Você está na página 1de 31
fete oy SOG. 37 O UNIVERSALISMO EUROPEU a ret6rica do poder Immanuel Wallerstein APRESENTACAO Luiz Alberto Moniz Bandeira TRADUAD Beatriz Medina Berremre Copyright © Immanuel Wallertein Copyright © Boitempo Edo, 2007 CCooRDENAGAO EOITORIAL rane Fnkings rorrones ‘Ana Pala Calan Joo AlerandrePechanski AsssTHNTEEDITONAL Vivian Miva Macrshia aaoucho Beaués Medina reranscso Marina Ech nevsko Hugo Almeida biAGRAsNchO Raquel Sallabery Biso con David Amie sare ques Th ack de Pre Ble, 191948 The dn esiuc of Chae rroouko Marcel tha Cina. carALocAChoNA-roTE SINOICATO NACIONAL DOS EDTORES DE LVROS,R. “Tales, Irmanel Moa ‘Cuneo ropes ei do poder Immanuel Waller ‘atin Beis Media: apvenige Lat Albena Mons Bandi. Sie alo: Boempo, 2007, “Tadao de European neal the here ef power, Treks bigate 1S 978.89:7559.0979 1. Vor sei - Ape sec. 2. perio 3. Glob, 4 Europa Caga 5. Chisago. 1 Tina 07-006 00: 303372094 (COU: 3167520) “Todos ot drciosreserrador. Nenhuma parte dete lvro viliands ou reprodusida tem a expe storsgso da 1 edigo:agouto de 2007 BOITEMPO EDITORIAL. Jinkings Editors Awocadot Lids, Rus Euclides de Andrade, 27 Pedies (5030-030 Sto Paulo SP. Tel 1) 3875-72801 30726869 ‘ror boitempoedioriakeom.br ‘A Anouar Abdel-Malek, que passou a vida tentando promover ‘um universalismo mais universal SUMARIO ts Mans Banden Apresentagio, Lis [Agradecimentos Inrodusso A FOLITICA DO UNIVERSALISMO HOJE EM DIA 1 QUEM TEM 0 DIREITO DE INTERVIR? (5 VALORES UNIVERSAIS CONTRA A BARBARIE 2 Erosive sex NAO-ORIENTALISTA? (© PARTICULARISMO ESSENCIALISTA (COMO SABER A VERDADE? (© UNIVERSALISMO CIENTIFICO 4. © PODER DAS IDEIAS, AS 1DEIAS DO PODER: DAR E RECEBER? egeafia indice remissivo Sobre o autor “oupeqean ap v5203 ‘oussifexideo on ‘sjeuojpeu-sopeasg so a1iu9 auaurjedioutd vssaooid as opSejnunoe 2 yeurdeo 9 oureqens anua opSipenuos tjad opezusizese> ‘yeipunwu easyenides vuiar -sis ou apeprun eur py stod ‘opunyy oxtoox0y a15pK9 ou anb ap 2501 ¥ N9pUR}EP “6R6I 2 OR6I“FL6I WHO SOUINJOn san WE AUDWIEU -1810 epeoyignd ‘warsks-pyogy wapoyy ayy vaqo ayueyzoduyy ens wy eipunur eyuiouos90xeus ep opnass o ered ‘ soue's0 apsep ‘not “10a. a9 ‘waxy v a1qos sesinbsad wioo spSouo> sody ‘narpinog, ‘auraig 2 Aysui0yD wWeoN oULoD sena2aJa1Ut ap Ope] oF ‘soplup) sopeasg sop je od ep a risypeides opSezseqojs ep 2 Sa20eUu Sop win oWIOD 35-e>eIs9p Ufor8I9]]eAh FONE] ieuIaUT Puropung zioyy ouagyy 2m] oySvLNasauay i | | © UNIVERSALISMo EUROTEU recursos naturais, terra etc. perdem seu préprio valor intrinseco ese convertem em mercadorias, ctijo Valor de trocaé determina do pelo mercado. (sistema capitalista mundial, segundo Wallerstein, tem suas, raizes na Europae na América do século XVI, quando comegou a formar-se o mercado mundial ¢ a estadelecer-se a divisio inter- nacional do trabalho. A capacidade de acumiulagio de capital na Inglaterra e na Franga possib litou a expansio global das relagbes de intercimbio econémico ¢, no século XIX, tanto as poténci industriais quanto as nagdese regides agricolas,as economias natu- raise pré-capitalistas, é estavam virtualmente integradasnessesis- tema, Essa concepgio, defencida por Wallerstein e fundamentada esse Imente na teoria de Karl Marx, coincide com a de Rosa Luxemburgo ea de Leon Trotski, para os quais a economia mun- dial é um todo, uma real ade viva, poderosa, razio pela qual o ismo, como consequléncia do desenvolvimento capitalista, 86 € possivel como ordem econémica internacional Decerto, o sistema capitalista mundial, em termos econ6 os, sociais, p icos e culturais, é muito heterogéneo e nele co- existe diversos estigios de civilizagio, acumulagio de capital poder pol Wallerstein sustenta que tais diferengas nfo de- correm do atraso de certas regides em relagio a outras, mas do prop gualdade entre centro, periféria ¢ s¢miperiferia, em virtude da cardter do sistema mundial, 20 qual é inerente a desi- divisio internacional do trabalho, que se processou a0 mesmo tempo em que se formava.o mercado mundial. O centro caracte- APRESENTAGRO riza-se por seu progresso tecnol6gico, ea periferia fornece meté- rias-primas, produtos agricolas e forca de trabalho barata para os investimentos de capital. O intercimbio econémico entre periferia ecentroé, por conseguinte, desigual, uma vez que a periferia tem de vender barato suas matérias-primas e produtos agricolase com- prar caro as mercadorias produzidas pelo centro do sistema, desequilibrio que tende a reproducir-se, embora mutagées hist6- ricas possam ocorrer. A semiperiferia é constituida por uma re- giio de desenvolvimento intermediério, que configura nfo uma periferia para o centro, mas um centro para a periferia. Em ou- tras obras, Immanuel Wallerstein salienta que o centro (0 Norte) no é um bloco unificado, que a Europa o Japio nao podem mais ser considerados vassalos dos Estados Unidos, aliés nem a periferia a semiperiferia podem ser consideradas como tal, porque ha muitos grandes Estados, como Rassia, China, india, Brasil, Indonésia, Coréia € outros, que possuem poder geopolitico potencial. Ele prevé ainda que a habilidade de manter-se 0 délar como nica ‘moeda de reserva pode subitamente chegar a um fim; dada aenor- midade da divida dos Estados Unidos, qualquer colapso da cren- sanaestabilidade de sua economia pode provocar a répida retirada do dinheiro estrangeiro investido naquele pafs e criar em uma simples ago um sistema de reserva mundial trimonetirio, pro- vavelmente formado pelo délar, pelo euro e pelo iene. Tmamianuel Wallerstein, ern O wniversalismo euapeu:aretirica co po- der, obra que a Boitempo Editorial agora langa,no Brasil, desdo- bra,em outro nivel, sua concepsio do sistema capitalista mundial, © USIVERSALISWO EUROFEU ‘mostrando que o universalismo das poténcias industriais domi- nantes, que ele chama de “universalismo europeu”, sempre foi Parcial e distorcido, promovido por lideres intelectuais pan- ‘europeus, que buscam defender os interesses de suas classes diri- gentes, Esustenta, com razio, que a histéria dosstema capitalista mundial moderno tem sido, em grande parte, a hist6ria da *xpansio dos povos e dos Estados europeus pelo restante do pla- neta, por meio da conquista milizar, exploragio econémica € injustigas em massa, sob o argumento de que tal expansio disse- minou ou dissemina “algo invariavelmente chariado de ci 40, crescimentoe desenvolvimento econémico ou progtesso”, Essa observacdo faz lembrar a famosa obra de Deminigo Fi Sar= miento, Facundo: civlzagdo e barbie. em que o au:or se tefere a guerra civil na Argentina entre un rios¢ federalists, apés.1in- dependéncia do pais, como a luta da civilizagdo contra abarbitie, lizagdo era o c6digo ideol6gico que significava, n0 séeulo XIX, a expansio do capitalismo, destruindo as economias nfo-capi- talistase pré-capitalistas ainda existentes na América dé Sul. Os conceitos de democracia ede direitos humanos, de supério- ridade da civilizagao ocidental eda economia delivte mercado (fee mmole!) so apresentados como valores universais e invocados pé- las grandes poténcias, sob a lideranca dos Estados Unidos, para legitimare justficar o direito de intervencZo, que avocam para si, 0 desrespeito