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FACULDADES INTEGRADAS DE JACAREPAGUÁ

ROMEU VILLA FLOR SANTOS NETO

A PRINCIPIOLOGIA TRIBUTÁRIO-CONSTITUICIONAL COMO


INSTRUMENTO PROTETIVO DO CIDADÃO

ARACAJU
2008
2

ROMEU VILLA FLOR SANTOS NETO

A PRINCIPIOLOGIA TRIBUTÁRIO-CONSTITUCIONAL COMO


INSTRUMENTO PROTETIVO DO CIDADÃO

Monografia apresentada às Faculdades


Integradas de Jacarepaguá como um dos
Pré-requisitos à Pós-graduação em Direito
Tributário.

Aracaju
2008
3

Dedico esta obra a Midiam Villa Flor


Santos, cuja intuição e presença de espírito
inspira e guia ao brilho de mais e melhores
conquistas.
4

AGRADECIMENTOS

Quero expressar minha gratidão a Deus, inteligência superior, por guiar-me em


todos os momentos e em todos os caminhos, inspirando a paz e oportunizando o êxito.
Agradeço aos meus queridos pais, pelo amor, estímulo, gosto pela leitura e pelo
bem; vem de vocês...
Agradeço aos meus irmãos, cuja distância geográfica que nos separa traduz-se na
paradoxal proximidade de afetos. Somos e seremos sempre uma família.
E a Luquinhas, Dindo do coração e no coração.
E a Cris Villa Flor, em especial.
Se é caminhando que se faz a estrada, percorrê-la é sempre mais possível quando
não se está só.
5

O melhor remédio é a vitória.


Friedrich Nietszche
6

RESUMO

A ingerência da atividade estatal na esfera individual dos administrados é quase


sempre, impositiva, pressupostamente legítima e legitimada pela Lei. A atividade tributante é
uma das muitas expressões dessa atuação estatal; todavia, se não é a mais, é uma das mais
indesejadas. Quer por transferir patrimônio e rendas ao Estado, quer pela incidência de
constantes abusos e excessos de natureza a mais variada.
É neste campo propício a freqüentes desrespeitos a direitos, que os princípios
constitucionais de teor tributário assumem o status de limitadores de arbítrio, verdadeiras
contenções protetivas, quer implícitos, quer explícitos no texto Magno.
São, pois, não apenas aos contribuintes, mas aos cidadãos de maneira geral, o
instrumento protetivo apto à salvaguarda do excesso e da injustiça, do arbítrio e do
pessoalismo.
Palavras-chave: Tributário; Direito; Princípios; Estado.
7

ABSTRACT

The interference of state activity in the sphere of individual administered is almost


always, imposing, suposed legitimate and legitimized by Law The activity of tax is one of
many expressions of this state action, but if not the most, is one of the most unwanted.
Whether by transferring assets and income to the State, either by the impact of constant
abuses and excesses of the most varied nature.
This is conducive to frequent Disrespect for rights, that the constitutional
principles of tax levels mean the status of limitation of discretion, real protective blocks,
either implicit or explicit in major text.
They are, therefore, not only to taxpayers but to the people in general, the
protective instrument able to safeguard the excess and injustice, and the discretion of
personalism.

Keywords: Tax; law; Principles; state.


8

SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO
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08

2.ANTECEDENTES HISTÓRICOS
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2.1 – Do poder, essa velha e conhecida escora do atuar estatal
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14
2.2 – O papel normatizador da principiologia tributário-constitucional
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19
2.3 – O papel libertador da principiologia tributário-constitucional e seu dúplice papel
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20

3.A PRINCIPIOLOGIA TRIBUTÁRIO-CONSTITUCIONAL – A CONSTITUIÇÃO


POSITIVADA E OS PRINCÍPIOS APTOS À PROTEÇÃO DOS CIDADÃOS
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22
3.1. Considerações gerias
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
22

4.PRINCIPIOLOGIA TRIBUTÁRIAO-CONSTITUCIONAL – A NOMINAÇÃO E (DES)


CONSTRUÇÃO DE CADA UMA DAS MATRIZES PRINCIPIOLÓGICAS PROTETIVAS
À ESFERA DO CIDADÃO
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23
4.1. Princípio da legalidade
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23
4.2. Princípio da anterioridade
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24
4.3. Princípio da irretroatividade
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25
4.4. Princípio da isonomia
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26
4.5. Princípio da capacidade contributiva
9

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
27
4.6. Princípio da proibição ou vedação do confisco
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
28
4.7. Princípio tributário-constitucional da Universidade e generalidade
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
28
4.8. Princípio da progressividade
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
29
4.9. Princípio da ilimitabilidade ao tráfego de pessoas ou bens
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
29

5.DA MULTIPLICIDADE PRINCIPIOLÓGICA E SUA NATUREZA NÃO EXAUSTIVA,


ANTE A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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31

7. REFERÊNCIAS
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33

1 INTRODUÇÃO
1

No âmbito da atuação estatal, ínsita é a noção de que todo o fundamento para o


desempenho de suas atividades, das comezinhas às mais complexas, resida no atendimento
aos interesses sociais. E todo interesse social, no Estado Democrático de Direito, emerge da
lei.
Dessarte, diante de incompatibilidades ou abusos perpetrados pelo Estado,
notadamente os de jaez tributária, objetivo em que se debruça o presente trabalho
monográfico, não há que se perder de vista o império da lei e sua hierarquia normativa
positivada.
Nesse contexto – o da preocupação com que a expressão do poder estatal não se
converta em instrumento repressor ao ser humano em coletividade, é que paira a Constituição
da República Federativa do Brasil, por conter em seu bojo forte conteúdo valorativo em forma
de princípios, cujo alcance é suficientemente apto para instrumentalizar o cidadão – e em
especial o contribuinte, de eficazes salvaguardas ante o arbítrio e o excesso nas relações
jurídico-tributárias.
Antídotos aos excessos oficiais, são os princípios tributário-constitucionais
verdadeiros instrumentos garantidores de proteção, na medida em que portam intenso grau de
generalidade e abstração, axiologicamente qualificados para servir ao papel de fundamentação
lógica de outras normas, notadamente as de Direito Tributário. Nesse sentido,

[...] Pertencendo ao estrato mesmo da constituição, da qual se destaca por mero


expediente lógico de cunho didático, o subsistema constitucional tributário realiza
as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da
tributação, ao lado de medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à
liberdade das pessoas, diante daqueles poderes. Empreende, na trama normativa,
uma construção harmoniosa e conciliadora, que visa a atingir o valor supremo da
certeza, pela segurança das relações jurídicas que se estabelecem entre
Administração e administrados. E, ao fazê-lo, enuncia normas que são verdadeiros
princípios, tal o poder aglutinante de que soa portadores, permeando, penetrando e
influenciando um número inominável de outras regras que lhe são subordinadas
(CARVALHO, 2000, p. 140)

Assim, quer implícitos, quer explícitos, os princípios tributário-constitucionais têm


o condão de preservar a finalística normativa das leis reservadas a tributos, recompondo-lhes
a essência, delimitando-as sempre que a observância à legalidade estrita não baste em si
mesma, restaurando-a, pois, do não-abuso, do não-excesso, praticado pelo gigante Estado.
Assim, menção a princípios, antes mesmo de menção a normas sempre que um
direito for violado ou um exagero perpetrar-se no âmbito das relações jurídico-tributárias, não
consiste em escolha meramente aleatória; ferir de morte o ordenamento jurídico com o
1

desrespeito a uma norma é, antes de tudo, mesmo que de forma indireta, vilipendiar uma linha
de pensar e de conduta consubstanciada em princípios, em diretrizes principiológicas, pois
toda a ratio, todo o porquê da existência de uma norma no universo jurídico, bem como a
maneira que restará posicionada no ordenamento positivado encontra resposta em princípios
que nela subjazem.
Corrobora, pois, no Direito publicista brasileiro, o já clássico conceito de
princípios trazido à colação:

[...] Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um


sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o
conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes
componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (MELLO,
2002, p. 807).

