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CIP-Brasil. Catalogagdo-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RI. Mindlin, Betty ‘Moqueca de maridos: mitos eréticos / Betty Ms73m. Ped. Mindlin ¢ narradores ‘indigenas. - 2° ed. — Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1998. Inclui bibliografia e apéndices ISBN 85-01-04928-X 1, indios do Brasil - Lendas. 2, Amor. 3, Mito. 1. Titulo. CDD ~ 398.22 97-0953 CDU — 398.2 Copyright © 1997 by Betty Mindlin Direitos exclusivs de publicagto desta edigto adquiridos pela EDITORA ROSA DOS TEMPOS Um selo da RECORD DE SERVICOS DE IMPRENSA S.A, DISTRIBUIDORA. Rua Argentina 171 Rio de Janeiro, RJ — 20921. -380 — Tel.: 585-2000 Impresso no Brasil » Nt4. ISBN 85-01-04928-X F y ES, PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL eS (Postal 23.052 N= Janeiro, RJ —20922-970 EDITORA AFILIADA [IENSTRUACAO, OS NAMORADOS IRMAOS, A LUA E O JENIPAPO Uberiké Sapé Macurap wa: Biweiniké Atiré Macurap mente, os homens é que ficavam menstruados. Ficavam lusio numa maloquinha, sentados, com 0 sangue escor- do pinguelo. Assim era, e as mulheres bem sossegadas, do por af. Um dia, uma mulher casada foi namorar o seu que estava menstruado; ele jogou o sangue na xoxota dela. entao, as mulheres é que passaram a ficar menstruadas, ez dos homens. onta-se a historia da menstruago também de outro jeito. avia uma moga solteira, bem menina, que de um dia para B comecou a receber em sua rede, a noite, a visita de um sonado. No primeiro dia ela estava semi-adormecida e ao os olhos na escuridao percebeu um corpo forte que a abra- O desconhecido pediu que ficasse quieta e tantas palavras s Ihe disse, revelando como hd tempo gostava dela e como a doido para namorarem, tanto a afagou com delicadeza e a, que ela se deixou levar. Era impossivel ver 0 rosto do norado — nao havia nem sequer um breu aceso. Passado um tempo, a menina comegou a ficar curiosa para Der quem era o seu amado. Contou para os parentes e paraa que estava muito feliz mas nao sabia com quem. A mae a pnselhou a pintar o rosto do sedutor, para no outro dia desco- air a sua identidade. Berry Minpun & Narrapores IND{cENAS A menina tinha muito urucum para pintar seus cintos. De- pois do amor, pintou o rosto do namorado. No dia seguinte, ob- servou 0 rosto de todos os homens — nao havia nenhum pinta- do. E que o rapaz levantara cedinho e lavara o rosto no rio. Pensando que o banho poderia ter apagado a pintura, a me- nina resolveu experimentar outra tinta— ade jenipapo, que nao sai por muitos dias, mesmo com 4gua. Deixou uma cuiazinha com tinta ao lado da rede, e quando o namorado adormeceu, pintou- 0 suavemente, evitando que acordasse. No outro dia, de madrugada, foi se esquentar na fogueira com todos os habitantes da maloca. Olhava os homens, Procurandoa tinta — no via nenhum rosto pintado. Notou que estavam to- dos, menos 0 irmo, e um frio percorreu sua espinha. Dai a pouco veio chegando 0 irmao para junto do fogo. Fora banhar-se no rio gelado, e voltava sem perceber que o seu rosto ainda estava pintado. — Ent4o € meu préprio irmao o homem por quem me apai- xonei no escuro! —lamentou-se a menina, num choro desatado. O irmio afastou-se, morto de vergonha e tristeza. Ficou es- condido no mato, e chamou um amigo para avisar 0 que pensava fazer: — Vou embora para o céu, s6 me resta sumir! Aqui nao te- nho mais lugar, fiz o que nao devia com minha irma. Vou ser Uri, a Lua. Vou aparecer dentro de alguns dias; vocé avisa os nossos companheiros que devem sair da maloca para me ver, e que quan- do eu aparecer no céu devem me chamar de Uri, meu novo nome. Foi assim que o irmio partiu da terra, Durante trés dias, as noites foram escurissimas e ninguém o viu. No terceiro dia, 0 céu se iluminou, a noite. O amigo chamou todo mundo para 0 patio: — Venham ver Uri, a Lua! A irmi foi junto. J4 sabia que era o seu amado proibido. Olhou s6 um pouquinho e entrou na maloca. Mesmo assim, ficou menstruada. E desde entao as mulheres