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O Historicismo Aredescoberta da historia Historicism, the rediscovery of history Abstract “Ts ale dea wth cofonaéon bemeen the tno mest important Nina pcan dat pedorina fed inthe Ocedent cg he two cenuies-Fencs Elehenment ane Geman Hse snd 9 define the stones and hor ‘eason” agaist the phllosopbea ‘eason ofthe Enlightenment. The Std eoisiles Geman zon the efor of ty Keywords” theory of history, histones enpory José Carlos Reis” Resumo (O.ampn tata do contonto ene as cconcepeses da ists do Taminsmo frances e do sons aemio, 20 longo os stculos XX XE Proaiou sedefnirohistosicsme eaprsertars sua “fexdo hist” conta a Razio fibssficatuminsta O histones e considetado como “refurdacor da hist’ pos intressado em reegntar ‘opassado a0 coniio domi, Iceressado em constr o tuo. artigo discute os dole grandes patdigmas hsoicos pedominantes ho Oriente nos dos los seculos Palawas-chave: teers cls histori, histrismo, tempoalidade A Revolucao Francesa e a “Redescoberta da Historia” A principal conseaiténcia da Revalucio Francesa, durante o sé- culo XIX, foi uma mudanea profunda na percepedo do tempo, que levol a “redescoberta da hist6ria" Este complexo evento revelou a historia em -duas direcoes: do presente ao passada_ do presente 20 fut A hist. fuas di Tia foi redescoberta seja como preduczo do futuro, seia como recons- {rugao do passado. O revolucionsrio tempo burgues, acclerado em dis URMG. Autor dos ios: “As Klnidedes do Bras de Vamagen 2 FHC, FOV, 2002, §2ed;"A His, Ente a Flowofa ea Cred" Ae, 1999, 28 ez “Nowvele Histoire Tempo Hise", Ala, 1994; “Temp, Mista e Easier, Paps 1994; "Escola dos Anales,2 Inova em Hsin, Pa Term, 2000, recio ao futuro, ut6pico, confiante na Razio e na capacidade dos ho- mens de fazerem a historia encontrou a resistencia de um tempo aristo- crdtico, desacelerado, retrospectvo, reflexivo, meditativo, contemplativo, que desconfiava da RazSo e suspeitava dos seus pretensos portadores & parteiros do futuro, A Revolugao Francesa aprofundou a divisio dos homens enire revolucionartos € consenvadores, ié, entre cutuadores da histéria como produgdo do futuro e cultuadores da historia como reconstituicdo fiel do passado. Comte viu 2 Tomada da Basiilha como 0 inicio de uma épaca de grave crise moral que s6 a filosofia positiva podetia resolver. Era um francés contra-revolucionério. Kant viu na Re- volucdo Francesa a confimagzo da sua teoria do progress moral da humanidade. Hegel a saudou com enusiasmo. Para Kant e Hegel, ela representara a chegada da Rardo a histora: justica, ordem, liberdade, moralidade. Ela revelara o sentido do trabalho humano ou do espirito: a construco de uma sociedade racional, moral. $40 dois raros filbsofos alemges revolucionirios. Ninguém ficou indiferente 2 este evento, que revelava intensamente a hist61ia ou como possibilidade de mudanca profunda ou como fidelidade intensa a tradicao. O sentido histérico, na verdade, deveria articular conhecimento do passado e producao do futuro, sem romper estas duas dimensdes. Mas, ndo foi assim que se pensout a historia no século XIX Era preciso tomar posiclo, optat @ agit. Foi o século XVIII que teve a primeira intuicio destes dois sentidos da hist6ria: o primeiro, revolucionério e emancipacionista, fol elaborado pelos iluministas, Iranceses e alemaes, e se radicalizou com o marxismo, nos séculos XIX/XX; 0 segundo, conservador e tra~ dicionalista, foi revelado pelo italiano Giambatista Vico, ¢ se radicalizou com a Escola Histdrica alema e os historicistas, nos séculos XIX/XX. Estes dois sentidos se excluem e opdem os historiadores do século XIX aos filésofos do século XVIIL Os historiadores, que viam a historia ‘como uma reconsiituigao fiel do passado, combatiam os filésofos, que a viam como uma ruptura com passado e uma consirucao do futuro. Portanto, parece haver um conironto sem