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| APUSTILA BECNOTICA DA ATE PROF. DR. MAREOS CATRR GO 4 UNIDADE 1: Os sentidos e os signos + Aslinguagens e os sentides J& que é impossivel enfiar um objeto em nossa cabega ou carregar conosco tudo aquilo sobre 0 que desejamos mencionar, se fez necesséria a criago de representacées dos objetos em nossa mente, assim como na mente dos nossos interagentes. Para dizet a seu grupo de cagadores e coletores sobre a existéncia de drvores frutiferas a leste de seu acampamento, o homem primitivo nao tinha como trazer a rvore consigo, as vezes também nao podia sequer trazer o fruto, de modo a indicar sua existéncia perto dali. Era preciso criar um sinal, em relagao ao qual, todos concordassem representar 0 fruto em questao. Em sua criatividade, os seres humanos usaram sinais na forma de gestos, desenhos, pinturas sobre as rochas ¢ a expressao de sons orais para representar as coisas do mundo. Com o tempo, os grunhidos primitivos foram ganhando uma articulagao melhor, A medida que seu vocabulirio se expandia. E bem provavel que o surgimento dos substantivos (nomes) tenha ocorrido em primeiro lugar. Era preciso nomear as coisas do mundo, para destacd-las do continuum amorfo e incorpord-las na meméria dos primeiros humanos. Apés um longo processo de lenta aquisicfio de vocabulério e de sua gramaticalizaco, a linguagem verbal tomou-se muito mais importante para a comunica¢ao humana, do que as pinturas ¢ esculturas — que passaram a desempenhar seu papel em outros nichos da cultura, tais como na arte, no mito e na religiio primitiva. Os gestos, por sua vez, foram convocados para auxiliar a fixagao do sentido das palavras, assim como também para a danga e outras manifestagdes cinestésicas. De modo que nfo é dificil entrever 0 fato de que a mente humana, de maneira fécil e eficientemente, passou a representar 0 mundo por meio das palavras. Mais do que isso, comegou a pensar 0 mundo por meio das palavras. “[A] linguagem é€ simultaneamente 0 Gnico modo de ser do pensamento, a sua realidade e a sua realizago”. (KRISTEVA, 1999, p.17) Aqui, € preciso clarear uma curiosidade conceitual que causa, por vezes, alguma confusao e, certamente, muita discussao. Os lingitistas, em sua maioria, chamam a linguagem verbal de, simplesmente, “linguagem”. Os semioticistas, que estudam todos 08 tipos de linguagens, distinguem a linguagem verbal das demais, o que os leva a falar 5 em “linguagens”. Essa confusio aumenta quando se envolvem estudos dessas dreas no idioma inglés, para o qual “lingua” ¢ “linguagem” misturam-se no mesmo termo language. Desse modo, algumas afirmagées tais como “a linguagem é a inica forma do Pensamento”, quer dizer, certamente, que “as” “linguagens” formatam nosso pensamento, € nao apenas a linguagem verbal. As linguagens, como foi mencionado, tornam reais para nés néo apenas 0 pensamento, mas também os sentimentos e sensagdes. Ou seja, nossos repertérios simbélicos nao sio formados com as coisas do mundo, com a realidade material do mundo, ou com fragmentos do real. Nossas linguagens sao representag6es simbélicas do mundo real em nossa mente, 0 que revela uma grande diferenga entre aquilo Fig. 1 0S CINCO SENTIDOS que julgamos ser 0 mundo e 0 mundo propriamente existente. Desse modo, irredutivelmente, existem dois mundos. O mundo dos signos e 0 mundo real. E para que nés possamos sobreviver no/ao mundo real faz-se necessario relacionar um com o outro, com 0 auxflio dos nossos sentidos fisicos. (Fig. 1) Este é 0 papel das linguagens. Portanto, a fungao das linguagens é produzir pensamentos e representagées signicas para comunic4-los ao mundo. “Se a linguagem ¢ a matéria do pensamento, € também o préprio elemento da comunicacao social. Nao hé sociedade sem linguagem, tal como no hd sociedade sem comunicagio”. (KRISTEVA, 1999, p. 18) O corpo humano pertence ao mundo real, enquanto que o pensamento