Por conseguinte, o supedâneo a conferir fundamento acerca de matéria tributária,


inclusive para delimitá-la naquilo em que demonstrar invasiva exorbitância à esfera de
direitos do contribuinte, tem por repositório primeiro e soberano a Constituição, seja por
sobrepôr-se às demais espécies normativas, seja por conter os grandes princípios aplicáveis ao
mundo dos tributos, por oferecer as diretrizes supremas a orientar o exercício das
competências impositivas, consagrando os postulados que imprimem certeza e segurança às
prestações estatais.
Os princípios tributário-constitucionais (ou constitucionais - tributários, como se
prefira), portanto, transcendem a idéia prima facie que se poderia ter, de um apanhado de
idéias vagas, pois, à principiologia tributária contida na Carta Magna, cumpre dar a necessária
coerência e harmonização legal, alinhando preceitos, aparando arestas, tanto mais pela própria
relação jurídico-tributária mostrar-se visivelmente desnivelada, imperativa; campo fértil para
nefastos abusos, da mais variada ordem. Assim,

[...] Sua especificidade dominante traduz-se na consideração de serem normas que


têm por conteúdo empírico um determinado valor (Democracia, Liberdade,
Igualdade, Estado de Direito, Separação de Poderes), e não propriamente uma
conduta humana que se deva assumir para a realização de um valor externo a essa
mesmo conduta. O que explica os seguintes e encadeados traços distintos: a) mais
alto grau de abstratividade; b) insubmissão a uma precisão objetividade conceitual;
c) realização incontornavelmente parcial ou limitada, na plano fático; d)
1

permanente vocação para adaptação às exigências da vida social enquanto processo


dialético (BRITTO, 1995, p. 179).

Por conseguinte, teriam tais normas de tipologia principiológica uma maior


possibilidade de salvaguarda e composição de sentido, na medida em que guardam conteúdo
notadamente axiológico, eis porque existiram limitações principiológico-constitucionais à
esfera tributária, objeto que se pretende provar e demonstrar na presente monografia.
Também, por não limitar-se à necessidade de inserção textualmente, já que
existiriam princípios não-escritos implícitos na seara constitucional, por isso mesmo o
aparente paradoxo entre a força normativa de inequívoca repercussão tanto no mundo do ser
como no mundo do dever-ser contida na principiologia tributária implícita, e a aparente
ausência de precisão conceitual a esse respeito.

[...] Esses traços distintos exprimem a opulência e ao mesmo tempo a miséria dos
princípios. Opulência, porque sua dimensão material prospectiva oxigena todo o
conjuntivo normativo, e, assim faz do Direito Positivo um sistema
permanentemente aberto às novas valorações societárias, sem que se possa falar de
importação de elementos estranhos ao repertório jurídico. Miséria, por outro lado,
porque sua visceral imprecisão conceitual lhes expõe os flancos para agressões
normativas posteriores à promulgação da Carta Magna (BRITTO, 1995, p. 179).

Dessa maneira, os princípios tributários insertos na Carta Magna possuem capital


importância, pois em sendo uma carta de direitos e não uma carta de conceitos, a Constituição
os erige ao status de diretrizes basilares, condutoras das atividades de tributo, mandamentos
de forte teor axiológico e de abstração, aptos a proteger àqueles de quem o Estado retira
pecúnia, precatando-os de injusto plus, de imotivado bis in idem, do sacrifício de direito fora
dos padrões esperados pela heteronomia estatal.

Reiterando tal raciocínio,

[...] O que caracteriza os princípios é que não estabelecem um comportamento


específico, mas uma meta, um padrão. Tampouco exigem condições para que se
apliquem. Antes, enunciam uma razão para a interpretação dos casos. Servem,
outrossim, como pauta para a interpretação das leis, a elas se sobrepondo (...) Pois
bem, quando o princípio é constitucional, a sua aplicação é obrigatória. Deve o
1

legislador acatá-lo, e o juiz, adaptar a lei ao princípio em caso de desrespeito.


(COÊLHO, 2006, p. 95).

Cumpre ressaltar, pois, que a razão de ser, a importância-mor da principiologia


tributário-constitucional consiste em o Estado frear o próprio Estado, em peculiar espécie de
autofagia, necessária à manutenção de valores mais amplos. Nesse sentido,

[...] O Estado está como que no centro do universo jurídico. No Direito tributário,
dominado pelo princípio da legalidade, só o legislativo produz leis, e o legislativo é
um dos poderes do Estado. O Direito Tributário é necessariamente aplicado por
atos administrativos praticados por funcionários do poder executivo, que também é
um poder do Estado. Finalmente, o judiciário resolve as pendências tributárias,
outro poder do Estado (...) Como, então, deixar de conhecer o Estado e suas
funções, ainda que de passagem? (COÊLHO, 2006, p. 37).

É esse mesmo Estado, consubstanciado no fisco como órgão fazendário da


Administração pública, que encontra-se adstrito à lei, devendo adotar condutas e diretrizes
sempre em consonância com o ordenamento predeterminado pelo poder legiferante. Por sua
vez, o poder legiferante em sua atividade característica jamais deverá prescindir a feitura de
leis, em especial as tributárias, apartadas de diretrizes principiológicas, pois,

[...] Princípios que limitam o poder de tributar são barreiras jurídicas à sempre
voraz pretensão estatal de tributar mais e arrecadar melhor. Justamente porque a
relação entre quem cobra e quem paga o tributo não é uma simples relação de poder
arbitrário, pelo contrário, é uma relação legal. É que a legislação impõe certas
restrições ao poder de tributar, se vistas pelo ângulo do Estado, e verdadeiros
instrumentos de proteção e resistência à pretensão estatal de tributar cada vez mais,
se vistas pelos contribuintes. (SANTOS, 2004, p. 53/54).

Assim, são os princípios tributários postos na Constituição da República,


verdadeiras balizas protetivas, pois infundem à fome da pecúnia pertencente aos cidadãos
contribuintes pelo Estado, restrições de salvaguarda com status de mandamentos
constitucionais, o que os difere de demais comandos legislativos de contenção abaixo da
Norma Ápice.
Assim, no âmbito do Estado Democrático de Direito, instalar princípios de jaez
tributária em sede de texto magno é, antes de tudo, instrumentalizar o cidadão/ administrado/
contribuinte com um verdadeiro rol de garantias, reafirmando a dúplice missão estatal na
seara dos tributos: obter recursos e redistribuí-los em forma de benesses. Nesse diapasão,
1

[...] Por um lado, é exigida uma igualdade radical na atribuição entre os indivíduos
de direitos e deveres básicos ou fundamentais; por outro lado, considera-se que as
desigualdades socioeconômicas entre os indivíduos, em especial para os menos
desfavorecidos da sociedade, ou seja, não há injustiça nos maiores benefícios de
alguns somente se a situação dos menos afortunados também melhorar com tal
desigualdade. (GODOI, 1999, p. 45).