conciliacao possivel enire iluministas e historicistas. A Escola Hist6rica alema se opds & Revolucio Francesa e aos fildsofos que a legitimavam, Para os histori- adores alemdes somente a filosofia, e no a historia, poderia legitimar a revolucdo. Os fil6sofos a justficavam com uma idéia a priori e universal da sociedade, ignorando as tradicoes historicas dos povos particulares. Para o historiador, nao é a “Razdo” que organiza a histo- ria, pois é uma hipotese filosofica. Contra a revolucdo, a Escola Histo- rica alem3 buscava no passado uma justificacio das instituicoes feu- dais ainda predominantes no presente. Ela pesquisava as origens his- Gricas das sociedades para mostrar que toda instituicéo nascida ¢ desenvolvida na historia era valida nela mesma e nao precisava da “Razio” para s¢ legitimar. A Escola Histérica quis opor aos conceitos abstrates da filosofia o estudo empirico de homens vividos, reais.! (Os historiadoves alemaes recortiam ao estudo de fatos con- ccretos e positives para justificarem a ordem existente. A revolucao esiaria assim desacreditada em seu direito: baseado em qué se pode- ria fazer a mudanca profunda, a ruptura com o passado? Na histéria, solo e fundamento do mundo dos homens, nao seria possivel! S6 com o recurso a ideais de sociedade, 4 especulacio filosofica, se poderia legitimar a acdo revolucionaria. Mas, nada poderia funda- mentar e legitimartaisficgSes filoséficas. Este racionalismo iluminista, ‘os historicistas © consideravam uma ameaca a sociedade estabelecida final, quem, que sociedade concreta, poderia dizer 0 que si0 os “direitos universais” ou aliberdade em geral”? Para eles, ao contrario, seria preciso conhecer e reconhecer, compreender, 0 individuo con- ‘cteto e hist6tico, a partir de um estudo empirico de sociedades par- ticulares. Nao se pode fazer histéria com especulacdes sistematicas € abstratas, mas com 0 estudo de dados empiticos, de fatos particula- res, que geralmente probe a intervencao radical no vivido. O racionalismo idealista aborda um objeto inexistente - © homem em geral,ireal, vitual, a natureza humana trans-historica. A historia trata de homens concretos, em suas relacdes concretas € particulares, em sua experigncia vivida e sofrida da finitude? Esta 6 “tevolucdo cultural” historcista: uma revolucdo contra- revolucioniria, 6, a “descoberta da histéria” como fidelidade aos ho- mens do passado. Ela nio desvalorizava os séculos anteriores ao XVIll, como faziam os fildsofos. Nao opunha ao futuro de emancipacdo Luzes um passado de tiania e tevas, que seria preciso denunciar ¢ estruir. Os historicistas queriam ayaliar uma época segundo os seus propiios criterios e valores. Para 0 historiador nao é evidente que @ Razao governa o mundo. Esta € uma conviccdo de fildsofos. A aplicacao da razio especulativa ao mundo dos homens tinha levado aos excessos da Revolucio Francesa. Para eles, ao contritio, pensara historia flosofi- ‘camente, abstratamante, é que leva a0 fanatismo, &tirania e as trevas. A teoria rio € capaz de dirigir as coisas humanas. A vida humana é particular. A teoria trata de generalidades. A vida humana, particular, singular, individual, € objeto da historia e nao da filosofia. A historia € muito mais importante do que 2 teoria. As instituicoes humanas & © vvido humano nao sio 0 resultado do célculo e da razto, mas de um processo hist6rico, independente da vontade consciente dos individu- Sag hls Hse ch tes Ey bie de Hse: 1760 * Grses FF op cite lesen, ©. Ne DietonsI Eropan Hixon London Methuen 1984 elgg G. The German Corcepon Hisar Midletcwn Cont-USA; Wesleyan Uni res 1975. 