ficam sempre menstruadas. ARIVAL DA URUBU-REI, OU A DOIDA ASSANHADA ra em portugués: Etxowe Etelvina Tapari mem estava fazendo tocaia e deixara seu cachorro, que a, apodrecendo, como isca para ver se os urubus viriam -lo, para tirar as penas deles e por nas suas flechas. Na putrefata do cachorro criavam-se os tapurus, a bicheira de sceram muitos urubus atrds da carni¢a. Eram como gen- am € conversavam entre si. Uns perguntavam aos outros lo ia vir a companheira deles, uma mulher bonita, gorda, poder fazer comida para eles com aquela bicheira. Ah, esta atrasada! — explicou um deles. — Ainda nao uu de assar o nosso beiju, mas ja ja vem ail cacador na tocaia ficou louquinho para ver a mulher boni- urubus-reis, pensando que se fosse bem branquinha e ite, iria querer casar com ela. ntinuavam chegando urubus-teis para bicar os tapurus, e da mulher branca. O cagador decidiu nao matar os urubus, wer se ela ainda ia descer. moga urubu-rei demorou, demorou, cuidando do seu beiju. apareceu, era mesmo encantadora, como os urubus con- lores tinham falado, branco-amarelada, a pele bem brilhan- uu comendo tapurus com seu beiju, e tanto comeu, que os s jd tinham ido embora para o céu, ficou sozinha, Estou solteiro ha tanto tempo, nao acho moga alguma para 131 Berry MINDLIN & Narrapores INDIGENAS casar comigo, que tal se vocé vier para a maloca e for mii mulher, cozinhar chicha para mim? — 0 cagador criou cor: de perguntar. — Sou uma Urubu-real, serd que os teus parentes nao querer me matar? — hesitou a moga. O cagador tanto insistiu e prometeu, tantos cumprime the fez, com tal ternura, que ela resolveu acompanhé-lo. Go: da maloca e do marido. Todos se admiravam de ver uma mi tao formosa: como o cagador fora achar esse primor? Ele atou a sua rede e a dela encostadinhas uma na o Matava muita caca para ela, mas ela nao comia— dizia que a fresca cheirava mal. Era preciso deixar apodrecer uns ped: ento gostava. S6 queria carniga, cheia de tapurus, de verm: marido lhe reservava sempre parte do que cagara, guardava apodrecer. Amulher-urubu era trabalhadeira, fazia chicha, mas nin; gostava da sua comida— achavam com gosto de estragada. que era bom para ela, para os outros cheirava mal, e vice-vei O marido, que antes nado conseguia nenhuma mulher casar, agora tinha uma namoradinha, que na frente mesm mulher-urubu ficava se aproximando dele. Esta ficou fora — Ah, moca sem-vergonha, namorando meu marido na nha cara, hei de fazer um feitigo para vocé... Anamorada tentava intrigar o marido e a mulher, dizendo achicha da estrangeira nao prestava, tinha cheiro de podri marido respondia que gostava assim mesmo, que ele é que ventara de trazer a mulher urubu-rei. Cansada de ver a outra atras de seu marido, a mulher do bu-tei tirou raizes e folhas do mato para fazer feitico. Cham rival, ofereceu o que arrancara, dizendo que aquilo fazia a soa ficar branquinha e bonita. A outra acreditou, passou as pl tas no corpo. Mal acabou de passar os remédios, a moga ficou doidi Queria namorar qualquer homem que passasse. Ficava excit até com o pai, com o préprio irmao, perdera todo 0 pudor. por causa do feitico, virara sem-vergonha, chamava os home! se oferecia. Moaueca De Marinos Amulher-urubu, vendo sua vinganga surtir efeito, voou: de volta para o céu. De ld, procurou o marido, tentando cagar na cabega ele. Perseguiu-o varios dias, até conseguir — e ele morreu. A mie da namorada doidinha morria de vergonha da filha e io sabia o que fazer para escondé-la. Levou-a para uma casa elha, para evitar que chamasse 0 préprio pai a toda hora para se itar com ela. A mde limpou toda a maloca velha, arrumou, e 14 ficou morando com as filhas, esperando ter sossego e curar a nenina. Um dia, a mae mandou a menina buscar agua no rio e ela foi, ntando, chamando os homens, excitada, querendo sempre jorar. Tiano4, o Bacurau, estava no alto de uma 4rvore, chupando ta. A sua figura se refletia na 4gua do rio. A menina, olhando a imagem, se entusiasmou: — O homem bonito! Vem