humano pertence ao mundo simbélico, composto pelas linguagens. O conflito comunicativo (rufdo) entre esses dois mundos cresce na medida em que nos tormamos mais conscientes de nés mesmos e quando outros seres humanos (outros corpos e outros pensamentos) se aproximam para formar uma comunidade. Por isso, a fungao social das linguagens torna-se evidente. E preciso que haja o compartilhamento das linguagens e das representagdes simbélicas, de modo que seja possivel manter a coeso social de uma comunidade. Logo, nao € dificil verificar que a sociedade também € constituida pelas linguagens. * Oque é signo Para se ter um rudimento qualquer de linguagem, se faz necess4rio um conjunto de sinais (signos) compartilhados por um grupo social, seja de vegetais, animais ou de seres humanos. Portanto, quando um sinal é reconhecido, e passa a ter algum significado numa relago de troca de informagSes, nés o denominamos “signo”, porque ele significa alguma coisa ou idéia. (Fig. 2) Para se poder falar do mundo e falar dos sentimentos em relagio ao mundo, Pprecisamos estabelecer um conjunto de signos em comum com a gossa comunidade, de modo que toda vez que precisarmos dizer algo a respeito da chuva, por exemplo, Fig. 2 0 QUEE SIGNO exista um signo verbal “chuva”, criado por cinco letras de um alfabeto reconhecido, de maneira que ao ver ou ouvir essa palavra, todos de minha comunidade fus6fona possam entender que desejo dizer algo sobre aquele fendmeno natural + que —oconre. intermitentemente, fazendo descer Agua do céu sobre a terra, Os signos nao sao apenas verbais; ha signos para qualquer dos sentidos humanos, que podem ser partilhados por outros sentidos ao mesmo tempo ou de modos ~ diferentes. Entretanto, os primeiros signos estudados desde a antiguidade classica foram os verbais, por conta de sua imensa capacidade de representagao. Ou seja, os signos verbais sdo articulagdes fonolégicas que se combinam de variadissimas formas permitindo a criagéio de milhdes de palavras, que podem designar as coisas do mundo. Sua plasticidade é a garantia de que se pode cobrir grande parte das significagdes que 0 ser humano precisa para relacionar-se consigo mesmo e com o mundo em sua volta. Muitos pensadores e pesquisadores ao longo da historia refletiram sobre a natureza dos signos. Eles criaram varios modelos de atuagao dos signos, baseados na ago do signo verbal, muitos dos quais em uso até hoje. Platio (427 - 347), por exemplo, concebia o signo verbal considerando trés componentes: 0 nome (ndmos), a idéia (logos) ¢ a coisa (pragma) a qual o signo se refere. (NOTH, 2003, p. 45) Esta concepgao platénica, adotada por Charles S. Peirce, permite visualizar nao apenas 0 7 signo, mas uma relagdo signica. (Fig 3) Isto é, a implicagiio de trés elementos (objeto, Signo e intérprete) na formacao de um composto que resulta em sua significacao. Ou seja, © signo nao age sozinho; isolado de sua relagdo com o ser humano (leitor desse signo) ele ndo produz significag4o ou sentido. Portanto, desde os tempos platdnicos jé se compreendia que nao hé signos auténomos, mas uma relacao Fig. 9 0 SIGNO DE PEIRCE signica em que est4o envolvidos 0 leitor, . . "0 Signe Interpretante & um efetto © objeto que se pretende ler ¢ o signo Sa auendo pel Signa sntrno, aut que permite a leitura desse objeto. Ssueeso Pole ORs Charles S. Peirce, em uma de suas varias definigdes de signo, assevera que © “signo € algo que estabelece a mediaco entre a coisa que € capaz de ser conhecida ¢ 0 conhecimento que é posstvel se obter dessa coisa”. ‘Um signo representa uma coisa ou idéia para aquele que consegue lé-lo (Fig. 4). ‘Um signo também indica a existéncia de algo fisico, mental ou afetivo. Um signo pode ser algo que se assemelha Aquilo que ele est4 representando. Um signo precisa ser um elemento. fisicamente detectavel, porque se n&o for, nossos sentides nao podem percebé-lo de modo a utilizar-se