0. Nao se pode propor a mudanca radical e Wolenta com o passado, pois isto seria radical e violento. E sera justo? Eles consideravam 0 estudo da histéria e da tradicao mais digno do que o da filosofia. Os individutos nao se ligam por contiatos abstratos, mas pela tradicio comum. Os historiadores alemaes nio viam as instituicdes surgirem de decisdes racionais, mas como ex- pressSes inconscientes de uma “alma historica” Eles queriam apreen- der 0 “genio de um povo, que apareci em suas instituicoes, costu- mes, valores e biografias. Cada sociedade possui uma legitimidade inscrita em sua estrutura atual, um “espitito” que 2 envolve, uma atmosfera prépria, sem 2 qual seus membros exilados perdem o sen tido do viver. Do ponto de vista da histéiia, 0 exilio, 0 ostracismo, é a unico maior, pois significa a morte por asfixia cultural A “razdo” 56 pode ser historica e se manifesta nas formas € ctlagOes de cada soci- edade e envolve profundamente cada um de seus membros. Toda especula¢ao ou teoria sobre a historia revela mais os preconceitos dos seus construtores do que as deficiéncias da realidade. Portanto, a ‘especulacdo @ 2 teotia prejudicam 0 conhecimento do passado e deveriam ser banidas da histéria. O historicismo combatia as teorias, iluministas e jusnaturalistas, que legitimavam a ruptura com o passa- do. Para 0s historidistas, nao ha um homem trans-historico, universal, ue foi e € sempre o mesmo. © homem tem qualidades fundamen- tais, mas o que interessa ao historiador sdo as mudancas pelas quais ppassou. A vida humana aparece no tempo -0 tempo 60 seu revelador e diferenciador. Os homens sio as suas expressbes constative's, registradas nas fontes. Nao hi leis ou constancias que expliquem o mundo histonco? ‘Os historicistas nao tinham mais confianca na teoria hegeliana ~ a histéria como tealizacdo progressiva ds liberdade. Eles substitui- ram o mito do progresso pelo mito do devir. O futuro ndo seré ne- cessariamente melhor, mas outro. Nem melhor e nem pior. Ha uma dispersio, uma pluralidade de logicas auténomas que liberam da Urania de um destino comum. © historiador observa multiplicidades, descontinuidades historicas. historicismo aceita a diversidade de éticas, que variam com as épocas ¢ lugares. A movalidade se realiza em um mundo hist6rico objetivo, pois criacio dos homens. A atitude concreta que 0 outro espera de mim nenhuma razio atemporal a determina, Nao hi decilogo de valores universas, vilido para todos. Os valores so se precisam, particularizando-se. Cada individuo vive em um certo universo histarico de valores. Cada sociedade cia 0 seu conjunto de valores, que a mantém coesz, Neste mundo historico determinado, os individuos desejam mais ser reconhecidos do que 2 CL Meine. Hixorismo ysu Genesis México: Fondo de Cutan, 1982 (1936 aes, Gop ct sujeitos de mudancas. A ordem moral histérica é sagrada. Feri-la & ‘excluitse. E os individuos vivem nutridos pelo reconhecimento que cobtém de sua sociedade Nao ha um conhecimento em progresso, mas visoes do mundo que exprimem uma alma humana historica. Todos os valores nascem em uma situacao hist6rica concreta. O que nnasce na hist6ria é em si um valor. Nerhum individuo pode ser julga- do por valores exteriores a situacdo na qual nasceu, mas em seus proprios termos. Nao ha nenhum padrdo universal de valores aplicé- vel 3 diversidade do humano. Todos os valores sao historicos ecultu- ras. Nao ha direitos universais do homem. A historia ndo obedece a leis gerais e nao tende a um final universal comum. A “humanidade” 6 uma abstracio. Ela nao existe historicamente. Os homens s30 sem- pre de um tempo e lugar determinados e no hi uma natureza hu- mana trans-hist6rica. Em cada tempo e lugar ele € outro, determina- do, particular. Considerar que a hiisioria como determinacao de um tempo e lugar ofusca, oculta ou deforma um homem essencial, subs- tanciale invarivel, é negar 2 propria historia. Os historicistas comba- tiam essas tases anti-historicas sobre a histéria e defendiam um ho- mem multiforme, localizado e datado. Quem poderia cultivar tais visoes anti-histoticas sobre a his- Loria? Isto ¢ de que historia e cultura localzada