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sores tomas NAOEA CERVEJA, E VOCE (08 prz ULTIMOS ANOS trouxeram transforma- ‘GGes dristicas para quem gosta de beber cerveja Se vocé tem idade suficiente, lembre-se do que ‘era bacana em 2006: sait com grupos enormes de amigos e forrar a mesa com varias garrafas do ‘mesmo tipo de cerveja. A gente ficava de olho no visor de temperatura do freezer do bar: se subisse de-3 °C para -2°C, talvez fosse 0 caso de chamar ‘ técnico da manutengao. A publicidade cervejeira ‘era uma colegio de pecas sexistas que nao diziam nada sobre o produto ~ e hoje colocaria os publi- citérios, se nao na cadeia, para dormir no sofa Nao se passou tanto tempo assim, mas parece que foram séculos. A cerveja hoje é uma bebida respeitavel, que nao se presta a piadinhas cafa- jestes. Os fabricantes tentam expor ao maximo as qualidades do seu produto, até mesmo porque a coneorréncia é braba. A variedade é a ténica, e encher a cara de pilsen ja nao tem nada ver. (OS QUATRO ELEMENTOS Como 4gua, mate, ipulo elevedura secombinam para dar origem aestilos tao distintos entre si AS GRANDES FAMILIAS CERVEJEIRAS Ale ou lager? Os estilos tem origem nesses dois ‘grupos, determinados pelo tipo delevedura usada na Mas a cerveja continua a mesma fermentacio. Claro que 0s tiltimos anos trouxeram muitas no- vidades, mas cerveja boa sempre existiu. Voc® (¢ fe , c : eve as torcidas do Flamengo e do Corinthians) SANTOS DE CASA paternal aaa al Eisler vert que no dava bola para elas Osantigas eos novos at ‘O consumidor de cerveja evoluiu espantosamente eaten gente a na década que se passou. O marketing de lero-lero, ‘Mais: 0 passoa passo da ‘ALEMANHA -ESTADOS UNIDOS VANGUARDA (QUEM TE VIU, com aumentativos e bordées de contetido nulo, produgio industrial. Enquanto 0 pais come- Os americanos ‘we sem QUEM TE VE rio cola mais. As pessoas tém sede de informa- tmoraossoo.anosdatei | entrarammas tarde FRONTEIRAS Um quadrocom ‘620. E ai que nés entramos. Buscamos fazer uma es ies Ser ce (ieee ee ac caeiaroe so combinacies revista com o maximo de contetido liquido, sem aa Ra pisseeks acer sem casa propria, Rivera Sts cespuma, Porque amamos cerveja ‘quanto ds artezana. Serres aque anda cisputen- Um brinde, ¢ INGLATERRA Sornousa pore) do.comovinhoo » Onde o pub, bar ta- esc espacomnas mesas Mariana Weber e Marcos Nogueira dicional brtinico, 0 dos restaurantes Eaitores Santuario depreservacso | BRASIL fines datradghocerveera, pais ainda batatha OELEFANTENA para desenvolver uma ea . Ientade cerveera metres TIRA-DOVIDA BELGICA proditores naconas ae ee Tradkionalmente 53 Yazem muita coisa pars oa sets bebida, um guia subyersvosos Belgas boa e orginal. . para naoerarna adcramexperimentr aac Kora decompar om ingredientes como fomteara. ‘guardar, pedir ov frutas e especiaras Servircervela Atradecmentos rp Ato dos Pros, errines ermande, Carve Nace @orkouiquie <0 ouaks ¢ ofS > 66 o8.* o é ™ = © Mr ‘ possi cerveya / jan 2016 @ © oPho tiquivo yt ae tp Res ss possiveis —dezenas de est : receitas pro- duzidas dentro de cada: Miude a origem do hipulo, o tipo de levedura, a composigao da égua, a duragao de cada etapa do processo de fabricagao ou qualquer outro fator ¢ voc’ terd uma cerveja diferente. Acrescente na equacao in- gredientes como fruitas e especiarias e as possibilidades se ‘multiplicam. Mas vamos por partes. | AGUA | (O guia da Paulaner, na cidade alema de Munique, tira onda 2o apresentar aos visitantes um dos pogos que abastecem a cervejaria: FE égua da iltima Era Glacial. Tem mais de 10 mil anos’, diz. Segue-se uma explicagao sobre o porqué de cavar 200 me- ‘ros em busca de égua, quando um rio passa logo ao lado: a agua do subterraneo tem a dureza (concentracao de sais como cilcio e ‘magnésio) perfeitapara produzir uma cerveja suave, enquanto a da superficie, mais dura, prové um amargor indesejivel. $6 é usada pela fabrica em algumas cervejas escuras. Certo, cerveja € 90% agua, portanto a qualidade dessa matéria-prima importa. Mas 0 acesso a uma boa fonte natural ja no é tio importante quanto era em 1634, quando monges comecaram a fabricar a bebida na Paulaner. Até 0 século 19, esse recurso natural era um dos fatores que de- terminavam os estilos possiveis de pro- duzir em uma localidade. Em Munique e em Dublin, por exemplo, 0 uso de maltes escutos, icidos, foi a solugao encontrada para lidar com a agua calcdria e alcalina dessas regides. Sem sua 4gua “mole” (com poucos minerais), dificilmente a cidade tcheca de Plzeit teria inventado a pilsen. Hoje, se nao tem um pogo com gua pura de 12 mil anos no quintal, vocé apela para tratamentos quimicos, fisicos e biolégicos. Com a tecnologia disponivel atualmente, até o mar, dessalinizado, pode virar cerveja. Mas ha custos envolvidos nesse processo, e,se puderem, as cervejarias vao se instalar emuma drea que exijao minimo de gastos nessa etapa da fabricagio, ‘A dgua carrega minerais que contribuem para o gosto do produto final. Além disso, seus fons interferem na manufatura O célcio, por exemplo, estimula aagao de enzimas eo metabolismo das leveduras. a 0 ferro pode ser téxico para esses fungos, prejudicando a fermentagio. Além disso, dé um gosto meti- lico,de sangue, que ninguém quer na cerveja, ainda favorece as reagées de oxidacio. Um dos prineipais inimi veja éo oxigénio diluido na égua. Em ni adequados ele ¢ essencial para fermentagao, mas, em excesso, causa problemas que V3o de alteragdes no paladar e no aroma a oxi- agi da tubulacao da cervejari embalada, ee acelera a det subterranea, como a do pitio da Paulaner, ‘costumia ter menos oxigénio dissolvido,além ‘de menos contaminagao por micro-organis- ‘mos e materiais em suspensio, ji que o solo age como um filtro O abastecimento por represas,rios ou lagos geralmente exige um tratamento mais intensivo para sua plicagio como égua cervejeira Mas nem toda égua que entra na fabrica vira cerveja, O liquide também é usado em processos como limpeza de tanques, tubu- lagdes e recipientes,refrigeracio e producto de vapor. Gastam-se, em média, 6 litros de ‘gua para fazer um litro de cerveja (sso sem falar no que se consome no cultivo dos ingre- dientes e na produgio do malte)-Da préxima ‘vez que vir uma camiseta com os dizeres “Economize agua, beba cerveja’ lembre-se piadintha,além de infame, ¢ desinformada Gastam-se em média LITROS de dgua para fazer A litro de cerveja. possi cenveyA / jn 2016 © PALETA DE CORES tipo de malte influ diretamente nna aparéncia da cerveja. A seguir, tons em que alguns estilos de cerve- japodem aparecer. é « « mesa man tds Vienna ale een Munien Foreign tehtiager weber AS pateate “ager Ts brownie porter ‘dumust Schwarbier ‘stout 1 t 1 7 T PAA PALMA Dounsog, AAR AMEAR —AMBAR | -MARKOM —-MABROM- PRETO Pate Pron RAGS RESIS PRS Htoo niet Fonte: Tsing Ber, de Rady Moshe - @ oPho riquivo E a cevada ou outro ‘gro, como trigo,cen- teio eaveia, que passou por um proceso chamado de malta- ‘gem — que transforma um ce- real comum em algo docinho, muito semelhante ao Ovomal- tine do milk-shake do Bob's. Como ¢ esse agticar que vira ‘loool na fermentagao, deve-se ‘em grande parte a maltagem a iferenga entre uma cerveja e uum suguinho de cevada. Masa contribuicio do malte vai além do efeito inebriante. Ele afeta 0 sabor, oaroma, cor, a espuma €0 corpo da cerveja Para vender 85 variedades de malte, a Weyermann, insta- Jada na cidade alema de Bam- berg, funciona como uma espé- cie de vitrine do ingrediente. Prateleiras no centro de visitan- tes expdem rétulos de clientes espalhados por 135 paises, enquanto uma cervejaria pré- pria, feita para testar receitas, produz 