de Ifa) representam o corpo de rela- tos conectados ao culto de uma divindade denominada Qranmila, que tem um capitulo especial nesta obra. Eles estdo tidos como forma de respostas concedi- das pelo ordculo, com o Babéléwo constituindo, de mo- do sistematico, a filosofia religiosa do povo yoruba. Ca- da Oda possui um nome e catacteristicas proprias. Divi- de-se em “caminhos” denominados Ese onde esta atado um sem-ndmero de mitos conhecidos como ITAN IFA. Os mitos séo extraordinariamente importantes no estudo dos Orisa. As historias oscilam entre o simples esclarecimento de ocorréncias comuns relativas ao fato da existéncia humana, até respostas a sérios enigmas, ‘como aqueles que envolvem os fendmenos da existén- cia humana em todas as suas fases — perguntas sobre as divindades, 0 porqué do mundo invisivel no qual 0 homem se sente envolvido e cujas regras 0 encami- nham ou molestam, Dessa forma, os mitos servem a miltiplos propésitos, basta saber interpreta-los de for- ma correta, ILANA ISIN (Liturgia) é 0 meio de comunicacao. dos praticantes com seus objetos de adoragao. Cons- titui-se de simbolos e ritos agrupados num cerimonial e conduzidos pelos diferentes sacerdotes que compdem a hierarquia religiosa: GRUPO KETU-NAGO — — babdlorisa / iyalorisa GRUPO CONGO-ANGOLA — tata bia nkise / mametu bia nkise GRUPO JEJE — dong / mejita / gaiyaku 21 - JOSE BENISTE Literalmente, a liturgia é entendida como Ilana Isin — Regras do Culto, ¢ esta apoiada em solo racional e Seguro, pela maneira quase que impassivel como foi Preservada através de geragdes. Isto se deve a sua invio- labilidade ¢ a convicg4o de que a eficacia do culto de- pende da exatidao de sua conduta, No culto dos Can- domblés, nao ha nada do tipo “faga como vocé quiser”, Ha sempre consciéncia da necessidade de se cumprir a tarefa com atencao e energia de comando. A crenca na existéncia de forcas que controlam os fendmenos da natureza na possibilidade de se estabelecer um conta- to com essas forcas assim o exige, Em todo © processo litirgico h4 sempre trés ele- mentos a serem destacados: a) Palavras, cAnticos e rezas (adiira) a serem profe- tidos segundo uma ordem rigida; b) Atos e agdes, até o oferecimento de sac oferendas (ribo); ios e ©) Participacdo do agente realizado de todas as tarefas, distribuido entre todas as hierarquias religiosas da comunidade, ORIN (Canticos) revelam o pensamento doutrina- tio ¢€ filosstico; séo narrativas contando histérias de seus antepassados e a exaltacao de suas divindades, In- clui lendas e epopéias reduzidas a forma poética com caracteristicas informativas e muito signiticativas para a invocagio e a manifestagdo de suas divindades, A milsica esta ligada a danga para definir formas, 22 QRUN AlvE dependendo da divindade, Nao sio meras respostas emocionais ao ritmo; todos os gestos possuem sigi cado profundo com aquilo que se deseja conse tamos, como exemplo, 0 cantico que lembra a vor do Orisa Osun, expressa no movimento das aguas — as Aguas correm calmas nos lugares préximos, e rdpidas nos lugares profundos: Habitualmente ela vem rapido Mie, venha depressa Mae das aguas calmas e das aguas profundas Venha Mae, venha depressa. EDE (linguagem) ¢ sempre no idioma original, co- mo forma de impedir interferencias nas tradigdes. Nos Candomblés, usa-se a expressio “Iingua-de-santo orisa), e foi esta a maneira que impediu influencias sin- créticas de outras religiées em seus