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INDICE Preficio. 9 1.0 Discurso A linguagem em Questa... : 15 Um Novo Terreno e Estados Proliminares.vceoe 17 Filiagdes Tedricas Eakin 10 Discurso. 20 IL, Sujeito, Histéria Linguagem ‘A Conjuntura Intelectual da Anélise de Discurso Dispositivo de Interpretacio, Um Caso Exemplar Condigées de Produgiio TnterdiscursO.cucnnen 30 Esquecimentos. 34. Paritrase e Polissemia 36 Relagdes de Forga, Relagbes de ‘Sentido, Antecipacéio: Formagées Imaginérias... 39 Formagio Discursiva. Ea eras itetestst Coe Tdeologia e Sujeite. 45 O Sujeito e sua F 50 Incompletude: Movimento, Deslocamento € Rupwura.... ve 52 IIL. Dispositivo de Andlise O Lugar da Intexpretagio. 59 As Bases da Anilise...... 62 Uma Questdo de Método... fete 65 ‘Textualidade e Discursividade.. ws 68 Autor e Sujeito: © Imaginério € © Reale. R Fungao-Autor.... 4 A Anilise: Dispositivo e Procedimentos. 0 Dito e 0 Nao-Dito, Tipologias e Relagdes entre Discursos Marcas, Propriedades e Caracteristicas: o formal, o discursivo e 0 conteudista...... Enuneiagao, Pragmética, Argumentagao, Discurso Conclusio Discurso e Ideologies BIBLIOGRAFIA. 7 82 85 89 9 PREFACIO Nao penso que exista realmente uma introdugdo para a anilise de discurso. Por outro lado, trata-se, em geral, para as introdugGes, de supor-se uma unidade, ou uma homogeneidade, para um texto cientifico, o que também ¢ enganoso. Haver sempre, por mais estabelecida que jé seja a disciplina, muitas maneiras de apresenté-la e sempre a partir de perspectivas que mostram menos a variedade da ciéncia que a presenga da ideologia. Entdo, diante da insisténcia de solicitagdes, tanto de alunos, como de editores, de que eu deveria fazer uma introdugaio a andlise de discurso, resolvi escrever outra coisa. Inspirei-me em meus cursos de introdugdo - que mesmo que tenham no programa mais ov menos os mesmos itens so a cada ano um, enfatizando diferentes t6picos, explorando diregdes diversas — para escrever o que eu diria que € um percurso que pode compor uma série de pequenas “aulas” de andlise de discurso, sobre pontos variados que julgo interessantes na constituigao desse campo de conhecimentos, ou nesse campo de questbes sobre a linguagem, que ¢ a andlise de discurso. Problematizar as manciras de ler, levar 0 sujeito falante ou 0 leitor a se colocarem questdes sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestagdes da linguagem. Pereeber que no podemos niio estar sujeitos A linguagem, a seus equivocos, sua opacidade. Saber que no hd neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos. A entrada no simbilieo € irremediavel e permanente: estamos comprometidos com os sentidos ¢ 0 politico. Nao temos como nao interpretar. Isso, que € contribuigdo da andlise de discurso, nos coloca em estado de reflexo e, sem cairmos na ilusio de sermos conscientes de tudo, permite-nos ao menos sermos capazes de ‘uma relagio menos ingénua com a linguagem, 9 Com as novas tecnologias de linguagem, A meméria carnal aturais” juntam-se as varias modalidades da das Iinguas “ mem6ria metélica, os multi-meios, a informatica, a automagio. Apagam-se os efeitos da historia, da ideologia, mas nem por isso elas esto menos presentes, Saber como os discursos funcionam € colocar-se na encruzihada de um duplo jogo da memiéria: 0 da memGria institucional que estabiliza, cristaliza, €,a0 mesmo tempo, o da meméria constitufda pelo esquecimento que é 0 que toma possfvel o diferente, a ruptura, 0 outro, Movimento dos sentides, errancia dos sujeitos, lugares provisérios de conjungio e dispersio, de unidade ¢ de diversidade, de indistingao, de incerteza, de trajetos, de ancoragem ¢ de vestigios: isto € discurso, isto & ritual da palavra. Mesmo o das que nao se dizem, De um lado, & na movéncia, na provisoriedade, que os sujeitos e os sentidos se estabelecem, de outro, eles se estabilizam, se cristalizam, permanecem. Paralelamente, se, de um lado, hé imprevisibilidade na relagio do sujeito com o sentido, da Jinguagem com 0 mundo, toda formagdo social, no entanto, tem formas de controle da interpretagio, que sio historicamente determinadas: hd modos de se interpretar, nao € todo mundo que pode interpretar de acordo com sua vontade, ha especialistas, ha um corpo social a quem se delegam poderes de interpretar (logo de “atribuir” sentidos), tais como 0 juiz, 0 professor, 0 advogado, o padre, etc. Os sentidos esto sempre “administrados”, aio estio soltos. Diante de qualquer fato, de qualquer objeto simbélico somos instados a interpretar, havendo uma injungdo a interpretar. Ao falar, interpretamos. Mas, uo mesmo Lempo, os sentidos parecem ja estar sempre 1a, Cabe entio perguntarmos como nos relacionamos com a linguagem em nosso cotidiano, enquanto sujeitos falantes que somos (pai, mie, amigo, colega, cidadiios etc), enquanio prolissionais, enquanto professores, enguanto autores ¢ leitores. E sobre isso que pretendemos falar nos capitulos que formam este livro. Que, como todo discurso, fica incompleto, sem inicio 10 absoluto nem ponto final definitive, Uma proposta de reflexo. Sobre a linguagem, sobre o sujeito, sobre a histéria e a ideologia. Que tampouco tem a pretensdo de fazer de todo mundo especialistas em andlise de discurso, mas que, através do contato com 05 principios e os procedimentos analiticos que aqui expomos, poderiio se situar melhor quando confrontados com a linguagem e, por ela, com 0 mundo, com os outros sujeitos, com os sentidos, com a histéria. he met I. O DISCURSO ‘A Linguagem em Questo Hi muitas maneiras de se estudar a linguagem: concentrando nossa atengio sobre a lingua enquanto sistema de signos ou como sistema de regras formais, € temos entao a LingUfstic ou como normas de bem dizer, por exemplo, ¢ temos a Gramatica normativa. Além disso, a propria palavra gramética como a palavra lingua podem significar coisas muito diferentes, por isso as graméticas e a maneira de se estudar a lingua séo diferentes em diferentes épocas, em distintas tendéncias e em autores diversos. Pois & justamente pensando que hé muitas maneiras de se signifiear que os estudiosos comecaram a se interessar pela linguagem de uma maneira particular que é a que deu origem 4 Anilise de Discurso. A Anillise de Discurso, como seu proprio nome indica, ndo trata da lingua, no trata da gramética, embora todas essas coisas Ihe interessem, Ela trata do discurso. E a palavra diseurso, etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de cotter por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, pritica de linguagem: com 0 estudo do discurso observa-se 0 homem falando. Na anélise de discurso, procura-se compreender a lingua fazendo sentido, enquanto trabalho simbélico. parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua histéria Por esse tipo de estudo se pode conhecer melhor aquilo que faz do homem um ser especial com sua capacidade de significar significar-se. A Andlise de Discurso concebe a linguagem como mediag&o necesséria entre o homem ¢ a realidade natural e social. Essa mediagio, que € 0 discurso, torna possfvel tanto a permanéncia e a continuidade quanto 0 deslocamento ea transformagao do homem e da realidade em que ele vive. O trabalho simbélico do discurso esta na base da produgdo