Sem esquivas, portanto, é entender o Direito Tributário dentro da Constituição da


República não como mero coadjuvante, mas atuando lado a lado com o texto legal maior do
país, regulando as relações havidas para que os impositivos inerentes à relação jurídico-
tributária não se convertam em abusos de poder, mas genuínas ferramentas a serviço da
sociedade, transcendendo, inclusive, a esteira de beneficiados para além da esfera do
contribuinte e o rol de benefícios para além dos pífios exemplos que hodiernamente grassam
no Brasil.
Dessarte, além de ônus suportado pela sociedade na construção e manutenção do
Estado, seu outro inescusável viés é o de ser verdadeira fonte de distribuição de riquezas à
sociedade, atuando de molde a fomentar o desenvolvimento social, político e econômico de
uma coletividade, superando os limites de mera atuação fiscal, para consagrar a relação
jurídico-tributária, guindando-a ao podium de relação de teor constitucional, antes de tudo.
Por conseguinte, tal reconhecimento vincula a relação entre contribuinte e fisco
aos auspícios da proteção aos direitos fundamentais, quer mitigando o teor nitidamente
repulsivo em ser tributado, quer mitigando brechas abusivas (e, portanto, invasivas) ao
tributar, dosando os meios coercitivos, precatando exorbitâncias legislativas, afastando
aplicações do Direito apartadas da ordem constitucional.
Dessa maneira, a principiologia tributário-constitucional como instrumento
protetivo do cidadão, inclui não apenas o contribuinte, propriamente dito, ou o cidadão, na
restrita acepção do Direito Eleitoral, mas toda a sociedade, na medida em que o vinculo entre
contribuinte e fisco assume desdobramentos que vão além de seus atores principais
(contribuinte e fisco), repercutindo em todo o tecido social.
Portanto, detectar na Norma Ápice os princípios implícitos e explícitos,
perquirindo sua valia prática para vedar a inconfessável vocação do Estado em perpetrar
abusos, é tarefa das mais urgentes, na medida em que o instrumental possível de debelar a
voracidade estatal, encontra-se no próprio corpo normativo que a fundamenta: a Constituição
da República.
1

2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

2.1 DO PODER, ESSA VELHA E CONHECIDA ESCORA DO ATUAR


ESTATAL
1

Vem de tempos longínquos a percepção sensorial humana acerca da


imprevisibilidade e não-linearidade dos fenômenos naturais. O ser humano primitivo, em
flagrante desnivelamento ante a natureza, vulnerabilizado, à mercê das mais variadas
intempéries, catástrofes naturais, animais selvagens e toda a sorte de injunções,
experimentaria a primeira forma de submissão de sua existência – curvar-se diante de forças
naturais.
Em face desse estado de coisas, o animal-homem se vê compelido ao emprego de
energias físicas nas trocas essenciais à luta pela sobrevivência com o meio ambiente, em uma
verdadeira consciência da impossibilidade, na medida em que a ausência de controle sobre a
natureza tornava certas demandas vivenciais vencidas, haja vista a disparidade de forças,
submetendo-o, subjugando-o, não raro.
Esta construção do incompreensível, do intangível, esta constatação de algo
superior, como algo por vezes notadamente contextualizado por sobrenatural, forjou os
primeiros rudimentos de uma noção do poder – frise-se – sensorial, nitidamente físico; neste
sentido,
Entendemos que a gênese do poder não pode ser buscada nem na psicologia, nem
na sociologia nem, muito menos, nas ciências políticas e do direito, isoladamente.
Estamos diante de um tema cuja investigação cultural para, a partir dela,
garimparmos as respostas que nos permitam elaborar uma teoria do poder de
utilidade multidisciplinar. Essa abordagem ontogênica antropológica desloca para
sua origem natural as indagações a respeito do poder: o homem, um animal que
vive e convive. (MOREIRA NETO, 1992, p. 63).

Errônea, pois, é a idéia na qual a origem dos tributos resida na contemporaneidade,


que seja algo novo, criação de tempos atuais. A bem da verdade, é que os tributos como
hodiernamente. São concebidos e conhecidos sim, mas, no tocante a seu nascedouro, ao
momento em que se tem notícia do aparecimento do ato de tributar sob a face da terra, não.
Destes tempos imemoriais, o Estado (aqui considerado em suas mais
diversificadas formas de organização coletiva, rudimentares ou não, catalogadas no bojo da
história, independente da acepção que se lhes dê) tem na tributação o principal meio
concretizador de suas próprias finalidades. Isso a história comprova.
Com efeito, da antiguidade mais remota à atualidade presente, o modus operandi,
adotado pelo Estado para adquiri-los, este sim, modificou-se, sofisticando-se e otimizando-se
à medida da própria complexificação das sociedades, do advento de aparatos tecnológicos
para burlar evasões e resistências, bem como diante da própria afirmação de condição
1

humana, pretensa no mais das vezes a repelir imposições em prol da própria liberdade. Nesse
sentido, as relações de poder refinam-se, alcançando status de relação complexa e urgente de
ser delimitada, em razão da vulnerabilidade ínsita nestas relações travadas entre tributadores e
tributados. Nesse particular,

[...] A secular luta da humanidade tem sido uma constante busca no sentido de
obter, o cidadão, o direito de ser tratado com justiça. Realmente, se nos quisermos
deter a garimpar, no monumental contexto da história, os seus fatos mais
significativos para a evolução do direito e se deles fizermos uma análise em busca
de identificar a razão de ser das conquistas sociais e políticas da humanidade,
iremos, com certeza, constatar que, sempre que o homem clamou por liberdade,
sempre que o homem reivindicou segurança pessoal e patrimonial, sempre que o
homem verberou contra a tirania, sempre que o homem protestou pelo direito ao
trabalho humanizado e o conseqüente anseio por uma vida decente, sempre que o
homem se insurgiu contra as regalias odiosas dos potentados, enfim, sempre que o
homem lutou, muitas vezes dando até a sua própria vida em holocausto, pelo direito
de ver respeitada e reconhecida a sua suprema condição de ser humano, sempre, em
todos esses momentos, o homem lutou, na verdade, pelo direito de ser tratado com
igualdade. E o que é igualdade senão cerne, a essência última da própria justiça?
(MELLO M., 1977, p. 06)

Assim, a noção de poder em primeiro momento, desenvolvida sob a égide do


senso comum, intrinsecamente correlacionada com a força física, incipiente e insipiente por
fundamento, tem no sustentáculo de tais concepções os elementos dos quais não demorariam
a respaldar a quebra dos paradigmas de si mesmas, na medida em que outras formas de
sobrevivência e organização mais complexificadas e com uma gama de interesses e
necessidades mais amplas se instalassem nas mais diversas formas de relacionamento
humano.
Relevante é frisar que não somente a natureza, mas, os outros homens – com seus
desejos, apetites e volições egóicas – representavam ameaça à paz e à integridade física. A
dominação do mais fraco pelo advento da violência, pouco a pouco alcançaria o status de
problema coletivo, face à instabilidade propagada pelo medo dos indivíduos uns pelos outros,
concomitantemente à maturação da idéia de Estado e seu aperfeiçoamento institucional.
Assim, finalmente sucedendo formas outras de organização coletiva, surge uma
diversa, enfatizando o poder social em detrimento do poder físico. Contudo, a manutenção do
poder não prescindiria a força; esta, vital para a continuidade do poder, atuaria agora não
individual, mas coletivamente; não explicita, mas implicitamente; não figurada, mas
simbolicamente. A violência, agora, atuaria diluída, nos bastidores.
1

As teorias contemporâneas sobre o poder não têm prestigiado essa associação com
a força física. Essas elaborações, ao contrário, postulam que só há poder onde não
houver emprego de meios materiais de subjugação. A força não desapareceu
totalmente, na medida em que a sua utilização potencial é tomada como a
alternativa indesejada à submissão (...) ao dissociá-lo, as teorias contemporâneas
passam a tomar o poder como algo sustentado por si mesmo. (COELHO, 1992, p.
37).

