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Otavio Velho OWI Oe WR KD DO QUE O REI Ocidentalismo, rartualene modernidades alternativas Copyright © 2007 Otdvio Velho Direitos de edigo da obra em lingua portuguesa no Brasil adquiridos pela TorsooKs Eprrora. Todos os ireitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada ¢ estocada em sistema de banco de ados ou processo similar, em qualquer forma ou cio, seja eletrénico, de fotocépia, gravacio etc., sem a permissio do detentor do copyright. Kaitor José Mario Pereira Assistente-editorial Christine Ajuz, Revisito Clara Diament Capa Miriam Lerner Diagramagao Ante das Letras ‘Topos 08 DINETTOS RESERVADOS POR ‘Topbooks Editora ¢ Distribuidora de Livros Ltda. Rua Visconde de Inhatima, 58 / gr. 203 - Centro Rio de Janeiro ~ CEP: 20091-000 ‘Telefax: (21) 2233-8718 e 2283-1039 Fanail: topbooks@topbooks.com.br Visite 0 site da editora para mais informagoes www.topbooks.com.br para Stela e Gabriel MODOS DE DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA, CAMPESINATO E FRONTEIRA EM MOVIMENTO Nora previa [2005] Bem mais antigo que os demais textos desta coletanea, o presente artigo esta aqui posto como dado etnogréfico de uma trajetéria de pesquisa e como testemunho relativo a uma tentativa de inova¢do que respeitava certos mo- dos de abordagem ¢ intervengao caracterfsticos de uma época, num jogo de sutis diferenciagdes, hoje dificil de acompanhar. Nao é, porém, sem algum, espanto que observo como, apesar de imensa diferenga de linguagens e enfoques, algumas de suas problematicas centrais reaparecem nos escritos mais recentes, em outras roupagens. Foi de fato, em ‘didlogo’ direto com a ultima parte deste texto, que, alguns anos mais tarde, produzi um trabalho —“O cativeiro da Besta-Fera’, aqui também republicado (capitulo 3) — que representou uma espécie de _virada“a retomada de questao social (econdmica, politica) da subordinagao camponesa numa outra chave, cultural (biblica, religiosa), Virada tedrica, mas também epistemolégica, cognitiva (ver capitulos 7 e 13). Por‘outro lado, a primeira segao do presente artigo, ao problematizar o carater exemplar ou modelar dos casos modernos centrais (0 capitalismo burgués), nao est muito longe, em certos aspectos, daquilo que mais recentemente venho elaborando, por exemplo, a respeito das modernidades alternativas ¢ do ocidentalismo (ver capftulos 4 ¢ 12). B, entre essas duas balizas, esses dois modos de vineulo com a produgio passada, talver o interesse mesmo pela | 77 | “blobalizagao§— outro modo estratégico nesse percurso (capitulos 9 e 10) guarde, de modo comp! oe aco nem metaforica nem evolutiva mento” Assim conforme-sugeti no-Prefécio e no Memorial (capftulol), ‘ca- madas conya “fronteira em movi de continuidades e de rupturas se superpéem e se misturam, as inferrupgdes e passagens ligando-se de um modo muito mais dobrado e Teliculado do que primeira vista estamos propensosa percebera perceber, Oferego, portanto, esse enigma ao leitor mais Paciente, Burcuesta @ Estapo! A visdo mais corrente da ctiagao de uma sociedade capitalista supoe, 6m Fermos esquematicos, a formacao, no seio da sociedade feudal, de uma classe burguesa que em determinado momento ou periodo de seu desen- volvimento se Insurge contra o yelho regime e instaura o seu poder politico Sob 05 postulados da democracia liberal, Todavia, é simples de constatar que, na verdade, foram muitos os casos ‘ledesenvolvimento capitalista que, em grau maior ou menor se afastaram signifi tivamente desse esquema, chegando mesmo a nao conhecer uma Tevolugio burguesa, Esses casos tenderam a ser tratados como excecdes Otranomalias. No entanto, se 0 observador fosse rigoroso na aplicagao do scluema, poderia igualmente considerar como excegoes aqueles que dele se aproximaram, Um exame mais detalhado das grandes revolugoes burguesas mostra- hos uma p velsaida para o dilema, De fato, podemos verificar que elas ‘iste artigo constitu Runa sintese cle um trabatho maior em elaboragao (Velho, 1979), Ins arguimentagio que apsiam as tess levantadas estao aqui redlizias a tin minimo, No que diz respeito especificamente sim sendo, as evida A questio de campesinato Feitetta no lrasil, parte do suporte empitico esté exposto em Frente dle Fxpansto ¢ Petrntura Agraria ( Velho, 1972), | | nao se fizeram somente contra as manifestagées do feudalismo, em sua forma tfpica, mas também contra as préprias transformagoes do feudalis- mo sob o comando do Estado mercantilista e absolutista com que estava estreitamente comprometida uma parte da burguesia, através do sistema de monopélios legais. Nada nos leva a cter que na auséncia de tais revolugdes, © sistema feudal sobreviveria, A centralizagao jé era um fato, bem como 0 desenvolvimento de manufaturas e indtistrias com apoio do Estado, sobre- tudo em face de necessidades militares, Podemos, portanto, de certa forma, considerar as revolugdes burguesas nao como constituindo uma vitoria do capitalismo contra o feudalismo, mas a supremacia de um desenvolvimento capitalista burgués sobre um outro desenvolvimento, mais com iprometido. organicamente com 0 passado, mas que nao se esgotava nele. No caso dos Estados Unidos, que inclusive ja nao conheceram o feudalis- mo, é interessante a peculiaridade de que a dois géneros de desenvolvimento capitalista corresponderam espacos fisicos diversos. Embora muito mais acelerada no Norte, ndo deixou de haver industrializagio mesmo no Sul, jd verificével desde o século XVIII, ¢ de iniciativa seguidamente dos préprios grandes proprietérios de terra e donos de escravos? Em diversos pafses da propria Europa, no entanto, nao surgiu uma classe burguesa suficientemente forte para aproveitar-se dos elementos de revolta existentes na sociedade e, impondo sua hegemonia, contestar com sucesso o “antigo regime”. Sobretudo na Europa Oriental, onde isso Pode estar relacionado com a existéncia de terras livres: em primeiro lugar, inal * © que nao implica que se tenha necessariamente de considerar o sistema 0 da plantation como capitalista, mas apenas em que esse poderia, mais ainda do que mo no plano internacional, desen= istema feudal, por jé estar subordinado ao capi volver em certos casos tendéncias no sentido de transformar-se até confuundit-se com cle, Weber (1968:92) chega a considerar a plantation moderna como uma manifestagio o capitalista, Todayia, de uma forte tendéncia do sistema feudal a orientar-se no sen € possivel também representi-la como um modo de produgio especitico, embora subordinado (Cupertino, s/c Palmeia, 1969), 'Ver“A quest for industry Industry in the planting color Para o seculo XIX, ver Starobin (1970), Por ter provocado, diante de novos estimulos comerciais e ameaca militar, ‘\contrapartida da manuiten¢ao ou reintrodugao da imobilizagio da mio. de-obra através da servidao, a partir do século XVI (Doman, 1970); e,em Segundo lugar, por ter retardado a diferenciagao social ao levar 4 dispersao {los elementos mais empreendedores (Trotski, 1965: 25), os quais, a0 