da existéncia humana. Assim, a primeira coisa a se observar é que a Anilise de Discurso nao trabalha com a Iingua enquanto um sistema 15 abstrato, mas com a lingua no mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produgio de sentidos enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto membros de uma determinada forma dle sociedade, Levando em conta 0 homem na sua histéria, considera os processos eas condigdes de produgdio da linguagem, pela andlise da relagio estabelecida pela lingua com os sujeitos que a falam © as situagdes em que se produz o dizer. Desse modo, para encontrar as regularidades da linguagem em sua produgo, 0 analista de discurso relaciona a linguagem A sua exterioridade. Tendo em vista esta finalidade, ele articula de modo particular conhecimentos do campo das Ciéncias Sociais e do dominio da Lingiifstica. Fundando-se em uma reflexio sobre a historia da epistemologia e da filosofia do conhecimento empirico, essa articulagio objetiva a transformago da prética das ciéncias sociais ¢ também a dos estudos da linguagem. Em uma proposta em que o politico ¢ o simbélico se confrontam, essa nova forms de conhecimento coloca questoes para a Lingiiistica, interpelando-a pela historicidade que ela apaga, do mesmo modo que coloca questdes para as Ciéncias Sociais, interrogando a transparéncia da linguagem sobre a qual elas se assentam. Desa maneira, os estudos discursivos visam pensar o sentido dimensionado no tempo e no espago das préticas do homem, descentrando a nogdo de sujeito e relativizando a autonomia do objeto da Lingtifstica Em conseqiiéncia, nao se trabalha, como na Lingiiistica, com a lingua fechada nela mesma mas com o discurso, que € um objeto sécio-hist6rico em que o lingtistico intervém como pressuposto. Nem se trabalha, por outro lado, com a historia e a sociedade como se elas fossem independentes do fato de que elas significam. Nessa confluéncia, a Anélise de Discurso critica a prética das Ciéncias Sociais e a da Lingiiistica, refletindo sobre a maneira como a linguagem esté materializada na ideologia ¢ como a ideologia se manifesta na lingua. 16 Partindo da idéia de que a materialidade especifica da ideologia € 0 discurso e a materialidade especifica do discurso €a lingua, trabalha a relagao lingua-discurso-ideologia. Essa relagio se complementa com 0 fato de gue, como diz M. Pécheux (1975), nfo hd discurso sem sujeito e néo hé sujeito sem ideologia: 0 individuo é interpelado em sujeito pela ideologia e & assim que a lingua faz. sentido. Conseqilentemente, o discurso é 0 lugar em que se pode observar essa relacdo entre lingua e ideologia, compreendendo-se como a lingua produz sentidos por/ para os sujeitos. jinares Um Novo Terreno e Estudos Pre! Embora a Anilise de Discurso, que toma o discurso como seu objeto proprio, tenha seu inicio nos anos 60 do século XX, o estudo do que interessa a ela - 0 da Jingua funcionando para a produgio de sentidos e que permite analisar unidades além da frase, ou seja, 0 texto - jd se apresentara de forma nao sistemética ‘em diferentes épocas e segundo diferentes perspectivas. Sem pensarmos na Antigilidade ¢ nos estudos retéricos, temos estudos do texto, em sua materialidade lingufstica, em M.Bréal, por exemplo, no séeulo XIX, com sua seméntica historica, Situando-nos no século XX, temos os estudos dos formalistas russos (anos 20/30), que ja pressentiam no texto uma estrutura. Embora 0 interesse dos formalistas fosse sobretudo literdrio, os seus trabalhos, buscando uma légica interna do texto, prenunciavam uma anélise que néo era a andtise de contetido, mancira tradicional de abordagem A andlise de contetido, como sabemos, procura extrair sentidos dos textos, respondendo & questo: 0 que este texto quer dizer? Diferentemente da andlise de contetido, a Andlise de Discurso considera que a linguagem nio é transparente. Desse modo ela nao procura atravessar o texto para encontrar um sentido do outro lado. A questo que ela coloca é: como este texto significa? 1 Ha ai um deslocamento, ja prenunciado pelos formalistas Tussos, onde a questo a ser respondida nao é 0 “o qué” mas 0 “como”, Para responder, ela nfo trabalha com os textos apenas como ilustrago ou como documento de algo que ji esté sabido em outro lugar e que o texto exemplifica, Ela produz um conhecimento a partir do proprio texto, porque 0 vé como tendo uma materialidade simbdlica propria significativa, como tendo uma espessura semdntica; ela o concebe em sua discursividade, Ainda em termos de precursors, outra forma de andlise bem sucedida, que ja pesquisava o texto, € a do estruturalista americano Z. Hartis (anos 50). Com seu método distribucional, ele consegue livrar a andlise do texto do viés conteudista mas, para fazé-lo, reduz o texto a uma frase longa. Isto &, caracteriza sua pritica teérica no interior do que chamamos isomorfismo: estende 0 mesmo método de andlise de unidades menores (morfemas, frases) para unidades maiores (texto) e procede a uma andlise lingifstica do texto como o faz. na instaneia da frase, perdendo dele aquilo que ele tem de especifico. Como sabemos, © texto no é apenas uma frase longa ou uma soma de frases. Ele € uma totalidade com sua qualidade particular, com sua natureza especifica. Considerando 0 texto como unidade fundamental na andlise da linguagem, temos no estruturalismo europeu 0 inglés M.A.K-Halliday. Ele considera 0 texto como uma passagem de qualquer comprimento que forma um todo unificado, pensando a linguagem em uso. Segundo sua proposta, que trata o texto como unidade semantica, o texto no é constituido de sentengas, ele realizado por sentengas, © que, de certo modo, inverte a perspectiva lingiifstica, Suas contribuigdes so valiosas mas, a diferenca da Andlise de Discurso, ele no trabalha com a forma material, ou com a ideologia como constitutiva e estaciona na descrigao, 18 Filiagdes Te6ricas Nos anos 60, a Anilise de Discurso se constitui no espago de questées criadas pela relagao entre trés dominios disciplinares que io 20 mesmo tempo uma ruptura com o século XIX: a Linguistica, 0 Marxismo e a Psicanélise, A Lingiifstica constitui-se pela afirmagio da nfio-transparéncia da linguagem: ela tem seu objeto proprio, a lingua, ¢ esta tem suta ordem prdpria, Esta afirmago é fundamental para a Anélise de Discurso, que procura mostrar que a relagio linguagem/ pensamento/mundo ndo € univoca, nao é uma relagao direta que se faz termo-a-termo, isto é, nao se passa diretamente de um a outro, Cada um tem sua especificidade, Por outro lado, a Anilise de Discurso pressupde 0 legado do materialismo hist6rico, isto é 0 de que ha um real da hist6ria de tal forma gue o homem faz histéria mas esta também néo lhe é transparente. Daf, conjugando a lingua com a histéria na produco de sentidos, esses estudos do discurso trabalham © que vai-se chamar a forma material (no abstrata como a da Lingiifstica) que é a forma encarnada na histéria para produzir sentidos: esta forma € portanto lingitfstico-hist6rica. Nos estudos discursivos, ndo se separam forma e contetido procura-se compreender a lingua nao s6 como uma estrutura mas sobretudo como acontecimento. Reunindo estrutura acontecimento a forma material é vista como 0 acontecimento do significante (lingua) em um sujeito afetado pela historia. Af entra entdo a contiibuigao da Psicandlise, com 0 deslocamento da nogio de homem para a de sujeito, Este, por sua vez, se constitui na relago com 0 simbélico, na hist6ria Assim, para a Andlise de Discurso: a, a lingua tem sua ordem propria mas $6 é relativamente autnoma (distinguindo-se da Lingiifstica, ela reintroduz a nogio de sujeito e de situagao na anélise da linguagem); b. a histéria tem seu real afetado pelo simbdlico (os fatos reclamam sentidos); 19 c.o sujeito de linguagem é descentrado pois é afetado pelo real da lingua ¢ também pelo real da histéria, no tendo 0 controle sobre 0 modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia. As palavras simples do nosso cotidiano ji chegam até nés carregadas de sentidos que nao sabemos como se constituiram € que no entanto significam em nés e para nds. Desse modo, se a Anilise do Discurso é herdeira das trés regides de conhecimento - Psicandlise, Lingiiistica, Marxismo - nao o € de modo servile trabalha uma nogio - a de discurso - que nao se reduz ao objeto da Lingiifstica, nem se deixa absorver pela Teoria Marxista © tampouco corresponde ao que teoriza a Psicandlise. Interroga a Lingtiistica pela historicidade que ela deixa de lado, questiona © Materialismo perguntando pelo simbélico e se demarca da Psicandlise pelo modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele. As noges de sujeito ¢ de linguagem que esto na base das Ciéneias Humanas e Sociais no século XIX jé nao tém atualidade apés a contribuigdo da LingUistica e da Psicandlise. Por outro Jado, tampouco a nogao de lingua (como sistema abstrato) pode ser a mesma com a contribuigzo do Materialismo. A andlise de discurso, trabalhando na confluéncia desses campos de conhecimento, irrompe em suas fronteiras e produz um novo recorte de disciplinas, constituindo um novo objeto que vai afetar essa formas de conhecimento em seu conjunto; este novo objeto é 0 discurso, Discurso A nogio de discurso, em sua definigio, distancia-se do modo como oesquema elementar da comunicagdo dispoe seus elementos, definindo o que é mensagem. Como sabemos, esse esquema 20 elementar se constitui de: emissor, receptor, cédigo, referente mensagem. Temios entiio que: o emissor transmite uma mensagem (informacio) ao receptor, mensagem essa formuladaem um c6digo referindo @ algum elemento da realidade — 0 referente. Cujo esquema é: Mensagem EE => Referente Para a Andlise de Discurso, niio se trata apenas de transmissao de informagao, nem hé essa linearidade na disposigao dos elementos da comunicagdio, como se a mensagem resultasse de um proceso assim serializado: alguém fala, refere alguma coisa, baseando-se em um c6digo, ¢ 0 receptor capta a mensagem, decodificando-a. Natrealidade, a ingua no é s6 um cédigo entre outros, nfo héessa separagdo entre emissore receptor, nem tampouco eles atuam numa seqiiéncia em que primeiro um fala e depois 0 outro decodifica etc, Eles esto realizando a0 mesmo tempo o processo de significagdio e ndo estao separados de formaestanque. Além disso, a0 invés de mensagem, o que propomos € justamente pensar af o Giscurso. Desse modo, diremos que nio se trata de transmissio de informagéio apenas, pois, no funcionamento da linguagem, que poe em relagao sujeitos e sentidos afetados pela lingua ¢ pela hist6ria, temos um complexo processo de constituigéo desses sujeitos e produgiio de sentidos e nfo meramente transmissio de informago. Sio processos de identificagdo do sujeito, de argumentagio, de subjetivago, de construgao da realidade etc. Por outro lado, tampouco assentamos esse esquema na idéia de comunicago. A linguagem serve para comunicar e para nfo comunicar. As relagdes de linguagem sio relagdes de sujeitos € de sentidos ¢ seus efeitos so miiltiplos e variados. Daf a definigaio de discurso: 0 discurso é efeito de sentidos entre locutores. Também nao se deve confundir discurso com “fala” na continuidade da dicotomia (Jingua/fala) proposta por F. de 2 Saussure. O discurso no corresponde & nogdo de fala pois nto se trata de opd-lo & lingua como sendo esta um sistema, onde tudo se mantém, com sua natureza social © suas constantes, sendo o discurso, como fala, apenas uma sua ocorréncia casual, individual, realizagao do sistema, fato hist6rico, a-sistemitico, com suas varidveis etc. O discurso tem sua regularidade, tem seu funcionamento que é possivel aprender se no opomos social € 0 histérico, o sistema € a realizagdo, 0 subjetivo ao objetivo, o processo ao produto A Anélise de Discurso faz um outro recorte tedrico relacionando lingua e discurso. Em seu quadro teérico, nem 0 | discurso € visto como uma liberdade em ato, totalmente sem | condicionantes lingitisticos ou determinagées histéricas, nem a lingua como totalmente fechada em si mesma, sem falhas ou equivocos. As sistematicidades lingilisticas — que nessa perspectiva nao afastam o semAntico como se fosse externo sdo as condigdes materiais de base sobre as quais se 4 desenvolvem 08 processos discursivos. A lingua é assim ; Il. SUJEITO, HISTORIA, LINGUAGEM condigalo de possibilidade do discurso. No entanto a fronteira ' entre lingua e discurso € posta em causa sistematicamente em cada prética discursiva, pois as sistematicidades acima referidas, no existem, como diz M. Pécheux (1975), sob a forma de um bloco homogéneo de regras organizado & maneira de uma maquina lgica, A relagio é de recobrimento, nao havendo portunto uma separacdio estavel entre eles, A Conjuntura Intelectual da Andlise de Discurso A proposta intelectual em que se situa a Anélise de Discurso é marcada pelo fato de que 2 nogdo de leitura é posta em suspenso. Tendo como fundamental a questio do sentido, a Anilise de Discurso se constitui no espago em que a Lingtifstica tema ver com a Filosofia e com as Ciéncias Sociais. Em outres palavras, na perspectiva discursiva, @ linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem sé faz sentido porque se inscreve na histéria. Para trabalhar o sentido - definido nao como algo em si mas como “relagdo a”, segundo Canguilhen (1980) - a Anélise de Discurso retine trés regides de conhecimento em suas amticulagdes contradit6rias: a. a teoria da sintaxe e da enunciagio; b. a teoria da ideologia e c. a teoria do discurso que € a determinagao historica dos processos de significagdo. Tudo isso atravessado poruma teoria do sujeito de natureza psicanalitica. A articulagio dessas trés regides nos estudos do discurso é que resulta na posigdo critica assumida nos anos 60 em relacao Anocio de leitura, de interpretagdo, que problematiza a relagao do sujeito com o sentido (da lingua com a histéria). Dispositivo de Interpretacio ‘Nessa conjuntura, toda leitura precisa de um artefato te6rico para que se efetue: Althusser escreve sobre a Ieitura de Marx, Lacan propde uma leitura de Freud que é um aprofundamento na filiagio da Psicandlise, Barthes considera a leitura como escritura, Foucault propée a sua arqueologia. A leitura mostra- se como nfo transparente, articulando-se em dispositivos tericos (E. Orlandi, 1996) Este conjunto de trabalhos produz condigdes intelectuais propicias & abertura de um espago para a exist@ncia de uma disciplina como a Andlise de Discurso que teoriza a