aos princfpios de soberania e autodetermi so dos Petsipolis, Vozes, 197, sPRESENTAgiO povos. O direito a ingeréncia é o reconhecimento de que os Esta- dos estrangeitos podem violat a soberania nacional de outros paises. Conforme defendido pela revista publicada na Franga sob © titulo Le Droit d’Ingérence (O Direito a Ingeréncia}, as grandes poténcias industriais da Europa ¢ os Estados Unidos nao sé tm o direito como também o dever moral e politico de intervir em de- terminados paises ou regides onde supostos valores universais — democracia, direitos humanos, free market e outros ~ estejam sendo desrespeitados, 0 filsofo Jean-Francois Revel foi o primeito a invocar esse devoir d'ingérence, em 1979, em artigo na revista L’Express, em que trata das ditaduras centro-africanas de Jean-Bédel Bokassa e Idi ‘Amin. A elaboragdo da teoria sobre o direito a ingeréncia ocor- eu, no entanto, a partir dos anos 80, e foi o filésofo Bernard-Henri Lévy quem propés sua reformulacio a propésito do Camboja, durante um curso organizado por Mario Bettati, professor de Direito Internacional Pablico,e Bernard Kouchner, antigo repre- sentante da ONU no Kosovo ¢ tim dos fundadores da organizagao Médicos Sem Fronteifas. O difeito & ingeréncia insere-se no es- forgo de redefinir a ordem mundial, subordinando a soberania nacional, que o eminente jurista Rui Barbosa chamou de “la gran- de muraille de la patrie”, aos principios de democracia, Estado * Rui Barbosa em “Organisation dela Cour Permanente d’Arbitrage”, Obes completa de Rui Barbosa (Rio de Janeiro, Ministério da Educagzo.e Cultura, 1996), vol. 34, tomo 2, p, 250. 6 © UNIVERSaLISNO EUROPEU de direito e direitos humanos, meio ambiente etc.,interpretados, naturalmente, de acordo com os interesses e conveniéncias das grandes poténcins, que sio as tnicas com capacidade militar para Promover intervengGes em outros pafses. Nenhum pais teria con= digdes de intervir nos Estados Unidos por causa da violagio dos direitos humanos, abusos ¢ torturas em Abu Ghraib ¢ outras Prisdes no Iraque, bem como no campo de concentragio em Guantanamo. Em meados dos anos 60, sob inspiragio dos Estados Unidos, os governos militares no Brasil (general Humberto Castelo Branco) € Argentina (general Juan Carlos Ongania) passaram a defender 4 reformulasio do conceito de soberan basear-se nos li que no mais deveria ites ¢ fronteiras geograficas dos Estados e sim no cariter politico e ideolégico dos regimes, de modo que os Esta- dos americanos pudessem intervir, coletivamente, em qualquer outro, quando algum govern» aceito como democritico estivesse ameagado por movimento supostamente comunista ou de natu- +e2a semelhante, Essa doutrina, conforrae sua concepsio, torna- vanecessii it criagdo da Forca Interamericana de Paz (FIP), uma espécie de standby fore, que seria integrada por contingentes de diversas nacionalidades do cor tinente eficatia& disposigao da Or- ganizagio dos Estados Americanos (OEA), pronta para intervir em defesa das fronteiras ideologicas, once quer que uma ameaca desubversio se manifestasse. A cléysula democratica, introduzida nacartada OEA com o Protocolo de Washington, é de certo modo. uma reedigio revistae atual superado o contexto da Guer- APRESENTAGIO da velha doutrina das fronteiras ideolégicas. Ela busca le- galigar a intervengio em paises da América Latina, com o suposto objetivo de preservar a democracia, cujo conceito é muito vagoe depende da interpretacio das poténcias dominantes. Da mesma forma que a OEA, a ONU, o mais das vezes, funciona em favor das poténcias dominantes, sobretudo das que controlam o Conselho de Seguranca, um organismo obsoleto, porque reflete uma reali- dade do pés-Segunda Guerra Mundial e aprova resolugdes para justificar legalizar intervengdes de cardter pretensamente hu- manitério onde seus interesses econdmicos € geopoliticos estio ameagados, tal como acontecew no Golfo Pérsico e na lugoslavia Em meio 4 globalizasio, as grandes poténcias tratam de redimensionar o papel do Estado e outra vez desenvolver no Di- teito Internacional um novo conceito de soberania, lém de jus- 4 ingeréncia, no mais com base nas fronteiras ‘ideol6gicas, mas a pretexto de defender a democracia, o Estado de direito, os direitos humanos ete, A tese da soberania limitada s€ conjuga com a teoria do diteito ingeréncia, sustentada por alguns professores e politicos europeus ¢ norte-americanos. O entio secretario-geral da ONU, Kofi Annan, ‘defendeu, em 1999, a limitagao da soberania em favor dos direitos humanos. E, em ja neiro de 2003, o embaixador Richard Haass, diretor do Policy Planning Staff, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, deelakair que um dos mais significativos desenvolvimentos das décadas passadas foi a emergéncia de um consenso globel (Ieia-se consenso entre os Estados Unidos e as grandes poténcias indus- triais da Europa) de que a soberania nacional ‘is not a blank check”. Conforme acentuou, “soberania nio é atsoluta, é condi- cional”, e quando Estados violam os minimos padrées da civiliza- si0, cometendo, permitindo ou ameacando com atitudes intoleraveis seu préprio povo ou outras nacées, “alguns dos pri- igios da soberania sio confiscados”. Também Dominique de Villepin, em margo de 2003, no Instituto de Estucos Estratégicos, em Londres, assinalou que a Guerra do Golfo abriut caminho & consolidagio do droit d'ingérence humanitaire, que xecia motivado as operagdes de paz da ONU na Somilia, Haiti, Ruanda, Bésnia, Timor Leste e Serra Leoa. Entretanto, 0 proprio Villepin reco- nheceu que os limites do conceito de ingeréncia humanitaria fo- assobre ram “progressivamente aparecendo” em funcao las sua “parcialidade” formuladas po: “poténcias emergentes". Um relat6rio publicado e apresentado & ONU pelo Canad, em fins de 2001, vestiu o direito a ingeréncia com a doutrina da “respons: lidade de proteger”, i €., o Estado estrangeiro deve proteger ou- tra nagio eo princfpio da nio-intervencao cessa, suplantado pelo principio da responsabilidade coletiva da comunidlade internacio- nal, quando o outro Estado colapsa (sate failure), mostrando-se in- capaz de evitar que a nagio sofra serious harm, em caso de guerra civil, insurgéncia, repressio etc. + “Esisting Rights, Evolving Responsibilities”, discurso de Richard Haass, proferido na Universidade Georgetown (Estados Unidas), em 14 de janei- to de 2003, ArRESENTAgIO O direito a ingeréncia, no entanto, é incompativel com 0 sis- tema juridico interamericano, que foi o primeiro a consolidar 0 rinefpio da ndo-intervengao na Convengio sobre direitos e de- veres dos Estados, aprovada em Montevidéu, em 1933, ¢ que se tornou a base para as formulagdes posteriormente elaboradas na ONU. As Forgas Armadas brasileiras sempre desconflaram que, com base no pretexto de defender os indigenas lanomami, os Es- tados Unidos e as poténcias européias, como a Franca e a Gri- Bretanha, invocariam o direito a ingeréncia para intervir na ‘Amaz6nia, Assim, como salientou o chanceler Celso Amorim, (08 conceitos de seguranga surgidos no pés-Guerra Fria e no Pés-11 de Setembro € o novo perfil assumido pela Otan |.) agu- satam sensibilidades ¢ resisténcias & incorporasio, no contexto hemisférico, de conceitos assemelhados para o tratamento das “novas ameagas" (terrorismo, narcoteéfico, crime organizado, tré- fico ilfcito de armas, deterioragio ambiental, epidemias), por mais preocupantes que elas sejam.