con- trio do que ocorreu na Buropa Ocidental, ao fugirem da servidao nfo t- Yeram de se concentrar nos “locais de reftigio” que dariam origem as cidades Comerciais. Ao mesmo tempo, a fraqueza da burguesia e 0 reforcamento da servidao estariam diretamente ligados & manutengao das caracteristicas autoritérias dessas sociedades, em contraste com a Europa Ocidental sem fronteira interna e, sobretudo, com os Estados Unidos, onde se permitiu © desenvolvimento oposto na fronteira, com a expansdo da propriedade familiar. Alguns autores créem mesmo que a situa¢ao na Europa Ocidental Guarda analogia com as formagGes que conheceram a escravidao (entendi- «la de modo amplo como uma variante de um sistema de imobilizagao da mao-de-obra através de mecanismos politicos) e, particularmente, com a Plantation (Blum, 1968; Moore, 1969: 433-34; Domar, 1970). No entanto, tal como nos demais paises, as exigéncias, em especial Imercantis ¢ militares, da inser¢ao em um sistema internacional, bem como Possivelmente as préprias transformacées internas do feudalismo, nao po- ‘liam deixar de se fazer sentir. No que diz respeito 20 Estado, esses efeitos puderam ser de duas ordens, diametralmente opostas. Em certos casos, 0) porque as pressbes foram demasiadamente fortes, seja porque foram le inicio de ordem mais mercantil, o Estado manteve-se por longo tempo [raco, Em outros casos, porém, em que havia possibilidades de mobilizar Hhalores recursos ¢ onde as press6es, sem serem imediatamente avassala- doras, foram no entanto fundamentalmente militares, o Estado tendeu a fortalecer-se, aproximando-se tio mais da autocracia quanto menos se fa Sentira presenga de uma classe burguesa forte "No caso de Tis anh ¢ Portugal, talver ds terras livres no ultraman Lao | No caso da Riissia, 0 processo de unificagao nacional e de centraliza- G40 do poder € nitido a partir de Ivan IV. Posteriormente, com Pedro 0 Grande e seus sucessores, empenhar-se-é a servico de uma ardua e dificil “ocidentalizagao”. Em outros paises da Europa Oriental, onde as presses evidentes foram de inicio mais mercantis que militares, a propria nobreza, na auséncia de uma burguesia forte, procurou adaptar-se e comandar o processo, provocando ela mesma a intensificacao ou reintrodugao do regi- me de servidao como forma de apropriagao do sobretrabalho camponés.* Somente aos poucos, i medida que as exigéncias e pressdes se tornavam maiores, € que 0 autoritarismo descentralizado foi substituido pelos governantes centralizadores, conhecidos na hist6ria por uma expresso que revela a0 mesmo tempo seu carater autoritério e modernizador: os “déspotas esclarecidos”’ De qualquer forma, pode-se dizer que a partir do século XVIII est&-se em pleno e completo dominio, na Europa, de um desenvolvimento desigual € combinado. No século seguinte, o vertiginoso crescimento das forcas produtivas nos paises capitalistas burgueses dard a esse desenvolvimento, no plano internacional, um cardter dramético. Haverd nos paises que nao conheceram uma revolucio burguesa a consolidacao de um capitalismo au- toritério queabalaas préprias classes dominantes, obrigadasa se modernizar ea abdicar parte da ditecao direta do Estado a uma burocracia poderosa, cuja presenga é atestada pela literatura da época,’ e que combina em graus * Certos autores, baseados no exame exclusive do caso russo, supdem estar o regime de servidio necessariamente relacionado ao fortalecimento do Estado central. Ver Blum (1968), que apresenta evidéncias contrérias a essa suposigao, “Talvez devido a essa diferenga é que no caso da Russia, onde o Estado ja havia cons- truido num processo secular o seu aparelho, havia uma burocracia civil experimentada, 0 Passo que nos paises em que o Estado s6 se fortaleceui a partir da segunda metade tado viria a ser mais evidente, do século XVII a presenga militar na gestio do ’ P 10 da Alemanha, até que ponto a posigiio niteressante specular também, no cas proemninente do fstado no sisterna filosdtico de Hegel nao ¢ provocada pelo mesmo fend. «que teria mals tarde no alemto Max Weber seu maior estudioso, men diversosa sua fungio estritamente adi ministrativa e conservadora coma da transformacéo do regime, necesséria para a sua propria sobrevivenci face das pressoes do sistema internacional, CAPITALISMO BURGU E CAPITALISMO AUTORITARIO. Vé-se portanto que a versio autoritéria do capitalismo desenvolveu-se haqueles paises onde nao se dew uma revolugio politica comandada pela burguesia. Ao mesmo tempo, a inexisténcia de uma burguesia forte ¢ capaz dese tornar hegem¢nica relacionou-se no plano econdmico com um “atrae 80” telativo desses paises no que diz respeito a0 processo inaugurado pelas burguesias capitalistas. Como, no entanto, 0s paises que se adiantaram do ponto de vista capitalista tomavam uma Posigao de lideranga no sistema internacional, que fazia pressao sobre os mais “atrasados”, o préprio Estado ‘ol obrigado nesses paises a levar adiante o processo de modernizagao para ho sosobrar, inclusive enquanto entidade distinta; o que alids, nem sempre foi conseguido, como o atesta a divisto da Polonia. Sse processo guardou semelhangas com o ocorrido nos pafses das revol- ges burguesas classicas, mas anies ‘que estas se dessem ouse completassem, ou Selasno perfodo mercantil, que do ponto de vista do capitalismo é tipicamente © da sua acumulagdo primitiva. Em termos da teoria cléssica, é como se a “hdo-correspondéncia” entre a superestrutura politica ea instancia economica stica da “transigao” a um novo modo de produgao (Balibar, 1970; Bettelheim, 1969; Poulantzas, 1971; Preobrazhensky, 1965; Trotsky, 1970a) se cristalizasse, em face de um marco de referencia dinamico de avaliagao da Instincia econdmica, dado pelo continuo desenvolvimento das forsas prodi- livas no plano internacional, que relativiza os avangos realizados, Contudo, nos paises “atrasados” o processo néo seguiu os mesmos. Passos, endo s6 pode, mas foi obrigado a apropriar-se por empréstimo da tecnologia mais avangada, queimando etapas para nao se retardar demasia | a2 | damente em relacao ao nivel capitalista geral. Por vezes, com isso, 0 avanco do processo de concentragao capitalista foi mais acelerado nesses case do que nos paises capitalistas burgueses, dadas a natureza oligarquica da dominagao ¢ a debilidade das resisténcias, em razdo da inexisténcia de um desenvolvimento orginico. A sua fase de acumulagao primitiva confunde-se com a de acumulacao propriamente capitalista, Assim, parece ser possivel distinguir ui capitalismo autoritério em contraposig4o a um capitalismo propriamente burgués, Essa distingao nao nega a identidade bésica e a determinagao de ambos enquanto modo de produgao. Sugere, porém, que sejam vistos, dentro desse Ambito, como modos diferentes de articulasao do politico com 0 econdmico, dado um desenvolvimento capitalista internacional desigual e combinado, em que o desenvolvimento burgués, sem ser a regra universal, forgava.a marcha geral do sistema. A determinagao do politico pelo econdmico no capitalismo auto- ritério dé-se sobretudo em relagao ao desenvolvimento das forgas produtivas em nivel internacional, mantendo 0 politico uma acentuada autonomia¢ mbito da formagao nacional.