interpretagio, isto é, que coloca a interpretagiio em questi. Nesse sentido, 0 estudo do discurso distingue-se da Hermenéatica. A Anélise do Discurso visa fazer compreender como os objetos simbdlicos produzem sentidos, analisando assim os prdprios gestos de_interpretag2o que ela considera comp atos no dominio simbélico, pois eles intervém no real do sentido, A Andlise do Discurso no estaciona na interpretagio, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos processos de significagio. Também no procura um sentido verdadeiro através de uma “chave” de interpretagio, Nao ha esta chave, ha método, ha construcdo de um dispositivo tesrico. Nao ha uma verdade oculta atrés do texto. Ha gestos de interpretagio que © constituem e que o analista, com scu dispositivo, deve ser capaz de compreender. Daf termos proposto que se distinga a inteligibilidade, a interpretagZoe acompreensio. A inteligibilidade refere o sentido lingua: “ele disse isso” é inteligivel. Basta se saber portugues para que esse enunciado seja inteligfvel; no entanto nao & intespretavel pois nao se sabe quem é ele ¢ 0 que ele disse. A interpretagio €0 sentido pensando-se 0 co-texto (as outras frases do texto) € 0 contexto imediato, Em uma sittagdo “x” Maria diz que Antonio vai ao cinema, Jodo pergunta como ela sabe e ela responde: “Ele disse isso”. Interpretando: “ele” é Antonio e “o que” ele disse & que vai ao cinema. No entanto, a compreensfio € muito mais do que isso. Compreender € saber como um objeto simbélico (enunciado, texto, pintura, misica ete) produz sentidos. & saber como as interpretagdes funcionam. Quando se interpreta ja se esté preso em um sentido, A compreensao procura a explicitagdo dos processos de significagao presentes no texto e permite que se possam “escutar” outros sentidos que ali esto, compreendendo como eles se constituem. Por exemplo, nas palavras de Maria, pode-se compreender que ela no quer ir, ou que Antonio é quem decide tudo, ou que ele est indo em outro lugar ete. Em suma, a Anélise de Discurso visa a compreenso de como um objeto simbélico produz sentidos, como ele esta investido de significdncia para e por sujeitos. Essa compreensio, por sua vez, implica em explicitar como o texto organiza os gestos de 26 interpretagdio que relacionam sujeito e sentido. Produzem-se assim novas préticas de leitura, Face ao dispositive teérico da interpretagdo, ha uma parte que € da responsabilidade do analista e uma parte que deriva da sua sustentago no rigor do método € no alcance teérico da Andlise de Discurso. O que é de sua responsabilidade € a formulagiio da questo que desencadeia a aniilise. Cada material de andlise exige que seu analista, de acordo com a questo que formula, mobilize conceitos que outro analista nao mobilizaria, face a suas (outras) questes, Uma undlise nao é igual a outra porque mobiliza conceitos diferentes e isso tem resultados cruciais na descrigdo dos materiais. Um mesmo analista, alids, formulando uma questio diferente, também poderia mobilizar conceitos diversos, fazendo distintos recortes conceituais Por isso distinguimos eatre o dispositivo teérico da interpretagdo, tal como o tematizamos, ¢ 0 dispositive analitico construido pelo analista a cada andlise. Embora 0 dispositivo teérico encampe o dispositive analitico, o inclua, quando nos referimos ao dispositive analitico, estamos pensando no dispositivo teérico j4 “individualizado” pelo analista em uma andlise especifica, Dai dizermos que 0 dispositivo teérico é 0 mesmo mas 0s dispositivos analiticos, ndo, O que define a forma do dispositivo analitico é a questo posta pelo analista, a natureza do material que analisa e a finalidade da anélise Gostariamos de acrescentar que como a pergunta é de responsabilidade do pesquisador, é essa responsabilidade que organiza sua relagio com o discurso, levando-o & construgdo de “seu” dispositivo analitico, optando pela mobilizagio desses ou aqueles conceitos, esse ou aquele procedimento, com os quais ele se compromete na resolugao de sua questao. Portanto, sua pratica de leitura, seu trabalho com a interpretagdo, tem a forma de seu dispositivo analftico. Por seu lado, como dissemos, o dispositive teérico, que objetiva mediar o movimento entre a descrigio ¢ a interpretagio, sustenta-se em principios gerais da Andlise de Discurso enquanto uma forma de conhecimento com seus conceitos ¢ método. Ele se mantém inalterado, segundo a teoria do discurso, na construgio dos diferentes dispositivos analiticos, Feita a andlise, ¢ tendo compreendido o processo discussivo, os resultados vao estar disponiveis para que 0 analista os interprete de acordo com os diferentes instrumentais te6ricos dos campos disciplinares nos quais sc inscreve e de que partiu. Nesse momento € crucial a maneira como ele construiu seu dispositivo analitico, pois depende muito dele o alcance de suas conclusées. Desfeita a ilusdio da transparéncia da linguagem, e exposto & materialidade do processo de significagio ¢ da constituigio do sujeito, 0 analista retorna sobre sua quest2o inicial. Ela est assim no inicio, como elemento desencadeador da andlise e da construgao do dispositivo analitico correspondente, e, no final, cla retorna, gerindo a maneira como 0 analista deve referir os resultados da andlise & compreensio tedrica do seu dominio disciplinar especifico: o da propria Andlise de Discurso, se for © caso, ou da Lingiistica, mas também o da Politica, da Sociologia, da Antropologia, etc, dependendo da disciplina a que se filia 0 analista. Todos esses elementos — a natureza dos materiais analisados, a questtio colocada, as diferentes teorias dos distintos campos disciplinares — tudo isso constitui 0 dispositivo analitico construido pelo analista. Dai deriva, penso eu, a riqueza da Andlise de Discurso ao permitir explorar de muitas maneiras essa relagao trabalhada com o simbélico, sem apagar as diferengas, significando-as teoricamente, no jogo que se estabelece na distingo entre o dispositive tedrico da interpretago e os dispositivos analiticos que Ihe correspondem. Um caso exemplar Epoca de eleigdes no campus universitério. Logo na entrada, vé-se uma grande faixa preta com o seguinte enunciado em 28 largas letras brancas: “vote sem medo!”, seguido de uma explicagao sobre 0 fato de que os votos néo seriam identificados. Logo abaixo, 0 nome de entidades de representagao de funciondrios e professores. A faixa negra traz em si uma meméria. Se a observamos do ponto de vista da cromatografia politica, o negro tem side a cor do fascismo, dos conservadores, da “direita’” em sua expressao politica. Por outro lado, as palavras “sem medo”, que parecem apoiar © eleitor em sna posigao, trazem dois efeitos aelas apensos: 1, Langam a suspeita sobre algum dos candidatos (que estaria ameagando os que nao votassem nele...) ¢ 2. Falam em “medo”, sugerindo um petigo, uma ameaca. Outro efeitode sentido que tambémaf funciona, ‘mas de modo mais indireto, é 0 de que, se essas entidades assinam algo que produz os dois efeitos acima, significa que elas estio tomando posigao contra algum dos candidatos que elas fazer supor que ameagaria os eleitores. Logo, elas deixam de ter neutralidade, que um principio ético eleitoral. O que resumimos dizendo que afaixanegra