A abordagem do tema poder sob a perspectiva de fenômeno científico é recente,


apenas iniciada na segunda metade do século XIX, deslanchando no século XX até
hodiernamente, sobremaneira no campo das Ciências Sociais, da Ciência Política e da Teoria
Geral do Estado, sem embargo dos demais ramos do conhecimento humano igualmente
trazerem à baila, conceitos os mais variados quanto ao tema.
Assim, a despeito do Estado de Direito surgir carreado nas transformações havidas
no e a partir do século XVIII, notadamente as propiciadas pela Revolução Francesa, e o
primeiro Código Tributário apenas no início do século passado na Alemanha, pode-se
constatar que os primeiros rudimentos de proteção aos cidadãos no tocante à arrecadação de
tributos data já do século XVII, mais precisamente do ano de 1215, através da Magna Charta
inglesa na qual já revelava-se uma preocupação, ainda que embrionária, em restringir a
voracidade estatal e o ataque às liberdades em nome da arrecadação, cuja história demonstra
sempre ter havido prevalecer, sustentada no mais das vezes pela opressão e embrutecimento
dos poderes constituídos. Nesse diapasão, elucida Kiyoshi Harada:

[...] A exacerbação do fenômeno tributário acabou por provocar a luta dos povos
contra a tributação não consentida. São conhecidos os movimentos nesse sentido
nas três grandes civilizações (...) Na Inglaterra, a luta dos barões contra “João sem
terras” culminou com o advento da Carta Magna de 1215, na qual ficou consignado
o princípio de que nenhum tributo ou scutage poderia ser cobrado sem o
consentimento do conselho do reino. (HARADA, 2000, p. 240).

Igualmente asseverando este posicionamento,

[...] O estudo histórico não deixa dúvida de que a tributação foi a causa direta ou
indireta de grandes revoluções ou grandes transformações sociais, como a
revolução francesa, a independência das colônias e, entre nós, a inconfidência
mineira, o mais genuíno e idealista dos movimentos de afirmação da nacionalidade,
que teve como fundamental motivação a sangria econômica provada pela metrópole
por meio do aumento da derrama (NOGUEIRA, 1981, p. 718).
Dessarte, a gênese dos tributos pairou e paira na necessidade estatal encobrir as
próprias despesas, variando a maneira de cobri-las, consoante a concepção estatal vigente. Na
antiguidade, guerras, imposição de penas, extorsões, anexações territoriais; na atualidade,
1

meios tecnológicos para coibir evasões, violência simbólica, para desestimular a


desobediência aos encargos tributários.
Na esteira dos diversos acontecimentos e contextos históricos, que se sucederam
ora alternados em um maior ou menor intervencionismo estatal, ou seja, avocação estatal de
prestações pautadas ora mais ora menos pela essencialidade, percebe-se igualmente uma
oscilação quanto a ora ampliada, ora reduzida buscar por recursos para fazer face às despesas
públicas, onde menos importavam as especificidades de cada contribuinte e mais a obtenção
de riquezas nos cofres estatais a qualquer custo. Satisfazer os gastos públicos, era a tônica;
arrancar cada vez mais numerário das gentes, eis o lema.
Dessa maneira, as concepções estatais multifárias no decorrer da história das
sociedades indicaram e indicam a política tributária adotada em cada contexto e Estado, bem
como o alcance das salvaguardas nas quais podem os cidadãos encontrar abrigo. Assim,

[...] Não só porque está ligada à política no sentido lato da arte de governar, que
define as finalidades do Estado e indica o que constitui interesse público, mas
também porque trata de escolher, para realizar aquelas finalidades, os meios
financeiros cuja utilização esteja mais de acordo com o tipo particular de Estado de
que se trate e com a orientação geral do governo. Assim, a política financeira de um
Estado intervencionista (cooperativista, socialistas, marxistas, etc.) será
necessariamente diferente da de um Estado liberal, isto é, não intervencionista, e
vice-versa (ROSA JUNIOR, 1995, p. 12).

Por conseguinte, a configuração assumida por cada Estado em muito pronuncia-se


no caráter instrumental que adotará os tributos, pois enquanto instrumento de transformação
social e de possível promoção da igualdade e da liberdade de um povo, os planejamentos dos
destinos coletivos pelo poder oficial direcionam e direcionam-se à maneira e ao encanto (e à
tentação) de seus desideratos políticos mais caros.
Certo é que, inobstante formas peculiares de organização social diversas – pelo
tipo ou intensidade de vínculos – terem ocorrido no decorrer da história, em nenhuma delas
prescindiu-se poder em suas relações. O entrechoque de vontades, pairou e paira em qualquer
grupo social, restando sempre ao exercício do poder – ora historicamente mais, ora
historicamente menos, afeito aos expedientes de constrição física – o papel reducionista de,
entre duas ou mais vontades, fazer prevalecer uma delas.
Ser social por excelência, o animal humano, quer por conveniência, quer por
necessidade ou oportunidade – a eterna busca da zona de conforto – percebeu-se não apenas
falível e vulnerável ante a natureza; desconfiança, competição, medo da morte, medo da fome,
necessidade de uma gama de carências prementes de um e de todos assim considerados,
2

fizeram emergir organizações mais complexificadas: família patriarcal, gens, tribo, clã; tais
formas não mais garantiam viabilizar a vida. Assim, o critério sangüíneo e de parentesco pari
passu é transcendido pelo agregar destes vários grupos. Eis como o Estado foi surgindo, em
gradual substituição e superior amplitude e intensidade de vínculos, com ênfase na vontade
humana de assim procederem.
Eis o embrião do Estado e, por conseguinte, suas intrincadas relações. Nessa
esteira de transformações, o papel estatal vai ganhando consistência, complexidade,
profundidade e necessidade de arrecadar riquezas para viabilizar-se, pois,

[...] o tributo é vetusta e fiel sombra do poder político há mais de 20 séculos. Onde
se ergue um governante, ela se projeta sobre o solo de sua dominação, inúmeros
testemunhos, desde a antiguidade até hoje, excluem qualquer dúvida. (BALEEIRO,
1997, p. 01).

Assim, este verdadeiro ordenamento político de uma comunidade dar-se-á pela


convergência de vontades à submissão a um mal menor; um interesse comum impossível de
obter-se pelos esforços isolados nos indivíduos; menos desejável submeter-se ao caos que à
ordem; mais próximo da satisfação residiria conter-se e obedecer ao poder instituído e
organizado sacrificando parcialmente seus bens e dinheiros.
Nesse particular, faz-se útil para o objeto em que se debruça o presente trabalho
monográfico, uma percuciente análise dos princípios insertos na Carta Magna, por detectarem
aptidão de escudo e espada para os cidadãos, em seara tributaria, situando-lhe o contexto e o
valor ínsito que ocupa, desincrustando-lhes analiticamente do texto constitucional positivado,
pois,

[...] nosso Direito Tributário positivo está quase todo no próprio texto constitucional,
ao contrário do que ocorre em todos os demais países. Não se conhece e,
conseqüentemente, não se aplica corretamente o sistema tributário brasileiro, sem
amplo, maduro e profundo domínio dos princípios e regras constitucionais.
(ATALIBA, 1987, p. 13).