120 tipos diferentes da bbebida por ano. Fundada em 1879, ssa mal- taria teve um salto de cresci- mento a partir dos anos 1990, junto com 0 movimento da cerveja artesanal. Percebendo uma tendéncia de busca por sabores tinicos, especializou-se na diversidade de malte, que inclui versdes organica e kosher. De 20 funcionarios, passou para 180. Hoje, 80% da ‘Sua producéo anual de go mil toneladas vai para fora da Ale~ maniha, parte dela armazenada ‘em sacos de 25 quilos, tamanho considerado amigivel para 0 pequeno cervejeiro. A diferenciagio entre os mal- tes na fabricagao se dé por va- rages de temperatura, duracdo de cada etapa e grau de umida- de, entre outros fatores. O pro- cesso comeca na selecao dos grios— por critérios como tamanho, umidade ¢ teor de proteina. Comprada de cerca de 500 fazendeiros da regio que fazem a colheita por volta de agosto, a matéria-prima fica es- ‘tocada para uso a0 longo do ana, Em tanques com tempera- tura controlada, os grios sio molhados ¢ revolvidos cons tantemente para germinar. ‘Quando isso acontece, a plan- ta transforma o amido da se- mente em agiicar para alimer tar o embriao; mas o germe é morto por secagem antes que ‘comece acomer. A partir daqui, (08 grios serio secos, torrados ‘ou caramelizados, em uma eta- pa essencial para a formagao de diferentes sabores e cores ‘Temperatura baixa pode levar aum malte suave e adocicado, ‘como 0 da dourada pilsen. O malte pale ale, feito em tem: peratura um pouco mais alta, dari o sabor de biscoito e acor mais escura das ale inglesas. Quando o malte chega a car- bonizar, lembra café na apa- réncia e no gosto. Se os gros ‘com bastante umidade sao submetidos aaltas temperatu- ras, sem passar por uma seca- ‘gem gradual, eles caramelizam. No geral, quanto mais tor- rado o gro, mais escura a be- bida que resulta dele. Mas muitas cervejas misturam di ‘versos tipos de maltes. Han daa possibilidade de adicio de corante, como 0 que a Weyer- mann produz a partir de um concentrado de cerveja (a fé- brica mantém uma cervejaria 0 para fazer esse item). Tam ‘bém podem entrar na receita ‘outros grios—maltados ou nao, de acordo com a legislacéo brasileira. Mas, para ser cha- mada de cerveja,a bebida pre~ isa ter pelo menos 20% de malte de cevada. Usada para produzir cerveja ha 10 mil anos, a cevada ¢ 0 cereal favo- rito dos cervejeiros por uma série de caracteristicas, como ter uma boa reserva de amido, teor elevado de enzimas e cas~ ca dura, que protege 0 interior durante a maltagem e depois vira um filtro natural para o ‘mosto (caldo de malte e agua). 0s AGREGADOS ‘sem encorp-la. ‘Cumprem 0 papel de aromatizantes ‘como a cereja ea fremboesa que entram na fermentacéo da cerveja lambic, ‘ou coentro e as ccascas de laranja nas corvejas de trigo belgas. Arrez e milho nao ‘agregam pratica~ mente nada em sabor ¢ aroma, mas deixam a cerveja mais le =e bara Nem sempre a to- nalidade da bebida vem somente dos maites torrados. Pela legislacao brasileira, o uso de corantes 6 permitido para padronizar ou intensificar a cor. barris que jé foram usados para ‘uardar vinho ou uisque, 2 cerveja incorpora propri dades da madeira ¢ possi cenveya / jan 2016 @ cca oil so0lde cerveja 40a 300g de lipulo’ LUPULO fp a aa ccerveja voce quer outro, pode culparo hipulo. Essa florzinha \elicada da o amargor que equilibra adogura do malte, tornando a bebida mais refrescante e menos enjoativa. orn n sabores e aromas que soa marca de alguns estilos de cerveja. Age como um conservante atural, pois possui aco antibacte- ricida. Ainda por cima, melhora a qualidade da espuma e tem taninos {que ajudam na sedimentagao das pro- teinas nas caldeiras e na consequente limpidez do liquido Parente da maconha,o Kipulo nao © efeito entorpecente da prim: mas é tido como relaxante e usado em calmantes e soniferos. Da planta tipica de climas temperados que chega a6 metros no verio, nascem flores no formato de pequenos cones verdes. O que interessa aos cervejeiros é um pé amarelo produzido na base das péta- las chamado lupulina ~ nele estio a resina amarga smaticos que temperam a cerveja Cem litros de cerveja consomem 300 gramas de hipulo, se- livro Larousse da Cervgj, 4 naldo Morado. Pode ser pouco, mas, sem esse elemento, abebida teria ‘outto gosto. E de fato tinha: antiga- mente ela recebia misturas variadas de ervas e especiarias, como alecrim, milefolio, mitra, absinto, gengibre ¢ aleaguz. Provaveimente foram as pro priedades conservantes que levaram \ipulo a vencer a parada Na hora de fazer suas escolhas, 0 ccervejeiro conta com dezenas de va riedades de liipulo, que apresentam ntes graus de amargor e aromas rbsiceo 20 condimentado, soo frutado (pense em grama, i, feno, erva-doce, pinho, imo mofo, resinas, flores... Algu mas variedades sio famosas, como a tcheca saaz, responsével pelo cariter floral da pilsen da Boémia e as vezes merecem mengio no rétulo das cer- jas que as empregam. As dos Estado dos costumam ser mais potentes cuberantes que as europei Jma mesma receita pode combinar diversos tipos de hipulo, Adicionadas ‘em momentos diferentes, cumprem também fungées distintas. O qui entra no inicio da fervura do mosto cempresta praticamente 6 amargor, pois os aromas evaporam, Colocado vagens, que podem estragar ou mu- no fim da fervura,ai,sim,ele contri-_ dar o sabor da produgio (as vezes, ui com componentes aromaticos. no entanto, esses elementos si (O amargor de uma cerveja é me- _inseridos de propésito). Culturas so dido em IBUs (em inglés, unidades _mantidas também por empresas es- ‘gor). Ele co- _pecializadas na indiistria cervejeira loa partir de 5 ¢ por centros de pesquisa aramaisde100 —_-O fermento usado na cerveja é xtremos (acimade 40 IBUs classificado em dois grupos:as leve- ja jd bem amarga). Para agra duras de baixa fermentagao e as de dar aos aficionados pela caracteristi-__ alta fermentago. As primeiras, usa ca,algumas marcas exibem esse dado das nas cervejas lager, atuam I no rétulo. mente, em temperaturas entre 8 °C 16 °C, se depositam no fundo da ‘cuba de fermentacao e dao origem a MTG poucos subprodutos aromaticos. As segundas, das ale, ficam na superficie Operirios da cerveja, os fungos trans do liquido, agem entre 14 °C e 25; formam o agticar em alcool e gis car- \énico. Em outras palavras, tornam um simples suco de malte adocicado na bebida que a humanidade apren- ncia desses sm o truque. O tipo de fermen- Hoje, fabricas criam suas proprias _tagdo é a pedra fundamental da clas- asde leveduras com cuidado: — sifi rejeira, Para sab livres de muta sobre isso, vire a pagina FERMENTAGRO Fenmentacho 8 Ca 14°Ca 16°C 25°C corre lenta- Di origem 4s ale, mente e produz dde aromas ma cerveja lager. complexos, Gargom, como é esta cerveja? ~E belga. = Que mais? de alta fermentagio. ~ Ah. Muito cara, né? Tem pilsen? © DIALOGO acima, que retratao total desentendimento entre um cliente € 0 funcionario de um bar, exemplifica uma situagao irritante, feustrante e frequente. [AS expresses “alta fermentagao”e “baixa fermentagao" mais atrapalham do que aju- dam quando um gargom maltreinado as tira da manga para descrever uma cerveja. Ambas sao termos técnicos que estampam, por determinacdo legal, os rétulos de quase todasas cervejas vendidas no Brasil. Por isso mesmo, figuram no vocabulério de traba- Ihadores que nao conhecem o produto que dever vender. E um ruido de comunicagao e um enorme desservico: “alta fermenta- io” pode levar 0 comprador a pensar que a cerveja em questo fermentou mais e é, portanto, mais aleodlica. Se voeé jd leu a reportagem anterior (Os Quatro Elementos, pig. 8) sabe que as cerve~ Jas de alta fermentagao