* Com efeito, o direito a ingeréncia, apropriado pelas nagdes mais fortes, é dificil de legitimar ¢, como Wallerstein comenta, os interventores, quando questionados, sempre recorrem a uma justficativa moral: a lei natural eo cristianismo no século XVI,a ‘0 Brasil eos novos conceitosglobsis¢ hemisféricos de seguranga”,pro- ‘nunciamento de Celso Amorim, ministro de Estado das Relagdes Exterio- +5, no ciclo de debates organizado pelo Ministério da Defesa sobre a atualizagio do pensamento brasileiro em matéria de defesae seguranse Realizado em Itaipava (R}),em 11 de outuhra de 2003, ” de +O UNIERSATISNO EUROTED 1X € os direitos humanos € a de- jcig do s€culo XX1. Com efeito, mocracia no fim slo século XX ¢ humanos e a promogio da demacracia fo- 9, € no ram a justificativa para a intervengio nos Béleas, em Iraque, em 2003 Comadoutrinado dire da soberania limitada, 0 que 0; Estados Unidos e certos paises da ingeréncia e, conseqiientemente, ial — tra Unido Européia — o centro do sistema capitalista m tam de derrogar, em nome de valores universais, que na re de nio existem, sio 0s dois principios essenciais em que se desde a ade legal fandamenta a fragil estrutura do Direito Internacion: paz de Westphalia, em 1648: soberania nacional ¢ i das nages, 0 que pretendei é preservarseu dominio, tanto.eco- némico quanto politico, por meios militares. Porém, como Wallerstein ressalta em O declinio do poder americano, 0 poder militar, na histéria mundial, nunca “oi suficiente para manter a supre- macia de um Estado. A legitimidade é necesséria, ao menos uma aque seja reconhecida por signficativa parte do mundo. Os “fal- cées" de Washington solaparam essa legitimidade, fundamenta- da em valores como direitos humans e democracia, com as uerras no Aieganistio ¢ ne Traque, enfraquecendo irremedia- velmente os Estados Unidos na srena peopolitica. Segundo Wallerstein, a humanidade vive uma época ce tran- sigio, em que “a luta entre 0 tiniversalismo curopeu ¢ 0 universalismo univer a luta ideclégica central do mundo contemporineo € 0 resultado sera fator importantissimo para APRESENTAGRO determirar como seri estruturadc osistersa-mundo futuro”, nos pikimos vinte e cinco acingiierta inos. Esta obra O umversalismo europeu: a retrica do poder ~ constitui uma grande éontribuigao para a compreensio da superestruturz :deol6gica das poténcias cen- trais e dominantes no sistema capitalista mundial, encapada por alguns valores, como direitos humanos ¢ democracia, que elas realmente nio respeitam, mas apresentam como rationale para agressBese para intevirmiltarmente nas rises e pases perifé- ricos e semiperiféricos, em defese de seus interesses econdmicose geopoliticos, além da sustertasio de sua hegemonia St. Leon (Alemanha),junko de 2007 rd 9 esouzaoad opSeau vjod seasajed sup 0» ind ov 9 xjoasa ns wis se[ej vaed aasauos ojad "yoorg Ayrounty ossajoud 's,uyo[ uieg op 20192 oF ores8 aiusureWaZx9 nog pssn2sip ryuty ap stes9B sagsnypuoo se oa jenb ou *omisde> ousenb wn 2p ounrosgzov o woo sensajed sejanbep eprsiaau os “#9889 o1xa1 357 sensojed 5912 ap 9495 eumnasssay an awy-wsea “PPA OPUNIN Op oBsta wr [sande] paysnBus) axasmp xueansafed ompurid nas 19s tard ‘eiquinjo> ysuig 9p apepisizaruy ep ‘2821105 s.uyo[ rues ojad opepinuos iny 5992 ap oxquiasou wg SOLNAWIDaaVUDV Introdugio A POLITICA DO UNIVERSALISMO HOJE EM DIA [As manchetes dos jornais do mundo esto cheias de palavras conhecidas: Al Qaeda, Iraque, Kosovo, Ruanda, gulag, globaliza- 40 € terrorismo. Elas lembram imagens instantaneas 20s leito- res, ¢ essas imagens foram criadas para nés por nossos lideres politicos ¢ pelos comentaristas do cenério mundial. Para muitos, co mundo de hoje € uma luta entre as forgas do bem e do mal. E todos nés desejamos estar do lado do bem. Apesar de eventual- mente debatermos a sabedoria de certas politicas para combater ‘omal, tendemosa nao ter dividas de que é preciso combaté-loe, com frequiéncia, nao temos nenhuma divida quanto a quem eo que o encarnam, jaaputasut no oonpunoine opow ap _}igzozsue9 3s ogu anb seu ‘sinBasuoo ap yonssod oussesroaqun “un :yesi9aiun owstpesioaiun 0 sezyjeuo!snapsuy 2 aePsunus “Exod oyUTie> 0 seswosus ap sowsaiay ‘arua8ta optinus-euraasts 6e year eanewsoyye eusn amzisuo> souzastnb af “oupayensi-opu 9 os; ys20w9p-ogu opunur-euarsis nas o JaiueW we2sng anb‘o1 -taurour op sosozapod sor 3 nadoana oussypesianjun op se5103 se epeSzejsip opSipuoa twin ap essed ogu owssyrejnonaedesdnis 0 ‘Tew -Y “outayut opunus ou sepeauasaide seastejnoqzed seyppI se sepor 9p awuajeamnba apepijea v sowresonuy jenb eu eastzeqnonaedesdns ogSisod eumn aed ren203 sowtapod opu q ‘opnied zewio3 ap rex -fpp soutapod ogy, ‘sour eiuapbur> v oau> 9 a3uta sourxoad sou sowazezqus jenb ou ‘ommany opunus-ruraisis 0 opeananiisa p95 owo> seuswiaiap tied ounssnuersodusy sovey vias opeynsez © 8 onupsodwowuo> opuniu op rena w2i8ojoapy ene 9 esi94 -uh ouistjesuaatun 0 2 nadosna owisyesiaaiun o aunu9 enn _1PS#9A1UN OULsyfeszanttm,, ap OuLeYD anb ‘ousnua8 oWstpESIaatuN win r owins srSurae sowspod ‘o1agsuod ov ‘ouso taznnasip ‘ossip wa] y"GuiSpow opunue-eusarsis op aiueulwiOp orE:se op SSISSHSiif 0 s9puayap ap eaneauay vu snddosn>-ued stena29}a101 2 soiapij ioc -opisotosd pis 493 10d .nddoun owstpesiaatun,’ 3p OwiRy> dnb Siusyesiacnun win “opralorstp 2 peroxed 10} aadwias “Sosorapod op OliNi|RsAfin 6! anb sesisour rozeIUay “ouusieS ~J9n1un wo3 2921p sowosanb anb op ousor wa nos a1dwas areqep 0 ‘opua, ae eo{s0192 essa opSisodo up eupasty eusn py 24 e8sop EHOISI UIA BH TAX 0]N29S 0 apsap souaw ojad 7 ‘ouzapout opuatu-ewiaisis op eugisty ep oBuo] oF sosozapod sop woiseq volioia1 e wesjmaustos anb ‘sowuissiyjan seuaa ors apepion eu ‘ozal] 2359U sensuoUutap TeyeiU93 OWOD “soso seu -a1 ap ‘ouueianu "wIeA2 as OBN ‘seUHDI $912 sassap aIUEISUOD OFS eso ae prenionu fou Sonn sas ap win zanbjenb 3p 0 \(gasussaoaque snas ap SOSinDsIp So OUUsoUI 9) SOUR souln|n sou are Au0y, no ystig igh 281095 ap ossnasip zanbjenb 13] wan -yexequjoau eyusou0ss ep sia| se wo? op 209" 9p aie 2 3011938 opuas sowsoo8 so wzed yeaneurorye vy ost, “anb ap onaau0 op ‘oprozow op eoyuaya apepiaa ep opSeusye ‘ep cizaoze1 oq “sesuoajun sapepioa a soxopen Sassou Braseg 2s anb + ‘2 anbiod sagSezyal>,seiino, sp ovedns9 ,eiuapi2o, oS -wiyjaf3 e3nb < odnssasd as auduras enib ou ‘sagSeaqpat9 tua anb sSyp op of8iel o eyueduiore opundas Q *,epeH20urep, epeurey> ‘sjo0 vidin anotuoad a ,sousuny sousitp, so apuajap nadouno-ued ‘epainus op so29pit sojad epynitas eonsfod’e anb ap oxuawinse 0 3 ‘ouyoustad g ‘otastesiaqtun de ade ap srediounad sodn san 2H syestaalun sapepz94 2 sou0[ea assayed as owO> tpeIL as -oade aadwias 9 eanyjod e set ‘ayunflouze 9 sopeprusnur eases0 sas euumaso9 wx0r ( “(,soplajoauasap sousus, 2 seagod stew sas -yed sop ogSendod e‘nadosna-opu opunus op sastedso) sone, séqnvjas sr2nyod sep ureye] opuenb aruawijedi>utid a>aiu03e wi ossyseapyjod sens exed voispq vaneayusn{ owio> ouustjesiassun