ritos. Devemos es- clarecer que muitas palavras possuem dificil traducdo por ndo encontrarmos expressées similares em nossa lingua, que identifiquem a idéia original proposta. Nes- te nosso trabalho, alguns textos nao foram traduzidos por esse motivo, e outros o foram de forma aproxima- da, como resultado da interpretacao do texto integral. Por ailtimo, OWE (Provérbios) sao as joias da lin- guagem yoruba — transmitem profundos significados serio constantemente citados de forma a permitir en- tender 0 comportamento ¢ a pratica rituais. Em outros casos, so os adagios que dao sentido de disciplina e exemplos de vida. 23 JOSE BENISTE Alguns refletem os costumes, ideologias e opi- nides do povo: 1 — Bro ba rf oki o s'ika n’ bi 0 ba ost td a ika wa di mg, Se vir © corpo de um perverso e chuté-lo, serdo dois os perversos. 2 — Elede npafp, 0 ni oun nge oge, © porco se suja na lama, mas ele diz que esta tentando ser elegante, 3 — Ika ko dggba. Os dedos nao so iguais, Em nossos estudos, iremos dedicar atengao mais detalhada a esse Corpo das Tradigoes Orais, a fim de que clas possam revelar um entendimento mais claro sobre 0 que se professa ¢ suas razées. O conceito yoru- ba de religido forma a fundacdo e todo 0 principio da vida desse povo, Tentou-se passat isso para seus des- cendentes brasileiros, por intermédio dos homens ¢ mulheres para ca trazidos pela escravido. Foram os organizadores das primeiras sociedades que deram ori- gem a0 que hoje é denominado Candomblé no Brasil. Embora existam ramos diferentes de uma mesma mas- sa original yorubé no Brasil — kétu, nago, ijésa, efn — todos so ligados uns aos outros, como facetas de uma doutrina central, E nisso que o nosso trabalho se baseia. 24 1? PARTE h Deus — O Poder Supremo © conceito de Deus segue a seguinte linha de pensamento: ‘Deus é Um, nao muitos; a Terra ¢ toda a sua plenitude pertencem a este Gnico Deus; é 0 cria~ dor do universo; abaixo Dele esta a hierarquia Orisa, os quais recebem a incumbéncia de di os seres humanos, administrar os varios setores da natureza, servindo de intermedirios entre os hu- manos e Ele, Entre 0 povo yoruba, os antroponimos séo muito significativos, Todo nome possui caracteristicas pro- prias. A ninguém é dado um nome sem que haja razao para isso, ¢ todos eles, invariavelmente, exprimem al- guma historia — relacionada com acontecimentos, atri- butos, cardter e personalidade. Os nomes dados ao Ser Supremo estio relacionados em seguida: 7 JOSE BENISTE QLORUN — £ o mais comumente usado na linguagem Popular e que ganhou seu valor predominante em con- Seqiténcia do impacto cristio ¢ muculmano sobre 0 Pensamento yoruba. E composto do prefixo OL (OND, indicando posse ou comando, e RUN, céu, firmamen- to. Algumas oragées exclamat6rias revelam esse pensa- mento: Bf Qlprun ba fé — Se Deus quiser; A diipé l'gws Qlgrun — Nos agradecemos a Deus. OLODUMARE — Este nome nao € de facil interpreta- 40 como o anterior. Isso se dé porque Olédimare é um antigo © Gnico nome cuja etimologia tem sido assunto de muitas suposigdes e debates. Consideramos que o mais certo & saber qual a idéia que o nome co- nota ao ser pronunciado, © nome € composto de duas palavras ¢ um prefi- X0, desta forma: OL-ODU-MARE, OL — uma outra for- ma de ONI, prefixo indicativo de posse ou comando. ODU — possui diversos significados. Pode ser Oda, po- der; como adjetivo possui ido de tudo aquilo que “é muito grande, muito