® agdo sobre o econdmico no * O que nao significa que no capitalismo burgués o Estado fosse passivo, mas sim que paz constitufa © Srgio executive de uma burguesia dominante economicamente & também de expressar no plano politico a sua hegemonia, Pode-se especular se em outros modos de produgao o econdmice ¢ 0 politico, embora menos autnomos e abarcando campos diversos, de tal forma que nao se poderia falar deles abstratamente, também 10 poderiam searticularde modo diferenciado, Seria entio possivel, por exemplo, distinguiit tum modo de produgo camponés, como parece sugerir Thornier (1964), ou um modo de produgao mercantil simples com as suas variantes, mas tendo sempre o campesinato. como classe politica submetida ou 0 préprio modo de produgao coma modo subordinadlo (Tepicht, 1969), Assim, 0 feudalismo, 0 chamado modo de produgao asidtico, etc. nao seriam propriamente modos de produgao, mas formas de dominagaio, modos diferentes de articulagio entre o politico ¢ 0 econdmico, tendo por base um modo de produgio. inclusive tender a manter sua articulagdo basica entre camponés. As variantes poder miico mesmo através ca passagem a outros modos de produgto, No may © politico ¢ 0 ecor caso, a propria noyilo de eamporids, que nao parece ser estritamente econdmic ni subordlinayio politica que o disting sin implicar 6, por exemple compativel com essa afirmayio A propasito de modos diferenciados dearticulagio entre ay E dese notar que com essa comparagio faz-se um contraste com o capi- talismo burgués competitive classico, Nao se esta pensando nem em sta fase de acumulacao primitiva, préxima ao capitalismo autoritério, nem em sua fase monopolista, em que o proprio desenvolvimento das forcas produtivas exige 0 reaparecimento de manifestacdes autoritdrias, que, embora por suas origens sejam diferentes do capitalismo autoritério, no entanto geram um produto que com ele converge sob muitos aspectos, especialmente em seu carater concentrador e repressivo, invertendo assim a formula de Marx e fazendo com que os paises “atrasados”, estes sim, antecipem de certo modo 0 futuro dos paises avancados. E preciso acentuar, ainda, que as diversas manifestagdes capitalistas, mais do que simplesmente autoritérias, burguesas ou outras ligadas a pro- ‘lugio mercantil simples, representam internamente uma relagao cujo valor aritinético em cada caso, respeitada a dominancia, pode oscilar em fungao dle fatores de natureza econdmica e politica, embora em geral sempre em busca de um ponto de equilibrio. B esse valor aritmético e sua variagao que fornecem a peculiaridade de cada caso de desenvolvimento capitalist O politico ¢ 0 econdmico, é interessante mencionar que segundo Mandel (1968: 152-53) as cattsas indicadas por Marx, nos Grundrisse, como responséveis pela nao-eclosio da tevolugdo industrial em nenhuma das civilizagdes antigas, sobret ado da Asia, que possu- lim a base técnica necessévia,estariam ligadas a relacio entre o predominio do poder do Bstado ea fraqueza da burgues ia usurdria, mercantil e bancévia, em contraste com o que iniase verificar na Europa Ocidental. E quanto caracterizagao de um modo de produgio Campones subordinadl, hd uma indicagio no capitulo XXIV de O Capital (Marx, 196; 190), quando, a0 tratar da tendéncia histérica da acumulagdo capitalista e relerindo-se '\ pequena produgio em geral (camponesa e artesanal), Marx diz que: ., esse modo de produgio existe também na es widaio, na servidao ¢ outros regimes de dependéncia” (qiifos OYs na tradugao para o espanhol, 195: fala-se respectivamente em sistema «le produceidn e regimenes de anuilacion de ta personalidad.) {80 ve deve confunclir o autoritarismo four court com o fendmeno do bonapartismo, a0 qual ele pode estar ligado, mas sem equiv suitor léncia, O bonapartismo refere-se sobretudo ao sthio do reginie politico, como sada para uma stdiago de impasse, mas que pode ser eriatureaa conjuntural ou reforgar eacompanhar o autoritarismo estrutural da ‘ticulagiio: multe 0 eeondmico e o politico, Para uma anslise do bonapartismo, ver Guimnaries (1972) | wal Uma vez caracterizado em largos termos 0 que se entende por um ria, que, embora fruto de um desen- capitalismo de dominancia autorit: ; volvimento desigual ¢ combinado, é mais do que urna simples versio distorcida, inconsistente ou inacabada do capitalismo burgués (Fernandes, 1972), tentaremos ver até que ponto um ensaio de aplicagao dessa nogao a um pais “atrasado”, cuja historia recente é sobretudo a de busca de uma transformacao acelerada, pode sugerir uma interpretagao desse DE Embora no estdgio atual dos estudos brasileiros parega ser necessério concentrar esforgos em pesquisas setoriais, acreditamos que a tentativa de apreensio de algumas linhas bésicas do quadro geral possa ter utilidade para a compreensao do proprio setor, que no nosso caso é sobretudo o do campesinato e da fronteira em movimento, ¢ que por outro lado surge como desenvolvimento do proprio estudo parcial, O CASO BRASILEIRO A hist6ria politica recente do Brasil tem tido como marco divisor na obra da maioria dos autores o ano de 1930. Mais recentemente, parece haver tendéncia a colocar outro marco em 1964. Todavia, simultaneamente, tanto © movimento de 1930 quanto o de 1964 so também entendidos como solugdes para crises em que se mudou para permanecer. Assim, conforme a perspectiva do abservacdo, é possivel acentuar as descontinuidades ou as continuidades, sem se enfrentar em toda a sua complexidade a relagao entre permanéncia e mudanga, © mesmo ocorre em relagdo ao proceso hist6rico brasileiro recente, tomado globalmente. f de se perguntar se anteriormente a 1930, jpoilenlyneitic apes ‘a chamada Reptiblica Velha, de fato manteye-se 0 mondtono imobilismo que se costuma ora contrastar com as épocas posteriores, ora colocar como origem de um sistema politico que sobreviveria a todos os abal . Aparentemente, na yerdade as exigéncias de“mudar para permanecer” jase | as |. faziam sentir, embora nao de forma aguda, desde o inicio do século, Ignacy Sachs (1969: 177) considera, por exemplo, que a politica de valorizagao do café, inaugurada em 1906 em resposta aos primeiros sintomas da crise do comércio exterior estabelecido, representa o primeiro caso significativo de intervencionismo na histéria do capitalismo mundial. De qualquer modo, como se sabe,a pritica oficial da desvalorizagio da moeda brasileira como defesa diante dos precos declinantes do café no mer- cado internacional teve como efeito indireto,em face da conseqiiente perda de seu poder de compra efetivo, um estimulo industrializagao (Furtado, 1964). O fato de a intengao ter sido sobretudo proteger os interesses dos produtores e comerciantes do café, sem uma preocupagao primordial coma industrializagao, nao chega a reduzir sua importancia,e lembra as reformas de Alexandre