dele para significar as coisas e os pensamentos. Além das palavras, quase tudo pode se tomar signo. Uma nuvem escura no horizonte é signo de chuva préxima; o rastro de um animal na floresta € signo de sua Presenga; um som proveniente da porta (toque, toque, toque!) € um signo de alguém querendo ser atendido. Uma dor € um signo de que algo est4 errado com 0 corpo; 0 desenho de uma casa € 0 signo da casa; um aroma € 0 signo que identifica a presenca de uma flor; 0 adocicado e 0 salgado sao signos da presenca de acticar e de sal; enfim, apesar de ter um corpo que pettence ao mundo concreto ¢ real, o ser humano depende dos signos para perceber-se em meio ao ambiente. 8 Quando vou até uma janela e dirijo meus olhos para a paisagem extema, lé fora eu vejo uma rua, algumas casas, 0 céu e um pedaco de mata ao Jonge. Contudo, o que estou vendo € um reflexo da luz solar sobre os objetos (rua, casas, céu, mata), Minha percepgao visual consiste em capturar alguns poucos raios luminosos de um estreito espectro radiante e interpreté-los como objetos j4 conhecidos. Isto quer dizer que eu nao estou vendo os objetos (rua, casas, céu, mata) da maneira exata e completa, como eles realmente so. A diferenca entre o reflexo luminoso deles que vem até meus olhos € a sua natureza real e concreta é tao imensa que ninguém consegue esgota-la. Isto é, a imagem de uma coisa nfo € essa coisa em si, mas apenas um pilido reflexo que me serve como signo da coisa. Fig. 4 0 SIGNO DE PEIRCE (Il) 0 Objeto determina o Signo, o imprime uma rea¢io om nossos sontidas fisicas, forcando-nos a uma InterpretacSo daquele Objeto por melo de sua Representacko. 0 SIGNO VERBAL © SIGNO MUSICAL © SIGNO IMAGETICO Isso também ocorre quando percebemos apenas os indicios da: presenca do objeto, tal como o cheiro de cigarro indica 0 fato de que alguém est4 fumando ou j4 fumou; uma pegada é o indicio de que alguém passou por ali. Os signos, portanto, também podem ser apenas indicios ou fragmentos da presenga do objeto que eles significam. Ao aceitarmos essa inevitabilidade, algumas conclusdes sao necessdrias. Em primeiro lugar, por conta de estar sempre em contato apenas com o signo da coisa ¢ nao com a coisa em si, nés nunca teremos em mente 0 conhecimento completo de um objeto. Um livro de 500 paginas, que descrevesse uma Unica e simples cadeira, nao seria suficiente para representar todas as suas qualidades objetivas. Além de tudo o que se poderia escrever sobre o estilo da cadeira, as forgas gravitacionais atuantes nela, sua 9 mescla de cores ou sua resisténcia mAxima ao peso, quem conseguiria registrar, nomear € dar a posigdo de cada 4tomo componente da cadeira? Outra concluso a que podemos chegar reside no fato de que nossos sistemas de signos (linguagens) so precdrios e muito pobres para representar fidedignamente o mundo que esté af. Quando eu Ieio ou pronuncio o signo “cadeira”, surge em minha mente ¢ na mente de meu interlocutor uma vaga idéia do objeto ao qual estou me referindo. Este signo (cadeira) proveniente de um sistema s{gnico reconhecido como lingua portuguesa, no tem a menor capacidade de definir completamente o objeto que ele apenas representa, Agora, imaginemos um livro de 500 paginas com mithares de palavras. Se cada uma dessas palavras apenas representa um fragmento infimo dos objetos a que se referem, ser4 que o escritor teria dominio suficiente das representagdes, de modo que o volume de palavras impressas fosse proporcional ao tamanho das verdades que ele busca exprimir? Serd que nao corremos 0 sério risco de nos perder em ilusdes a respeito do objeto que estamos buscando descrever com as palavras? Quando os navegadores estabelecem uma rota, seus céiculos sobre os mapas devem ser precisos, pois caso contrério o erro de um grau apenas, pode significar um desvio de centenas de quitémetros em outra diregdo. Com livros ocorre a mesma coisa: a representagao