logo para a minha rede, vocé vai | t como vai gostar, nunca teve uma mulher como eu! | Olhou para cima e viu Tiano4, o Bacurau, chupando cajé no 0. Insistiu outra vez para namorar. Tianod é fefssimo, é horrendo, mas ela queria assim mesmo, 4 foi abrindo as pernas, implorou que a tomasse. Tianod desceu ‘a namorar, gostou, enquanto a irma da moga fugia espavorida. Na maloca velha, a irma contou para a mae 0 que acontecera, concluiram que deviam se esconder 4 noite, no jirau onde se | suarda o milho, para ndo serem devoradas, pois Tianod € peri- | oso. Quando aassanhada chegou, continuou gritando para Tianoa ir namorar. A mde, com medo, subiu com a irma para o jirau. A anhada ficou deitada sozinha, chamando, dizendo como o eria, que nao agiientava mais. Por fim veio vindo Tiano4, entrando na casa velha. Tinha posto uma lamparina na cabega, aproximou-se da rede da moca. — Anda logo, homem, estou deitada esperando vocé, venha sr que delicia, vem namorar... Ele deitou na rede da moga, namorou de novo. A mae olhava, norta de medo. Sabia que Tianod é perigoso. Enquanto namo- ia comendo a menina. Berry MINDLIN & NarRaporss INDIGENAS — Nao me come, nao! Namore mim, isso € 0 que eu quero! Tianod comecou a come: caladinha, com medo de acu O namoro-banquete con da doidinha, que nem assim L4 pelo meio da noite, a cima da rede. Tianod sentiu Deixara a namorada pela ci ¢0s, quase tudinho. A moga devorada falava, j4 aos Pedagos: — Tukutudu! Tukutudu! — fazia o barulho de passaro tendo as asas, da galega quando voa. — Estou com vontade i rar, quero esse homem para me pe; direitinho, entre deni — ela gemia. T uma perna dela... A mae escu tinuava, Tianoé ia comendo pe Se cansava de namorar. irm4 mijou 14 do jirau, escorreu » percebeu alguém por 14, levani intura, jd tinha comido pernas e — Vou jogar vocé! A mie jogou, a moga foi virando passaro, galega, Enqu: voava, ia avisando a mae e airma: — Quando eu adivinhar 0 ¢: vrrr...” com as minhas asas... Por “passear, tirar lenha... nao vao se aminho, vou avisar vocés, “ dem andar no mato, “vrrr, perder, vou avisar. O HOMEM QUE VIROU MULHER Narradores: Exowé Alonso Jabuti e Abobai Paturi Jabuti Tradutor: Armando Moero Jabuti Kero-opeho, um cagador, deixou as flechas ea caca num c: mergulhou no rio para se banhar. Nadava debaixo d’4gua; nem percebeu que alguém, soube quem, lhe arrancouo pinguelo ¢ os ovos, pondo um igual a uma periquita de mulher, no lugar em que fora ho! 0 pedago do corpo da mi Puseram-lhe também um iitero, onde fica buchuda. Nem saiu Sangue, nao sentiu, nao doeu; do percebeu, ficou desesperado. Pés-se a procurar sua pica debaixo d’4gua, nada de achar. curou na terra, até no céu procurou, tentando recuperar pit ovos. Sua mulher estava tristissima, o marido tinha virado m Andando, andando, em plena busca, conversando espiritos das aguas, Erowei, encontrou o jap6. Era o espiri Japé, Hibonoti, o Japé-velho. Kero-opeho pediu-lhe uma qualquer, nao queria ser mulher. Hibonoti, o Japé-velho, tirouo sapo-periquita de Kero. e Ihe deu uma pica de homem, mas era muito pequenini tamanho da de um menino. Nao ia dar para alegrar a mi cagador. i Kero-opeho, um pouco menos desolado, voltou paraa Experimentou namorar a mulher — nada, nao conseguia tentar o desejo dela. Mogueca pe Marinos — Por que arrancaram minha pica? — lamentou-se ele com uulher. — Nao sirvo mais para vocé, para o seu fogo, v4 procu- outro marido! Ela, porém, tinha medo dele, que era pajé; continuou a fazer ‘ida e chicha como antes. Quando sentia arder demais, ia atrs ‘outros homens. Kero-opeho fazia com que ela, namorando s, ganhasse comida para eles comerem. Kero-opeho arrumou uma mulherzinha, bem menina, que peito tinha ainda, nunca tinha namorado. Essa era estrei- ‘a, xoxota apertada, com essa era bom. Mas ela logo engra- ju, teve nené, sua periquita ficou larga demais para Kero- ho. Nao quis mais saber do cagador, foi embora, deixando 0 10 para ele criar. Kero-opeho teve que arrumar outra mocinha quase crian¢a. vez