mobiliza os sentidos do medo. Argumenta contra, no entanto faz presente a questao do medo. Resta dizer que, explicitamente, as posigdes em jogo nas cleigdes universitirias eram elas todas de esquerda, como convém, Desse modo, ao fazermos essa “ leitura” que estamos propondo, estamos procurando ir além do que se diz, do que fica na superficie das evidencias. Ou seja: todo mundo € de esquerda, mas 0 que a mobilizagio dessas ou daquelas palavras pode mostrar além das aparéncias? Para se perceber isso, basta que produzamos uma pardfrase dessa faixa. Seria ento uma faixa branea escrita em vermelho: “vote com coragem!”, Nesse outro modo de dizer, outras palavrase outras cores seriam mobilizadas produzindo outros efeitos de sentidos. A cor vermelha estéligada historicamente a posigdes revolucionérias, transformadoras. Sobre fundo branco, as palavras “com coragem! fazem apelo & vida, ao futuro, a disposigdo de luta. Contrapondo agora as duas faixas, podemos ver (ler) suas diferentes filiagbes de sentidos remetendo-as a memérias € a 29 circunstncias que mostram que os sentidos nao esto s6 nas palayras, nos textos, mas na relagdio com a exterioridade, nas condigdes em que eles siio produzidos e que no dependem s6 das intengdes dos sujeitos. Mesmo que se autodenominassem “esquerda”, os sujeitos que produziram 0 enunciado da faixa negra Vote sent Medo! o faziam de uma posigio na hist6ria que alinha sentidos da diteita e da repressdo da liberdude de votos (que eles, mobilizando 0 moralismo embutido nessas acusagdes, airibuiam a “alguém" do outro lado, que seriam os perseguidores, enquanto eles se colocavam na posigio de salvadores...). Sem que isto estivesse em suas intengdes, mas determinados pelo modo como eram afetados pela linguae pela historia, seu gesto de interpretagdo produzia todos esses efeitos, Os dizeres nio sto, como dissemos, apenas mensagens a serem decoxlificadas. Sio efeitos de sentidos que sZo produzidos em condigées determinadas e que estto de alguma fortna presentes no modo comose diz, deixando vestigios que 0 analista de discarso tem de apreencer Sto pistas que ele aprende a seguir para compreender os sentidos af produzidos, pondo em relagdo o dlizer com sua exterioridade, suas condiges de produgdo. Esses sentidos tém a ver com o que & dito ali mus também em outros lugares, assim como com o que niio€ dito, ¢ como que poderia ser ditoe nfo foi, Desse modo, as margens do dizer, do texto, também fazer parte dele. Condigées de Produgio e Interdiseurso O que siio pois as condigdes de produgio? Elas compreendem fundamentalmente os sujeitos e a situagdo. Também a memsria faz parte da produgio do diseurso. A maneita como a meméri “aciona”, faz valer, as condigdes de produgao é fundamental, como veremos a seguir. Podemos considerar as condigdes de produgéio em sentido estrito e femos as circunstancias da enuneiacdo: € 0 contexto imediato. E se as consideramos em sentido amplo, as condigdes de produgio incluem 0 contexto socio-hist6rico, ideolégico. 30 No exemplo acima, 0 contexto imediato é 0 campus onde a faixa foi colocada, os sujeitos que a “assinam” (entidades de funciondrios e docentes), o momento das eleigdes e 0 fato do texto ter sido escrito em ume faixa e no em outro suporte material qualquer. © contexto amplo & 0 que traz para a consideragdo dos efeitos de sentidos elementos que derivam da forma de nossa sociedade, com suas Instituigdes, entre elas a Universidade, no modo como elege representantes, como organiza o poder, distribuindo posigées de mando e obediéncis F, finalmente, entra a hist6ria, a produgio de acontecimentos que significam na maneira como cores como 0 negro esté relacionado ao fascismo, & direita, e 0 vermelho ao comunismo, a esquerda, segundo um imagindrio que afeta os sujeitos em suas posigdes politicas, ‘A meméria, por sua vez, tem suas caracterfsticas, quando pensada em relagdo ao discurso, E, nessa perspectiva, ela & tratada como interdiscurso. Este € definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, € 0 gue chama Giscursiva; o saber discursive que torna possfvel todo dizer e que retorna sob a forma do pre- consttuido, 0 jé-dito que esta na base do dizivel, sustentando cada tomada da palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam 0 modo como o sujeito significa em uma situagio discursiva dada, No caso que analisamos, tudo 0 que ja se disse sobre voto, sobre eleigdes, sobre cleitores ¢ também todos os dizeres politicos que significaram, em diferentes candidatos, os sentidos da politica universitéria esto, de certo modo, significando ali. Todos esses sentidos ja ditos por alguém, em algum lugar, em outros momentos, mesmo muito distantes, tém um efeito sobre o que aquela faixa diz. Sao sentidos convocados pela formulagio: vote sem medo! ‘Que pressupse, entre outras coisas, na experiéncia politica gue temos, que as pessoas tm medo de votar, nd votam livremente, etc, Experiéncias passadas, de ditaduras, de ‘governos autoritarios sdo presentificadas por esse enunciado. S6 que, como cle proprio vem escrito em uma faixa negra, 31 acaba por trazer, ele também, essa memoria, ao invés de rompé-la colocando-se fora dela, falando com “outras” palavras, Hii uma forte contradigio trabalhando esse texto. Apesar da alegada consciéncia politica de esquerda, alguma coisa mais forte - que vem pela histéria, que nao pede licenca, que vem pela meméria, pelas filiagdes de sentidos constituidos em outros dizeres, em muitas outras vozes, no jogo da lingua que vai-se historicizando aqui e ali, indiferentemente, mas marcada pela ideologia e pelas posigdes relativas ao poder - traz em sua materialidade os efeitos que atingem esses sujeitos apesar de suas vontades. O dizer nao é propriedade particular, As palavras ndo sio s6 nossas. Elas significam pela histéria e pela lingua. O que é dito em outro lugar também significa nas “nossas” palavras. O sujeito diz, pensa que sabe 0 que diz, mas nao tem acesso ou controle sobre 0 modo pelo qual os sentidos se constituem nele, Por isso & imatil, do ponto de vista discursivo, perguntar para 0 sujeito © que ele quis dizer quando disse “x” (lusio da entrevista in loco). O que ele sabe nao é suficiente para compreendermos que efeitos de sentidos estao ali presentificados. O fato de que hd um ja-dito que sustenta a possibilidade mesma de todo dizer, ¢ fundamental para se compreender 0 funcionamento do discurso, a sua relago com os sujeitos e com a ideologia. A observagao do interdiscurso nos permite, no exemplo, remeter o dizer da faixa a toda a uma filiagdo de dizeres, a uma meméria, e a identificé-lo em sua historicidade, em sua significdncia, mostrando seus compromissos politicos e ideoldgicos. Disso se deduz que hé uma relagdo entre 0 jé-dito e 0 que se est dizendo que é a que existe entre o interdiscurso e 0 intradiscurso ou, em outras palavras, entre a constituigao do sentido e sua formulagio. Courtine (1984) explicita essa diferenga considerando a constituigo—o que estamos chamando de interdiscurso — representada como um eixo vertical onde terfamos todos os dizeres ja ditos - e esquecidos ~ em uma 32 1 i estratificagdo de enunciados que, em seu conjunto, representa 0 dizivel. E terfamos 0 eixo horizontal - o intradiscurso ~ que seria o eixo da formulacdo, isto é, aquilo que estamos dizendo naguele momento dado, em condigdes dadas. ‘A formulagio, entdo, est determinada pela relagdo que estabelecemos com o interdiscurso: no exemplo dado, o texto “Vote sem Medo” seria composto pela sua formulagao e também pela sui historicidade, o saber discursivo que foi-se constituindo 20 longo da historia ¢ foi produzindo dizeres, a meméria que tornou possivel esse dizer para esses sujeitos num determinado momento e que representa o eixo de sua constituigao (interdiscurso), A constituigiio determina a formulacio, pois s6 podemos dizer (formulat) se nos colocamos na perspectiva do dizivel (interdiscurso, memoria). Todo dizer, na realidade, se encontra na confluéncia dos dois eixos: 0 da meméria (constituigao) ¢ 0 da atualidade (formulagao). E & desse jogo que tiram seus sentidos. Paralelamente, 6 também 0 interdiscurso, a historicidade, que determina aquilo que, da situago, das condigées de produgao, 6 relevante para a discursividade. Pelo funcionamento do interdiscurso, suprime-se, por assim dizer, a exterioridade como tal para inscrevé-la no interior da textualidade. Isso faz com que, pensando-se a relaco da historicidade (do discurso) € a histéria (tal como se di no mundo), € 0 interdiscurso que specifica, como diz M. Pécheux (1983), as condigdes nas quais um acontecimento hist6rico (elemento histérico descontinuo e exterior) & suscetivel de vir a inscrever-se na continuidade interna, no espago potencial de coeréneia proprio a uma memoria. E preciso no confundir o que é interdiscurso e 0 que & intertexto. O interdiscurso € todo 0 conjunto de formulagdes feitas e jd esquecidas que determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido € preciso que elas ja fagam sentido. E isto € efeito do interdiscurso: € preciso que 0 que foi 33 dito por um sujeito especitico, em um momento particular se apague na meméria para que, passando para o “anonimato”, possa fazer sentido em “minhas” palavras. No interdiscurso, diz Courtine (1984), fala uma voz sem nome Ao falarmos nos filiamos a redes de sentidos mas ndo aprendemos como fazé-lo, ficando ao sabor da ideologia e do inconsciente. Por que somos afetados por certos sentidos € no outros? Fica por conta da histéria e do acaso, do jogo da lingua e do equivoco que constitui nossa relagio com eles. Mas certamente o fazemos determinados por nossa relagéo com a lingua e a histéria, por nossa experiéncia simbélica e de mundo, através da ideologia, Por isso a Andlise de Discurso se propée construir escutas que permitam levar em conta esses efeitos ¢ explicitar a relacdo com esse “saber” que nao se aprende, nao se ensina mas que produz. seus efeitos. Essa nova pratica de leitura, que € a discursiva, consiste em considerar 0 que é dito em um discurso e 0 que 6 dito em outro, 0 que é dito de um modo e 0 que é dito de outro, procurando escutar 0 ndo-dito naquilo que € dito, como uma presenga de uma auséncia necessaria. Isso porque, como vimos pelo exemplo acima, sé uma parte do dizivel & acessivel ao sujeito pois mesmo o que ele nio diz (e que muitas vezes ele desconhece) significa em suas palayras. Se tanto 0 interdiscurso como o intertexto mobilizam o que chamamos relagdes de sentido, que explicitaremos & frente, no entanto 0 interdiscurso é da ordem do saber discursivo, meméria afetada pelo esquecimento, ao longo do dizer, enquanto 0 intertexto restringe-se a relacio de um texto com outros textos. Nessa relagdo, a intertextual, o esquecimento no é estruturante, como o € para o interdiscurso. Esquecimentos Segundo M.Pécheux (1975), podemos distinguir duas formas de esquecimento no discurso. 34 a a A O esquecimentotndmero dois, que ¢ da ordem da enunciagio: ao falarmos, 0 fazemos de uma maneirae no de outra, e, a0 longo de nosso dizer, formam-se familias parafrésticas que indicam que © dizer sempre podia ser outro. Ao falarmos “sem medo”, por exemplo, podiamos dizer “com coragem”, ou “livremente” etc. Isto significa em nosso dizer e nem sempre temos consciéncia disso. Este “esquecimento” produz em nds a impressio da realidade do pensamento. Essa impressio, que é denominada ilusio referencial, nos faz acreditar que hd uma relagdo direta entre 0 pensamento, Jinguagem eo mundo de tal modo que pensamos que o que dizemos 36 pode ser dito com aquelas palavras e nao outras, que s6 pode ser assim. Ela estabelece uma relagdo “natural” entre palavra e coisa. Mas este € um esquecimento parcial, semi-consciente e muitas vezes voltamos sobre ele, recorremos a esta margem de familias paraftdsticas, para melhor especificar 0 que dizemos. Eo chamado ‘esquecimento enunciativo e que atesta que a sintaxe significa: 0 modo de dizer nao € indiferente aos sentidos. O outro esquecimento é o esquecimenta ntimero um, também chamado esquecimento ideolégico: ele € da instincia do inconsciente ¢ resulta do modo pelo qual somes afetados pela ideologia. Por esse esquecimento temos a ilusdo de ser a origem do que dizemos quando, na realidade, retomamos sentidos pre- existentes. Esse esquecimento reflete © sonho adamico: o de estar na inicial absoluta da linguagem, ser o primeiro homem, dizendo as primeiras palavras que significariam apenas e exatamente 0 que queremos, Na realidade, embora se realizem em nbs, 0s sentidos apenas se representam como originando-se em nés: eles sio determinados pela maneira como nos inscrevemos na lingua e na hist6ria e € por isto que significam e ndo pela nossa vontade. Quando nascemos os discursos ja esto em processo ¢ nés & ‘que entramos nesse proceso, Eles nao se originam em nés, Isso nfo significa que nao haja singularidade na maneira como a Iingua ea hist6ria nos afetam. Mas néo somos o inicio delas. Blas se realizam em nés em sua materialidade. Essa é uma 35 determinagio necesséria para que haja sentidos ¢ sujeitos. Por isso € que dizemos que o esquecimento € estruturante. Ele € parte da constitui¢o dos sujeitos e dos sentidos. As ilusdes nao so “defeitos”, so uma necessidade para que a linguagem funcione nos sujeitos e na produgao de sentidos. Os sujeitos “esquecem* que jé foi dito — ¢ este nfo é um esquecimento voluntario — para, ao se identificarem com o que dizem, se constituirem em sujeitos. E assim que suas palavras adquirem. sentido, € assim que eles se significam retomando palavras jd existentes como se elas se originassem neles ¢ é assim gue sentidos e sujeitos esto sempre em movimento, significando sempre de muitas ¢ variadas maneiras. Sempre as mesmas mas, a0 mesmo tempo, sempre outras, Pardfrase e Polissemia Quando pensamos discursivamente a linguagem, é dificil tragar limites estritos entre 0 mesmo e 0 diferente. Daf considerarmos que todo o funcionamento da linguagem se assenta na tensdo entre processos parafriisticos processos polissémicos. Os processos parafidisticos sao aqueles pelos quais em todo dizer ha sempre algo que se mantém, isto é, 0 dizivel, ameméria, A paréfrase representa assim o retorno aos mesmos espagos do dizer. Produzem-se diferentes formulagées do mesmo dizer sedimentado. A parafrase esté do lado da estabilizagdo. Ao passo que, na polissemia, 0 que temos é deslocamento, ruptura de processos de significacao, Ela joga com 0 equivoco. Essas sfc duas forcas que trabalham continuamente o dizer, de tal modo que todo discurso se faz nessa tensfo: entre o mesmo © 0 diferente. Se toda vez que falamos, ao tomar a palavra, produzimos uma mexida na rede de filiago dos sentidos, no entanto, falamos com palavras ja ditas. E & nesse jogo entre patifrase e polissemia, entre o mesmo e o diferente, entre o ja- dito © 0 a se dizer que os sujeitos e os sentidos se movimentam, fazem seus percursos, (se) significam. 