cor sojade ap eioy> f259 sauysygosa op steni2a|aiut sop > rips pucid ep ‘~ rqueioug-#35 ep 2 Soplup sopeisg sop ‘9s ort seu: “opnaaiqos — nadouna-ued opunut op-sasapy sop #219121 ¥ pagouna onsiaysyaar Os conceitos de democracia e de direitos humanos, de superio- — pétgiit bieada em valorese ver- ridade da civilizagao ocider dades universais — e de inescapabilidade da submisséo ao “mercado” sio apresentados como idéias evidentes por sis6s. Mas clas nao sio nada evidentes. Trata-se de idéias complexas que pre- cisam ser analisadas com atengio e despidas de seus parimetros nocivos ¢ nao-essenciais para que sejam avaliadas com sobrieda- de e postas a servigo de todos € nfo de poucos. Compreender como, por quem ¢ com que objetivo se comegaram a afirmar es- sas idéias é parte necessaria da tarefa de avaliagZo, tarefa para a ual este livro pretende contribuir. Lite. cio QUEM TEM O DIREITO DE INTERVIR? OS VALORES UNIVERSAIS CONTRA A BARBARIE A historia dosistema-mundo moderno tem sido, em grande par- te, a histéria da expansio dos povos e dos Estados europeus pelo resto do mundo. Fssa€a parte essencial da construgdo da econo- mia-mundo capitalista. Na maioria das regides do mundo, essa expansio envolveu conquista militar, exploragio econdmicaein- justigas em massa. Os que lideraram e mais luctaram’com ela justificaram-na a seus olhos ¢ aos do mundo com base no bem ae que'representou para tados os povos. O argumento mais cofmium é que tal expansio disseminou algo invariavelmente cha- mado de lizagio, crescimento e desenvolvimento econdmico ‘ou progresso, Todas essas palavras foram interpretadas como ex- ‘ogssnasip s1ua903 ep s1sed oq no20s 12 Au puncosayy sans wounpadey m korg “yea0g m.02p003\ 24909 'y suunguays ape 9 aruErodus e1qo rWiN “esuarx9 ONL 9 CUB -urosSendod ep opemiuase oyuy}s9p 0 a1qos ¢¥61-sod opssnaaip y “t20d9 ru syuedsg ep e2yqnd ogtuido nouBe sopeiseaap o2efaa Q “tip 50) 2p ppounap ey pape -ord anb a vg B'Z6g| 2 naAzi259 0507 50] 9p pUIOjOUIEG -tage anb esneo vied sieoiu sossaons sunje anaigG-(eyuedsg ®P 1 S0]285 122) A sojse> sopesadunt ofed opisazoaej gre ‘sazan se 9 opiqaoa1 198 ap wife ‘sojnaypo soaye so nowuanbasy ‘sopues -owIDU 9 Soral] Opuansiase 2 svossituOD seUNW ap opuRdionied vloa8 ep 2 vjoyuedss vonsiod v seouanguy nowaa sese sey ‘euaisis ojad sepesme> seSiisnut se euapuod :epia ens ap v3qo opsyuy zep sied eyurdsg e noafon a ‘epuaiuaaua ap eusarsis ou ovsed ~pnaed ens e noisunuas a jenaiidsa ,oeszaauoo, euun 10d nossed FIST wa seyy -nodased ajap a seszautts no suoased ‘sejoouse sop ~epaidoid wreacsisjurwpe anb sigyuedso so a11u9 sope$i0j sox0p ~eyjeqesa outo> sorpurzoure ap (owajuyodas) opsiatp ¥ esjoatia anb “opuaiudoud ap joyuedsa vuzarsis ov jangzoaty 0, ‘ordjoutad y ‘ayuau -NUOD OAON OU opetrapzo 29s ¥ asped osjaustad 0 10} ‘Q]¢] wo 9s ~moUuspio 9 70] wia seoqigury sp noBay> "pgp] wa oproseny ‘v20dy ¥p opesBesuos woBeuosiad win 10] sese se| ap puI0[oiieg : | @puer8 ayuowaewiesxo ozwipu win ap e322 9s anb euiposoe swistje}padsa sop etioreur e ‘sf0}{ “s}6]-sod soue sou owuenb |ax ‘o1n23s ou nurs saaeqap ap vuiar opis wia orexa oxauinL Q -se5 ~uvop sejad a souuze sejad epeymbitie opis diary eua8iput opsejndod vp aued apuesd 1 098 olaur e oq "ureaessode as anb ap essa {¥1AWaaN1 3a OL1auIa oO Wad Wand 2 wou rein] b12d seatapuy sep 03591 op 2 soupduut sassap saoSey endodl sap oiyjecieis 0 autiaciespoydun e510 ¢ zezqan nomnso1d a1 sdidpriBas snas ap opeBayrea opureq wn ‘a1 -uotzexeqpauy“eauy 0 2 w2aise 0 “seoupUury sep soLigduut soxoyeus dey e Ti slop sop eonsjod einanaiso © opsniasap wremaey stoywedss so1 -opeisinbuod se ‘sepeogp seonod wg sossed snas uresinfas sioyut -edso soxsno of 1 ‘seaLz9uay ap soureureyp aoy anb opesadsout Bye noype sew *-uIyD e nosUODUD OFN “9qHTeD Op TeWY op sey sessaapp ia nozesze eUIYD ep OUTED ¥ OonUELLY OURs20 ojad twiaBeya enpay 9 uo] ap sjodap ‘oquiojo> oBAoist> ‘Z6F1 Wa -seoupury sep aured 209 29 vjoyued a eysinbuo> ep oaxaauo> op onuap JAX o[n9950u “opao oxnus nzs1020 saveqop saruessaiaiUt seus 2 soxtauutid sop wn -ueisuo9 win aruowijen8t naajonua ousapous opunus-Pwoisis op jas1s oudoad op apeplfexow ® 21qos fens>a[a1ut aeqop ‘ugasty e “wssy ‘seiueurUop sovenss sop sopuntzo-sien199ja1Ut sossanip sod epeaou 10} wipquuea ej sey "eanajo> 9 [possad epis eu oSoad o wreseBrd anb sojad serjaueus seyzpa ap essoidxa a epnuas ‘aquawresnp 10] seaneoyusn{ sv a apepifead & aniua efsupdasosip y “syena2ajaiut see ne) sn{ sejad openuasoide spure oupenb oanb op s01:0/8 sousU 16} n212020 anb op [eos apepyyease anb ose|>3 sapynoas eayosoiy yn2adszad ruin ap nontsap 210 *22!89]001 10) tuo apepiane essa sanaiosap eaed vpezyan waSenduy y“|aacus out suaueayo%siy w9quIEr oWo> apeprueuuny e esed P>1j9U> {0} 9s ou opsusdxa nssa anb as-nownye osszog yeanreu 193 yp ewmn3so9 =sanb ou sopeisnsout‘sjesuaatun sasoyea ap onssaad ou. Em 1537, 9 papa Paulo It publicou a bula Sublimis Devs, na qual determinava que os amerindigs nig poderiam ser escraviza- dos es6 poderism ser evangelizados por meios pacificas. Em 1543 Carlos V decretou as Leyes Nuevas, que estabeleciam muito do que Las Casas propusera para a América, inclusive o fim de novas con- cessbes de exconiendas. No entanto, a bula papal e o decreto real sofreram resistencia considerivel por parte dos encomenderse seus amigos e partiditios na Espanha e na Igreja. A bula papal e as Leyes Nuevas, apés certo tempo, foram suspensas. Em 1543, ofereceram a Las Casas 0 bispado de Cuzco, que ele recusou; depois, aceitou obispado menor de Chiapas, na Guatemala (hoje localizado no sul do México). Como bispo, insistiu no cur primento estrito das Leyes Nuevas, ordenando que os confessores impusessern como peniténcia aos encomenderes a compensagio dos amerindios, e até sua liberagio das obrigagSes da encomienda, De cer- to modo, essa interpretagdo ampliava o decreto de Carlos V, que rio se aplicava as encomiendas concedidas anterior mente; em 1546, Las Casas abandonou 0 bispado de Chiapas e voltou 4 Espanha, t-L4, enfrentou os esforgos sistemiticos de seus adversdrios para refutar seusargumentosem termos tebl6gicos e intelectuais. Um personagem-chave nessa empreitada foiJuan Ginésde Sepélveda O primeiro livro de Sepiilveda, Demcnites primer, escrito em 1531, teve negado 9 direito de publicagio, Mas Sepsilveda insistiu. E, ‘em 1550, Carlos V convocou um jaii especial do Conselho das {ndias para reunir-se em Valladolid e aconselhi-lo a respeito do mérito da controvérsia entre Septilveda e Las Casas. O j ouviu QUEM TEM 0 DIKEITO DE INTERYIR? a ambos sucessivamente, mas tudo indica que a Junta nio che- goua.um veredicto definitive, Quando, alguns anos depois, Carlos V foi sucedido no trono pel Iho Felipe, 0 ponto de vista de Las. Casas perdew forga na corte Tudo o que temos hoje sio os documentos que os dois deba- tedores prepararam para a discussio, Como esté claro que esses documentos fazem uma pergunta fundamental com a qual o mundo ainda hoje se preocupa ~ quem tem o direto de intervie, quando e como?