também sio conhe- cidas como ale; quando a fermentacao é baixa, trata-se de uma lager, A confusio linguistica decorre de uma tradugio capen- ga. Em inglés, as ale sio cervejas alternati- vamente chamadas de top fermented ~ de fermentagio de topo —; as lager, bottom fermented ~ de fermentagio de fundo. Em ‘uma, as leveduras sao flutuantes; na outra, depositam-se sob o liquid. ‘Ale e lager slo os dois grandes grupos que reiinem quase todos os estilos de cer- veja ~ como vocé pode ver nos infogréficos desta reportagem. Sio dois métodos dis: tintos de preparar cerveja, com duas técni- cas de fermentacéo que se valem de dois tipos de micro-organismos. As bebidas resultantes guardam caracteristicas quimi- case sensoriais tipicas do processo empre~ gado. Esse ¢ o fundamento para se entender a classificagdo das cervejas por estilo ~ a altura do tanque em que o fermento atua é 6 um detalhe que precisou ser explicado para dissipar conceitos errdneos. No inicio havia a dgua, o malte eo kipu- Jo. Ou assim pensava 0 homem, que igno- rava completamente as transformagdes engendradas pelas leveduras, criaturas pe- quenas demais para a observagao a olho nu. Antes da microbiologia, que comecou a ganhar relevancia apenas no século 18, a cerveja ~ e também 0 pao, o vinho,o quei- 0,0 iogurte e a decomposigdo de toda ma- ACERVEJALAGER ‘Osestilos dessa familia so filhos da escola cervejeiraalems.Com perfil aromsti- ‘co discreto, as lager leves foram adotadas pela grande indistria e conquistaram@ ‘mundo intero. Sdoas variantes da plsen que se encontram nos botecos. possi cenveya / jan 2016 @ @ oPkoriquive téria orginica - era 0 resultado de algum evento misterioso relacionado com a von- tade divina oua ordem natural das coisas As primeiras cervejas provavelmente se assemelhavam a lambic, categoria de cerve- jaainda relativamente popular na Bélgica Uma lambic se faz com leveduras selvagens. (Qu seja:com micro-organismos presentes no ar, no equipamento, na matéria-prima Fermentadasem tanques abertos, essas cer- vejas sofrem tanto a agao de fungos (indis- pensaveis para a conversio do acticar em Alcool) quanto de bactérias (responsdveis por seu caracteristico sabor écido). ‘A experiéncia empirica fez com que os cervejeiros, mesmo sem conhecimento cientifico, domassem os tais bichinhos selvagens. A selecio artificial resultou na predomindncia de uma espécie de fungo: © Saccharomyces cerevisae. Ele compoe a levedura do tipo ale ~ e ¢ também o fer- ‘mento usado para fazer paes. A levedura ale suporta temperaturas mais ou menos altas, até cerca de 25 °C. Essa resisténcia ao calor foi um trunfo evolutivo para o simpldrio organismo nu- ma época em que controlar a temperatura ambiente sequer passava pela cabeca das pessoas. No verio, a levedura acelerava seu metabolismo. Tamanha atividade nao au- menta a geragio de dlcool - seu teor de- pende da concentracio de agticar, nao da rapide da fermentacao ~, porém cria uma porgio de subprodutos quimicos. No que abe producio cervejeira,os mais impor- tantes sio os ésteres aromaticos Os ésteres so compostos quimicos orginicos que definem o perfil de muitas ccervejas da familia ale. Deles emanam os aromas exuberantes de frutas e especiarias {que perfumam boa parte dos estilos belgas. ‘Também é em razao dos ésteres que a wei zenbier, a cerveja de trigo alema, rescende a cravo ea banana. Foina Alemanha que a fermentagao do tipo lager surgiu, como uma espécie de dissidéncia da ale. Os germanicos, desde sempre preocupados com ordem e padrio, perceberam que depésitos subterrineos - em particular aqueles escavados nas encos- tas de colinas ~ apresentam uma variagao muito pequena de temperatura no decorrer do ano. A cerveja armazenada nessas caves ~ lager, em alemao, significa estoque ~ per- maneciam entre 5 °C ¢ 15 °C no inverno eno verdo. Mais uma vez, os mestres-cer- vejeiros trabalharam pelo interesse de um reles bolor: deram preferéncia is leveduras (que se adaptaram melhor a esses condigdes ‘e mudaram substancialmente 0 perfildessa populacio de micrdbios. Até hoje no ha consenso na comunidade cientifica sobre © fermento lager: ele pode ser uma espécie a parte ow uma cepa muito particular do S.cerevisae. ‘A levedura lager é, por dizer assim, mais tranquila do que a ale. Seu metabolismo mais lento ea produgio de ésteres aroms- ticos nao atinge um patamar que os deixe perceptiveis na cerveja. Assim,na maioria das cervejas alemas preponderam os sabo- res pouco alterados do matte e do hipulo. ‘So que nem sempre uma ale tem cheiro de banana e uma lager tem gosto de pio, café ou seja lo que for. As ale briténicas, por exemplo, costumam apresentar con centragao baixa de substincias aromiticas decorrentes da fermentaga0. O que ale pode parecer lager e vice-versa. Depende da cepa da levedura, do método de produ- ‘glo, de miniicias da receita da cerveja. Para conhecer e entender as peculiaridades de cada estilo cervejeito, € preciso experién- cia, E experiéncia se traduz em provar e analisar muitas cervejas,o que da um belo trabalho. Mas da para pensar em centenas de trabalhos bem piores que esse. ACERVEJA ALE sale corespondem a todos os estilo tradicionais da Inglaterra (inspieacio dos americans) e& maioria das cervejasbelgas. Na Aleman, o exemplo mals destacado éa weizendic cervejade trigo muito aromstica ALE AMERICANA. possi cenveyA / jan 2016 @ area ast _— A popularizacao da Pentre centerete de cerveja baixou custos € trouxe praticidade gtd om eae CT eaten eect executar. Entenda por Renae Caceres SER ee ceeset ony aero e See eeel tes QUANDO © HADITO DE BEBER CERVEJA com- pleta alguns anos ~ quase trés décadas, no meu caso =, converter esse hist6rico em litros ou reais € uma tarefa que assusta. Se eu evito fazer ac por preguica: é para no cair em depressio 20 con- tabilizar valores que poderiam ter virado patriménio, ‘mas Viraram xixi, Paralelamente, torna-se bem ten- tadora a ideia de fazer a propria cerveja. Vocé gasta ‘menos, aprende coisas novas e se dedica auum hobby com o bénus de um circulo social novinho em folha. Parece incrivel. Dizem que é mesmo. Comigo nao funcionou. Cinco anos atras, quando fiz um curso de produgdo caseira de cerveja, a coisa toda me causou um efeito paradoxal. Ao mesmo tempo em que admirei com interesse jornalistico, todo o processo, a experiéncia cristalizou a certeza de que aquilo nao era para mim. Eu era um otimo bebedor, nada além disso, e continuaria a comprar cerveja. Jé me parecia justo pagar para nao ter d lidar com a sujeira, as formu iteral- mente bracal e toda a complic: volvidos na preparago de uma simples cer Desde entio conheci muitos homebrewers - esse pessoal da cerveja adora enfiar umas palavras em inglés na conversa. Todos apaixonados pelo que fazer. O negécio em torno da cerveja caseira cresceu ex ponencialmente. As evidéncias indicavam que eu deveria rever minha posicao. Eu revi. Terminei a apuracao deste texto com von- tade de brincar de cervejeiro. O que mudou: fazer cerveja ficou mais facil ou fui eu que deixei de ser chato? Como a segunda hipotese esta fora de cogi- taco, presumo que a primeira seja verdadeira. Hoje existe toda uma rede de apoio a0 homebrewer: escolas, lojas que vendem equipamento, matérias-primas fracionadas e até vendedores que atuam como help desk dos clientes mais confusos. Eu nem bebia ainda quando, moleque insone, a sisti a uma reportagem sobre cerveja caseira em um programa chamado Comando da Madrugada. Isso fc nos anos 1980. O cenério tinha glamour zero para mimi: um tiozio barrigudo entre panelas amassadas, tubos ¢ recipientes de plastico em um ambiente que definitivamente