II, que estimularam a modernizagao relativa da agricultura € 0 processo russo de industrializacgao, mas cujos méveis eram de inicio fundamentalmente fiscais e militares (Rieber, 1971; Trotski, 1970b: 42). A politica de destruigiio dos excedentes de café logo apés 1930 é uma pratica mais radical e consciente de manutengao do pleno emprego, pdrém nao deixa de seguir a mesma linha, Nao ha ditvida, portanto, de que se trata, em tudo isso, de uma mudan- fa, mas que carrega consigo o peso do pasado em transformagao, fazendo com que as modificagdes estrutura " sejam dificeis de avaliar a curto prazo, obrigadas pelas resistencias opostas ¢ as composigdes necessarias a tomar um cardter extremamente desequilibrado. A inflagao, que cresceré com © proceso, justamente ser4, ao mesmo tempo, um sintoma e um instru- mento do desenvolvimento desequilibrado, Sera combatida com especial veeméncia por dois setores opos 's: © dos que yéem nela um instrumento de acumulagio a expel sas da massa da populagio, e 0 setor mais liberal © menos ligado ao Estado da burguesia, que a percebe como a causa da deterioragao de suas posi A proposito, ¢ interessante a distingao que faz Caio Prado Jr. (1966: 191-203) entre burguesia ligada e nao ligada aos empreendimentos do Estado, | a6 | Todavia, o fato inegavel é que ao mesmo tempo que se evitava, diante da crise do comércio internacional, uma solugdo mais radical, criavam- ow reor entavam-se mecanismos de acumulagao a expensas da economia agraria, postos a servigo da industrializagao. Para as colénias e ex-colonias - © comércio internacional criara uma situagao particular, com uma divisiio de trabalho que tornara o desenvolvimento particularmente desigual, ape sar da aplicacao de capitais e do mercado consumidor privilegiado criado pelas camadas de renda mais alta. Suas crises sucessivas iréo abalar as bases dessa divisdo, bem como as diferentes redivisdcs que serao vistas no Brasil, retrospectivamente, como etapas de um processo de industrializagao. Nesse processo, 0 Estado tem afirmado um papel ativo e direto na eco nomia, mesmo em periods formalmente liberais. De maneira geral, criou-se no plano politico uma associagao entre nacionalismo e autoritarismo de um lado,e cosmopolitanismo eliberalismo politico de outro. O nacionalismo eo autoritarismo representavam a necessidade, diante de forcas muito poderosas que pressionavam do exterior e do interior, e de um desenvolvimento inter: nacional desigual, de criar politicas e defesas “artificiais” que permitissem um ntayan crescimento capitalista, © cosmopolitanismo eo liberalismo repr es ds livres de inicio fundamentalmente 0 inconformismo com as restrig trocas que formavam a base da estrutura tradicional, bem como A reorien tagao do excedente econdmico. Porém, com o tempo, vieram a represent também as exigéncias do desenvolvimento combinado. Dessa mancira, “nacionalismo” e “cosmopolitanismo” passaram a ser as duas faces dia mes ma moeda, ¢ o sentido de cada uma e sua dominéncia variaram de acordo: ivel no Brasil, dada 0 dined fesse sentido, uma “solugao peruana’ nfo parece ser mais po nifica que a don propria complexidade alcancada pela economia, O que nao nacionalista, por ser invidvel, nao seja encarnada por forgas que podem representar unt papel politico importante, mesmo que a resultante niio venha a ser a que propagnain, nite apenas uma variante da fase nit E provavel que a solugio peruana” original rep cionalista de tentative de implantagio de um capitalismo autoritérios variante tio mais radical do queasanteriores quanto maior; hoje, o atrayo relativos e tio menos eristalizada quanto maiores as possibilidades de acumular recursos para avaniyo do proceso, | a7 | coma dinamica do préprio desenvolvimento, Nos seus primeiros tempos, o“nacionalismo” representou a prépria necessidade de sobrevivéncia de um desenvolvimento que daya os seus primeiros passos e teria sua dominancia garantida pelo recurso ao regime autoritério do Estado Novo (1937-1945) ‘Todavia, o préprio avango do processo €o seu fortalecimento nao s6 vieram a permitir, mas exigiram posteriormente uma associagdlo mais estreita com © capital internacional." Isso se anunciava mesmo antes de esgotar-se 0 Processo de substituicao de importagoes, ao fim de sua tiltima etapa, restrita aos bens de consumo durdveis de maior valor e aos bens de capital. Assim, 0 Periodo 1956-61 representou como que um periodo de transi¢ao (levando a subordinagao da “burguesia nacional” que se ctiara basicamentea sombra do Estado) € 1964, apés a crise do “nacionalismo” a supremacia do “cosmopo- litanismo” Como, no entanto, o desenvolvimento continua a ser desigual, o nacionalismo ainda tem seu lugar, embora de forma subordinada, servindo para corrigir eventuais “excessos” da outra tendéncia. Nesse sentido, “desenvolvimento nacionalista” e “desenvolvimento de- pendente” constituiriam mais do que estratégias que indicam tendéncias opostas,responséveis por um “movimento pendulat” das politicas econémicas governamentais, como sugere Ianni (1971). Na verdade, essas tendéncias, no que € mais fundamental e para além dos “projetos” se completam, cada uma tespondendo a aspectos e momentos diferentes dentro das exigéncias de um desenvolvimento desigual e combinado, num Pais “subdesenvolvido”. Essa interpretacao nao significa que a todo momento o Estado necessa- Hlamente encarne 0 maximo de racionalidade em suas politicas. Mas significa que em cada momento o exercicio do poder constrange, de fato (dentro de certos limites), ¢ leva agrupamentos de orientacao formalmente diversa, independentemente de suas “vontades” e programas, a terem no governo Politicas semelhantes ou, entio, complementares.” Isso ¢ ilustrado pelo (ue ocorre quanto a questao do autor ‘arismo e do liberalismo, Na medida Cont exces, talver dle certos perfodos atipicos, como o apés-guerr dle divisas permitia de fato, ao que pate nique oaciimulo opsbes politicas bastante diversas | a8 | a SRNR enna em que o cosmopolitanismo se torna dominante, rompe-se na prati no perfodo 1964-68, 0 mito de sua ligagao com o liberalismo. O autoritarismo do Estado nao 6 se reafirma, mas se explicita e se moderniza, através do recurso a um novo regime autoritério. Este é instaurado diante da crise da dominancia anterior e da necessidade de criar formas novas e cada vez mais: eficazes eexigentes de acumulaggo, que ndo 0 mero processo inflacionstio} necessidade provocada pelo proprio desenvolvimento em um pais sujeito a uma estrutura internacional de trocas desiguais e com escassas possibilidades de transferir por via imperialista o seu autoritarismo para 0 exterior. A partir, pelo menos, da segunda metade dos anos 60, diante do proceso que leva a dominancia da face cosmopolita, jé nao se pode dizer como antes queos momentos de crse do eapitalismo internacional epeesentam os m0 mentos de maior desenvolvimento interno (Furtado, 1964). Pelo contrario: uma vez redefinidas as relagdes, cresce 0 interesse, como sdcios menores, quanto ao estado