=, vale a pena rever com atencio seus argumentos, Sepilveda escreveu um segundo livro especificamente para esse debate: Demécrates segundo? Traz o subtitulo Das causas just da _guerra contra os indies. Nele, Sepiilveda apresentou quatro argumen- tos diferentes em defesa das politicas do governo espanhol, da maneira como eram interpretadase executadas pelos encomenders, [Apresentou como embasamento uma longa série de citagdes das autoridades intelectuais mais respeitadas da época, em especial Aristételes, santo Agostinho e santo Tomrés de Aquino. Primeiramente, Septilveda argumenta que os amerindios sio birbaros, simpl6rios,iletrados nio instruidos, brutes totalmente incapazes de aprender qualquer coisa que nio sejaatividade mecé- nica, cheios de vicios, cruéis e de tal tipo que se aconselha que se- jam governados por outros. + Juan Ginés de Sepalveda, Demécates segundo, o Dela juts cous dela ger cota los indi. ‘6 ‘oxty ap osonnisuows o1uatucsodwio> ap oproytusis oF ,oreqapq, cannyed v sowzen 119 ‘onueiu> oN “wuano JaAbpenb oauenb jeu ~oj281 of2 9 ja anb sowraxtaqoasap ‘o[-9z"} ov'9 BALI989 398 eLapod ‘enBuy] sso of1us ‘ex1259 9 ou enBuyl ens anbiod oxeqayg opeiap -{stio9 9 wupn8}e 9g “opunus op soazed se sepon ura svossad stea 2011 ~uosue sowapod opus “wsBeajas oauaureriodutoa tas anbuod o1eq3¥q owo> opruyap 9 urgn8je as ‘onb assip sese:) se] “010g” 199, tzavjed e nosn as anb wio> sexnouy a1uzeaseq seus} se sv aeasasqo 10} sejap euup, sesroueur sepa ap napuodses seser) se] ‘sezequyg aiuowsjeanreu seossad py anb ap oruawin8ie oy’ “noztpap as sesec se] anb epeuso! e559 e Jog ‘sassozo1ut en woo oulo9 seSua1> e109 owns seuaUINBre ap eas vossad Ussq ‘eaqisnexa epewsol ewin seUDWjUD ap sawUL BIZ99 sasad syey TeINyad 2ssasinb a ezoprssinbuo> apeprunuio> eu opiiasut assontiso wanb ‘0807 "xsimbuoo r wos wresaango anb soweipouut seyarew! so1yout 29 sojed sopepyedsoa a1uauseaye wue203 anb o> y3sa ‘soxopeasinb uo soe [220u onrnua2ut 3140 ouOD OpLAlas WEY sD sowuawiNdie so anb situs 40g +JAX 0n295 ou 'seougUIy sep ayzed apuead ap r] -oyurdsa eisinbuos eu ose9 0 103 ouio2‘osst eied 2 -oonyjod sapod wai as opuenb sepezijeai sas wapod gs ssgSuaazayu sess anb oi 29 Sop siesiaatun sazoqen zeurwudssip ap apepirqisod 9 Signa> sov ofu! Wa saiua20UF ap wsayap v ‘stesiaatUN s9z0|20 1pqzeg e:,suprzi -opu, Stuoz W> oUZepoL pun op ,sopeZ! $0 useyora anb stotapid ap wy 0 “sozano sop 9. Sop sauanb -asqns ,sagSuanzaiut, se sepor avoyiasn{ vied sopesn opis war twusous © -24 0 anb anauq seul 3 221pu1 0 (2 (p 99-19 opesyuséé usasas ap soausd0ut 50 1 op 3801p8139 (2 60 9 unsan5, :021d03 nsn{ —s0y "pond ap soauauinr¥ sop ousnsat op OF 2QSEID SS SEPOL ‘89220 ontenb no $921 93010038 OwOD ‘soufed sayopaner a sozueuzaao8 sod souzous wiaias was 2 02511 ‘iss, wonBaad soayjg1v> soxped so anb antussad ov pastz>, opsezi|98 “wena 8 Am}>8j jou uedse o1ujwuop o anb 9 o1uauinie orsenb oy “soue s6 S001 sojopt sor sepeayuines soquadcur seossod ap osausnu apuea8 e xBiyut e afoy juiop 0 qos ufis9 ogu epute anb sojanbe anb ‘urenuuo> joyuedss ‘3 twrea1Siyut [soxpuy so anb] sapeprweye> sopues3 se 9 jews o atpaduut eeyeanaew 9 eu jad sopedtiqo ops sjoyuedss so anb 9 pezes eataaz01 y courwiny o1ayuizes op oiduuy auinaso> o 2 ejziejopt e azuausyed jujad ‘sopeysuew cps sjenb so wo> jeanieu 9 Putatp ff #e12U09 souijia sas sod opStund > [amopuaua “puowae] opSe2q121 owt09 “Wiss -tonb’o ogu ab ousow oyuedso on o aeatave warap soipuy s0 anb zip aga epundias y © UNIVIRSALISMO SUROPED pode-se dizer que esse tipo de comportamento é bastante raro ¢ socialmente restringido mais du ienos no mesmo grau em todos os poves. A objegio de Las Casas 10 argumento de Septilveda fot a gene- ralizagdo a um povo inteito ou a uma estrutura politica do com- portamento que, no maximo, seria de uma minoria — minoria cujos equivalentes seriam tio faceis de encontrar tanto no grupo autodefinico como mais civilizado quanto no grupo considera do birbaro, Ele lembrou ao leitor que os romanos haviam definido como birbaros os ancestrais dos espanhéis. Las Casas propunha o argumento da equivaléncia moral média de todos os sisternas so-_ ciais conhecidos, de modo que no havia hierarquia natural en- «tre eles que justificasse o dominio coloni Se 0 argumento sobre a barbarie moral era abstrato, ode.que_ ‘os indios haviam cometido crimes ¢ pecados que deviam ser cor rigidos e punidos era muito mais concreto. Nesse caso especitico, icio humano. a acusagdo concentrava-se na idolatria e no sac ‘Aqui, Las Casas tratava de questdes que despertaram com muita rapidez a repugnincia moral dos espanhéis do século XVI, que nao conseguiam entender como s2 podia permitir que alguém fosse idélatra ou realizasse sacrificios humanos. A primeira questic que Las Crsas levantou foi a jurisdigao, Destacou, por exemplo, que os juceus e muguilmanos queviviam em terras cristis pociam ser obrige dos a obedecer as leis do Est. — QuEM Tew 0 DIREITS DE INTERVIR do, mas nao podiam ser punidos por seguir seus pr6prios precei- “tos réligiosos. Essa seria uma verdade a fortiori casq 08 judeus ou ‘mugulmanos vivessem em terras que no fossem governadas por ‘um cristo, Esse tipo de jurisdic s6 poderia ser exercido, defen- dinele, sobre um herege cristio, porque o herege era alguém que havia violado 0 voto solene de obedecer & doutrina da Igreja, Se a Igreja nao tinha jurisdigao sobre os nao-cristios que habitavam _terras cristis, seria portanto ainda menos sensatoargumentat que a Igreja tinha jurisdigio sobre.os que nunca haviam ouvido falar, de sua doutrina. Conseqiientemente, a idolatria poderia ser julgada por Deus, mas nfo estava su risdis3o de um gru- po humiano externo ao grupo que a praticava. E claro que hoje considerariamos o argumento de Las Casas ‘como defesa do relativismo moral ou, pelo menos, do relativism gal. Naquela época, porém, assim como hoje, ele estava sujelto § acusagio de que esse ponto de vista demonstrave inciferenga pelo sofrimento de inocentes, vtimas de prsticas contririas i natural, Essa era a terceia tese de Sepsilveda, ea mais forte. Las Casas tratou-a com prudéncia. Em primeizo lugar insistiu que a “obrigagio de ibertarinocentes|. no existe quendo hi alguém mais adequado para liberti-los”. Em segurdo lugar, disse que. se a Igreja configra a um soberano cristio.a tarefa de libertar os ino- centes, “outros nao deveriam agir nesse caso, muito menos fazé- .locoin petulincia”, Mas finalmente,¢ mais importante, Las Cesas apresentou o argumento de que se deve ter cuidado a0 agir de acordo com o principio do mal menor: Moreen yd vaen std wpm) Ise ewHp RI | ouniqae-2sni[ 9p o3190u09 0 wo> sjaapeduios wero earsytisn| paaindg anb seo jod se as nowunBiad seus “earreusaye ewisous 29) vpaaindas anb npmupe sese-) seq ‘orSeoo od eounu ‘apea -woa o1nij 20d 018125 & sopeaa| 195 wapod 9s suawioy 50 ‘orSez1] -2Buend v senior) epaaindag ap oruauun ize owpyp oF sese- se] aod epep tjanbe atuoueiautp nona] erunBiad essa veasodsox y 41,47 iSpy s0 wiersox9 orSeiope {na e'snaqywaaayu09 sosorsipasa signa ‘saoedes ‘solzpuindues on suawioy anb s921p a1usueqepepion, ‘pepjenia esonsisuow woo a ‘voyppadsa wu Jaaguasuowsp tdjn> Sop wi9s song uyuioge sowssa wesayawlo9 a sapepio sens usexinaisep ‘oped nas wiesewior ‘seopye sens uezeusjanb ‘suswoy ap sos rus WEsELE PY SOUPUIpIOE!IND 9 sosonaIsUOU ssw WeIsOUE -09 ‘ouesaqos