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A MORTE E UMA FESTA Iris Kantor Joao José Reis: A morte é uma festa: ritos fiinebres e revolta popular no Bi século XIX, Sio Paulo, Cia. das Letras, 1991 Os estudos de J. J, Reis nos iiltimos ddez anos afinam a producdo brasileira com 0 debate _historiogréfico internacional. A perspectiva deste historiador nto se perde ‘numa incorporagdio epidérmica dos modismos ccuropeus, mas pretende vislumbrar as peculiaridades do processo de formagdo social brasileiro e, especialmente, o baiano. Ao lado de Verger, Mattoso e Schwartz, Reis contribui ara a consoidapo. de uma historiografa regional vigorosa Jodo José Reis é um dos principais estudiosos daquilo que se poderia denominar ‘uma historiografia dos micro-poderes no cotidiano colonial. Seus livros © anigos anteriores & publicagto de A morte é uma festa ‘evidenciaram uma preocupagdo com a leitura da fesisténcia escrava a partir de uma abordagem que no reduz 0s acontecimentos a 9posigdo estrutural entre senhores e escravos 2. Reis complexificou as anélises 0 mostrar as tensées entre afticanos ¢ criowlos, forros ¢ ‘escravos, negros © mestigos, Sua reflexdo faz- nos ver como os escravos desenvolveram uma Particular sabedoria politica, conquistando ‘esferas de negociagdo no interior da sociedade 1- Stuart Schwart: SegredasInernos, Sko Paulo, Ci, sax Letras, 1989; Pierre Verger: Fluo Reftuo do Teifco de Eseroves entre 0 Golfo de Benim ea Bohia de Todos os Santas: dae séeuos XVII a XIX, Sto Paslo, Ea ‘Corrupio, 1987; Kia M. de Quetoe Muttan; Baia, ‘Séeulo XIX: uma Provincia no ptr, Sko Paulo, Ed Nova Frontera, 1992. 2- Obras publicadss por loko Joss Rei: Rebelo Eserave no Bras! 4 Mst6ia do levante dos Malés, Sio Pavlo, Bailiense, 1986; orgaizou 6 volume de ensios Escraiddo © nvensto da Liberdade:esmdos sobre @ negro no Brasil, Sko Plo, Brasiionte, 1988; 6 co-suior be Negociogdo Conflto:¢resistincia negra no Brasil eseravisa, So Paso, Ci, das Letra, 1989, il do ‘seravista, Ao recuperar 0 universo cultural afro-baiano, destaca o significado da luta pela Preservagdo do espaco sagrado africano que se ddeu na dindmica engenhosa de recriago dos signos culturais, Em 4 morte é€ uma festa, 0 historiador amplia a cartografia da sociedade baiana oitocentista ¢ desenha em filigrana as raticas funerarias da populagdo, O objeto ‘central do livro ¢ a revolta popular ocorrida fem 25 de outubro de 1836 na cidade de Salvador, Nesta ocasido, a multidao destruiu o eemitério do Campo Santo inaugurado trés ias antes. A revolla contou com a participagdo indiscriminada da populagio c, inclusive, com a complacéneia da_policia focal. © que impulsionou esta manifestagdo massiva? Quais foram os interesses envolvidos? Qual o significado simbdtico que festa sediggo mobilizou? Estas sfo algumas perguntas que 0 historiador vai respondendo 40 longo de uma saborosa narrativa A proibicao de fazer enterros nas igrejas, como era costume, ¢ a concesso de monopélio funerdrio a uma companhia privada por 30 anos desencadearam um protesto piblico que culminou em quebra- quebra.generalizado, Tal foi a fliria ¢ a extravagincia dos revoltades, que _nio deixaram pedra sobre pedra do dito cemitrio. ‘A"Cemiterada” ~ como ficou conhecido este levante ¢ reconstruida por J.J. Reis com toda sua espessura histérica, proporcionando 20 leitor diferentes Angulos de observacdo do acontecimento, E na trama dos interesses econdmicos © no confronto de mentalidades que podemos perceber as tensies sociais em jogo na resisténcia contra o cemitério, Nos primeiros ‘apitulos, 0 autor faz um amplo estudo sobre a cidade de Salvador na primeira metade do ‘eaeros de Compe século XIX: composigdo étnica e demogrifica, Conjuntura econdmica, hierarquias sociais © diversidade de padrées culturais. As vésperas da Cemiterada, Salvador ¢ uma cidade coalhada de problemas urbanes, de

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