era a casa dele. A cerveja que coro- avao final da matéria era um liquido que me parecia agua barrenta de um rio ~ marrom e turvo. Impos- sivel lembrar que estilo o sujeito produziu (possivel mente uma porter?), mas aquilo nao me apetecia de modo algum. Por que ele nao foi até 0 boteco e gas: tou uns trocados numa cerveja decentemente ama- rela e transparente? Estivamos na pré-histéria da cerveja caseira. O hobby era tio inusitado que merecia varios minutos de um programa famoso por exibir curiosidades for- tes demais para os horarios familiares da TV — entre outras reportagens antol6gicas, o jornalista Goulart de Andrade, ancora do Comando, foi o primeiro a mostrar no Brasil o sushi erdtico japonés. Se vocé no sabe 0 que é isso, pergunte ao tio Gi Meu préximo contato com o homebrewing acon- teceria no comecinho de 2011, quando eu ja escrevia sobre cerveja para uma revista masculina. O mestre- cervejeiro Leonardo Botto, carioe Tri- color das Laranjeiras, me conv seu curso de um dia. Certamente sairia mais barato tndiar em Sto Paull —o convite nfo inchula pa gem de aviio nem hotel -, mas a oportunidad: aprender com Botto era irrecusivel. Acumulador de prémios, ele hoje tem sua propria marca de cerveja, a Beertoon. Experimente. Numa manha de mormaco no Rio, o téxi me levou ao lugar em que Botto ministrava as aulas: o quintal de uma casa grande nas proximidades da Barra. Os, alunos foram chegando até completar a turma de 30 pessoas - 29 do sexo masculino. Nas 12 horas que se seguiram, entendi que nao se aprende a fazer cer veja lendo matéria de revista ou assistindo a um video com trilha sonora moderninha. Mas é meu dever profissional explicar o proceso, ainda que em. linhas bem gerais. Vou tentar. Se ainda ficar dificil tem uns desenhos do esquema nas pxigs.16 € 17 - um. infogréfico que mostra a produgao industrial de cer- veja (sé muda a escala do negdcio) Para fazer cerveja, voce precisa de mate. E preci- sa moer o malte na hora, senao ele oxida. O malte moido ¢ aquecido com gua em um caldeiro, numa etapa que os cervejeiros chamam de brassagem ou mostura. O ambiente quente e timido ativa algumas enzimas presentes na cevada; essas substancias, por sua vez, executam a tarefa de quebrar as moléculas de amido em outras menores, de agiicares digerivei pelas leveduras. Assim obté a doe cascas e outras particulas. O mo: e temperado com liipulo para ent posto para fermentar. Ai o proce até a fervuraa coisa toda levou algumas horas, fer~ mentago e a maturagio ~ fase em que a cerv pousa e se estabiliza quimicamente - tomam varios as, até um ou dois mese: feu desinimo comegou quando Botto exibia 0 malte. Até existia um fulano que vendia malte em quantidades pequenas, razodveis para um amador, mas o prego era extorsivo e a loja fcava nos cafundés do Parand ~ ou outro lugar remoto, nao me lembro. A regra, entio, era bater na porta das maltarias e comprar uma saca de 25 quilos, destinada a inchistria. Vocé precisaria ter um consércio de amigos, todos homebrewers, para aproveitar bem tanta cevada. ‘Ai vinha a moagem. Como moer no brago virios quilos de malte é invidvel, ele adaptou ao moedor manual um motor de limpador de para-brisa de car- to, [sso mesmo, Professor Pardal! Eu, que nao sei instalar uma tomada em casa, senti um profundo desalento, No decorrer da aula, varias outras traqui- tanas e gambiarras foram apresentadas como alter- ender a casa Dossié ceRvEyA / An 2016 para comprar equipamento profissional. ‘Na brassagem, utilizou-se uma panela grande 0 bastante para cozinhar o rancho do Quinto Batalhao de Infantaria. Dentro dela, o mosto espesso que requer movimento constante por mais de uma hora. Haja brago. Entre uma etapa e outra, lavar,limpar, sanitizar. No final da aula, quando a noite jé caia junto com as minhas palpebras, veio 0 arcabouco tedrico abso lutamente necessério, mas que aquela altura ricoche- teava na minha caixa craniana direto paraa Lagoa da ‘Tijuca, Incomodava-me a ideia de atrelar a cerveja; aulas de quimica do ensino medio. Deixéssemos es- saarte de fazer cerveja para génios como o Botto. Levei muitos anos para entender que ninguém aprende a fazer cerveja em uma aula, Durante esse tempo, estudei para ser sommelier de cerveja, bebi coisas bem interessantes, troquei ideias com gente {que manja muito e lium bocado. Tomei varias cer. ‘ejas caseiras, metade delas boas. Mas nunca retomei o estudo da produgio doméstica, Era um bloqueio, Sé que agora eu precisava escrever sobre isso. Recorri ao amigo Douglas Giacomini, ex-colega do curso de sommelier, homebrewer e cientista louco da computagio. Gente finissima. Entre um copo de american pale ale e outro de rauchbier, ele me fez ‘compreender por que tanta gente esta aderindo a ‘esse passatempo ~ segundo seus célculos, baseados no mailing de um vendedor de insumos, hd pelo me- 1nos 9 mill amadores em atividade no Pais. As Acervas, associacdes de cervejeiros caseiros artesanais, atuam em 16 Estados de todas as regides. “E mais facil do que cozinhar’, disse Douglas, que ‘costuma fazer duas brassagens por més na casa onde mora em Mirandépolis, na zona sul da capital pau- lista, com a mulher, a filha e dois cachorros, Ele me contou que da para produzir cerveja em uma espa- gueteira. Falou ainda que muitas mulheres esto se dedicando a atividade. Uma mudanga substancial ‘Uma dessas mulheres cervejeiras ¢ a jornalista Jilia Reis, da escola cervejaria Sinnatrah, na zona ‘este de Sao Paulo, e membro da Maltemoiselles, confraria exclusivamente feminina. Expertos no as~ unto, ea e os outros trés sécios dao aulas para ce ‘ca de 150 pessoas todo més ~ 25% mulheres. A loj nha anexa vende saquinhos de malte a partir de 250 ‘gramas, mais toda sorte de insumos e equipamentos nna medida para o sujeito que sé quer se divertir. Adeus, vaquinha para comprar saca de 25 quilos! Adeus, engenhoca com motor de limpador de para-brisa! Eu ja estava quase totalmente convencido de que ser homebrewer & um bom negécio. Faltava apenas cconferir se fazer cerveja em casa economiza grana, bufunfa, carvio, pila, arame. “As pessoas entram nes- ‘sa mais pela diversio’,respondeu Jiliaa este sovina. “Mas vale muito a pena. Vocé gasta mais ou menos R$ 5 por lito, fora o equipamento ~ que comeca nos $500" Considerando que qualquer [PAzinha de 300, ml custa 20 mangos, vou comegar a fazer cerveja em casa assim que mandar esta revista para a grafica @ oPkoriquivo UMA ; TRANSFORMACAO QUASE MAGICA Fazer cerveja é como cozinhar, com a diferenca de que um conhecimento um pouco mais avangado de quimica e de fisica ajuda bastante. Confira a seguir as etapas que transformam um graozinho vulgar na bebida favorita de bilhdes de pessoas a0 redor do mundo. ‘Omalte precisa ser moide para (que os agdcares do seu interior f- quem disponiveis mals facimente, lao BRASSAGEM OU MOSTURA ‘Aqui comeca achamada fase quente da fabri- cagSo. Omalte éaquecido em 4gua para ativar as enzimas que quebram o amido em acicares “que podem ser eonvertidos em slecol pela le- veduras. O caldo, denominado mosto, no pode Ultrapassar os 78°C: acima desta temperatura, ‘as enzimas se desnaturam, iN 4 DT CTARIFICACKO DO MosTO CConsiste em ftrar grosseiramente ‘omosto para eliminar as particulas ‘6lidas maiores, Esta filtragem rnormalmente ¢ feta com as préprias ‘eascas de malte que se depositam em ‘um fundo falso do tangue. ONE FL FERVURA, Aalta temperatura mata micro-organisms lndeseivels edi 0 liquido uma maior estabi- fade coloidal - evita a aglutinagao de subs- ncias dissolvidas na dua, o que provocaria turbider. Enesta etapa que os cervejeiros adicionam lipulo areceita. RESFRIAMENTO (© mosto fervido passa por uma sexpentina para que resfrie rapidamente -o estriamento lento aumenta orisco de contaminag30 microbiolégica. A partir desta etapa comeca a fase fria do processo, Com omosto a cercade 25°, inoculam- se 3 leveduras.O trabalho desses fungos multiplicar-se.ecomer 0 agicar do ‘mosto. Como subprodutos, a fermenta- fo gera dois componentes essenciais da Cerveja: slcoole gis carbénico, MATURACAO [Etapa em que a cerveja deve permanecer em ambiente live de uz e em balxa temperatu- ‘a-uma geladeira serve - para estabilizar-se {quimicamente, Nas cervejarias, a maturacio ‘ocorre em tanques; cervejeios caseiros deixar oliquido maturar em galdes ou 3 arrafados. Neste momento pode ser feito o dry-hopping, Lupulagem a frio que extra substanciasaltamente aromaticas, possi cenveya / jan 2016 Opaeenttay CERVEJA PODE SER FEITA EM QUALQUER LUGAR. Seo cervejeiro tem bons ingredientes, uma receita certeira e equipamentos em bom funciona- Eee ter eer eee oud foi assim. Desenvolvidos desde a Idade Média, os principais estilos de cerveja tém raizes historicas e geogritficas profundas. O clima,as tradigies e até a politica econémica de certos governantes delinearam os modos ee ten Meee ree en eee cs ue, além da Alemanha, incluia a Austria e parte do que hoje é a Repti- blica Teheca), a Gra-Bretanha (mais a Irlanda) ea Bélgica (que influenciou eet cree ener ete eco subvertendo os estilos convencionais com dois eventos que mudaram 0 panorama global: a invengao da cerveja lager industrial e 0 movimento artesanal. A seguir, as quatro escolas cervejeiras e uma espiadinha rapida Cee ees KY Oy, DerBaver tent hen’ Reinhets rend gebrrautes i echt I chlenterla ge BAMBERG auchbier ww | es aa corer WRT OEC a) cay aes a Pena ne reet et terete eRe ost) ect cee eect nsec fabricagao da bebida e contribuiu para moldar (e talvez engessar) 0 jeito germanico de fazer cerveja. | AINDA NAO # aco A vista da multidao que disputa 083 mil lugares da Hofbrduhaus, em Munique, para matar a sede com canecos de urn liteo tra nha se prep dda Reinh 9, Lei da Pureza que ajudou a manter a qualidade e a fama da cerveja local, uma revolucio esta em curso. Aqui e li, produ tonia dos estilos de sempre. Consumidores se aventuram com cervejas de outros paises —ou pelo menos do bairro vizinho. Issc até na tradicional Baviera, onde ocasides stivas pedem lederhosen (calca de couro) ¢ dirnd! ( € as criangas antes de andar jé sio levadas & vida comunitaria do salio da ria. Lei da Pureza ¢ uma peca-chave da cul tura cervejeira alema. Em 1526, os duque Wilheim 4° e Ludwig 10° estabeleceram que a cerveja bavara s6 poderia conter cevada, Agua e lipulo (outros cereais,frutas,ervas ¢ temperos, como os belgas gostam, de jeito nenhum). Quem desobedecesse teria a pro- ducio apreendida, Nao era a primeira le lagio sobre o tema nem a mais criativa. Nor- mas semelhantes pipocavam em cidades como Nuremberg e Munique, enquanto em Danzig um decreto alertava: “Aquele que fabricar cerveja ruim sera jogado no depési to de esterco da cidade”. Mas foi o texto dos duques que se perpetuou, embora com mu: dangas, como. possibilidade do uso de trigo. Desde 1993 esta em vigor uma lei provisoria ‘menos restritiva para o mercado interno, que permite por exemplo,aadigo de agca em rvejas do tipo ale. Nao é certo que a Reinheitsgebottivesse 0 intuito de garantir bebida boa. O texto ori ginal nao falava de “‘pureza’,termo adotado mais tarde, e uma das hipdteses é que seu objetivo fosse proteger a producio de pio ao evitar 0 uso do trigo na cerveja. Indepen- nate da motivacao, para muitos a restrica0 tornou um emblema de alta qualidade, ou redientes barat smo milho e arroz. ‘Allguns encaram a limitago mais como um propulsor do que como um inibidor da mde lembrar que as emai fazem mais de 5 mil cervejas a partir dos quatro ingredientes bi- -08 ~ malt, kipulo, aguae fermento. O site daVAl igada a Federagio das Cervejarias Alemis, Jembra que alguém poderia “passar mais ¢ 135 anos na Alemanha provando e aprecian- va cerveja por dia’. Nem 3 A maior parte da populag toma pilsen. E cada vez menos. O consum cai ano a ano desde 2006, com excecio de um respiro de crescimento em 2014, prova velmente embalado p Mundo. Nao que o pais tenha dei bom de copo: os campedes atuais si0 « tchecos, masa Alemanha ainda vira 110 litros per capita por ano (6 milhées dess: ou mais de duas piscinas olimpicas, sé na Oktoberfest de Munique ncolhimento do setor é um fenomeno afeta também o resto da Europa. Mas, no caso de paises como a Bé gica, a queda do consumo interno é compen: sada por um aumento nas exportagSes para ‘América Latina e a Africa vvejas alemas nao despertam o mesmo int sse nos noves mercados. Ou mesmo nas novas geragSes do mercado interno. “Desde que os alemaes comecaram a se voltar para além do mercado local, a Lei da Pureza se tornou uma limitagio para as ce vvejarias criativas competirem com as belgas ceasamericanas”, diz Christian Hans Mille que fabrica e exporta estilos estrangeiros como IPA e imperial stout em sua Hanscraft & Co, na cidade bavara de Aschaffenburg, “Claro que somos capazes de fabricar a parte dos estilos seguindo as regras, mas no todos, E um desafio que equivale a pintar -o-fris 86 com as cores fundamen endo com uma caixa de tintas. Mas é possi vel e é arte. Dentista que mudou de ramo ¢ estudo cerveja no Instituto Siebel, de Chicago, Mill ler faz parte de um grupo que questiona 3s tomados pela legislago. Por que, ele ta, proibir frutas e especiarias mas permitir, no proceso, o uso de agentes como clarificante polivinilpolipirrelidona (PVPP)? ‘Desde que no sejam mais detectados antes do engarrafamento, quimicos parecem ser OK’ diz o cervejeiro. “Na minha opiniio, is- o vai contra a ideia basica de algo chamac Lei da Pureza. Enquanto alguns se organizam para m dar a lei, outros acham brechas ou jeitos burlé-la, batalhando por autoriz 1 ciais para ingredientes “proibidos’, chaman- doa cerveja fora dos conformes de nomes Dossié ceRvea / An 2016 @ alternatives, como “bebida maltada’,ou contando com a sorte para que a fisca- lizagao nunca bata naquela porta em um bairro descolado de Berlim. Ha também aqueles que buscam sair da mesmice com um retorno as raizes. E © caso da Giesinger, de Munique, uma cervejaria relativamente nova (de 2008) {que lanca mao de praticas antigas para produzir estilos tradicionais, como a forte e lupulada marzen (da era pré-ge- Iadeira, quando marco era o tiltimo més ‘com temperatura adequada para fazer cerveja antes do verao alemio). Fermentadas em tanques abertos ‘como nos velhos tempos, nen uma das a1 variedades da Giesinger é filtrada ‘ou pasteurizada. “Fazemos cerveja de leveduras felizes’, diz o mestre-cerve- jeiro Stefan Bielmeier. Segundo ele, os tanques fechados podem ser até mais higignicos, por minimizar o risco de contaminagao, mas criam uma pressio que altera 0 resultado final.