errénea de um objeto pode arruinar seu entendimento. Pior ainda, dada a imprecisio de nossas linguas, um engano leva a outro, este outro leva a um erro maior , no final, temos em mAos apenas uma longinqua ¢ onirica miragem como resultado de um esforgo de comunicagao que deveria provocar na mente dos leitores uma aproximagao com a realidade do mundo. Se nés continuarmos acteditando, como pensavam os antigos, que as palavras estéo naturalmente vinculadas as coisas que nomeiam, nomina sunt consequetia rerum (os nomes so correspondentes as coisas), entio seremos facilmente iludidos por tudo aquilo que est escrito. O engano que nao pode ser cometido em qualquer leitura, de qualquer tipo de signo, € crer que o signo substitui a coisa que ele representa. Toda leitura implica na decodificagdo dos signos, mas também no exame constante da eficiéncia desses mesmos signos em representar corretamente os objetos. Assim, ler bem nao € apenas reconhecer os signos ¢ dar-lhes 0 significado usual, mas desconfiar dos sentidos gerados pelos signos ¢ buscar outros caminhos significantes para comparar a eficiéncia representativa dos textos. Um texto composto de quaisquer signos € sempre uma construgdo realizada por um ser humano falfvel, impreciso ¢ tendencioso. 10 ‘A preocupago filoséfica com os signos que formam as linguagens humanas esteve presente entre os maiores fildsofos da hist6ria. Agostinho (354 — 430), o decano dentre os grandes pensadores cristios, definia o signo da seguinte maneira: “o signo €, portanto, uma coisa que, além da impressdo que produz nos sentidos, faz com que outra coisa venha 4 mente como conseqiiéncia de si mesmo”. (TODOROV, 1996, p. 50) Aqui, Agostinho acrescenta um elemento novo a relacio signica. Ele coloca entre o signo e 0 efeito que este causa na mente, uma “impress’o que produz nos sentidos”. Ou seja, para Agostinho, o caminho até a mente passa pela percepciio dos sentidos. Mais tarde, o reconhecimento da importancia da percepgo vai facilitar o entendimento dos signos estéticos (estesia = sensacao). Entre o mundo real e a mente existe a percepgao proveniente dos sentidos. Nos seres humanos hé os sentidos (visio, audigao, olfato, paladar e tato) tradicionalmente conhecidos. Alguns animais disp6em dos mesmos sentidos, s6 que bem mais especializados do que os do ser humano. Por exemplo, uma coruja dispée de estruturas nos olhos que lhe permitem enxergar no escuro; uma abelha pode ver o infravermelho refletido pelo pélem e uma Aguia pode detectar o rastro da urina de roedores, que reflete © ultravioleta captado pelo olho da ave de rapina; e morcegos tém ouvidos estruturados como radar. Os sentidos sao janelas abertas para o mundo; quanto melhores ¢ em maior numero, essas janelas nos aproximam do real com mais eficiéncia, permitindo-nos um conhecimento mais preciso do mundo. Os sentidos naturais do ser humano sao frageis e pouco eficientes, se comparados com os de muitos animais. Entretanto, nés contamos com uma inteligéncia tio sofisticada, que nos permite “preencher as lacunas” de nossas percepgdes com razo4vel eficiéncia, de modo que podemos compreender 0 mundo melhor do que outros animais. Por vezes, as lacunas que preenchemos entre uma percepgaio ¢ uma idéia, isto é, as interpretagSes que fazemos dos sinais que recebemos do exterior, ndio correspondem corretamente ao mundo real. Em relagio a uma pessoa de cultura urbana, o habitante do deserto analisa coisas que 0 citadino sequer perceberia, como sinais de tempestade de areia, miragens, sinais de 4gua etc. Da mesma maneira, um esquimé reconhece (1é) muitos tipos de neve e gelo, que para um habitante dos trépicos pareceriam a mesma coisa. Jé um fndio amaz6nico distingue (interpreta) um conjunto muito variado de verdes e de formatos de folhas, que o permite sobreviver satisfatoriamente de seus recursos naturais, quando um citadino em seu lugar morreria de fome, sede, ataques ¢ 11 picadas de animais. Em compensacio, 0 esquimé, o indio ¢ o bérbere do deserto setiam atropelados em plena via publica, passariam fome nas ruas de uma grande cidade e acabariam presos por vadiagem ou agressao. Isto quer dizer que as culturas dispdem de signos diferentes para cobrir necessidades diferentes, de modo que o ser humano tem do mundo uma visio que depende do uso que sua comunidade cultural faz das linguagens (dos sistemas de signos). ° Tipos de signo Hi duas categorizagées de signos atualmente empregadas pelos pesquisadores. Uma delas é a proposta por Ferdinand de Saussure (1857-1913), considerado o pai da lingiifstica moderna, que distingue o signo em uma parte material sensfvel, denominada “significante” e sua contraparte abstrata que se refere ao contetido (a idéia ou sensagao) veiculado pelo significante, denominada “significado”. Para Saussure um signo € composto por um significante e um ou mais significados. Nao € 0 caso de se imaginar que Saussure nao conhecesse as definicdes classicas de signo, tais como aquelas de Platdo e Aristételes que consideravam trés elementos na relagdo sfgnica. Para Saussure, contudo, a existéncia de um leitor ¢ de um objeto j4 estava implicita, de modo que para ele interessava dissecar apenas 0 signo ¢ ‘suas qualidades especificas. Assim, a definigdo saussuriana de signo se baseia numa forma expressiva tomada pelo signo, de modo que este possa “sensibilizar” nossos sentidos, ¢ outra parte relativa & idéia, sentimento ou sensagao veiculada por este signo, reconhecida como contetido. Forma e contetido (significante ¢ significado) seriam entdo, duas faces da mesma moeda, sendo que, nio € possivel haver (transportar) conteddo sem a participacao de uma forma. Todavia, a existéncia de formas sem contetido nao é apenas possfvel, como preenchem a maior parte do mundo real. As formas sem contetido sao as coisas inexplicadas, para além das fronteiras do conhecido. Por assim dizer, 0 trabalho da cognigao é dar contetido as formas que est’io fora do alcance da cultura, emprestando- Ihe um significado e as incorporando ao conhecimento humano. A concepgaio saussuriana de signo também permite compreender que o significado de uma idéia depende da maneira como ela é expressa, isto é, de sua forma. Uma imagem s6 pode ser entendida como pungente ou ir6nica, pela forma como se 12 apresenta para nés, em nossa cultura. Um texto pode ser artistico ou cientifico, dependendo da forma impressa pelo autor, dentro de sua cultura. Para uma cultura, o que € artistico pode no ser para outra. No Ocidente, a cor branca esté relacionada com a pureza; no Oriente, ela representa a morte. A midisica oriental, por ter um tipo de escala de sons diferente da nossa, soa aos ouvidos ocidentais como desafinada, e vive- versa. A forma que assume o signo é, portanto, determinante do tipo de contetido que seré veiculado por ele. Isso implica dizer que determinados tipos de signos veiculam contetidos especfficos. A escala harménica forma signos musicais e transmite seus contetidos préprios; as letras formam as palavras e transmitem pensamentos de uma certa categoria, diferentes daqueles veiculados pelas imagens e, assim por diante. A outra categorizacao muito utilizada nos estudos sobre signos, comunicagao e linguagens é aquela proposta por Charles S. Peirce (1839-1914), Idgico ¢ matemético americano, considerado um dos precursores da semiética modema. Peirce arquitetou uma concepeio triddica de Fig. 5 TIPOS DE SIGNO signo (objeto, signo e intérprete) de modo a abarcar toda a cultura humana; nfo apenas a linguagem verbal, mas toda a possibilidade de comunicagao entre os seres vivos| Em ‘telagio aos objetos que representam, \ Peirce dividiu os signos em indices, icones ¢ simbolos. (Fig. 5) Indices sao signos fisicamente conectados com os objetos que representam. O rastro de um animal € 0 signo de sua presenga (um indicio). O perfume de uma flor € signo de sua proximidade. [cones sao os signos que se definem basicamente por screm semelhantes aos Objetos que representam, por serem analogias de seus objetos. Por exemplo, uma pintura, um desenho, uma fotografia etc. seriam aproximagées analégicas dos objetos que serviram de motivo ou inspirago para a construgao de tais signos. 