e datada teriam surgido tais construcdes especulativas, universalistas, sobre a hist6- tia? Os historiadores alemaes nao tinham dtvidas sobre quem teria interesse em defender tais abstra¢des. Para os historicistas alemies, ‘era sobretudo os franceses, os criadores dessas abstragGes. Eram os iluministas franceses que legitimavam filosoficamente a Revolucao Francesa. Meinecke apresencou 0 historicismo como um movimento romantico contra o racionalismo das Luzes, como uma oposicdo en- tte 0 espitito alemao ¢ 0 espiito Ocidental, particularmente francés. historicismo foi usado como arma de combate pelos fundadores do Estado Nacional alemao contra 0 expansionismo frances. O ro- rmantismo historicsta visava vencer a predominancia da cultura fran- esa E farer convergir sentimento da historia e sentiment da nacdo independente. Os tomanticos acentuavam a dependéncia do ho- ‘mem em relagio a poténcias inconscientes, ao inexplicivel, ao devit. © povo € uma comunidade cujas rafzes mergulham no passado. So- ‘mente 0 “espirito de um povo” € reconhecivel Ele € um modo pro- prio de ser, construido lentamente ao longo dos séculos, impregnan- do cada um dos seus membros. Por isso, evitavam 0 cosmopolitismo das Luzes e enfatizavam a Nacio. Eles queriam aprender a individu- alidade total, a vide em sua unidade e plenitude. A filosofia anti- historica das Luzes, para eles, era uma ideologia francesa. Quanto aos seus aliados alemes, Kant, Hegel, Marx e outros, eram francofilos € deveriam ser combatidos com o mesmo vigor. Napolego e o iluminismo francés eram os adversirios a abater. A Alemanha, contra-atacavam (9s historicistas, no tinha nada a aprender com a Franca. O seu discurso universalizante legitimava © expansionismo francés; © seu pensamento a-historico fortalecia posicoes francesas. Assim, 0 _ historicismo nao foi s6 uma formulacdo tedrica sobre a historia € em o iluminismo era so uma teoria, Eram um pensamento alemdo contra um pensamento francés, em um contexto de guerra, quase | eterno! entre os dois povos. O papel politico de historicismo seria o de defender os direitos locais alemaes contra o expansionismo naci- onalista francés oculto sob 0 seu discurso universalista. Para Aron, um francés que se interessou pelo pensamento | historicista alemo, justamente nos anos | 930, este exprimia uma atitude e uma situacdo: a aristocracia alema repugnava a civilizacio | de massas, o industrialismo e © socialismo. © historicismo | corespondia a uma época incerta dela prépria, a Alemanha pré- revolucionaria, que recusava 0 futuro que ela vislumbrava, € oscilava entre o fatalismo lucido e 2 revolta ut6pica Ele afirmava 0 que histo- | ricamente veio a ser, em qualquer tempo, € 0 valor sagrado da tradi- © glo. Ele negava a mudanca.Era conservador, tradicionalista, anti-revo- luciondtio. Para o historicismo, a historia serve 3 educacio nacional, para renovar € consolidar o espirito comum aos membres de uma Nacao. Ele defendia a liberdade politica em um Estado forte e utara pela unidade da Alemanha sob a lideranca da Prissia. Contra os partidarios da democracia e do secialismo, herdeiros da Revolucdo Francesa, ele defendia as instituicSes tradicionais da monarquia prussiana, Para os historicistas, os revolucionérios aplicavam a socie~ dade o método naturalista. Eram “positivistas” ao conceberem a soci- edade como uma justaposi¢ao mecanica de individuos iguais e 20 se recusarem a reconhecer os privilégios historicos e a evolucio especi- fica de cada nacao. As ciéncias naturais vieram apoiar os revolucio- | nacios em sua luta contra a hist6ria e a tradicio, legitimando a sua © tese de que todos so iguais, submetidos as mesmas leis naturais e | universais. © seu “individualismo competitivo” era legitimado por leis naturals. © unico meio de tutar contra tal alianca revolucionéria - | aullto do futuro e culto do universal - seria constituir uma ciéncia pratica, que justificasse as instituicdes existentes de cada nacao, com- preendendo-as em sua histéria particular. A defesa da “historia cien- tifica", da autonomia das ciéncias humanas e da especificidade dos seus mécodos, teria realmente essa dimensio politica conservadora?