extenso", Pode ser, ainda, a denominacao dos signos de Ifa e identificado com o destino individual de cada ser humano. Assim, OLODU indicaria alguém supremo, possuidor do cetro da auto- Tidade com excelentes atributos de periei¢ao e autori- dade, além de detentor do poder sobre os destinos, MARE — pode ser a contracdo de duas palavras, indi- cando algo que permanece estavel, ndo se move ou desvia, € imutavel. A exptessio OLODUMARE pode ser interpretada co- mo a Divindade que possui qualidades superiores, per- teitas, imutaveis, permanentes, dignas de confianca. De- tentor do poder tinico que nao pode ter similar, 28 QRUN AIvs Os dois nomes, algumas vezes, sio tomados jun- tos em exclamagées: L’6ju Olédamaré! Lioju Qlgrun (na presenga de Olédamaré, na presenca de Qlgrun) para expressar intensa emogio ou um apelo urgente, Outras expressdes exclamat6rias sio empregadas para reverenciar a Deus de acordo com seus atributos: ELEDA — Senbor da Criagdo — Exalta a responsal de por toda a criagdo, e Ele existe por Si mesmo. ALAYE — Senbor da Vida ~ Lembra a condigao de eter- nidade e poder sobre a vida. Em outras palavras, 0 Ser Supremo nunca morre; conforme 0 dito popular: A ki {gb6 ik Olédamaré (Nunca ouvimos falar acerca da morte de Olédamaré). ELEMI — Senbor do EMI — O que dé o poder da respi- ragdo e a tira quando julgar necessario. Daf, no plane- jamento do futuro, costuma-se juntar a seguinte decla- Tago no condicional: Bi Elgmit kd ba gba d... (Se 0 Se- nhor da Vida ndo a tirar...) QLOJO ONT — Senbor do Dia de Hoje — Signitica que Deus esta presente em todos os acontecimentos diarios. Atributos do Ser Supremo Através do significado etimolégico dos nomes, verificamos 0 que os yoruba pensam quando pronun- ciam 0 nome do Ser Supremo, Contudo, existem ou- tras fontes que dao ampla confirmacao daquilo que 29 JOSE BENISTE apresentamos através do estudo do nome, entre elas, a de que a Divindade nao esta distante da vida cotidiana do homem. Os yordba utilizam pouco 0 pensamento abstrato, Olédamare é visto como um personagem ve- neravel © majestoso, Ele fala, Ele comanda, Ele age. Ele domina. Ele julga. Ele faz tudo que uma pessoa de grande autoridade faz quando esta no controle de uma situacdo. E isso 0 que veremos ao examinarmos os de- talhes de Seus atributos. Criador que existe — os Origa e todas as for- mas de espititos, todos os seres viventes, eo trabalho de criagao da terra — deve sua origem a Olédamaré, Por essa capacidade Ele é conhecido como Elgda, o Criador. Por ser 0 Doador da vida, € chamado de Elé- mi. Quando foi necesséria a agua para a fertilizagao da terra, foi a Ele que Origa nla apetou. Dai a expressio Olgrun Qba ni won fon efi imgrg-iors (lgrun € o Rei que espalha chuva em fluxo regular). E © autor do dia € da noite, For essa razio, Ele é conhecido como Olgig ont (O Senhor deste dia), fee Os mitos revelam a forma de criagdo do Universo © a determinacao de que os Orisa seriam Seus mensa- jo na expresso [sé Olorun tobi (As obras de Qlgrun sio grandes) 30 QRUN AIYE a de Deus, os yoruba veer Olddimaré como um Rei com majestade Gnica ¢ incomparavel. Sua habitagio € 0 céu, ¢, por isso, é chamado Qba run (O Rei do céu). Sua supremacia sobre as regras terrenas 6 provada no dito Bi Qba ayé ko 9 ti dk2 nwo 9 (Se um rei terreno nao ve voce, Aquele que est4 em cima o vé). Sua determinagdo nunca € inva- lidada. Assim, Ele é chamado Qba ti dandan rf Ki $2" (O Rei