13 Simbolos s&o os signos que representam seus objetos por meio de uma convengio ou lei, uma regra ou hébito; assim, o simbolo ¢ um signo generalizante, tal como uma lei. Exemplo: uma palavra, um sinal de transito, uma ins(gnia, um cédigo de gestos, de bandeiras, tipos de vestimentas etc. Por outro lado, também podemos Fig. 6 TIPOS DE SIGNO (il) diferenciar os signos quando de sua arsinecsO Mane co (e-bP ey KPa especificidade com relagdo as linguagens as quais estao vinculados, “4 Signo Icénic como por exemplo, os signos matemiticos (linguagem matemética), ARAB i signos _Fingolsticos | "MAO StomeVerba ® chow (linguagem verbal) ow signos imagéticos (linguagem imagética) (Fig. 6) Essas duas concepgées de signo (saussuriana e peirceana) nao siéo de modo algum incompativeis, pois ha estudos que as utilizam simultaneamente sem qualquer conflito. Entretanto, uma e outra definigdes também sao utilizadas para estudos diferentes. A concepgao saussuriana de signo € geralmente empregada por pesquisadores europeus, de tradic¢io lingiifstica, para estudos relativos 4 linguagem verbal; enquanto que a tradido peirceana € mais freqiientemente utilizada para andlises semidticas de linguagens ndo-verbais (misica, imagem, gestos, cédigos culturais etc.). * Arepresentagio Como vimos nos itens anteriores (O que é signo; Tipos de signo), a representacao provém do processo de significag&o em que um dado signo representa um objeto concreto ou abstrato. A representagdo se d4 quando um grupo de usudrios de uma dada linguagem convenciona que este ou aquele signo ird representar — dentro de certas circunstancias — um objeto. (Fig. 7) Daf tiramos algumas conclusdes, tais como o fato de que 0 signo no é 0 objeto, pois se trata de algo diferente daquilo que representa — nio fosse isso, nao poderia represent4-lo. Outra concluso se dé pelo fato de que sendo o signo representativo algo 14 diferente do objeto, 0 signo sé representa na auséncia do objeto, o que pode conduzir & Mmentira ou falsidade. Para Umberto Eco, nao ha significagao se no houver possibilidade de mentir. O grande problema filoséfico da verdade fy Fig.7 AREPRESENTACAG sempre foi a preocupago com a questo da i.) bers Eee, GH "Somers wm melhor tepresentagio possivel das coisas, por rm meio dos signos, de modo que houvesse uma quantidade aceitével de certeza com relagio aos vinculos entre o signo e seu objeto. © “sentido” (algo que faz sentido!) é ( . parecido com diregaio e, assim definido como a direcdlo em que 0 signo aponta para 0 objeto que representa. Ha, portanto, uma distancia entre o troeominene eter SEES | Objet, sero nacenidade de prosance dee, “Tepresentagao” por auséncia. Sintese da Unidade O fato de que cada um de nés constitui seu repertério simbélico (de signos) de acordo com a cultura em que vive permite-nos pelo menos duas conclusdes. A primeira delas € que nao temos como conhecer 0 mundo tal como cle realmente €, porque nao estamos em todos os lugares, nem pertencemos a todas as culturas. A segunda conclusio, diz respeito ao fato de que nossa mente (formada pelo nosso repertério signico pessoal) dificulta a cognigéo daquilo que nao é signo para ela. Por isso, quando um analfabeto olha para um texto verbal, nao enxerga 0 seu significado; para ele so apenas manchas negras enfileiradas numa folha de papel. A cultura e 0 préprio conhecimento dependem profundamente do processo de significago — a producdo de signos que representem as partes do mundo a que o ser humano visa acessar.

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