“ tresse, a levedura produz aromas me- Ihores.” O sistema também facilita a remocio de restos de malte, hipulo e levedura que se acumulam na superfi- ie do liquido como uma espuma de cappuccino, ¢ essa retirada, de acordo com Bielmeier, aumenta a suavidade da bebida. Ele nao a submete ao trata~ mento térmico da pasteurizagao porque alteraria 0 gosto. Quanto a filtragem, ‘que daria um visual cristalino e tam- bbém aumentaria a durabilidade, ele no faz porque também haveria perda de embora menor que na pasteu- "Na Idade Média nao se usava filtro’, diz Bielmeier. (Por outro lado, estavam disponiveis para as receitas do cervejeiro medieval os mais de 30 tipos de malte que abarrotam uma sa- ha da C Na Hausbrauerei Altstadthof, a he- ranga esté em parte nas instalagdes. A cervejaria armazena sua produgio em uma pequena dea das galerias escavadas em arenito que ocupam o subsolo de Nuremberg, Criado entre os séculos 14 € 19, com quatro andares, o labirinto subterrineo chegoua ter 25 mil metros ‘quadrados e era usado para fermentar € armazenar cerveja antes do advento das mAquinas de refrigeracao (mais tar- de, na 24 Guerra Mundial, abrigou a populacao durante bombardeios). A cervejaria também mostra interesse pelo passado ao resgatar a rotbier, cer- CERVEJAS DA ESCOLA ALEMA Fis wwme >i 0 tipo de cerveja mais popular na Alemanha (eno munde) tem origem tcheca. Em 1842, Josef Groll fez em Pizei, na Boémia, uma lager dourade, acetinadae clara como nun- ca se tinha visto. Para isso, usow conheci- mento sobre os maltes claros produzides ina Gra-Brotanha 0, come ingrodientes, ki- pula native saez, de amargor pronunciado & aroma floral, alte de cevads da Morévia (este da Republica Teheca), de sabor in- tenso de plo, levedura contrabandeada de unique e bos égue de pocos préprios. A invengdo loge eruzou fronteiras, até porque ‘0 liquido brithante ficava uma beleza em tum item que tinha ecebado de se tornar © cope transparente Hoje chama-se de pilsen muita cerveja de massa que pouco tem a ver com a ori- inal, com menos amargor, sabor, aroma ¢ or ~ & com adigio de coreais no malta dos. Existe coisa boa ¢ refrescante nesse bolaio, mas virias deacambam para uma ‘"égua efervescente aleaslica com um co- larinha ralo”, na definigao de Garrett Ol- ver, mestre-cervejeir da Brooklyn Brewery de Nova York, ¢ autor de A Mesa do Mestre-Cervejeiro. ‘Mais lupulada emenos mattada do que sa prima da Bodmia, além de mais seca leve, Pense emuma boa Cerveja para tomar em um dia de vero em um aiergarten (espacos a0. arlivre que os alemses costumam lotar para beber e comer quandoo lima permite). 0 cardter herbsceo do lipulo se sobressal, assim como ‘© amargor. Um adocicado residual do mate também pode ser perce- bido. A coloragio vai do amarelo bem claroao dourado, ea espumaé densa eestavel CChamada também de plsen tcheca, ¢2 pilsen original. O malte di um adocica~ do suave, com um toque de caramelo, aromas que lembram biscoitoe p30, enquanto © lpulo nobre da variedade saaz contribui com um amargor mode- Fado e earacteriscas freseas¢leverente condimentadas. Cristalina, vaido amarelo palido ao dourado profundo, com espuma densa eduradoura. walgssiam 33H (Barres 350 9 aS adele ‘ bias 4 Atados a Lei da Pureza de 1516, os ‘SS ceRS2TaRSSO y ‘alemies nio langam mio das frutas © ‘885 cima do RS 59 ‘especiarias que a turma belga adora adicionar as cervejas. Mas, pelo menos nas de trigo, conseguem um bocado desees aromas com o uso de levedura ale. Banana, maga verde, cravo, ameixa @ tutti-frutti sdo algumas das notas: que emergem da fermentacao. O trigo dé 8 weissbier uma leve acidez ¢ 2 cor geralmente clara que levou & seu nome: weiss quer dizer branco em alemio. Outra designago frequente é weizen (trigo). Nesse tipo de cerveja, olipulo faz uma aparicao disereta, com um amargor que equi- libra a dogura do maite eo caréter frutado, 0 colarinho espumoso, as ve- 208 com cite centimetros de altura no ‘000, provém do alto teor de proteinas do gro. Pelo menos 50% do malte de weissbier precisa ser: 6 de covada). Geralmer turva, sem filtragem. Eo tipo mais comum de welzenbier.O prefixo hefe (fermento) indica que o liquide nie foi filtado ea Levedura permanece na garrafa e delxa oliquido turvo — em contraposiglo 3 me- ‘nos comum kristallweize, fitrada ecristalina, Com aromas de frutas, especiariasefumaca, 2 hefe ¢levemente lupuiada, bem efervescentee ‘paca. Sua espuma abundante chega a lembrar ‘merengue. Quanto mai jovem, meihor: para provar um exemplar no seu auge, voce precisa estar préximo a0 local de produgso. Além de bastante malte de trigo (60% a 70%), leva um malte de ‘cevada torrado que di tuma coloragao escura, ‘do cobre claro 20 mar rom amadeirado, Pode ser mais adocicada Nesteestilo ‘que a weizen regular, ‘corre, além da ‘com notas de tostado.e acio dalevedura, ‘chocolate. ‘uma fermenta BOAS MARCAS ‘Bo bacteriana @ Weihenstephaner (que adeixa Sci @ Erdinger Oresultadoé ‘uma bebida com sabor floral e fru tado delimioe 1pouco dicool fem tomo de 3%). acider muitas ‘eres ¢ suavizada coma adigio de xaropes, comoo de framboess, 30 servie(paranto InfringiraLei da Pureza) — Das 0: ginal fembra a dunkel weizen, porém é mals forte, Oteor Leosliee fies em torno de 43 8%, podendo chegar 12% na welzenelsback.O roma caramelado do malte se combina ao frutado e 0 condimentado da levedura, a alta presenca de gas aju- veja vermelha tipica da cidade. Mira 0 presente ao oferecer, em sua loja, além a produgio propria, rétulos interns cionais, como a escocesa BrewDog. E olha li e c4 ao utilizar somente ingre- ientes orginicos. “O que tem mudado na cerveja alema € 0 fato de as pessoas pensarem mais sobre ela. FE 0 mesmo que aconteceu com a comida’, diz 0 mestre-cervejeiro Maximilian Engel, ‘copo de 300 mililitros na mao. Segundo ele, os copdes de 500 miliitros e de 1 litro esto saindo de moda porque as novas geragSes querem experimentar mais variedades em vez de entornar grandes volumes de um s6 tipo. Ea busca por experiéncias gustativas tinicas que impulsiona as exportagdes da Schlenkerla, de Bamberg. Matthias Trum acha grasa quando vé videos de brasileiros provando e comentando a ccerveja defumada que sua familia fa- brrica hd seis geracdes (e que seu filho de 4 anos ja sabe tirar da chopeira) “Depois de tomar uma Schlenkerla, metade vai dizer ‘ndo quero mais’ e metade vai dizer: um sabor de que vou me lembrar. Quero mais. S disser isso, esta bom, diz Trum. Uma curiosidade: 0 defumado geralmente fica mais evidente quando se bebe 0 produto longe de Bamberg, porque ou- ‘ros sabores da bebida vio esmaecendo. ‘Apesar de se reconhecer beneficia- do pelo movimento artesanal, que comecou nos EUA ¢ se espalhou pelo mundo, ele lembra que as pequenas cervejarias familiares sempre foram uma caracteristica da Alemanha, € principalmente da Francénia, regiio onde esta situada Bamberg. Hoje a Schlenkerla exporta um quarto da sua producio anual de 2 milhdes de litros, ‘mas 0 grosso ainda é tomado no bar da propria cervejaria ou “ao redor da cchamin¢" (na vizinhanga ~ a expressio designa a drea vista quando se sobe a0 telhado do imével) ‘Atéo gosto de bacon da Schlenkerla vem de um método antigo de produgio, ‘que expe o malte a fumaga da queima de faia. Novos estilos, s6 se forem bi seados no passado, como uma edigo especial feita coma queima de carvalho. “O gosto tinico da Schlenkerla é valori- zado com o desenvolvimento da cerve- jaartesanal no mundo’, diz Trum."Mas cada gole é um gole de histéria. Somos dinossauros da produgio de cerveja” CERVEJAS DA ESCOLA ALEMA @ oarias va ceaveya OUTROS ESTILO Criada em 1895 na cervejaria Spaten, de Munique, para fazer frente &pilsen da Bomia, tomou nas canecas dos bavaros boa parte do espaco que era ocupado pela dunkel, a lager marrom ‘tradicional da regido. Hell quer dizer claro, ¢a hells & de fato ‘mais clara que bohemian pilsner,além de ter sabor de p30 ‘mais pronunciado e menos amargor earoma de lipulo. Seu teor alcodlico, de 4.5%, ¢ também ligeiramente mais baixo. Hoje, ‘na Baviera,éa mais tomada no dia adiae também durante ‘2 Oktoberfest, desbancando mesmo acerveja sazonal feita ‘especialmente para a festa, Inventads na Austria no século 19 a partirde um malte de colorac30 Ambar, cozido depois da germinacao da cevada eentBo caramelizado, a vienna lager vai do cobre 20 marrom avermelhado, O