Portanto, o papel de grandeza constitucional hodiernamente como diretriz na


atividade tributaria consiste no sumo teleológico de seus comandos, ora delimitando, ora
normatizando, ora harmonizando o interesse social, que por conseguinte, no Estado
Democrático de Direito, só pode emergir da lei, bem asseverado pelos ensinamentos do
Professor lusitano José Joaquim Gomes Canotilho, quanto à importância da Constituição, na
medida em que,
2

[...] é a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à


estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e
aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e
deveres dos cidadãos. Além disso, é a Constituição que individualiza os órgãos
competentes para a edição de normas jurídicas. (1999, p. 18).

É, portanto, nessa mesma lei, que se encontra a mais fundamental e a mais apta
fonte de coibir abusos de poder, sobretudo os perpetrados no âmbito do direito tributário, de
sorte a balizar comportamentos, domando o poder do Estado, por ser ela mesma, a
Constituição a formatadora da conduta e organização estatais; do contrário, instaurar-se-ia o
império dos pessoalismos, dos excessos, de toda a sorte de mazelas ao povo, consubstanciada
na retirada imotivada, abusiva, de riquezas da coletividade.
Contudo, longe de ser uma panacéia, salvação pronta e acabada, com a qual pode-
se condicionar o estado de inércia dos tributados, esperando que o texto constitucional apenas
por existir opere mudanças e os protejam, a Carta Magna e suas linhas normativo-
principiológicas ainda são os melhores anticorpos para as variadas patologias encontráveis no
exercício da atividade tributária. Contudo, precisam ser provocados, invocados.
Invocar estes princípios, mais das vezes, é a posologia indicada para debelar o

abuso da autoridade no seara dos tributos.

2.2 O PAPEL NORMATIZADOR DA PRINCIPIOLOGIA TRIBUTÁRIO-


CONSTITUCIONAL

A clássica estrutura piramidal Kelseniana, na qual traz a norma constitucional no


vértice superior, consagra a hierarquia normativa, reconhecendo aos comandos normativo-
constitucionais ascendência sobre todas as demais espécies normativas.
Em particular ao Direito Tributário, ramo do direito público no qual a temática
dos princípios tributários angaria maior interesse do ponto de vista científico, o papel
normatizador da constituição ocupa destaque, compondo o sentido pretendido – ou possível
de uma espécie normativa infraconstitucional – o Código Tributário Nacional.
Portanto, Assaz pertinente é a observação de Paulo de Barros Carvalho, para que
seja possível compreender o alcance deste papel normativo-principiológico.

[...] às vezes, os dispositivos de um diploma definem uma, algumas, mas nem todas
as noções necessárias para a integração do juízo e, ao tentar enunciá-lo verbalmente,
2

expressando a correspondente proposição, encontramo-lo incompleto, havendo a


premência de consultar outros textos do direito em vigor. (CARVALHO, 2000, p.
09).

Assim, os meios utilizados pelo Estado para exercitar a adstringir a arrecadação


tributaria, devem estar contidos explícita ou implicitamente em norma constitucional. E, nesse
particular, geralmente estão sob a forma estrutural de princípios.

2.3 O PAPEL LIBERTADOR DA PRINCIPIOLOGIA TRIBUTÁRIO –


CONSTITUCIONAL E SEU DÚPLICE PAPEL

Inexiste contradição em termos referir-se a um fenômeno geral, abstrato e


coercível como fenômeno por onde dimana liberdade mitigada. Bem verdadeiro – diga-se –
uma liberdade institucionalizada, na medida em que seu funcionamento requer sacrifício
pecuniário para que, em tese, funcione, instituindo a felicidade humana.
Entrementes, a Constituição da Republica ante a possibilidade de lesão ou ameaça
a determinados direitos – dos cidadãos e não apenas dos contribuintes. Chama para si a
vocação de antídoto aos excessos oficiais, como verdadeiros instrumentos garantidores da
liberdade e igualdade perante a lei, elidindo excessos e ilegalidades frutos de atuação estatal
em que haja ausente observância à principiologia da legalidade constitucional tributária.
É a Carta Magna no papel libertador ante a atuação estatal na seara dos tributos.
Teóricos e doutrinadores tributaristas não prescindem que a atuação estatal
tributária comporta, sim, limitações impostas no Direito Positivo Brasileiro, limitações essas,
de caráter principiológico-tributário-constitucionais, implícitas e explícitas, uma vez que o rol
de limitações à sanha tributária do Estado não derivariam apenas de conteúdos explícitos e
meramente legalistas, mas, de um criterioso método hermenêutico finalistico-teleológico, que
permitiria falar-se em princípios implícitos, tais como o Principio da Proporcionalidade, da
Razoabilidade, da Boa fé, dentre um rol de demais princípios e subprincípios, todos
factivelmente possíveis e até mesmo desejáveis de serem invocados.
Posto que, ao menor sinal de que atuação estatal excedeu aos limites do
estritamente necessário para a obtenção da efetividade de seus fins arrecadatórios e/ou
instituídos de tributos por meios juridicamente condenáveis, tais diretrizes atuariam no
cenário jurídico, infirmando a vigência e a validade dos atos estatais eivados de afronta ao
2

justo, ao esperado e que se prevê partir do Estado: respeito à legalidade nos atos que pratica,
preservando os cidadãos de exageros oficiais.
Enseja, portanto refrescar e ratificar a noção indispensável de que a Carta Magna
porta em seu conteúdo comandos principiológicos, sobretudo em sede de Direito Tributário,
onde a maior parte de seus enunciados básicos estão alçados constitucionalmente, denotando-
lhes caráter essencial, sendo forçosamente admitir que as normas no âmbito dos tributos
insculpidas no texto da Constituição da República de 1988, guardam em si mesmas uma
dúplice tarefa: as normas tributárias na Lei Ápice, ora têm a tarefa de fundamentação lógica
de outras normas tributárias, a exemplo de nortear e fundamentar os dispositivos contidos no
Código Tributário Nacional, em Decretos, Leis Complementares e demais espécies
infraconstitucionais que versem ou doravante venham a versar sobre matéria tributária.
O outro papel que compõe a dúplice tarefa das normas tributário-constitucionais
reside no verdadeiro papel protetivo dos cidadãos (e não apenas dos contribuintes) atribuído a
estas normas, consoante será demonstrado no corpo do presente trabalho monográfico, em
cujo capítulo seguinte avançaremos detectando e esmiuçando cada um dos princípios,
ressaltando-lhes seu caráter eminentemente protetivo.