n3s ap apentos Pes1u0> ‘jenb eu 2 ‘sazousaue sojns9s Sou sejej optano wieiaey eounu jenb ep ‘opunw op raou aiied bsfou ‘ebypne euinuy woo aausua9 ‘wesenauad sigyuedso 50 ‘opSeiozad tui Wo9 opssnosip P nouruisaa sesec) se] J +,,sn9q 9p vsupsOUsI ens ap apnaita ws {*]»zo1z99 uo> seus ‘o1uaurepeunsgo sopesad stea wioiawi09 ou [anb pf}[] so222 snas 0711812109 a soprasoauo opses sipgur tea anb ap opSunsoud » eSuczadso apupi8 pg so1ua20ut e11409 s8iawson ‘uieuapod saasa anb sopraad sojad sorpuy so wassjund sioyuedss so nb 031 tus ovis yen vjad jeuy ogzes wun noiiasaide 3 EUrAWaLNt AG OLLa¥IG oO WaL Wad ‘oor dwepigt vaid-wpal reat dtuape 5 -,2Susn] p ousgsiue9 9 osstsiod 'sopedjno so ajund ezed saxsa2031 ‘eyeuu 9 149) eUsa19 opSeuep & a2az0U anb operad 3, :,[Psz2e]0> v mar anb opesed Ja [02 Sins, 3p Bikeyibirey> af O|}SAB 6 EnIU0D ponyoe|dar so; see 71 sasso20 #1 owio> ts aan 8 vp typy eu a201U02¢ anb op aud owo> sopasH> sojsd onto ‘was soxzour wes0y "Sex ens ap soza4yqny 9 sosopy ‘seSueT sein: ‘anb sazip wiaano opuenb ‘ureqies efap anb sorino 2 sonod s3559 isto op{8p21 #anb a ‘o1st2> 9p [ants sod epensatap 9 epent “ope aurou o e1uo: wauuayseyg sipjut so anb op ssaua2ouy sooned Tue20u! anb 2oustu aruatujaneredusoou jeu Wn 2 ‘ossIp W>[y 1ousuu [eu op ovdjputad o napusjap af inbe q tyjo=s9 euIN 3p 2p -epyjvaae assexozjus opu sese> se] 2s oF.sanb pBry Ops #21 O58 seyy oyipad esse e weaeotpap as nb sodna8 sojanbeu sepeognes se5 x seyinwu weve wou seus8iputsodn8s0 opoa 23 2uIn1s09 e29 ‘gu anb opueaiasco noSewio-) ‘seSueus ap sopeursetpsodioa wejur -09 as anb wia ster at sop epeay{dusos a1uawsjesot: opisanb € w0> nonsni{6 9[p9sest’) se] tard euowepuny oxtod win v39 2553 ‘co1stsp ap ogxied ¥ eprpusaadwioauy 2 #235 anager ereuz03 2 oeSeayes ens e osuouupadusy wn was 3ab oso “od sqjing x gore: [eu tn e5ej as ogu anb exed opeprn> opuzstiy sopSeiapou wo> c1r2y elas osst anb jerouass9 9 ‘seuuazout ap eisn{Ur: ‘su0u e mpadust ap ofSeBugo wos efai8} e anb souesqwupe es0qINy padouna onsitysvaninn c Que coas0 maior pode haver do que aquela imposta por uma for saarmada queabre fogo com arcaburzet e bombardeios, cujo horri- vel clamor, ainda que nie tenha nénhum outro cfeito.deivaa todos sem filego, por mais forces que sejam, ainda mais ayueles que niin tam conhecimento dessas armase nfo sabem como funcionam? Se os potesile barra explodem com otombardcio, ¢o chio treme, eo céu se nubla com a poeira grossa, se 0s velhos, os jovens ¢ as mu- Theres caem ¢ as cabanas sko destruidas e tudo parece abalado pela firiade Belona, nfo diviamos verdadeiramente que a orga esta sen- do usada para fazé-losacetar a f6!" Las Casas acreditava que a guerra nao era um meio de prepararas almas para suprimir a idolatria. “O evangelho nao é espalhado ‘com langas, massim corn a palavra de Deus, com uma vida cristae aagio da razio""' A guerra “engendra édio, e no amor, a nossa religido. [..] Os indios devem ser trazidos a fé com dogura, com caridade, com a vida santa e a palavra de Deus"”. Se consagrei tanto ternpo a explicar os argumentos dos dois te6logos do século XVI, € porque nada se disse desde ento que acrescentasse algo essencial ao debate. No século XIX, as potén- cias européias proclamarem que tinham uma missio civilizadora no mundo colonial” Lorde Curzon, vice-rei da india, exprimiu © Thidem, p25, Tbidem, 300, Tider, 350 Harald Fiecher-Tinge Micsael Mann (orgs), Coloalismas Ciedsing Mision Caleta estas Res In. QUEM TEN 0 DIREITO DE INTERVEN! bem esse ponto de vista ideoldgico num discurso cue fez no Clube Byculla, em Bomt (atual Mumbai), em 16 ce novem- bro de 1905, para um grupo composto principalmente de exuowrusaro8iaiu1 opSednsoasd ap vanpid vu epaugastxout y ‘onino seuapuios esed ous9a08 wn ap ep -uvfirdoid owo9 eprauaut aiuauzejnfas opis equiar oRSezepp9q “souruiny sovjauip so wo opSednaoasd b oanoy opt ‘sopeisg aznua sagSvjay sep rasteaz wip 1d ens noaseg sousaao8 sop rors Join anb sorpiou 2 supezztesauat ‘sop ~nadas sove opiacy twat ‘oxua apsap ‘anb avzip osizazd 9 oBjy ‘wiarauioxturo> as NO ep > 'stenb so wo steapr ap ou9s ewin euse sua | PUN IMINSUOD OLY vasy “SosquIDUE 5 eqjnes 'SOUEWINH] SOUDsIG Sop joopr oxo nas owo> “uutarBisa sepia, s905eRy se ‘gh6] wy “sour | sompaip sb :fe1u0jo0-s9d vo0d9 wu e540) peayuBis oxow 39 91 watienBuy y sieqw0j09 8 quod! sep biopezijinn oes: nau siew o2192u09 op janbe wsu outs aod} jonue9 0 raed xis opSe2yjaBuraa ep eaur>y} seus visey ove ank 9 12090 an 0 oj og 995 vs |= ag > Su "BlougIaysa,U! yp Wy 0 se>yLUBIs eUDA2p osst oo wy septup sagsey sep counmnasg ow oyuenb og!njosa we jeuo!>eusarUT ta] eu OWUES BpEYE: -vnqua PuL!anop ~ so1ino Sop SUN soUsaIUY SoIUNSse sou soLes -2qos sopeisy ap orSusazaiul-oeu ap eutzinop ejad sopiBaxc1c “soptuy seoSeN sep sosquiow ‘so.uspuadapur soprasg as-tcez -vui01 seyug|oo seBin st se ‘eease9 onf9j9 WH9 "BUN ® LIL) “[BUOID -vu opSe19qy ap somuauutrour sop opSeziueBs0 ap nesf 01:8 op opeyjnsas owo® ‘sopersasaiut ewiossis ou sapod op eorugup 2 aqueyroduuy eSuepnur ewin wiesoj orSeziuopoasap essap sexerpau wougnbastio> ea esne> y ‘e10ye opunus ojad esseur ura oFSeZIU0} -0sap ap apojiad uin 10} xx 0]N29s op apeisur epundas y «ypu rpuodsos — eippr tog nun euas anb oysy — qeiuapi20 orSe 2 ep eype anb o “ypursy ig - saagdas win ap ssodso1 wo pur x joy op olaoe38 osourey 0 « ~202409 ouemput oaod o ‘sepor ap viopeBeuusa syews ogze: "295, ng “2qupaug o1wjeuop op soatspLH sop oxtadsos v sua 1yeme| ap seBaj09 so onb ni uo) WasseIN NaYaN wwesanouidad soStue tag ste1uojo9 sasopeasturuupe so anb fens: muy ovuatuyr9z0)989 0 zaa[e1 NC “opesso sied op Joad wo owin +O UNIVERSALISMO EUROPEU Sem Fronteiras, que buscava levar assisténcia humanitiria @ 20- nas de contflito politico sera aceitar ¢ manto da neutralidade que hha muito tempo tem sido 9 principal escudo estratégico da Cruz Vermelha Internacional Essa atividade no-governamental atingiu certo grau de su- ccesso ¢, como conseqiié pa direitos humanos recebev 0 apoio de algumas atividades novas cia, disserninou-se, principalmente a da década de 1970, Além diss9, esse avango em favor dos de nivel intergovernamental. Em 1975, os Estados Unidos, a Unio Soviética, o Canadé e a rraior parte dos paises europeus reuni- ram-se na Conferéncia sobre Seguranca e Cooperagio na Europa (CSCE)eassinaram o Acordos de Helsinque, que obrigava todos os Estados signatariosa obedecer & Declaragio Universal dos Direitos Humanos. No entanto, como nesse acordo no havia mecanismo punitivo, criou-se uma estrutura ocidental nfo-governamental, a Helsinki Watch, para assumir a tarefa de pressionar os governos do bloco soviético para que respeitassem esses direitos. Quando se tornou presidente dos Estados Unidos, em 1977, Jimmy Carter afirmou que.a promogio dos direitos humanos se~ ria 0 ponto central de sua conduta politica e ampliou o conceito para além de sua aplicagio no bloco soviético (onde, er termos geopoliticcs, os Estados Unidos tirham pouca possibilidade de exercer o poder), para or regimes autoritérios © repressores da América Central (onde ert teémos geopoliticos, os Fstados Uni- dos tinham possibilidade consideravel de exercer 0 poder), Masa politica de Carter no durou