aroma eo sabor de malte suavernente tostado, com ligeiro adocicado, s50 balanceados pelo amargor de lipule nobre Foinas de preco (Gorrecptente de 380 mi ‘Antes de exstrrefrigeracio mecanizada, a marzen (do ‘alemao marz, marco) er a itima cerveiaa ser produzida antes do verso, quando asaltas temperaturas pejudicavam a fermentacio, Durante os meses quertes, a bebida era, armazenada em locais fries como galerias subterrSneas com _gelo guardado do inverno). Tomavam-se os itimos exempla- ‘es em Setembro e outubro, inicio de uma nova temporada ‘cervelcra Feita com malt similar ao da vienna ager, 3 ‘marzen va do dourade ao laranja avermethado, Tem aroma, acentuado de malta, remetendo apo ebiscoito, 8s vezes nota suaves de arammelo ~ conjunto que gana equllbrio ‘comoamargor do lipulo. Oestilo ji reinouna Oktoberfest, ‘mashojeo nome dafesta também aparece no rétulo de ‘ceruejassazonals quelembram uma helles mais forte ats R520 38c0RS 2108850 858 acima do RS 50 Eacerveatipica de Colénia — teoricamente sb bebidas feitas na cidade ater podem usar essa enominagio, masnao¢ foxque acontece na prética, Clara, levemente lupulada, om aroma frutado suti. ‘Algumas apresentam uma ‘cremosidade advinda de ‘uma pequena porcio de rmalte de trigo adicionada aomalte de cevada. E fer ‘mentada com leveduras de superficie ale), mas as ve- zes recebe também levedu- ra lager no fim do processo. Dunkel quer dizer cescura eschware, pret: ‘cor dessas lager val do Cobre intenso a0 negro. Nosaboreno aroma, predominaomatte, ‘emnotas de chocolate, biscoito ou tostado, com ppouco ou nenhum espace arao lopulo. Tém teor alcodlico a0 redor de 5%, menor que o das também ‘escuras bock Essas lagers castumam serrobustase alcodlicas, com amargor médio e predomindncia de matte em relacio a0 Lipulo ngaroma.e no saber, Geralmente passam poralguns mesesde rmaturacio antes de estar prontas para 0 consumo, Acor vai do acobreado a0 marcom Hoje a ideia de uma cerveja {efumada pode parecer exética, ‘mas antes de 7700 ninguém a.es- tranhava, Até essa época, omalte u secava a0 sol ou em fornos em {que tinha contato com a furaga ' pegava um pouco do sabor dela Quando pide adquiri fornos queisolavam afumaca,amaior parte dos cervejeiros abandonou a Fauchbier. Mas no 0s produtores {a Francénia, no norte da Baviera cescuro, Os subestilos do (cem especial os da cidade de ppelbock e eisbock s30 \ Bamberg), que até hoje fazem e especialmente fortes, BRAUEREI HELLER consomem orgulhosamente sua este dltimo chegando 2 BAMBERG } bebida com um qué de bacon. ‘ter14%e de dleoal vee wt WU rere CMe u et Rea Ree ee cy Peet cnChU nee Se eut men ety Peete Tec ets Reon Eat) jeito certo - diretamente do barril, sem pressao e com Pec: Oe Rouiec ees ASSIM COMO 0 BRASILEIRO pega no pé do portugués, o americano adora impli como inglés. A comida britanica tem ma fama ~ algo verdadeiro até poucos anos atrds - e a cerveja, reclamam os gringos, rvida quente is, Hd um bocado de preguica cultural nesse julgamento, mas acei temos que a afirmagio seja verdadeira: nos tradicionais da Gra-Bretanha, algumas cervejas vém mesmo de barris de madeiraem temperatura ambiente. Se vocé hoje compra s'veja artesanal em qualquer esquina (ou vista sobre cerveja), deve agradecer aos ing sua cerveja morna. Foi para protegé-la da ameaga da industria interna- smpos, € muito mais facil beber uma lager geladinha na maioria dos pubs ~ que eles criaram, nos anos 1970, o de preservagio da tradicao, A craft beer americana, ajudando por tabela a 2 artesanal que conhecen fais dois motivos para respeitar os ingle ses: eles inventaram os maltes pilidos e foram 08 primeiros a usar hipulo em suas receitas. Mas voltemas a cerveja morna. Ou melhor, dale legitima, auténtica e verdadeira. ‘Todos os estilos tradicionais britdnicos io da familia ale. Por isso, um inglés das antigas dificilmente pediria beer em seu pub favorito, Ele pede uma ale ~ se quiser ser mais especifico, uma bitter ou uma porter. A bitter éa cerveja mais clara e leve, matriz. de um estilo que se multiplicou em varios outros, incluindo a IPA; a porter é escura e encorpada, mae da stout e suas variantes. ‘Vocé nem precisa sair de casa para com- ja feita na Inglaterra, basta ter o coma internet e um cartao de cré- dito, Apenas nas IIhas Britanicas, contudo, sossivel tera experiéncia de beber uma ale auténtica. A bebida é extremamen vel, dura somente alguns dias. E nao se en- contra a cask conditioned ale (ale armaze nada em barril) em qualquer lugar do reino. ‘Apenas nos pubs. Em alguns poucos pubs que conservam a tradigio. O mestre-cervejeiro americano Garrett ol é um enorm fa da ale inglesa ilos e rec pientes possam ter mudado, os métodos bisicos de produgio de ceryeja em barril sio os mesmos de séculos atvis’,escreve no livro A Mesa do Cervejeiro. A fermentagio jas ocorre, muitas vezes, & tos. Quando ela termina, a veduura boia na superficie como uma espuma de aparéncia pouco simpatica, Retira-se a camada de leveduras com uma escumadeira proceso, porém, remove apenas as par- ticulas maiores. Nao hé filtragem — dentro do barrill de madeira, as leveduras seguem fazendo seu trabalho enquanto a cerveja viaja da fabrica para 0 pub. L4, 0 dono do boteco abre um furo, na base da marreta e do pino de madeira, bem no centro do tampo do bareil, Instala uma valvula e a conecta a uma torneira bomb ada manualmente. Nada de refrigeracao, nada de cilindro de gs. E'uma tradigao cheia de peculiaridades: a produgao artesanal de fato, a extrema fragilidade do liquido, 0 know-how que se requer do taberne osto do fregués por uma cerv carbonatada. A temperatura, n do ano, é adequada p lanchester,afinal de con ma Cuiaba. Por ser tao singular, a cask ale nunca nem atravessou o Canal da Mancha. Mas é assim que os ingleses Melhor: era assim que os i A partir dosa ais caiu de joelh ante a blitzkrieg da grande industria de ce Na década seguinte, as grandes cerve- jarias britinicas deixaram de fabricar a ale de barril - um produto caro e de qualidade flutuante, temperamental demais para uma modernidade que exigia padrdes homog neos. Nos pubs, tornou-se praxe 0 cliente Dossit ceRveya / An 2016 @) pedir uma lager - australiana, tcheca, holandesa, francesa ou qualquer coisa que estiver engatada na chopeira. A Carling, marea de cerveja mais vendi- da no Reino Unido, é uma american lager originéria do Canada Em 1972, formou-se o movimento batizado de Camra. Ele convencionou ‘que a cask ale passaria a se chamar re- al ale - ou ale verdadeira, numa clara ‘oposigio a cerveja “de mentirinha que vinha destruindo a tradigao inglesa Atualmente,a Camra é uma associacao ‘com mais de 50 mil membros, que conseguiram reverter parcialmente 0 exterminio da ale embarrilada. Desde sua fundagao, foram abertas na Ingla- terra mais de 300 cervejarias pequenas, todas dedicadas a produzir a cask con- ditioned ale. Quem esta em risco agora nao é nenhum estilo em particular, mas 0 habito de beber cervejas inglesas nos pubs. Em cidades como Londres, bares centenirios estavam instalados em iméveis que tiveram valorizagao expo- nencial nas tltimas décadas. Para as familias que tocavam esses negdcios, as ofertas de grandes redes de bares ‘ram muito mais atraentes do que os trocados da venda de cerveja, torta de rime fish & chips. Assim, uma enor- midade de pubs ingleses parecem lu- {gates tradicionais, mas sio controlados por grupos de investidores que faturam ‘com o volume de vendas e a padroni- io dos processos. Voc@ os reconhe ‘ce depois de entrar em trés ou quatro pubs que tém as mesmas opcoes de ‘chope, todos do mesmo fabricante. Outros bares converteram-se em