e ao destino do capitalismo internacional, dada ‘ng a utilizagio de exportagdes também industriais como forma de ampliar 0 mercado de trabalho e criar novos investimentos. Mas ao mesmo tempo aumenta ainda mais presenca do setor puiblico na economia, j4 que como esgotamento do processo de substitui¢ao de importagées, e tendo em vistit os limites do mercado externo e do consuimismo das camadas de renda mais. alta,a demanda crescente do setor parece cada vez mais indispensavel para a continuidade do processo de crescimento (Tavares, 1972). Restaria saber qual a situagio das diversas classes nesse processo, Alji mas consideracées gerais sobre a posigao do campesinato e da ne em um modo capitalista autoritério poderao servir como uma preliminar. ‘ATO E ERONTEIRA Camp Nos paises de dominineia autoritéria, a grande contradigao est em “sociedade civil” relati ente passiva em face das que, diante de uma “sociedade civil” relativamente passiva | a9 | exigénelas do capitalismo, o Estado, quanto mais avanga no proceso de desenvolvimento, mais precisa de alguma maneira ati do formas subordinadas de dugac acne | as de produgio, Mas, ao fazé-lo, leva a uma maior articulagao dos lagos horizontais intraclassese gera contradi¢aes consigo mesmo. Toda a “crise” dos autoritarismos parece estar exatamente na luta com as forgas sociais que seu prdprio desenvolvimento gerou ou aprumou, mas mantendo-as em posi¢o subordinada. E quanto maior o sucesso ning autoritarismos, apés certo limite, em termos de dinamizagao das foetnagas Sociais, maior a crise. Um dos atores por exceléncia dessa crise tem sido o campesinato. Preobrazhensky (1965: 85-88) j4 chamara a atengdo para o fato de que ° cercamento dos campos, analisado por Marx, nfo foi em toda parte o método tipico de acumulacao primitiva a custa do camponés. Em muitos 2808, assinalou ele, predominaram a pilhagem e a tributacao, que cons- titufram basicamente uma Pressdo nao-econdmica. Se acrescentarmos a ‘ fses tiiantes ss0 0 fato de que nos pafses de dominancia autoritaria as transformagoes capitalist s mais evidentes se iniciaram fundamentalmente quando ja havia, em face do desenvolvimento das forgas produtivas no plait icernanisina 4 possibilidade da presenga da inchistria especificamente urbana ede iit agao, maior ou menor, do capital financeiro, o que tendeu a Provocar a transferéncia do capital gerado no campo para as cidades (Galeski, 1972: Mh 17), compreenderemos como, nesses casos, 0 capitalismo nao im- Plicou uma transformagdo na agricultura que levasse ao desaparecimento do campesinato, Todavia, em suas camadas superiores o campesinato veré dificultado depois de certo Ponto o desenvolvimento de suas virtualidades burguesas,!* devido a retirada sistemética de parte do seu excedente, jaatied He ; Fa aed burguesas clo campesinato implica vé-lo como pequena prorlugiocopection eas toe Rcompativel com vé-o consituindo um modo de Co) Mas Eapennas a outa face da moeda, que se revela particula Suando @ sistema envolvente ¢ dominantemente capitalista, Mesino cl © Ledrico por excelencia de um sistema econ: mente ‘anoy (1966: ponés, admit que:"Where 90 capitalismo autoritério em ultima andlise esté ligado as classes dominantes tradicionais transformadas, a grande burguesia de origem comercial, ¢, hoje, a seus aliados dos grandes monopélios. Quando as contradigdes internas levam 0 capitalismo autoritério a sua grande crise, uma das “saidas” é 0 fascismo, através do qual o campesinato a pequena burguesia em geral ganham uma aproximagao sobretudo sim- bélica do poder sob a protegao do Estado, que manipula politica ¢ ideologi- camente a sua rea¢do as forgas novas da sociedade capitalista, A outra saida €0 contrario da primeira: 0 campesinato busca efetivamente o poder. Mas nesse caso, dada a estrutura mesma do capitalismo jé assentado, é obrigado a aliar-se a forgas que contestam as bases mais profundas do Estado, Em ambos 0s casos, 0 papel do campesinato —o que é curioso, para uma era de capitalismo industrial — tem sido relevante para o desfecho da crise. A posigao do campesinato e de suas diversas camadas nessa crise esti ligada, ao nivel do comportamento, a uma opgao por “seguranea” dentro de limites impostos ow por “liberdade”, Ou seja, depende da sua maior ou menor confianga em termos da luta politica. E dentro dessa opgao que uma a general economic setting is formed suitable for such economic organization, these forms inevitably appear” Entre os autores contemporaneos que tém reconhecido a “dupla natureza” do campesinato contam-se Galeski (1972), Shanin (1966) e Tepicht (1969). A solugao tedrica para essa aparente ambigiiidade talvez resida em nao se perder de vista que o modo de produgao camponeés se define nao s6 por sttas caracteristicay. endégenas, entre as quais a exploragao familiar como unidade tipica, mas por set subordinado, sofrendo ao mesmo tempo a influéncia do dominador € uma auséncia de alternativas provocada pelas presses “exdgena! quais de alguma forma opoe resistencia. © aparecimento da face pequeno-buruesa do campesinato estaria ligado ao primado do valor de troca no modo dominante esse jogo simultineo de influéncias, pressdes ¢ resistencias, Idealmente, ao se romper a pressao, estaria entdo rompida a situagdo camponesa ca face burguesa se tornaria mente a polarizagao de classes no seio do antigo ja « nao ocotrer de for que 0 fazem subordinado © as dominante, ocorrendo entio liv campesinato, Isso, no entanto, pelas razbes apontaclas, tender madominante sob o capitalism autoritario, Sob o capitalismo burgues essa evalugae poderia produvir-se parcialmente, mas ao lado, em graus variados, de sua destragae por pressoes burylewas externas NAO apenas sua stbortinagao. fronteira em movimento, tal como alternativamente a execucdo de uma reforma agraria ou o colapso da autoridade central ou local (Alavi, 1969) Pode pesar na balanga, Isso na medida em que a fronteira se constitua num locus privilegiado de desenvolvimento do campesinato e de sua af rmacao, tefletindo-se sobre o campesinato como um todo (e mesmo outros setores Pequeno-burgueses), ajudando a fazer a diferenga crucial entre um cam- Pesinato acomodado a uma posigao subordinada ou um campesinato que Procura romper as barreitas ao prosseguimento de sua ascensio."