3.0 PRINCIPIOLOGIA TRIBUTÁRIO-CONSTITUCIONAL – A


CONSTITUIÇÃO POSIVITADA E OS PRINCÍPIOS APTOS À
PROTEÇÃO DOS CIDADÃOS

3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS


2

Conforme sobejamente defendido em linhas anteriores, os princípios tributário-


constitucionais conformam-se em genuínas linhas diretivas da matéria tributária, imprimindo
coerência, unidade e imprescindível força normativa, bem como a possibilidade efetiva em se
revestirem como verdadeiros escudos à proteção dos administrados, mandamentos nucleares
que são.
Dessarte, por serem máximas jurídico-constitucionais de altíssima plasticidade,
por isso mesmo é que adaptam-se à forma de verdadeiros escudos protetivos ante os arbítrios
estatais, que porventura venham a ocorrer.
É pois, a partir dos princípios insertos em matriz constitucional, princípios estes
versantes – ou mais adequadamente – incidentes à matéria tributária, que se estabelece e/ou
deva-se estabelecer o acervo de poderes disponíveis para os administrados acionarem no
exercício de suas prerrogativas, em sendo o caso de limitá-los, na hipótese de exageros
ocorrerem.
Sim, prerrogativas para coibir exageros. E prerrogativas insculpidas na Carta
Magna; eis o diferencial. Estatuto supremo do Estado, tais prerrogativas em não ser
compelido ao facere ou do non facere senão in virtus legis; prerrogativas de não ser cobrado,
tributado em dobro, apenas para suscitar algumas destas e não apenas estas sagradas
limitações ante o arbítrio, haja vista, ser o rol dos direitos ou propulsionadores de direitos
insertos na principiologia tributário-constitucional, verdadeiros instrumentos de seguridade.
Todavia, sem que se delongue a mais, no louvor à salutar tarefa de discorrer sobre
o salomônico poder dos princípios tributários em sede constitucional viés abordado no
capítulo anterior deste trabalho monográfico, cumpre, isto sim, nomear e dissecar doravante,
um a um, estes mandamentos mantenedores da ordem jurídico-tributária.

4.0 PRINCIPIOLOGIA TRIBUTÁRIO-CONSTITUCIONAL – A


NOMINAÇÃO E (DES) CONSTRUÇÃO DE CADA UMA DAS MATRIZES
PRINCIPIOLÓGICAS PROTETIVAS À ESFERA DO CIDADÃO

4.1 PRINCIPIO DA LEGALIDADE


2

Esta diretriz principiológica encontra-se – e deve se encontrar presente – em todo e


qualquer ato jurisdicional ou não jurisdicional, desde que envolva a esfera de direitos dos
administrados. Tem seu marco nas transformações advindas da Revolução Francesa de 1789,
embora rudimentos de seus reclamos datem já do ano de 1215, com a elaboração da Magna
Charta de João-sem-terra.
Contudo, o ideário de liberté, egalité, fraternité, consolidado e consubstanciado na
pauta da Revolução Francesa é quem melhor representa o princípio da legalidade.
Tal diretriz principiológica parte do pressuposto de que é a lei – e nada abaixo dela
– quem dita os comportamentos e conformações estatais. Imprescindível ao Estado, portanto,
a obediência a tal princípio, aliás aplicável e desejável em todos os ramos do Direito.
No âmbito do Direito Tributário, especificamente, por tratar-se de matéria objeto
da presente monografia, cumpre sempre localizá-lo e tratá-lo neste dispasão.
Em sede constitucional, sua previsão consta no Artigo 5º inciso II e no Artigo 150,
inciso I da Carta Magna, especificamente. O que, à primeira vista, seria verdadeira
contradição ou mesmo contraposição ao princípio da liberdade do particular, trata-se de
verdadeiro regramento com conteúdo exatamente oposto, visando ao ideal de justiça,
outorgando ao administrado liberdade de tudo fazer, desde que autorizado por lei.
Noutro viés, se ao administrado cumpre abster-se das práticas previstas em lei
como não permitidas, ao administrador – Administração pública – reservando está o fazer
(poder – dever) somente daquilo que esteja previsto em lei.
É a chamada tipicidade tributária, ou seja, devem os tributos estar devidamente
previstos em lei. Assim,

(...) esses princípios expressos, justamente com os implícitos, que decorrem dos
primeiros, do regime federativo e dos direitos e garantias fundamentais, constituem
o escudo de proteção dos contribuintes, atuando como freios que limitam o poder de
tributação do estado.(Harada, 2000, p. 282).

Em termos práticos, o principio da legalidade traz consigo a noção de que a


criação ou majoração de tributos apenas pode ser validamente engendrada pelo Estado, desde
que autorizado por lei.
Contudo, justamente por tratar-se de normas de estrutura e não apenas normas de
conteúdo, ou seja, normas dotadas de grau de abstração e alcance superior em comparação a
outras normas do complexo normativo-jurídico, tem-se que transcender a noção acanhada na
2

qual o princípio da legalidade em âmbito tributário encontrar-se-ia inserto (apenas no binômio


instituição/majoração), pois seu potencial protetivo desborda de tais limites.

[...] cumpre acrescentar que o principio da legalidade tributaria não se resume,


apenas na vedação de instituição do tributo sem a previa autorização legislativa, de
há muito extrapolou o velho principio donde se originou nullum crimen sinelege –
para passar a reger as mais diferentes situações relacionadas com a tributação, a
formação de uma ordem jurídico-tributária cada vez mais justa [...]. (Harada, 2000,
p. 283).

Assim, em estando o quadro das imposições tributárias ao talante dos princípios de


jaez constitucional, tem-se no princípio tributário-constitucional da legalidade tributária a
salvaguarda básica de talvez maior relevo à esfera protetiva dos cidadãos, visto que afasta o
arbítrio e a discricionariedade, o desvio de finalidade e o excesso, com o supedâneo
legiferante, qual seja, a criação e a existência de leis delimitando e conduzindo o atuar estatal.

4.2 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

Outro princípio de previsão constitucional aplicável no âmbito tributário e idôneo


a operar efeitos protetivos quando invocado, o principio da anterioridade parte do pressuposto
de que tributo algum deva exigir-se ou aumentar-se em desfavor dos cidadãos-administrados,
sem que a lei anteriormente assim o estabeleça.
Dessarte, topograficamente previsto no Artigo 150, inciso III, alínea b da Norma
Àpice, o princípio da anterioridade pressupõe que tributo algum deva ser exigido e/ou
cobrado no mesmo exercício financeiro em que publicou-se a lei que os instituiu ou majorou.
Pragmaticamente, traduz-se na seguinte limitação: Lei que aumente ou crie tributo
só tem efeito a partir do ano seguinte em que for criado.
Tal modus é uma verdadeira proteção aos cidadãos-contribuintes, na medida em
que podem esquivar-se de tributações realizadas de inopino, chamadas na comumente e
popular expressão de “no abrir e fechar de cortinas”; A diretriz principiológico-constitucional
da anterioridade tributária consagra, ainda, à sua maneira e à sua medida, o princípio geral da
segurança nas relações jurídicas, conferindo estabilidade, planejamento e segurança à relação
jurídico-tributária.
Afasta-se, pois, a possibilidade pouco confortável do aumento de carga tributária e
modificações correlatas sem a observância ao momento oportuno para tal, que deve ser um
2

momento previamente definido e de inteiro conhecimento do cidadão-contribuinte, o que, sem


dúvidas, trata-se de escudo defensor, ensejando planejamento e estabilidade no exercício de
direitos e deveres. Corroborando,

[...] Este princípio também é conhecido como princípio da não-surpresa, por ter
como objetivo não causar sobressaltos na vida financeira dos contribuintes, que, em
tese, sabendo antecipadamente do aumento da carga tributária, poderiam se preparar
para suportar o ônus financeiro dele decorrente. (Valadão, 2003, p. 21).