gastropubs ~ termo que seus donos inventaram para nao melindrar 0s com- patriotas com a palavra “restaurante” O foco mudou para a comida. A bebi- dda que rega os jantares é 0 vinho. Portanto, se voce for & Inglaterra, pesquise direitinho até achar um pub ‘que nao pertence a nenhuma franquia Ao chegar ao balcio das chopeiras, procure aquelas com alavancas mais Jongas, que o barman usa para bombe- ar manualmente a cerveja para dentro do copo pint - essa é a ale de barril, a ale verdadeira. E bem provavel que vocé nao goste da cerveja morna e cho- cados ingleses. Mas tomé-la é seu de- ver civico de cervejeito, nto beba sem CERVEJAS DA ESCOLA INGLESA Sio as cervejas que condiciona em barris ~ as verses engarrafa- dase enlatadas, aquilo que dé para encontrar rente. Sua cor vai do dourado a0 marrom, 0 4leool 6 comportado (de 3,5% 2 5,5%) eo amargor dos ldpulos ingleses dé 0 tom. Bs trés primeivos brdem crescente Ide robuster, alcool fe amargor.A pale ‘le se assemetha A special bitter ‘e3ESE,massd pode usar lipulos ingeses (as outras podem usar varie- ‘dades americanas). ‘AIPA é uma versio turbinada da pale ale inglesa. Sua origen bastante conhecida: 0 teor al ‘codlicoe a upulagem maiores foram recursos que tinham a fungao de conservar acervea. Isso porque as primeiras IPAS se destinavam 30s colonos britdnicos na india e precisavam. Viajar de navi até ld ~no séeulo 4, sem refrigeracao, era im- possivel fazer cerveja na India ‘Aversio inglesa da PA usa lGpules com perfil aromtico discreto, nada dos perfumes frutados da prima americana, rmaltes claros ~ secos com calor mm que 08 frequentadores dos, im seu préprio blend de procuravam. Ela ‘ta dos portuérios londrinos, os por- ters. 0 coquetel de cervejas genhou tanta popularidade que a inddstria passou a reproduzi-lo. ipica de Londres. Sua origem remon- ‘ta a0 inicio do século 18, quando os reto, uma inovagao recente ~ eram caros. Dizem que aurgiu em uma épo- Ma = polio domata ome Percktganeeraniete : ‘hasan tbs eps pee ae frrnaeratannecs ieee BTR] rey ee] van ened TATED) stout éuma subcategoria da porter que acabou se tornando imal famosa do que a original. S80 IMuitostipos de stout, todos negros. {como piche: oatmeal stout (com ayela), sweet stout (adocicad),fo- feign extra stout (amarga.e alcoo- Hic) imperial stout (mais alcodtica indo). A Guinness, representante imiximo da estrpe, pertence a uma Wertente irlandesa irish dry stout que lacra, mas no morde.Parece ‘uma bomba, masé levee pouco alcodlica. (4,2) QUTROS ESTILOS Eacerveja de combate do norte da inglaterra, que apareceu no século 18 como reaga0 3 pale ale que comecava a abundar no Sul. Os proletirios nortstas Consideravam a cerveja dlarinha algo efeminado - e bebiam com orgulho sua ale marrom, com gosto de caramelo e malte tostado, que acompanha mara- vithosamente bem pratos com carne vermelha, Fotos de preco (or ecoente de $0 nik ats R620 98 40621 0RS 50 988 ocima de RS 50 Seu nome, "vinho de cevada", vem das carac: tersticas de aroma que remetem ao vinho. Exum estilo de alto teoraleoslico, com pre- senga intensa de notas frutadas produzidas pela levedura.O amargor é baixo, eo agiicar residual perceptivel ‘Alguns dos exemplares mais valiosos da Inglaterra pertencem aeste estilo, que pode tera satra estampada no rétulo (vintage ale) eervethecer por muitos anos a fio. Eadocicada e mareada pelo sabor de ‘aramelo e aromas de frutas secas, como ameisa e timara possi cenveyA /jAn 2016 @ vee wt Ce Lo eC Conor Cot ee Meee et ratte cerveja para cada dia do ano, comobra. E 0 paraiso terrestre para quem gosta de variedade e qualidade. be yj perenne int APESAK DA PROXIMIDADE geogtifica e daafinidade cultural, a Bélgica € um retra 1 negativo da Alemanha quando o assunte verveja. Enqua es se prendem a tradigao rigida da Lei da Pureza bavara, 05 belgas inovam e criam sem amarras. Rene- gando a santidade da trindade malte~igua -hipulo, eles brincam com os mais varia ingredientes: especiarias, fruta rvas 0 que aparecer pela frente. Subvertem os préprios estilos ancestrais e nao tém pudor de reinterpretar as cervejas criadas em outras paragens, Em um pais com 10 milhdes de habitantes - metade da populacio da metropolitana de - existem mais de cem cervejarias, que produzem aproxi madamente 400 tipos de cerve Tanta dive e culiar ituagao histérico-geogrifica da Bélgica. O pequeno territério ¢ zona de uma disputa que remonta aos tempos do Império Roma- no. Nele se encontram, mas raramente se misturam,as duas culturas fundamentais da ental: 0 Sul e 0 Norte, os latinos 33, 08 cat vinho ec de cerveja. As planicies belgas ja estiveram sob o dominio de alemies, espa- s, s ¢ italiano: inda hoje o Reino da Bélgica abriga duas nagdes com perfis culturais distintos: a Va- ¢ Flandres, onde a lingua corrente é um dialeto do holandés. Embota isso desagrade a valoes e flamen- s,a cerveja é um denominador comum que aproxima os dois povos. Grosso modo, a Bél ca retine franceses € holandeses em uma terra fria demais para o cultivo de w sim, o savoir faire vinicola latino terminou por ser aplicado a tradi¢ao germanica de fermentar s. Isso se reflete tanto na fabricacao da quanto nas formas de consumi-la, No que diz respeito as receitas, a Bélgica busca uma complexidade sensorial ausente nas vizinhas Alemanha e Inglaterra - qu afinal, esta apenas aalgumas horas de tra sia maritima, Malte e hipule em de forma discreta e equilibrada, sem O holofote aponta para as leveduras trabalham como ninguém a ferment especiarias e frutas ao olfato; as m leveduras selvage sm uma acidez singular; a pratica da segun- fermentagio em ante difun- ulta em aromas intrincados. A cere- olo pode ser literalmente cereja, fram- 1 outra fruta; ervas e condimentos smbém tém vez. Como os melhores vinhos, muitas cervejas estagiam em barris de car- valho antes do engarrafamento. Quem visita a Belgica pode ter a impres sio de que aquela nao éa mesma bebida q} brasileiros e americanos vertem aos litros uer sentir © gosto. Mas é tudo cer- veja, da mesma forma que um pequinés e alemao sio 0 mesmo animal. E malucos por cerveja. Como diz 0 jova-iorquino Garrett Oliver, mestre- jeiro da Brooklyn Brewery: “Quando se entra em um café belga, essa paixao é evidente, palpavel até. Dezenas ¢ le cerveja, cada qual com seu cop especial, ficam carinhosamente expostas até ‘mesmo nos mais modestos estabelecin igumas estdo amorosamente en em papel de seda. Outras ficam aprumadas em garrafas de champanhe, com direito a rolhae gaiola de arame. (.) Para os amantes de cerveja, a Bélgica ¢ 0 paraiso na Terra.” No filme Na Mira do Chefe,o ator Coli Farrell vive um gangster irlandés foragido napitoresca cidade flamenga de Bruge vive reclamando da “cer ida nos bares locais. Trat que reflete (de for- -onceituc {que os estrangeiros tém ao se deparar com a réncia que os belgas dedicam & cerveja. a, clien encontra apenas uma sele¢ao de meia diizia de opcdes locais escritas a giz na parede: a s,um calhamaco com dezenas rntenas de rétulos, Ihe & ros pints ingleses nem as hiperbdlicas cane- cas alemis de um litro. Cada marca produz sua prdpria taca de cristal decorada com entalhes e gravuras. Os habitués bebem co- medidamente, 2os pequenos goles, ¢ quem degusta um vinho do po Dentro das tacas, a bebida é perfumada e de sabor delicado, nio raro um pouco doce. O explorador de primeira viagem sequer percebe 0 teor alcodlico desse liquido ta0 sedutor - que chega facilmente aos 9%, 0 dobro de uma cer trial, E por isso quea “ da Bélgica ja pos @ nocaute muito macho bruto e arrogante. Dossit ceRveya / an 2016 @

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