* Que uma fronteira, na auséncia de mecanismosnao-econémicos eficazes de imobilizacao da mao-de-obra, possa estruturalmente criar um quadro favordvel ao desenvolvimento da pequena producéo mercantil, e de tal maneira que ela yenha a ganhar importancia e peso politico que extravasem 6s limites daquela mesma fronteira, jé tinha sido percebido desde o fim do século XIX por Frederick Jackson Turner (Taylor, 1967; Hofstader ¢ Lipset, 1968). O erro de Turner —afora a utilizagao ideolégica de sua obra"? —resi- diu em dar a isso um caréter absoluto, reificando 0 espirito democratico ¢ individualista do frontiersman e pretendendo reinterpretar toda a histéria dos Estados Unidos em termos da oposicao Leste-Oeste, Barrington Moore Jr, (1969: 111-155), no entanto, recupera indiretamente o fundo de verdade existente no pensamento de ‘Turner ao mostrar como o Oeste dos peque- |Gomo diz, Weber (1968: 101), referindo-se a uma manifestaggo extrema: “Se a Polénia ©oTisste alemao nao presenciaram uma guerra de camponeses & porque esta, como Suilguehrevolusto, ndo estoura onde a situagao dos revolucionérios é pior (sto 6, em Hosso casera onde a situacio dos camponeses é mais penosa), mas sim, pelo contrario, ontle estes aleansaram alguma consciéncia de seu valor, de sua dignidade, Wolf (1969): "iherbare only two components ofthe peasantry which possess sufficient inter hulleverageto enteFin@ sustained rebellion, These are (a) aland-owning'middle peasantry’ or (b) apeasantry Koeated in peripheral area outside the domains of landlord control” B Darrington Moate (1969: 478):*...an important contributing cause of peasant revolt tion has been the v kness of the institutional links binding peasant society to the upper ther with the exploitative character of this relationship. Part of the general Hyndrone has been the regine's loss ofthe support of an upper class of wealthy peasants Hecate these have begun to go over to more capitalist modes of cultivation, «! "Ver Louis M. Hacker, "Sections = or lasses?” em Taylor (1967), | | nos agricultores influiu decisivamente em fazer pender a balanga em favor do Norte no conflito com o Sul, com isso ajudando a determinar o modo burgués-democratico do desenvolvimento capitalista norte-americano, O farmer norte-americano, a nosso ver, nao se caracterizou como um camponés, precisamente por ter sido posstvel a realizagio de uma alianga com o Norte burgués, mesmo que nao em pé de igualdade, com o que nao se definiu uma situagao de dominagao de uma classe sobre outra, oude um modo de produgio sobre outro. Porém nos paises de desenvolvimento capitalista autoritério a situagao €mais ambigua, Por um lado, uma vez relaxada a imobilizagao da mao-de- obra, a fronteira pode fazer aparecerem manifestagdes capitalistas de base que auxiliam a transformagao da velha estrutura sem atacd-la diretamente; 0 que pode ser combinado com uma reforma agréria que 6 porém, em geral, mais problemAtica, a no ser quando se tem uma burocracia estatal especialmente forte ou particularmente distante socialmente de classes dominantes enfraquecidas. Embora em tiltima andlise ainda subordinado, 0 campesinato na fronteira nao esta submetido imediatamente A situaglo classica de “bens limitados” — fundamentalmente terra — a que se refere Poster (1965), e que seria a responsavel pela formagao de uma “imagem” determinadora, no plano ideoldgico, da atitude conservadora e da falta de confianga nas possibilidades de ascensao. Mas, por outro lado, os pressupostos politico-econdmicos do sistema exigem no caso a manutengao de uma dominagio sobre a pequena prodii ¢40 mercantil, de forma a que ela nao evolua a ponto de subverter as bases do desenvolvimento autoritario. Isso € particularmente claro no caso do papel da fronteira siberiana no desenvolvimento capitalista russo no {inal do século XIX e no inicio do século XX, ¢ foi entendido pela burocracia czarista, sobretudo pelos seus expoentes: Witte e Stolypin.'* fer por exemplo em Treadgold (1957: 189):"Stolypin did not concern himself unduly with hopes that a successful migration policy would convert the intellige social stability tthe mass of the people, the peasantry, by way of land settlement and migna sia, He hoped to bring | oa | No Brasil, ja se delineia a fungdo, para o desenvolvimento capitalista autoritario, da pequena produgao mercantil camponesa na fronteira, Os li- mites dessa utilizacao 6 que, como veremos, ainda sao um tanto obseuros. CAPITALISMO AUTORITARIO, CAMPESINATO E FRONTEIRA NO BRASIL O movimento de expansio que ainda no periodo colonial garantiu nossas frontiras politicas nao representou, na maior parte dos casos, 0 po- voamento efetivo das regides conquistadas. Seus méveis eram bas: ‘amente mereantise ciclicos. O proprio sistema dominante da plantation exigia uma imobili ago da mao-de-obra, tornada ainda mais necesséria em virtude da existéncia de terras livres. Ao contrario da fronteira norte-americana, ho primeiro periodo de nossa hist6ria o dominio politico do territério-e sua ocupagio efetiva no caminharam pari passu. Fora do dominio da plantation — diteto ou indizeto — a ocupagao mais prolongada reduziu-se praticamente aos marginais do sistema, que definirao os tipos classicos do caboclo e do caipira, que Oberg (1965) denominou justamente camponeses marginais, No Centro-Sul, a ocupagao que implicaré povoamento mais definitivo e em maior es la do interior ligar-se-a, aforao povoamento ralo da expansio Pecuarista, ao avango da lavoura cafeeira, jé no século XIX, e a colonizagao cstrangeira no Sul do pats, lion together, Unlimited mo ment, unaccompanied by measures intended to secure solid eitlernent, would entail risks, Ifthe safety-valve of migration operated smoothly, economic Pressures in the homeland might begentl and gradually relieved,and the monarchy would be eubier to preserve, If migeati n should entirely escape the confines of governmental assistance tnd direction, the result mnjght be the ‘rude democracy’ about which Stolypin mused, Some Kind of upheaval from below might upset the regime, even though a doctrinaire revolution of the intellectuals were successfully a ed. Stolypin and the officials of the Resettlement Ailministration supported migration steadily and firmly, but they thought it neither econo« ‘nically warranted nor politically prudent to stake everything on it? No Norte, 0 avango se liga mais diretamente A decadéncia da planta- tion, acelerada a partir de meados do século XIX, em vista da crescente incapacidade desse modo de exploragao para absorver plenamente os con- tingentes populacionais nele gerados, De infcio, o avango seré canalizado para a exploracio da borracha, de cujo surto na Amazonia é contempo- raneo, Mas a partir dos anos 1920, com a queda da borracha, dar-se-4 um: avango de pequenos agricultores nordestinos para o estado do Maranhao, Esse movimento, por um lado, sera obscurecido pelo grande movimento em diregao as cidades ~ quer no proprio Nordeste, quer no Centro-Sul = ligado as mesmas causas historicas. E, por outro lado, seré pouco notado devido a extrema marginalidade em relacao ao sistema dominante em que se colocam esses agricultores, O interesse maior do governo por uma politica de povoamento e colo- nizagao coincide com o estabelecimento do regime autoritério do Estado Novo, com suas preocupagdes nacionalistas de ocupagao da fronteira,e com 05 novos interesses estratégicos advindos da Segunda Guerra Mundial Desde entao, os fluxos e refluxos da ago governamental ligar-se-do a0 debate em torno da aplicago de recursos em areas de maior rentabilidade econdmica imediata versus interesses econdmicos de maturagao mais demo- rada e os de natureza politica e ideoldgica, Ligar-se-4 também a forma da composi¢ao