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Ao amigo Marciano

Quis fazer tudo de novo. Lembrou-se de imediato, certas coisas no voltam mais.
Pacincia, o que h de se fazer? Fazer outra coisa. Marciano, se no tivesses bebido tanto,
talvez, pudesses ter visto as coisas com mais clareza. Mas teus amigos eram inevitveis e te
carregavam ao bordel das moas j esquecidas de tanto esperarem. Culpa tua que leu Marx e
achou que poderia mudar o mundo e aplicar Freud em tudo e em todos; se tivesses bebido
menos saberia que ele no explica quase nada e que Marx parecia usar pio, Freud tambm, o
Pessoa ( antes do pio que a minhalma doente) e Nietzsche. Culpa tua que no viu a
tempo o abismo que te aguardava. Quis ser escritor, jornalista, mas no produziu quase nada.
Marciano, se tivesses bebido menos nunca seria escritor, pois seria normal, assim como eu sou.
Pegaria a caneta e no escreveria nada.
No amor, um fiasco. Quem mandou no cuidar bem da esposa e permitir a presena de
tantos garbosos amigos em sua casa, constantemente, nos longos perodos de sua ausncia?
Logo... Inevitvel, amigo, elas so fracas como ns. Nesse aougue da vida, a variedade mais
querida a mais escassa. (J comparou os preos? Corao caro demais...).
Queria comear de novo, eu sei. Mas a Vida no volta atrs, lamentvel. Poderamos
ser mais felizes se pudssemos voltar e refazer a vida desde o instante do nascimento (mas
imagina a confuso! Todos voltando ao passado no haveria futuro, compreende?). No se
irrite quando digo que no volta. Tambm avisei que poltica como feita faca de dois
gumes; uma cega e a outra mole. Quis se aliar aos socialistas e amou o utpico, fumou pio
e brigou na rua e greveou, balanou haste e estandarte tudo junto, igual a comer banana com
casca. Na verdade, viver como comer banana com casca. E veio a sua revoluo? No.
Continuou sem seu livro.
Direi pouco, levaste a vida to maliciosamente e sem preocupao que acabaste
levando-a a srio demais. Porm, todos morrem, Marciano. Inclusive sua pessoa que comeou
a escrever sua autobiografia e a esqueceu, porque morreu ontem tardinha de morte quase
natural (se no fosse a cirrose). Vejo a cena: Observando o pr-do-sol da varanda de sua casa.
Enquanto, sentado na cadeira de balano, escutava grave e sozinho aquele tango Por Una
Cabeza.
Ai! Sim, a vida passa... Por cima de nossas cabeas.

Rafael Mafra

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