muito. Qualquer que tenhasidoseu QUEM TEM 0 DIREITO DE INTERVIR? impacto na América Central, ela foi praticamente revogada du- rante 0 governo seguinte, de Ronald Reagan, Nesse mesmo period, houve trés importantes intervengdes diretas na Africa e na Asia, onde um governo atacou 0 outro com base no argumento de que o pais atacado violava os valores hu- manitarios, Primeiro, em 1976, um grupo guerrilheiro palestino seqilestrou um avifo da Air France com israelenses a bordo ¢ le- voul-o para Uganda, com a anuéncia ea cumplicidade do gover- no ugandense. Os seqiiestradores exigiram a libertagao de determinados palestinos presos em Israel em troca da libertagio dos reféns israelenses. Em 14 de julho de 1976, uma unidade de operagdes especiais de Israel voou até 0 aeroporto de Entebe, matou alguns guardas ugandenses ¢ resgatou os israelenses. Se- gundo, em 25 de dezembro de 1978, soldados vietnamitas atra- vessaram a fronteira do Camboja, derrubaram o regime do Khmer Vermelho e instalaram outro governo. E terceiro, em outubro de 1978, Idi Amin atacou a Tanzania, que contra-atacou € cujos sol- dados alcangaram a capital ugandense e derrubaram idi Amin, instalando outro presidente. ‘Oque ha deigual nesses trés casos € que a justificativa,do ponto de vista dos interventores, eram os direitos humanos: impedir a manutengio de reféns no primeiro caso e derrybar regimes ex- tremamente cruéis e ditatoriais nos outros dois. £ claro que, em cada caso, podemos discutir a solidez e a veracidade da acusagZo eaté que ponto nao existiria alternativa mais legalista ou pacifica. Também podemos discutir as conseqUléncias de cada um desses “s atos. Mas a questio é que os interventores afirraavam ¢ acredita~ vvam estar agindo de modo a maximizar a justisae, portento, es- tavam moralmente justificados segundo a lei natural, ainda que nio tivessem justificativa legal diante da lei internacional, Além disso, todos os interventores buscaram receter,¢ de fato recebe- rarn, aprovasio consideravel nfo s6 de suas préprias communida- des como de outras no sistema-mmundo, com bise na idéi de que somente o meio violento utilixado erradicar-a o mal ¢vidente que sfirmavam estar ocorrendo. (O que vimos foi uma inversio hist6rica da t:orizagio sobre os cédigos moraise juridicos do sistema-mundo. Por um lengo pe- riodo, mais ou menos do século XVI até a prmeira metade do século XX, predominou adoutrina de Sepiilveda—allegitimidade da violéncia contra os barbaros ¢ o dever moral de evangelizar—e as objegdes de Las Casas constitufam uma posigio claramente minoritéria. A partir daf, com as grandes revolt ges anticoloniais de meados do século XX ¢ em especial no pesiodo de 1945 a 1970, © dircito moral dos povos oprimidos de recusar a supervisio paternalista dos povos que se diziam civilizactos passou a ter legi- timidade ainda maior nas estruturas politicas mundiais. Talvez o auge da institucionalizagio coletiva desse novo prin- cipio tenha sido a adogZo pela ONU, em 1960, da Declavagio de Concesso da Independencia aos Paises e Povor: Colon i assun- to que fora totalmente escamoteado no Estatu:o das Nagdes Uni das, escrito apenas quinze anos antes. Parecia finalmente que Las, Casas tera suas opiniées adotadas pela comuric ade mun¢ial. Mas, QUEM TEM o DiRELTO DE Ey TERVER? assim que a validagio do ponto de vista de Las Casas se tornou doutrina oficial, a nova énfase nos direitos humanos dos indi- viduos edos grupos tornouse tema de destaque na politica mun- dial e isso comegou a minar 0 direito de rejeitar a supervisio paternalista. Em esséncia, a campanha pelos direitos humanos restaurou a énfase de Sepiilveda no dever dos civilizados de su- primir a barbitie. Foi nesse momento que o mundo assistiu a0 colapso da Unio Sovittica e4 derrubada de governos comunistas em toda a Euro- paoriental e central. Ainda era possivel acreditar que esses acon- tecimentos se encaixavam no espirito da declaragio das Nagdes Unidas sobre o direito 3 independéncia, Noentanto, asubsequiente divi da lugoslavia entre as replicas que a constitufam levou a. uma série de guerras, ou quase-guerras, nas quais a luta pela independéncia se vinculava a politica de “purificagi via muito tempo, as repablicas que constituiam a antiga Repd- blica Federal Socialista da lugoslivia mosteavam clara énfase étnica, mas todas também tinham minorias nacionaisimportan- tes. Assim, quando se dividiram em Estados separados, processo que durow alguns anos, houve pressio politica interna consideré- vel, em cada uma delas, para reduzir ou remover por completo as minorias étnico-nacionais dos novos Estados soberanos. Isso. levou a conflitos ¢ guerras em quatro das antigas repuiblicas iugoslavas: Crodcia, Bosnia, Sérvia e Macedénia. A histéria de cada uma foi muito diferente, assim como seu resultado. Mas em to- dasa purificagdo étnica tornou-se questio fundamental +O UNIVERSALISMO EUROPEW O continuo alto nivel de violencia, que incluia estupros e mas- sactes de civis, levou a apelos & intervengio ocidental para paci- ficar a regio e garantir uma aparéncia de equanimidade politica, ou pelo menos assim se argumentou. Essa intervengio ocorreu sobretudo especialmer.te na Bosnia (onde havia teés etnias mais ou menos da mesma dimensio) e no Kosovo (regiio da Sérvia com grande populasio albanesa). Quando os governos ocidentais hes taram, os intelectuais eas ONGs desses paises pressionaram obsti- nadamente seus Estados aintervir e foi o que final mente fizeram. Por virias razdes, a pressio nfo-governamental foi mais forte na Franga, onde um grupo de intelectuais fundou uma revista chamada Le Droit d'Ingérence [O Direito A Ingeréncia], Embora no citassem Sepiilveda, eses intelectuais usaram argumentos secu Jares que seguiam na mesma diresio. Insistiam, como Sepiilveda, que a “lei natural” (embora talvez nfo tenham usado essa ex- ptessio) exigia determinados tipos de comportamento universal. ‘Também insistiam que, quando no ocorria esse comportamen- to, ou pior, quando tipos opostos de comportamento predomi- navam em determinada regio, os defensores da lei natural no s6tinham odireity moral (e, claro, politic) de intervie como tam- bém o dever moral ¢ politico de intecvir. ‘Ao mesmo tempo, ocorrem guerras civis na Africa, na Libéria, em Serra Leos, no Sudo ¢, acima de tudo, em Ruanda, onde os hhitus perpetraram uma miataniga em massa dos titsissem que hou- vesse intervenio significativa de soldados estrangeiros, Ruanda, Kosovo ¢ varias outras regides em estado de extrema tragédia QUEM TEM 0 DINEITO DE INTERVER? + humana tornaram-se tema de muitos debates retrospectivos s0- bre o que se poderia ou no ter feito, ou sobre o que se deveria ter feito, para salvaguardar a vida e os direitos humanos nessas z0- nas, Por fim, no preciso lembrar até que ponto se justificou a invasio norte-americana do lraque em 2003 como necesséria para livrar 0 mundo de Saddam Hussein, ditador perigoso e cruel. Em 2demargo de 2004, Bernard Kouchner fez a23# Conferén- cia Comemorativa Morgenthau no Conselho de Etica e Assun- tos Internacionais de Carnegie, realizada anualmente. Kouchner € talvez o mais destacado porta-voz da intervengio humanitéria no mundo atual, E fundador de Médicos Sem Fronteir: 3; cunhou a expressio le droit dingérence; foi ministro do governo francés en- carregado dos assuntos de direitos humanos e, mais tarde, repre- sentante especial do secretério-geral da ONU no Kosovo. Em suas préprias palavras, éalguém que “ainda por cima tem a fama de ser 0 tinico partidério do sr. Bush na Franca”. Portanto, hi certo inte- resse em conhecer, para reflexio, o que Kouchner considera ser © papel da intervengio humanitéria na lei internacional: Ha um agpecto da intervengio humanita ia que se mostrou bas- tante dificil de implementar. Refiro-me4 tensio entre asoberania de Estado o diceito aintervir. A comunidade internacional esté trabs- Ihando num novo sistema de protegio humanitétia por meio do Gangelho de Seguransa da ONU; mas claro que aglobalizagdo no ainuncia o fim da soberania de Estado, que continua aser o baluarte da ordem mundial estavel. Em outras palavras: nfo podemos ter go- vernangé global nem sistema da ONU sem a soberania dos Estados. 