36 oe Se o real da lingua no fosse sujeito a falha e o real da histéria nao fosse passivel de ruptura nao haveria transformagio, nao haveria movimento possivel, nem dos sujeitos nem dos sentidos. E porque a lingua é sujeita ao equivoco e a ideologia é um ritual com falhas que o sujeito, ao significar, se significa. Por isso, dizemos que a incompletude € a condigao da linguagem: nem os sujeitos nem os sentidos, logo, nem o discurso, j4 esto prontos € acabados. Eles estiio sempre se fazendo, hayendo um trabalho continuo, um movimento constante do simbélico e da historia. E condigao de existéncia dos sujeitos e dos sentidos: constituirem-se na relagdo tensa entre pardfrase ¢ polissemia. Daj dizermos que os sentidos e os sujeitos sempre podem ser outros. Todavia nem sempre o sio. Depende de como sio afetados pela lingua, de como se inscrevem na hist6ria. Depende de como trabalhame sio trabalhados pelo jogo entre pardfrase e polissemia. E desse modo que, na aniilise de discurso, distinguimos o que € criatividade do que € a produtividade. A “criaglio” em sua dimensio técnica é produtividade, reiteragao de processos jé cristalizados. Regida pelo processo parafrastico, a produtividade mantém o homem num retono constante a0 mesmo espago dizfvel: produz a variedade do mesmo. Por exemplo, produzimos frases da nossa lingua, mesmo as que no conhecemos, as que nao havfamos ouvido antes, a partir de um conjunto de regras de um nimero determinado. Jé a criatividade implica na ruptura do processo de produgdo da linguagem, pelo deslocamento das regras, fazendo intervir 0 diferente, produzindo movimentos que afetam 0s sujeitos € os sentidos na sua relagdo com a histéria e com a lingua. Irrompem assim sentidos diferentes. Nesse modo de considerar a produgao de sentidos, no se banaliza a nogdo de criatividade. O que vemos com mais freqliéncia — por exemplo, se observamos a midia - € a produtividade e nao a criatividade. As novelas obedecem, em 37 geral, um estrito processo de produgao, dominado pela “produtividade”: assistimos a “mesma” novela contada muitas e muitas vezes, com algumas variagdes. Para haver criatividade € preciso um trabalho que ponha em conflito 0 ja produzide ¢ 0 que vai-se instituir. Passagem do irrealizado ao possivel, do no-sentido ao sentido, Decorre daj a afirmagao de que a parifrase € a matriz do sentido, pois nao hé sentido sem repeti¢do, sem sustentagdo no saber discursivo, e a polissemia é a fonte da linguagem uma vez que ela é a prdpria condigio de existéncia dos discursos pois se os sentidos — ¢ 0s sujeitos — nao fossem multiplos, nao pudessem ser outros, no haveria necessidade de dizer. A polissemia é justamente a simultaneidade de movimentos distintos de sentido no mesmo objeto simbilico. Esse jogo entre parifrase e polissemia atesta o confronto entre 0 simbélico e 0 politico, Todo dizer é ideologicamente marcado. F na lingua que a ideologia se materializa. Nas palavras dos sujeitos. Como dissemos, 0 discurso € 0 lugar do trabalho da Hingua e da ideologia. Podemos agora, compreendendo a relagao da pardfrase com a polissemia, dizer que, entre 0 mesmo e o diferente, o analista se propde compreender como 0 politico ¢,0 lingiifstico se interrelacionam na constituigao dos sujeitos ¢ na produgao dos sentidos, ideologicamente assinalados. Como 0 sujeito (e os sentidos), pela repetigio, esto sempre tangenciando o novo, o possivel, o diferente. Entre o efémero © 0 que se eternaliza. Num espago fortemente regido pela simbolizagio das relagdes de poder. Um exemplo interessante é 0 que diz respeito aos sentidos de “colonizagao” e seus efeitos em nds, entre a repeticao e a diferenga. Esses sentidos se constituiram ao longo de uma histéria a que jé ndo temos acesso e que “falam” em nés (E. Orlandi, 1990), Isto € a meméria, o interdiscurso, Por outro lado, a cada vez que dizemos “colonizacao”, ou que nos ficamos em relacio a essa hist6ria, esses sentidos retornam 38 —_, mas, ao mesmo tempo, podem derivar para outros sitios de significagao (E. Orlandi, 1993), produzindo novos sentidos, efeitos do jogo da lingua inscrito na materialidade da hist6ria. Relagies de Forca, Relagies de Sentidos, Antecipacio: Formagies Imaginérias ‘As condigdes de produgio, que constituem os discursos, funcionam de acordo com certos fatores. Um deles & 0 que chamamos relagio de sentidos. Segundo essa nogio, niio ha discurso que ndo se relacione com outros. Em outras palavras, os sentidos resultam de relagdes: um discurso aponta para outros que o sustentam, assim como para dizeres futuros, Todo discurso Evvisto como um estado de um processo discursivo mais amplo, continuo, Nao hé, desse modo, comeco absoluto nem ponto final para o discurso, Um dizer tem relagao com outros dizeres realizados, imaginados ou possfveis. Por outro lado, segundo o mecanismo da antecipagao, todo sujeito tem a capacidade de experimentar, ou melhor, de colocar-se no lugar em que o sev interlocutor “ouve” suas palavras. Ele antecipa-se assim a seu interlocutor quanto ao sentido que suas palavras produzem. Esse mecanismo regula aargumentagdo, de tal forma que o sujeito diré de um modo, ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte. Este espectro varia amplamente desde a previsde de um interlocutor que é seu cimplice até aquele que, no outro extremo, ele prevé como adversario absolute. Dessa maneira, esse mecanismo dirige 0 processo de argumentagao visando seus efeitos sobre 0 interlocutor. Finalmente, temos a chamada relagao de forgas.Segundo essa nogéio, podemos dizer que o lugar a partir do qual fala o sujeito & constitutive do que ele diz. Assim, se o sujeito fala partir do lugar de professor, suas palavras significam de modo diferente do que se falasse do lugar do aluno, O padre fala de um lugar em que suas palavras tém uma autoridade determinada junto a0s figis etc, Como nossa sociedade é constituida por relagdes 39 hierarquizadas, séo relagdes de forga, sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na “comunicagao”. A fala do professor vale (significa) mais do que a do aluno. Resta acrescentar que todos esses mecanismos de funcionamento do discurso repousam no que chamamos formagées imaginirias. Assim no sio 0s sujeitos fisicos nem 0s seus lugares empfricos como tal, isto é, como esto inscritos na sociedade, ¢ que poderiam ser sociologicamente descritos, que funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projegdes. Sao essas projegdes que permitem passar das situagdes empiricas — 05 lugares dos sujeitos ~ para as posigbes dos sujeitos no discurso. Essa é a distingdo entre lugar e posicio. Em toda lingua hé regras de projegao que permitem ao sujeito passar da situagto (empirica) para a posigao (discursiva). O que significa no discurso sdo essas posig6es. E elas