autoritdria entre os interesses tradicionais e a moderniza Ja tem sido assinalado por diversos autores que o regime autoritério do Estado Novo manteve basicamente intocada a estrutura agrétia tradicional, a0 mesmo tempo que, respeitada a divisio de reas, promovia a industria lizagao e mesmo certa mobilizagao populista da classe operaria nos centroy) urbanos, 0 que seria continuado nos goyernos seguintes, O que nfo tem » } sido observado € que a politica de Marcha para o Oeste, como umasegunda frente do autoritarismo para aumentar sua area de manobra, representou tabelecido jersey a.tentativa de agit sobre a tera onde nao se havia 4 grande propriedade tradicional, Po 0 niesmo,afpolitica de colonizagio 1 tendeu, curiosamente, t softer 4 oposigao de campos também opostos entre | 95 | i: tanto daqueles que nela encontravam uma forma de evitar a transfor- magao radical da economia agréria, quanto dos setores mais retrogrados das classes dominantes tradicionais, que viam nessa politica um desvio de Tecursos que deveriam ser aplicados na sustentagao da estrutura existente. Isso sem falar da oposigao dos setores ligados aos interesses imediatos dos monop(lios estrangeiros, Aos poucos, porém, a partir sobretudo da construgao da estrada Belém—Brasilia, surgiram 05 motivos mais estritamente econdmicos que estimulavam a propria aplicagao de capitais privados nas areas novas, com apoio governamental. Na verdade, a dificuldade hoje consiste, para o Esta: slosjustaniente @m|sabei"eomo conciliar a aplicagao de capitais em grandes projetos = particularmente pecuaristas e mineradores — com o avango da frente de pequenos agricultores, Quanto a esse tiltimo aspecto, pode-se dizer que a questao resideem nao abafar © movimento que jé vinha se dando espontaneamente no Maranhao € que a partir dos anos 1950 vai penetrando propriamente na AmazOnia, Porém, mais ainda, consiste em permitir sua maior integragdo no mercado nacional, aproveitando a demanda urbana eas novas vias de comunicagao abertas. Se 0 inicio do avango em larga escala em terras novas é contem- poraneo da decadéncia do dominio da plantation, a sua desmarginalizagao soincide ¢ acompanha a ampliagio do desenvolvimento capitalista, E s6 entao que, a despeito da diferenga entre os sistemas dominantes, surge, no que diz respeito a0 proprio processo de expansio, certa analogia com a fronteira norte-americana, Anh Mina boone AY Na medida em que isso esta ocortendo, pode-se d ner que se assiste a quebra da/alternativa basica tradicional entre o trabalho ligado a grande Propriedade ow a marginalidade, coma criagéo, em grande escala, de uma massa de pequenos agricultores,ligada ao mercado nacional, mas que por suits relagoes cle subordinagao com o sistema dominante se define como "NL camipesindto, Ao contrario de outros casos de capitalismo autoritirio, flo preexiste no Brasil uma grande massa camponesa, incompativel com | 96 | at Catv a plantation; porém, como indicador de sua importéncia para essa forma capitalista, 0 préprio desenvolvimento da plantation parece levar, ag seu ggenge2 NG buvdinar oc povetoay ba aparecimento. Simultaneamente, tm campesinato também tende a surgir, no bojo do» mesmo processo histérico, nas proprias areas do dominio da velha plan- tation (Palmeira, 1971), mas é nas dreas de fronteira que encontra o locus primeiro de seu desenvolyimento maior na produgao, refletido em suas relagdes intensas com 0 mercado nacional, ~> #¥-"2 Contudo, esse desenvolvimento se da sob grandes ameagas, que stio as do estabelecimento indiscriminado da grande exploracao. Aparentemente, o desenvolvimento capitalista sob dominancia autoritéria exige a formagiio desse campesinato, seja como valvula de escape, devido as dificuldades de absorgao plena da mao-de-obra na grande propriedade rural e nas cidades,!” seja como fonte de abastecimento barato para as camadas inferiores yla sociedade (Velho, 1972: 125) e como fator indireto de modernizagao do Nordeste, reduzindo o reservatério de mao-de-obra abundante em que se apoiou o sistema da plantation e permitindo sua substituicéo por uma camada de médios ¢ grandes empresarios."* Tao significativos, na sociedade brasileira de hoje, quanto os fendme nos de marginalizacao talvez sejam, justamente, os de desmarginalizagio em relagao & sociedade nacional ~ aqueles pelos quais grandes massas de Paiva (especialmente 1971) tem ressaltado a “dependéncia entre expansio da tecnolo} moderna e transferéncia de mao-de-obrado setor agricola parao setor ndo-agricola (107 193), bem como os riscos de que uma modernizagio forgada resulte “em éxodo emt eseali nociva de agricutores para os eentros urbanos que nao podem absorvé-los economic mente” (1971; 218). 'm trabalho elaborado pelo Departamento de Agricultura ¢ Abastecimento da Sudene (Vicenzo d’Apote e H.Paiva Dornas, “A dimensio do problema humano no setor agrico: nordestino ~ consideragdes para uma politica de colonizagiio do Nordeste’, margo de 1970, mim), citado por Tavares, Considera ¢ Silva (1972: 121-123), estimouese que em 1967 1,3 millido de famntlay estavam subempregadas no setor agricola do Nordeste, sendo «ques segundo o estido, 469 mil dessa familias mais de 4 milhoes de pessoas deveriam ser aproveltidas fora da regio ips individuos se integram diretamente no processo de produgio mercantil. No entanto, tudo isso se da sob grandes tensdes, que sao a resisténcia da velha estrutura ea voracidade de expansio dos monopdlios, Poder Fordinagio que determina a situagao camponesa, Sua existéncia eas suas se-ia dizer que dessa forma se patenteia uma vez mais a su- caracteristicas fundamentais nao se deveriam basicamentea nenhum fator “subjetivo” ou 8 auséncia da busca do lucro, como queria Chayanov (1 966), mas no caso tipico,a inexisténcia de alternativas ligada & sua subordinagao. No Brasil, no entanto, dado o desaparecimento dos mecanismos tradicionais de manutensao da mao-de-obra na plantation (Palmeira, 1972), somado 40 continuo crescimento demogréfico e as dificuldades crescentes a sua absorgao nos grandes centros, trata-se, no momento, de permitir que esta via, @ camponesa, ¢ somente ela para grande parte das massas ainda rurais, se mantenha aberta. Caso contrério, se o Estado nao revelar forga suficiente Para se impor aos interesses imediatos da classe dominante, af sim poder- Seria caracterizar uma situagio de “sociopatia” nos termos de Fernandes (1972: 194), mas agora em face de uma inadequagao politica a0 préprio modo de desenvolvimento autor dio. O impasse, entao, ao que parece, seria inevitavel. Isso nao significa, obviamente, que a manuten¢ao e o estimulo ao desenvolvimento de um campesinato garantam de antemao a integracao completa das massas “marginalizadas” e retirem delas, enquanto tai, qual- quer relevancia, O mesmo se poderia dizer das vias andlogas de absorgaio parcial da ma -de-obra ja urbana que nao perturbem significativamente © processo central de modernizacao, e que podem representar também, mas af entre outras, o aproveitamento de solugdes