Alias, mais adiante vai o alcance, a funcionalidade e o status deste princípio, o que
plenamente ratificado pelas lições de renomado jurista:

[..] Esse principio da anterioridade constitui, a nosso ver, uma garantia fundamental,
insusceptível de supressão via emenda constitucional. De fato, o estado tem a
faculdade de criar novos tributos ou majoral os existentes quando quiser, mas sua
cobrança fica diferida para o exercício seguinte ao da publicação da lei que instituiu
ou aumentou (...) esse fato possibilitará ao contribuinte planejar sua vida econômica a
partir de zero hora do dia 1º de janeiro de cada exercício, sem que se veja
surpreendido por exigência tributarias imprevistas (Valadão, 2003, p. 285).

Ante o expendido, há que se ressaltar o teor nitidamente protetivo do princípio da


anterioridade tributária.

4.3 PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE

Inserto no Artigo 150, inciso III, alínea a, da Carta Política, o princípio da


irretroatividade de âmbito dos tributos é mais uma das limitações principiológico-
constitucionais ao poder de tributar; mais um, portanto, escudo em defesa do cidadão.
Na verdade, sua matriz constitucional encontra-se inserta no Artigo 5º, inciso
XXXVI, como esclarece festejado tributarista:

[...] A diretriz contida no Art. 5º, XXXVI, constituição federal é portadora deste
mesmo conteúdo axiológico, irradiando-se por todo universo do direito positivo,
incluindo, portanto, a região das imposições tributárias. (Carvalho, 2000, p.157)

Assim, expandida e traduzida ao âmbito do Direito Tributário-constitucional, sua


principiologia condiz com a noção de que inexigíveis são os tributos em relação a fatos
geradores ocorrentes antes da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.
2

Ou seja, a pretensão voraz – e no mais das vezes injusta – dos entes tributantes no
tocante à atividade legiferante na instituição e majoração de tributos, encontra o óbice de não
poder retroagir para alcançar fatos imponíveis ocorridos antes de entrar em vigor.
Dessarte, para criar ou aumentar um tributo, o ente tributante deverá respeito à
irretroatividade. Sua inobservância, em contrapartida, desafia vindicar este princípio
constitucional a favor do povo, por configurar-se abuso flagrante.

4.4 PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Outro princípio no qual é possível inferir-se de mais de um dispositivo


constitucional localizador, pois encontrável no Artigo 150, inciso II e, de forma genérica, no
Artigo 5º da Constituição da República, ao estatuir a igualdade (formal) de todos perante a lei.
O que se pretende em jaez tributária com a adoção deste princípio secular, não é
meramente repeti-la na Carta Magna, mas reforçar sua imprescindibilidade na atividade
tributária.
Também denominado de princípio da igualdade, tal diretriz principiológica versa
sobre a básica problemática que é instituir tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente. A distinção, nefasta neste caso, deve ser defenestrada da
ordem jurídica. É de se trazer à colação, pois, que,

[...] a lei isentiva não pode importar no estabelecimento de uma situação de


desigualdade jurídica formal, estabelecendo tratamento desigual de pessoas que se
encontram sobre os mesmos pressupostos fáticos, sob pena de inconstitucionalidade
(Harada, 2000, p. 286)

É que a lei deve ser insculpida, embasada na generalidade e na abstração,


promovendo a não-acepção de pessoas, o que ilustre Desembargador exemplifica como:

[...] qualquer pessoa que pratica o ato ou se encontra em relação com o fato é que o
suporte fáctico (em matéria tributária, fato imponível) da norma será colhida pela
incidência desta e afetada, igualmente, pelas conseqüências daí advindas,
independente de raça, cor, credo, ideologia, classe social, a que pertença ou
quaisquer outras condições pessoais.(Difini, 2006, p. 79).
2

Assim, revela-se o princípio da isonomia como mais um dos princípios aptos à


defesa dos cidadãos-contribuintes, passível de ser vindicado sempre que houver pessoalismo e
desvios outros de conduta na seara tributária.

4.5 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUITIVA

Encontrável no artigo 145, parágrafo 1º da Constituição vigente, o princípio da


capacidade contributiva apresenta-se nos seguintes termos:

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado a administração tributária,
respectivamente para conferir efetividade a esses objetos, identificar, respeitados os
direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte (Brasil, 1988, p. 142).

O que se dessume, portanto, em cotejo com o princípio da isonomia, anteriormente


analisado, é que trata-se o princípio da capacidade contributiva, de verdadeira aplicação da
principiologia isonômica, na medida em que preconiza uma distributividade da carga
tributária entre os contribuintes, visto que cada um deles, individualmente considerados,
possuem capacidades contributivas distintas, ratificando a lógica de que pagará mais quem
mais poderá pagar; pagará menos quem poderá menos pagar.
Tal procedimento pretende um modus operandi equânime à arrecadação e, nesse
diapasão, trata-se de legítimo instrumental de segurança ao contribuinte.
Ademais, levando-se em consideração as sérias discrepâncias sociais que grassam
no país, a diretriz principiológica da capacidade contributiva é valioso instrumento para
desconstituir o fundamento de eventuais onerações demasiadas em desfavor de determinados
extratos da sociedade, podendo-se considerar que invocá-lo é reunir-se do adequado respaldo
legal à proteção do social e economicamente mais frágeis.

Nessa esteira de raciocínio,

[...] o princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da


igualdade e ajuda e realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente,
3

é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito, pague


proporcionalmente mais [...] (Harada,2000, p. 65).

4.6 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO OU VEDAÇÃO DO CONFISCO

Sua previsão constitucional abriga-se no Artigo 150, inciso IV da Constituição


da Republica e consiste em obter a utilização de tributo com o nefasto efeito confiscatório.
Inegavelmente irradiado pelos constitucionais princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, bem como obediente aos princípios da isonomia e da capacidade
contributiva, também de jaez tributário-constitucionais, parte da noção de que a onerosidade
excessiva, o famigerado excesso de exação, a ofensa ao direito de propriedade, bem como
quaisquer outros abusos perpetrados a pretexto de tributação, não encontram guarida e, por
via de conseqüência, devem ser infirmados. Nesse diapasão,

[...] o principio da capacidade contributiva, igualmente, deve ser levado em conta na


avaliação do efeito confiscatório de um tributo. Ultrapassado o limite da capacidade
econômica do sujeito passivo, estaria caracterizado confisco. (Harada, 2000, p. 290).

Dessa maneira, a moderação ao estrito necessário legal deve permear a atividade


tributária, vedando a indevida apropriação estatal, impingindo insuportável ou inviável
tributação dos cidadãos-contribuintes sob suas propriedades e bens.

4.7PRINCÍPIO TRIBUTÁRIO-CONSTITUCIONAL DA UNIVERSALIDADE


E GENERALIDADE

É no artigo 153, parágrafo 2º, inciso I onde está instalado tal diretriz, inferindo-se
a idéia de que o tributo deve alcançar, atingir, exigir-se de todos os que enquadrados na
hipótese de incidência tributária.
A generalidade, portanto estaria em o tributo abranger todos os contribuintes.
Neste sentido, tanto na exigência de isenções tributárias devidas, como na
exigência de que todos em igual situação de sujeição tributária arquem com o que é devido,
fazendo com que se desinstale a desigualdade contributiva e arrecadatória, é que se reconhece
o princípio da universalidade e generalidade como respaldo normativo-jurídico idôneo à
salvaguarda dos administrados.
3

4.8 PRINCÍPIO DA PROGRESSIVIDADE

Previsto no Artigo 153, parágrafo 2º, inciso I da Carta, decorre logicamente do


princípio da capacidade contributiva, donde a proporcionalidade das arrecadações enseja-se a
aumentar apenas em face de algum fator ou característica determinada, como aumento de
renda, desvio da função social da propriedade, ou seja, em se modificando o status quo,
desejável – alias, imperativo – modifique-se a situação em favor dos cidadãos.