* De fato, os historicistas combateram a tevolucao, a dissolu- ‘¢40 do pasado, proposta pelos iluministas. Seu projeto era o de | fortalecer 0 passado constuindo uma “histétia cientifica”, que 0 re- ‘CAvonRfsa/surla Thole de Hie dan Allemagne Contempanine = Ls Piesopie ‘Gide de Histoire Pais: Vin, 1938» Amr Inroducions i Phioscohe del Pistore Pars: Gallina 1938. constru(sse com a maior fidelidade, que o cristalizasse e © endlure- cesse. A historia cientiica veio opor-se a historia filosofica, aguamras do passado! Eles refundaram a historia como estudo documentado, visando recuperar a verdade do passado. Verdade” fiel, sem véus, nua, erua, que 0 legitimaria e consolidaria Se a historia cientilica pudesse vencer toda especulago, todo subjetivismo teleokigico, € restaurasse o passado em sua verdade,ela serviria & sua conservacio. E € com este espitito que os estudos historicos ganharam grande prestigio, na Alemanha do século XIX. Apesar do Idealismo Alemao, ou talver por causa da qualidade imensa dos seus filbsofos, como resistencia a eles. no séaulo XIX. a vida espiritual alema esteve mais dominada pela histéria do que pela flosofia. O método critico dos historiadores arruinou as filosofias da histéria. A histéria foi a princi- pal frente de resistencia & metafisica. A historia cientifica buscou diferenciar as duas dimensoes objetivas do tempo = passado e pre~ sente - evitando profetizar sobre o futuro. Esta historia valorizava as “diferencas humanas no tempo”, dando énfase ao evento inepetivel, finito, datado. O objeto do historiador nao sera a “Idéia", a “Razio’, a “Provid@ncia’, a “Utopia Final”, mas o mundo humano datado e loca~ lizado, uma situacio humana espago-temporal, concreta, tinica: 0 evento, Essa consciéncia histérica do século XIX é que foi denomina- da de modo geral de “historicista™. Em oposicdo a todo pensamento a-hist6rico, o historicismo era um anti-racionalismo, um antiabstracionismo, um antiuniversalismo. Ele era 0 defensor de uma outta razdo: a razdo histbricas E inegavel que a “historia cientifica” do século XIX era profun- damente conservadora, Na perspectiva dos iluministas, que ainda so- brevivia, € forte, nas numerosas revolucdes dos séculos KIX-XX, ela deveria ser combatida como uma ideologia allada do passado, que seria preciso destruir junto com ele. Ela legtimava as trevas e a tra~ nia, Mas, argumentavam os historicistas: 0 futuro, que ndo é ainda, pode ser objeto de conhecimento? Nao seria somente o passado conhecivel, por ser a dimensio estével e consolidada do tempo ht mano? As expresses, as objetivacées da vida humana nao constitu- em o passado? A vida vivida nio é a passada? Pode-se abrir mio dos antepassados e prefetir os descendentes? E pode-se ir 20 passado com os valores do presente ou deve-se aborda-lo em sua diferenca € em seus prOprios termos? Pode-se agir radicalmente sem conhecer as condicOes e limites cue 0 passado impde a acio? A vitovia da Razio poderia garantir que o futuro ndo seré de trevas e tirania? Os historicistas julgavam que uma “histéiia cientfca” devia compreen- det o passado e, com simpatia, recebé-lo “tal como se passou", * ckScanadettach H. Philosophy in Gomary (1831/1955) Canbidgw/I SA. Cambridge Unc rss 1984 eles G. om ot conhecé-lo em sua légica intrinseca, em sua vida propria, em seu tempo, em sua historicidade singular, evitando todo anacronismo. Isto, sim, seria de fato a “histéria’, 0 conhecimento cientifico dos homens no tempo. A histéria cientifica queria se aproximar do pas- sado, sem preconceitos e tendéncias, para reconhecé-lo, reencontré- lo, compreendé-lo. Seria