espontaneas (Machado dla Silva, 1971). Mas significa que esse € 0 caminho a ser explorado dentro di légica do sistema que cria, ao lado dos marginais’, na medida em que 0 sdo efetivamente, uma outra massa a ser considerada e cujo papel precisara ser determinado, Assim, parece necessirio que o Estado, mesmo contrariando interes 05 Durgueses, soja obrigactoa garantin dentro de certos imites,a consolidagao ie do campesinato emergente. Na regido de Maraba, no Sul do Para, wee sada pela rodovia ‘Iransamaz6nica em seu primeiro trecho, as contradigoes se manifestavam em embrio até 1972; primeiramente, no conflito entre a oligarquia e 0 interventor nomeado com aprovacao do governo federal e local; e em segundo lugar, nas tensdes entre pequenos agricultores, de um lado, e pecuaristas locais ou vindos de fora, de outro. Esses choques, como subproduto, revelam a discrepancia entre os objetivos de diversos érgios governamentais (como o Incra ¢ a Sudam), que refletiam as contradigses existentes, bem como o papel da Igreja como estimulador mais radical de preocupagées sociais absorviveis em principio dentro de um quadro auto- ritério desdobrado. £ posstvel, porém, que esse desdobramento, com ou sem a ascensio de uma contra-elite, s6 se dé de forma sistematica no bojo de uma crise, que force a se completar, ao nivel da politica de governo, 0 modelo autor 0, nesse ¢ em outros dominios. Essa crise poderd, inclusive, ser provocada por uma convulsao social, no entanto desarticulada e nao passivel de ser aproveitada por outros atores politicos, em fungao da sua debilidade, Ou entao, preponderantemente, pelo reflexo, no ambito da politica de facgoes sna burocraticas, das contradigdes que se avolumam mas sao reprimid sociedade civil. : A partir daj ter-se-4 0 desenvolvimento maduro do capitalismo com dominancia autoritaria. Nesse quadro, a consolidagéo do campesinato, principalmente na fronteira, mas nao s6 ai, ser um elemento importante no complexo de contradiges cuja resultante determinara até que ponto 0 capitalismo autoritério é capaz de conter todos os grupos e classes dle cuja articulagao ele necessita, para 0 seu proprio desenvolvimento, Na tegido de Marabé, o prolongamento da expansio no Maranhao ji rgir um campesinato que, embora ameagado, aparece bem caracter! contradig6es internas zado, Hsse campesinato apresenta simultaneament advindas de sua diferenciagao e as contradig6es que o envolvem como um todo em yelagdo ao sistema dominante de tendéncia monopolista, e que se jie fam particularmente ao nivel das trocas comerciaise na disputa com 05 grandes pecuaristas pela posse da terra (Velho, 1972: 93-144). A questiio para o futuro esta em saber, uma vez garantida a sobrevivencia inicial de sua Parte economicamente vidvel, qual relacao se estabeleceré entre suas duas face a das contradiges virtualmente de classe, internas ao campesinato, © aque o coloca em posicao unitéria, como classe politica ou corporagao, diante da sociedade global."® Quanto mais autoritéria e monopolista for a estrutura envolvente, mais prevaleceré a segunda face. Mas na verdade essa telasao sera necessariamente complexa,e nao de simples e total exclusao, £ exatamente o desenvolvimento de uma camada de kulakse de uma camada le camponeses médios, tal como ocorre na fronteira, que pode permitir a uma ou outra dentre elas, conforme o nivel em que mais se fizer sentir a impermeabilidade do sistema dominante, uma hegemonia inicial sobre 8 massas rurais como um todos hegemonia que poder’ aser utilizada tadicalmente—e nao como simples Patronagem mediadora— quando o seu desenvolvimento encontrar limites severos. A fronteira, portanto, poderé ser um elemento de dinamismo no processo, sem o qual se reduziriam as probabilidades de o campesinato se lesenvolyer a ponto de questionar os limites a sua expansfo, circunscre- vendo 0 seu protesto a descontrolados movimentos de desespero de uma classe condenada, A camponeses da regido de Maraba para certas manifestagdes interessantes ¢ muito claras (Velho, 1972: 129-131). Ao contrério do que é comum ocorrer situagao de fronteira parece contribuir ao nivel ideologico entre os " Classe politica na medida em que na esti determinada por sua posigio no processo. ‘le produgio vis-a-vis outra classe, Corporagio inspira-se na nogao de Wolf (1957) de tima"comunidade corporativa fechada’, se bem que para nds o“Techamento” pode ser {huto da propria pressio externa, a que se contrapoem as forgas centrifugas geradas ho selo do campesinato, endo somente uma estratégia defensiva diante dessa pressio, ‘Outras expressoes utilizadas na literatura para veferir e40 campesinato como um todo Gem contraste coma sociedade dominante, com maior ou menor clareza quanto a suas OPosigdes internas, (em sido: “part-society”, casta, order, estamento, ete | 100 | no seio dos campesinatos numa situago de mudanga, nao ha a idealiza- 40 de uma “idade do our” situada no passado e que contraste com as dificuldades do presente,” associada por vezes a crenca milenarista de sua reprodugio no futuro, Na regiao de Marabé, pelo contrério, os camponeses nais de ameaga, contrastam o presente de liberdade, embora com alguns s com o pasado que seus avés teriam conhecido nas suas regides de origem, no Nordeste, antes da abolicao da escravatura (a “época do cativeiro”), Diferentemente do que ocorre em outras regides do Brasil, nao existem a ” ou de um paternalismo governamental, nostalgia ea busca do “bom pat mas efetivamente consideram nao s6 que seu maior bem é serem patroes de si mesmos e terem a posse da terra (o que poderia ocorrer, eventualmente, com os “marginais” do sistema), como também que esse € 0 caminho real para a sua prosperidade e integracao na sociedade. Quanto ao futuro, coexistem o receio de que o cativeiro possa retornar (cativeiro parecendo representar hoje a sua expropriagao e proletarizagaio) € a esperanga, sobretudo em suas camadas mais prosperas, de que tal ndo ocorrae de que nao sejam perturbados em seu caminho. De qualquer forma, © seu trajeto social até agora é percebido como ascendente, ¢ no pior dos casos como nao-declinante, 0 que certamente terd as suas conseqiiéncias para esse futuro! M, Palmeira encontrou tal genero de manifestacdo ideoldgica entre moradores e radores de plantations da Zona da Mata, tornados camponeses ¢ proprietarios rural: 7! Para a nogao de trajeto social na andlise da posigao de individuos e grupos (sobretudo classes ascendentes ¢ classes declinantes), ver Bourdieu (1966). Foster (1965), ao se teferit a quebra da imagem do bem limitado, faz. uma observagio psicologica que provavelmente poderia ser traduzidi em termos estruturaise politicos: “he problem of the new countries 4s to create economic anil social conditions in which this latent energy and talent is not quickly brought up against abyolite limits, so that itis nipped in the bud, This is, ofcourse, the danger of new expectations outrunning the creation of opportunities” J iorl

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