6 UNIVERSALISMO EUROPEU Acomunidade internacional deve lutar, no padrio da Unio Euro- péia, para resolver esta contradisdo inerente: como pogemngs man- ter a soberania de Estado, mas também encontrar um modo de tomar decisdes comuns sobre questdes ¢ problemas comuns? Uma maneira de resolver o dilema € cizer que a soberania dos Estados sé pode ser respeitada se emanar do povo no interior do Estado, Se 0 Estado é uma ditadura, entio nio merece, em absoluto, 0 respeito da comunidade internacional." (© que Kouchner nos apresentou foi o equivalente da evan- gelizagio no século XI, Enquanto para Septlveda a principal consideragio era se 6 pais ou povo era cristdo, para Kouchner a principal consideraga0 é se eles sio ou no democriticos, ou seja, se vivem em um Estado que nao seja uma “ditadura”, Sepiilveda no podia tratar do caso dos pafses € povos que eram cristios € assim mesmo se dedicavam a atos birbaros cue violavam a lei natural, como a Espanha e a Inquisiglo, ¢ portanto igaorou-o totalmente, O que Kouchner nio péde tratar “oi do caso em que uum pafs ou povo com forte apoio popular se dedica assim mes- mo aatos barbaros contra uma minoria, comic o que ocerreu em Ruanda, e portanto ignorou-o totalmente, Naturalmente, écla- ro, Kouchner era favordvel a intervengao estrengeira em Ruanda rio porque houvesse uma ditadura ali, mas porque considerava ‘ato birbaro, Falarem ditadura como principia geral nao foi algo muito honesto, embora aplicdvel em alguns casos (corno, diga- 5 pernard Kouchner, 23 Conferércia Comemorativa Morgentha QUEM TEM Oo DIREITO DE Ty TERR? ‘mos, o Iraque), mas com certeza nao em todos aqueles em que Kouchner e outros achavam moralmente imperativo intervi. Diante da “contradigdo inerente” a que se referiu Kouchner — entre a soberania dos Estados e as decisdes em comum sobre di- reitos humanos—, suponhamos que os principios de Las Casas — suas quateo respostas a Sepilveda ~ fossem aplicados § situagio no Kosovo ou no Iraque. A primeira questio de que tratou Las Casas foi a presumida barbirie do outro contra quem se inter- vém. 0 primeiro problema, disse ele, é que nesses debates nunca fica muito claro quem sfo os birbaros. No Kosovo, eram ossérvios, ‘© governo da lugoslévia ou um grupo especifico liderado por Slobodan Milosevic? No Iraque, os birbaros eram os drabes sunitas, © partido Baath ou um grupo especifico liderado por Saddam Hussein? Os interventores moveram-se de forma ameagadora entre todos esses alvos, raramente esclarecendo ou distinguindo, ‘sempre defendendo a urgéncia da intervengio, Com efeito, de certo modo eles pretextavam que resolveriam mais tarde a atri- buigdo da culpa. Mas é claro que mais tarde no chega nunca. ‘final, um adversirio nebuloso permite formar uma coalizio nebulosa de interventores, cada qual com uma definigdo diferen- te de quem sio os birbaros e, portanto, com objetivos politicos diferentes no processo de intervensio. Las Casas insistiu em organizar tudo isso de antemio. Afinal, argumentava que a verdadeiti barbirie é fendmeno raro e nor- malmente contido pelos processos sociais de cada grupo social. Se assim é, uma pergunta que sempre devemos fazer diane de © UNIVERSALISMO EUKOTED umasituagio entre tantas ou:ras que deiinimos como birbarasé no s6 por que o processointerno desmoronpu mas também o grau em que de fatodesmoronou. Ec aro quesededicar a esse exercicio ana- ico tende a causar demora, e esse € 0 incipal argumento con- tracle. Nio hi tempo, dizem os interventores. A cadamomentoa siruagio se deteriora ainda mais. Eisso bem pode ser verdade, Mas 0 ritmo mais lento pode impedir que se cometam erros lamentiveis Aa 2.2 estabelecer uma comparagio. (Os pafses ¢ povos que inter- ¢ resultante do principio de Las Casas também nos for- vém também sio culpado: de se envolver em atos birbaros? Se assim for, esses atos sio menos graves do que os ocorridos nos paises e nos povos visados a ponto de justificar o sentimento de superioridade moral em que se baseia toda intervengi0? Jé que 0 mal existe por toda parte, esse tipo de comparacéo certamente seria paralisante; essa € a principal assergio contra ela e bem pode ser verdade, Mas a tentativa de comparagio também serve de freio oportuno a arrogincia. Hi q segundo princfpio de Sepiilveda: a obrigagio de punir os que cometem crimes contraalei natural ou, como dirfamos hoje, crimes contra a humanidade, Alguris atos podem ofender o sen- .da naquele personagem so de decén:ia de gente honesta orga nebuloso, quase ficticio, conhecido como “comunidade interna- ional", E quando isso acontece, no somos obrigados a punir Vero comentério maravilhoso e um tznto écido de Trouillot sobre a co- smunidade internacional: “Tenso na cornunidade internacion: QUEN TEM © DIREITO DE INTERVER? tals crimes? Foia esse argumento que Las Casas gpés trés pergun- tas: Quem os definiu como crimes, e estavam assim definidos na época em que foram cometidost Quem tem jurisdigdo para pu- nir? Hé alguém mais adequado do que nés para impor a punigao, caso seja merecida? E claro que a questao da definigdo dos crimes e de quem os define € um debate importantissimo, tanto hoje como no passa- do, Nos contflitos balcanicos da década de 1990, os crimes certa- ‘mente foram cometidos por determinagio da maioria das pessoas, inclusive dos ideres politicos da regio, Sabemos disso porque li deres politicos adversirios de todos os lados acusaram-se uns aos outros de crimes, e até do mesmo tipo de crime: limpeza étnica, estupro e crueldade, O problema que enfrentavam os de fora era que crimes punir, ou melhor, como sopesar a responsabilidade relativa de cada lado, Defato, os interventores externos engajaram-se em dois tipos deagio, Por um lado, empreenderam uma ago, primeiro diplo- mitica e depois militar, para deter a violéncia, o que em muitos casos significou tomar partido de uma ou outra facgo em situa- s6es especificas, Na melhor das hip6teses, em certo sentido isso implicou uma avaliagio do peso relativo dos crimes. Por outro lado, os interventores externos criaram tribunais internacionais tipo de goro gregoda politica contemporines. Ninguém jamaisa vi, mas

Você também pode gostar