que uma mulherzinha tinha filho, largava dele, nao es- mais na sua medida, casava com outro homem de piroca ide. Assim foi com cada mocinha, sempre o abandonavam. a mulher mais velha continuava do seu lado, cozinhando e jorando os outros. Kero-opeho e a mulher mais velha tinham uma filha, que rreu. Tristissimo, ele foi atrds do espfrito da menina por den- d’4gua e pelo espaco. Durante sua busca, dava trovao e muita ; era a forga do espirito, ndo era chuva de verdade. Kero-opeho encontrou 0 espirito da menina e trouxe para a loca, deixou no porto, na beira do rio, pedindo que esperasse, ia pedir para a mae dela levar comida. Deram muita chicha a menina; em seguida, o pai mandou 0 espirito embora ou- vez. Quando Kero-opeho morreu, foi enterrado, mas como eraum jé forte, a cova se encheu de Agua, o corpo sumiu, ressuscitou. fizemos que foi embora, que nao morreu. ARAINHA DAS ABELHAS Narrador em portugués: Awiinaru Odete Arua Tudo o que acontece é com 0s filhos do cacique! Um filho de cacique foi derrubar uma 4rvore com abelha, abelha amarela que chamamos de canudo. Derrubou, tirouo Era solteiro; os homens casados tinham muito citime: mulheres, o filho do cacique nao conseguia chegar perto Por isso vivia triste, por causa do citime dos outros. Derrul 4rvore, contemplou com admirag’o o mel e as abelhas € mou: — Que abelha linda, se esta abelha virasse mulher, seri: da! Queria que virasse para ser minha mulher! Pés o mel num bambu, enrolou e levou para casa. Che; tardezinha, deu para a mae. A mie recebeu; anoiteceu. D ram, silenciou a casa. Aabelha, no mato, se transformou em mulher. De noi trou na maloca, foi bater onde estava a rede do rapaz. — Quem é vocé? — admirou-se ele. — Eu é que pergunto a vocé! — Nao! — Ecomo é que vocé falou no mato, quando tirou mi — Eu falei com a abelha! Disse que se ela virasse mi seria bonita, a chicha que faria seria doce! — Pois sou eu mesma! —e deitou com ele. Dormiram ji Acerta altura da noite, a mae acordou, soprou fogo e dois juntos. Mogueca pe Marinos “Quem serd essa mulher que jé vai fazer confusao como meu ho, seré alguma mulher de marido ciumento? Eu nao queria e essa mulher fosse dormir com ele!” Mas néo perguntou nada de manha. Na segunda noite, tudo i igual. A mulher-Abelha dormiu com o0 rapaz até de manhi, ao iar do dia foi embora. Foi na terceira noite que a mae pergun- — Meu filho, quem é essa mulher que dorme toda noite com ce? : — Mae, essa mulher que dorme comigo nao é daqui, nao! E ‘a abelha que se transformou em mulher, porque fiz esse pe- ido! A mie contou para o pai. Este falou: — Amanha quero que ela amanhega na nossa maloca, para er Chicha para mim. O rapaz transmitiu o recado: — Meu pai quer que vocé amanhega comigo e faga chicha a ele! Ela concordou, ficou. Era uma mulher tio bonita! O marido tirou milho do jirau, ela descascou, debulhou, co- jou, moeu. A mulher tem costume de mascar um pouco de 0 cru para fazer a chicha fermentar. Ela mascou uma vez s6. € muito pouco, costumam mascar mais. Moeu achicha, coou deixou no pildo, botou para o sogro. — Diga para o pessoal tomar minha chicha bem devagari- 10, Sendo vai engasgar! — recomendou. Todos ouviram, bebiam a chicha devagarinho, porque era ce demais. A mulher-Abelha fez a chicha nos outros dias. Na terceira cha, o préprio sogro se engasgou, 0 pai do marido. Estava com uita sede, bebeu depressa e engasgou, morreu. A Abelha, dona da chicha, ficou envergonhada, passou o dia lo sem saber como olhar os parentes, porque o sogro morrera mm sua chicha. — Hoje éa ultima noite que vou dormir com vocé, amanha yu embora para minha casa, porque teu pai morreu com minha icha, engasgou e morreu. Eu vou embora. 233 Berry MINDLIN £ NARRADORES IND{GENAS Ele pediu, implorou, mas nfo adiantou. De madru; foi embora e o marido acompanhou. Chegaram na 4rvore era uma casa para ela, o marido seguiu junto. Para nés, até hoje ela é a rainha das abelhas; e o mari das abelhas.

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