possivel conhecé-lo com uma altitude de ‘oposicao radical, de antipatia total, com uma intencio de ruptura violenta? Para os historicistas, essa no seria uma atitude de histori- ador, mas anacrénica e especulativamente filoséfica e politica “Historicismo”: um conceito? Entretanto, 0 concelto de “historicismo” € muito mais com- plexo e problematico, polissémico, confuso e difusc. Em geral, os ‘autores preferem evitar esse termo pox ser muito impreciso, possuin- do virios significados. Ele nao obteve a estabilidade de um conceito. ‘Quando alguém se refere a ele, espera-se que defina o que quer dizer. Meinecke, acima, se referiu a ele como “romantismo". Discute-se so- bre qual dos dois tetmos seria o mais adequado: “historismo” ou “historicismo’? Sérgio Buarque de Holanda afirma que as formas “historismo” e “historicismo” foram por longo tempo intercambiaveis fora da Alemanha, Em lingua alem@, a forma “historismo” é predomi- rnante. Popper difundiu a forma “historicismo", referindo-se a autores distantes do historismo alemo clissico. O historismo de Herder, Dilthey, Simmel, Windelband, Rickert ndo tem nenhuma relagio com a ‘miséria do istoricismo” de Marx, Spengler, Toynbee, Comte, na concepcdo de Popper. Neste artigo, nds estamos nos referindo a0 historismo alemao dassico, que chamaremos de historicismo por habito e por ser a forma mais freatiente na bibliografia néo alema, especialmente a francesa, que mais utilizamos* Desde o inicio, temos tentado definir 0 historicismo alemao, contrastando, em uma linguagem quase de “manifesto”, as suas teses sobre a historia com as do iluminismo frances. Geralmente, e segui- remos esta direcdo, opde-se 0 século XIX a0 XVIII do modo como fizemos anteriomente: historia, homem-devir, individualidade em de- senvolvimento, relatividade dos valores versus flosofia, racionalismo, natureza humana, valores e direitos universais, humanidade trans- histéxica, No século XIX, afirma-se, uma “individualidade em desen- volvimento centrado em seu interlor" se opds a *humanidade em diregao a sua realizacao universal final”. Entretanto, Emest Cassirer ¢ ‘ck Poane KA Mi cdo Historia Si Pau: Cul, 1982 «Holanda SB, Rak So Paulo ica 1979 (Gees Centstas Sodas) tum dos autores que consideram que o pensamento do século XVIll do pode ser considerado a-histérico. Esta tese foi sustentada pelo “romantismo” contra a flosofia das Luzes. Mas, para Cassirer, se © romantismo descobriu a histora foi gracas as idéias do século XVIIL Foio século XVIII que colocou o problema das condicoes de possibi- lidade da historia, sobretudo com Voltaire. Em seu ataque as Luzes, 0 romantismo cometia o pecado que denunciava: era anti-histérico, pois nao colocava o século XVIll em perspectiva historica adequada Ele queria aprender © passado em sua realidade, mas falhou em relacao ao seu passado recente. Ele era cego em relagdo ao século XVIll. Na verdade, este século nzo fol um edificio de contomos bem delimitados, mas uma forca que agia em todos os sentidos. Cassirer deu énfase a continuidade entie 0 historicismo, que ele também chamou de “tomantismo”, e as Luzes, sugerindo um “deslocamento gradual” da cultura, sem rupturas. Mas, paradoxalmente, quando se referiu a Vico, sustentou que ele pretendeu expulsar 0 racionalismo da histéria, propondo uma “légica da imaginacdo” contra ‘as idéias claras e distinias’, de Descartes Por isso, nao tinha exercido nenhuma influencia sobre as Luzes e somente Herder, no século XIX, 0 retirou da obscuridade. Nao € dessa oposicdo que se traia? E possivel perceber alguma continuidace, algum “deslocamento gradual’, entre uma “logica da imaginacio” e o racionalismo univesalizante das Lures?” ‘A discuss8o sobre © historicismo ndo pode, portanto, ser simplificada. E nao pretendemos esgoté-la, mas apenas apresentar a nossa letura, a nossa sintese, da sua contribuigdo a weoria