4.9 PRINCÍPIO DA ILIMITABILIDADE AO TRÁFEGO DE PESSOAS OU


BENS

O Artigo 150, inciso V do texto constitucional traz a vedação às limitações ao


tráfego de pessoas ou ao tráfego de bens por meio de tributos. Inegável, pois a supremacia do
direito de ir e vir em detrimento de limitações geográficas.
É princípio oportuno para vindicar o desembaraço ante as constrições ao
locomover e ao transportar, em sede tributário-constitucional.

5.0 DA MULTIPLICIDADE PRINCIPIOLÓGICA E SUA


NATUREZA NÃO EXAUSTIVA, ANTE A HERMENÊUTICA
CONSTITUCIONAL
3

Dessa maneira, sem a pretensão de exaurir os princípios aptos às limitações


tributário-constitucionais, enumerou-se no corpo do presente trabalho os princípios mais
relevantes, os quais constam como verdadeiros escudos protetivos aos exageros estatais, o que
não exclui a existência de outros.
Contudo, dada a própria característica dos princípios, de notável conteúdo
axiológico, passível de interpretações elásticas na busca da teleologia normativa, da mens
legis, a tarefa de exaurir, enumerar todos os princípios redundaria em atividade imprecisa, em
razão dos princípios servirem justamente para flexibilizar e amoldar o que, por natureza
encontra-se engessado, ou seja, os conteúdos normativos sob a forma de leis positivadas e
códigos prontos.
Afinal de contas, os cidadãos, alcançados pelo status de contribuintes, são a fonte
de arrecadação estatal dos tributos, sejam em seus bens, rendas ou propriedades; mitigar os
danos ou excessos e a sanha arrecadatória consiste, antes de mais nada, em fundamentar tais
pleitos em um suporte capaz de sobrepor-se a leis infraconstitucionais.
Nesse particular, são os princípios tributário-constitucionais verdadeiras esferas
protetivas dos cidadãos, em razão de guardarem em si a força sobre a pirâmide normativa,
ainda que leis à primeira vista indenes de conteúdo injusto, embora realmente injustas, e por
isso mesmo merecedoras de expulsão do ordenamento jurídico, lá estejam instaladas.
Portanto, o tema princípios mantém-se em aberto, pois, tal como a paleta de um
artista ao pintar um quadro, contém apenas os tons primários, as cores básicas, é a partir do
seu talento, que a mescla de cores dará nascedouro a infinitas tonalidades.
Assim no Direito, ocorre o mesmo.

6. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Sem a pretensão de esgotar o assunto quanto ao rol de princípios detectáveis na


Carta Política, idôneos a constranger os arbítrios estatais no âmbito do Direito Tributário,
3

mitigando abusos e promovendo a proteção dos cidadãos e não apenas dos contribuintes – até
porque a tarefa de garimpar estas verdadeiras pepitas normativas que são os princípios,
dimana do contínuo trabalho hermenêutico – o presente trabalho traz o singelo contributo de
colacionar a maior parte das diretrizes principiológicas aplicáveis, com esteio cientifico nas
idéias dos estudiosos do tema, na formulação desta pesquisa monográfica.
Nestes tempos, os quais em voga o questionar sobre a relativização dos direitos
individuais, bem como o papel do Estado, o papel das Constituições e o papel do individuo, o
tema proposto demonstra pertinência com o momento atual; valores tão caros à
contemporaneidade como velocidade, praticidade, informalidade e virtualidade, em muitos
aspectos insinuam uma contraposição ao que é formal, escrito, real.
É neste palco, que os princípios constitucionais, por conter um grau de
abstratividade maior que os demais comandos da Carta Magna, atuam como protagonistas,
justamente por melhor identificarem-se com a dinâmica do mundo atual.
O princípio, portanto, ao encontrar ressonância menos no aspecto formal,
normativo e mais no âmbito das idéias, na teleologia que permeia e justifica a existência de
uma norma, apresenta-se como supedâneo consistente. A menção a princípios, antes mesmo
da menção a normas, portanto, sempre que um direito for violado ou um exagero perpetrar-se,
pressupõe ferida de morte ao ordenamento jurídico, por atingir não o conteúdo, mas a própria
estrutura que o constitui e o sustenta.
É exatamente nesta noção que o objeto do presente trabalho monográfico encontra
sua ratio, pois em sendo a atuação no âmbito tributário atuação estatal, por conseguinte
nascente por meio da sanção de leis formais e prévias, e mostrando-se no mundo jurídico por
meio de atos administrativos e judiciais, que por sua vez integrarão o ordenamento jurídico na
qualidade de normas de conteúdo e uma norma de conteúdo contrária, dissonante às normas
de estrutura que as contém, será expurgada ou, ao menos, mitigada.
Cabe, portanto, aos princípios, este papel balizador, limitando incompatibilidades
e excessos, normalizando a ordem jurídica positivada, de sorte a harmonizá-la com o ideal de
justiça.
Esse mesmo ideal de justiça e harmonia, cuja busca pelos homens opera-se desde
remotos tempos, só pode minimamente concretizar-se à medida em que as vontades
individualmente consideradas derem espaço à vontade coletiva, somatório destas vontades
individuais. Tal mudança não ocorreu de maneira linear, uniforme, variando de acordo com as
variadas relações de poder estatal entre administradores e administrados.
3

Particularmente, causa fascínio e ao mesmo tempo preocupação que, a despeito de


todos os poderes serem exercidos no Estado dentro da conformidade de uma ordem jurídica
por ele mesmo engendrada, é o próprio Estado, como sói ocorre, o maior descumpridor de si
mesmo.
Se as inseguranças de ontem fundavam-se na possibilidade do fisicamente mais
forte subjugar o fisicamente mais fraco, a insegurança do hoje decorre do institucionalizado a
subjugar o individualizado. A ameaça física, ainda que simbólica e sofisticada não mais em
atingir o corpo, mas direitos e liberdades, demonstra a indisfarçável vocação do Estado para
abusos.
E é na atividade tributaria que esta indisfarçável vocação de abusar transparece
com freqüência.
A percepção de vulto diante desta problemática, recai sobre o valioso dado que,
embora a atividade tributaria goze de amparo legal, os métodos de concretizá-la, por vezes
não. O atuar estatal tributário é legítimo; os meios que utiliza ou os fins a que persegue, nem
sempre; ainda que aparentemente, sim.
Então, o que serviria como compatibilizador do exercício dos direitos dos
indivíduos, exsurge como constritor do exercício dos direitos dos indivíduos.
Nestes termos, a ordenação de comportamento pelo Estado dirigido aos
administrados, carece de legitimidade, quando desvirtuados. Os administrados integram a
estrutura estatal, são componentes desta e por isso, atos restritivos a direitos e liberdades não
coadunados à supremacia do interesse público genuinamente considerado, não devem nem
podem ser aceitos.
E a salvaguarda ante os arbítrios do Estado e a sua indisfarçável sanha
arrecadatória, encontra-se no próprio estatuto fundamental desse mesmo Estado e de seus
cidadãos, o conjunto de disposições e princípios básicos que dizem respeito aos valores
fundamentais – a Constituição da República.

7. REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário brasileiro. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
3

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 1987.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

__________. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Atual. Rio de Janeiro:


Forense, 1997.

BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2. ed. São Paulo:
Max Limonad, 1998.

BARROSO, Luiz Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas:


Limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

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