cuja ordem nunca é invalidadal. Juiz Olodamaré, como o Criador de todas as coisas dos seres humanos, é também o juiz de todos. Os atos dos homens e das divindades ndo escapam a sua aten- cdo e julgamento. Referem-se a Ele como Qba a dake da'jg (O Rei que se senta em siléncio ¢ aplica a justi- ca). Por exemplo, certa vez Ordnmila foi perante Ol6- damaré sendo acusado por todos os Origa. Os mitos revelam Olodamaré sentado num julgamento com as divindades queixosas relatando o caso. Orinmila se de- fendeu, Ol6damaré ouviu ambos os lados; e entéo deu © veredicto inocentando Qrdnmila. © trabalho e as pessoas de cada divindade, as acoes humanas e ofensas rituais esto sob inspecao re- gular; de tempos em tempos, relatos sfo feitos a Ele, Para este fim, Est € designado para inspecao geral da conduta de todos. 31 JOSE BENISTE O julgamento do carater do homem esta em Suas mos, a partir do momento em que tudo vé ¢ tudo sabe, As conseqiténcias pelas boas ou més agdes si- tuam o julgamento em dois niveis: aqui na Terra — AIYE —, ¢ no além — ORUN ASALO. Onipotente Ele é Aquele a quem nada € imposstvel. E descri- to como Qba a s? kan md ka (O Rei cujas obras sao fei- tas com perfeigdo). E a idéia de que quando Ele san- ciona alguma coisa, esta ¢ feita com perfeicéo, Existe, portanto, um outro dito: A din fgebf obun tf Olédamare Igw9 st, a s0r0 f3e bi obun tt Olédamare kd I6w6 si (Facil de fazer desde que receba a aprovagéo de Olodamare; dificil de fazer desde que Olodumaré nao aprove), Isto sugere que uma coisa é facilmente feita ou alcancada, uma ora¢ao é facilmente atendida ou um sucesso con- seguido, quando é aprovado por Olédamaré. A expres- so Ase tem exatamente o sentido de sensibilizar o Ser Supremo e sancionar os pedidos para se obter a Sua aprovagao. E © Deus Todo-Poderoso — Qlérun Aldgba- ra. E aquele que poe ¢ dispée conforme Seu desejo — Alewilase, Na sua compreensao da onipotencia de Olodama- Te, 08 yoruba dizem Aisan 6 din imo, a kd rh tf Ol6%6 se {A doenga pode ser curada, mas a morte no pode ser modificada), Esta declaragdo lembra que Olédamaré tem predeterminado tudo 0 que vai acontecer a todas 32 QRUN AIYE as pessoas a cada momento da vida, aqui na terra, in- clusive quando vai morrer. Ql6jé Ont (O Senhor dos acontecimentos diérios) € um de seus titulos. Se uma pessoa esti doente, pode ser curada com facilidade se a hora de sua morte nao tiver chegado. Mas se a hora da morte ja tiver sido determinada, nada poderd alte- réla, Isso s6 vem realcar a Sua onipoténcia. Imortal © Ser Supremo € chamado de Aldye (O Senhor da Vida) porque Ele é sempre eterno, A imortalidade é um atributo que sobressai da Divindade. Isto é enfatizado de todas as formas possiveis nos mitos, nas misicas e expressbes diversas. Oyigivigt ota atlit (A Poderosa Pe- dra Imutavel que Nunca Morre). & um t das idéias de Sua grandiosidade, Sua estal : eternidade, A figura usada € a de uma montanha muito extensa de pedra dura e que ndo pode ser medida e ja- mais removida; onde ela esta, lé ficard para sempre. Uma cangéo popular diz, A ki {gbg ik Olédiimare (Nun- ca se ouviu falar da morte de Olédamaré), Pelo menos, existem dois relatos do Oda Ogbé Yel que falam sobre 0 assunto e utilizam a Sua figu- fa para um conceito maior sobre a antiguidade e imor- talidade de Olodamaré: Korojo, Awo Aja-Ie L6 a'ja fan Ol6damare, To 59 wipe nwgn 0 ni 33

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