significam em relagGo a0 contexto sécio-hist6rico e & memoria (0 saber discursivo, 0 jé-dito). As condigées de produgo implicam o que é material (a lingua sujeita a equivoco e a historicidade), o que é institucional (a formagio social, em sua ordem) e 0 mecanismo imagindrio, Esse mecanismo produz imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro de uma conjuntura s6cio-histérica Temos assim a imagem da posicdo sujeito locutor (quem sou cu para Ihe falar assim?) mas também da posigo sujeito interlocutor (quem é ele para me falar assim, ou para que eu lhe fale assim?), e também a do objeto do discurso (do que estou Ihe falando, do que ele me fala?). E pois todo um jogo imaginério que preside a troca de palavras. E se fazemos intervir a antecipagiio, este jogo fica ainda mais complexo pois incluira: aimagem que o locutor faz da imagem que seu interlocutor faz, dele, aimagem que o interlocutor faz da imagem que ele faz do objeto do discurso e assim por diante, Na relagdo discursiva, so as imagens que constituem as diferentes posigdes, E isto se faz de tal modo que o que funciona no discurso nao € o operétio visto empiricamente mas 0 operitio 40 enquanto posigZo discursiva produzida pelas formagées imagindrias. Dai que, na andlise, podemos encontrar, por exemplo, 0 operdrio falando do lugar do patréo, No caso que i faixa Vote sem Medo — podemos dizer que nao importam os locutores empiricos (de esquerda) que a escreveram mas a posigao (moralista) que eles ocupam, o que faz valer (significar) seu dizer de um modo determinado. Eassim que as condiges de produgao estdo presentes nos processos de identificagao dos sujeitos trabalhados nos discursos. E as identidades resultam desses processos de identificacdo, em que © imagindrio tem sua eficdcia. No exemplo Vote sem Medo, temos que considerar, nas circunstincias da enunciagio, a imagem que se faz do dirigente sindical e dos docentes, em suas posigdes, mas também a imagem que eles fazem dos eleitores, mobilizando um dizer que remete a sentidos cuja meméria os filia a discursos de que a faixa negra é um vestigio. Isto indica a diregdo (politica, ideolégica) dessa formulagio. Pensando as relagdes de forgas, a de sentidos e a antecipagio, sob o modo do funcionamento das formagGes imaginérias, podemos ter muitas ¢ diferentes possibilidades regidas pela maneira comoa formago social est na histéria. Em nossa formago social, se penisamos por exemplo a Universidade, podemos explorar algumas dessas possibilidades: a imagem que o professor tem do que seja um aluno universitério, a imagem que um aluno tem do que seja tum professor universitério, aimagem que se tem de um pesquisador, a imagem que oaluno (o professor, 0 funcionério) tem de um Reitor, 2 imagem que © aluno (o professor, o funcionério) tem de um dirigente de um diret6rio académico, a imagem que 0 aluno (0 professor, o funcionério) tem de um dirigente de uma associagao, de professores universitdrios etc. Mas, pelo mecanismo da antecipagZo, também temos, por exemplo: a imagem que o dirigente sindical tem da imagem que os funcionétios t&m daquilo que ele vai dizer. E isto faz. com que ele ajuste seu dizer a seus objetivos politicos, trabalhando esse jogo de imagens. Como em um jogo de xadrez, € melhor orador aguele que consegue antecipar o maior 4 ntimero de “jogadas”, ou seja, aquele que mobiliza melhor o jogo de imagens na constituigéo dos sujeitos (no caso, eleitores), cesperando-os onde eles esto, com as palavras que eles “querem” (gostariam de, deveriam ete) ouvir. Tudo isso vai contribuir para a constituigdo das condigdes em que o discurso se produz ¢ portanto para seu processo de significagdo. B bom lembrar: na andlise de discurso, na menosprezamos a forga que a imagem tem na constituigao do dizer. O imagindrio faz necessariamente parte do funcionamento da linguagem. Ble € eficaz. Ele nao “brota” do nada: assenta-se no modo como as relagdes sociais se inscrevem na hist6ria e so regidas, em uma sociedade como a nossa, por relagdes de poder. A imagem que temos de um professor, por exemplo, ndo cai do eéu. Bla se constitui nesse confronto do simbélico com o politico, em processos que ligam discursos e instituig6es. Desse modo € que acreditamos que um sujeito na posigHo de professor de esquerda fale “x” enquanto um de direita fale “y”. O que nem sempre € verdade. Por isso a andlise é importante. Com ela podemos atravessar esse imagindrio que condiciona os sujeitos em suas discursividades ¢, explicitando 0 modo como os sentidos estio sendo produzidos, compreender melhor 0 que esté sendo dito, Nao € no dizer em si mesmo que o sentido é de esquerda ou de direita, nem tampouco pelas intengdes de quem diz. E preciso referi-lo as suas condigdes de produgio, estabelecer as relagGes que ele mantém com sua meméria e também remeté-lo a uma formagio discursiva ~ € nao outra ~ para compreendermos 0 proceso discursivo que indica se cle € de esquerda ou de direita, Os sentidos nao esto nas palavras elas mesmas, Esto aquém e além delas. Formagio Diseursiva Conseqilentemente, podemos dizer que 0 sentido nao existe em si mas é determinado pelas posigdes ideoldgicas colocadas em jogo no processo sécio-histérico em que as palavras sao produzidas. As palavras mudam de sentido segundo as posigées 42 daqueles que as empregam. Elas “tiram” seu sentido dessas posigdes, isto &, em relagdo as formagGes ideol6gicas nas quais essas posigdes se inscrevem Anogiio de formagao discursiva, ainda que polémica, é basiea na Anilise de Discurso, pois permite compreender 0 proceso de produgdo dos sentidos, a sua relaco com a ideologia ¢ também da ao analista a possibilidade de estabelecer regularidades no funcionamento do discurso. A formagao discursiva se define como aquilo que numa formagdo ideolégica dada — ou seja, a partir de uma posigo dada em uma conjuntura sécio-hist6rica dada - determina o que pode e deve ser dito. Daf decorre a compreensio de dois pontos que passaremos a expor. A. O discurso se constitui em seu sentidos porque aquilo que © sujeito diz se inscreve em uma formagao discursiva e néo outra para ter um sentido e no outro, Por ai podemos pereeber que as palavras nfo tém um sentido nelas mesmas, elas derivam seus sentidos das formagées discursivas em que se inscrevern. As formagées discursivas, por sua vez, representam no discurso as formagGes ideolégicas. Desse modo, os sentidos sempre sio determinados ideologicamente. Nao ha sentido que ndo 0 seja. ‘Tudo que dizemos tem, pois, um traco ideolégico em relagéo a outros tragos ideolégicos. E isto ndo esté naesséncia das palavras mas na discursividade, isto é, na maneira como, no discurso, a ideologia produz seus efeitos, materializando-se nele. O estudo do discurso explicita a maneira como linguagem e ideologia se articulam, se afetam em sua relagdo reeiproca. As palavras falam com outras palavras. Toda palavra é sempre parte de um discurso, E todo discurso se delineia na relagdo com outros: dizeres presentes e dizeres que se alojam na meméria, As formagées discursivas podem ser vistas como regionalizagdes do interdiscurso, configuragdes especificas dos discursos em suas relagdes. O interdiscurso disponibiliza 43

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