da historia, que consideramos fundamental. Segundo Imaz, esta palavta, “historiismo”, parece ter sido usada pela primeira vez em 1879, por K Werner, para se refer ao “historicismo filoséfico” de Vico, Quanto 8 sua otigem, portanto, 0 historicismo pode talvez ser considerado italiano; Vico, que foi continuado por Croce. Mas, para alguns ele & uma construc2o especficamente alema. Sem desconsiderar a contr buicao de Vico, E. Cassiter 0 considerava uma construcdo alema, que teria sua origem na monadologia de Leibniz. Entretanto, segundo maz, e depois de tudo o que j4 manifestamos,, hd autores que sus- tentam que ele teria aparecido primeiro na Franca, quando da Res- tauracdo! Todavia, mesmo que estes autores tenham razlo, ee no se emraizou e se desenvolveu na Franca, onde a tradi¢#o durkheimiana se impos. Durkheim repudiou a edificacdo historicsta das ciéncias humanas e com uma argumentacao tluminista. Ao conitario do histoticismo, a sua sociologia era abstrata e explicativa, aproximava ciéncias naturals ¢ humanas e recusava toda aproximacao destas 7 Ch Cassar, E Las Gincas de iy Citra Méxco Fondo de Cutura 1951 e Caste E La Thilespite des Lumiere Pasay 1932. com a filosofia. Quem tentou reunir a tradicdo francesa com a alem’, ‘com pouco sucesso, pois ficou isolado na Franca, {oi Raymond Aron, com suas excelentes obras de 1938, que so geralmente mais men- cionadas do que de fato conhecidas e rediscutidas. Hé ainda um historicismo inglés, representado por Collingwood. A discussio da origem é relevante, mas 0 que é importante de fato é 0 seu enraizamento permanente e profundo, com fortes repercuss6es na cultura. Neste sentido, ele parece ser uma forma de pensar a historia profundamente alema. Para procurar dar um contorno mais preciso a este movimento cultural europeu, que Igers e Cassirer consideraram como sendo so- bretudo alemao, alguns autores enfatizam as seguintes caracteristicas: a) ele “inventou a histeria’, ie, descobriu a hisiéria como objeto de conhecimento especifico e criou uma “atitude de historiedor’, com ‘seus principios e técnicas de abordagem do passado; ) para Meinecke, ele foi mais do que um movimento intelectual alemio ligado somente 3 histéria, mas uma revolucfo cultural, que atingiuo direto, a literatura, a lologia, a politica; ele criou uma nova relagdo com o passado, afirmando a sua alteridade profunda e crlan- do os meios indispensaveis 4 sua reconstucao; ele marcou o inicio da ciéncia histérica moderna; )a sua tese basica: hé diferenca fundamental entre os fendmenos naturaise histéricos, o que exige uma diferenca de métodes de abor- dagem. A natuteza & 2 cena do eterno retomo, dos fendmenos sem ‘consciéncia e sem propdsito; a historia inclui atos Unicose irrepeitveis, feltos com vontade e intencao. O mundo humano € incessant fluxo, embora haja alguns centros de estabilidade - personalidades, insti- tuicdes, nacdes, épocas - cada uma possuiindo uma estrutura interna, um caréter. embora em constante mudanca de acordo com os seus rincipios internos de mudancs. Ele di énfase 3 individualidede, 20 génio, que é uma individualidade mais expressira; ‘d) 50 a historia explica qualquer fenomeno humano - fora dela ou do exterior dela nada que Ihe é interior pode ser explicado; ) nio 56 0 objeto da pesquisa € histdrico como também o suieito a pesquisa 0 é: portanto, no ha conhecimento da historia a partir do exterior dela. © homem é histérico. Ele se apresenta em formas variadas e diversas: Historia significa 0 fato das variacdes do homem; 1 em cada momento, o que o homem é inclul 0 passado; historia signilica persisténcia do passado, ter um passado, vir dele; 8) 0 passado persistee influi na vida atual- recordamos e interpreta ‘mos 0 que fomos. Histéria & reconstrucio mais ou menos adequada que 2 vida faz de si mesma. "Ima. tPensaments de ithe: evolution ysiema Misia :Fondo de Cal, 1978; Case, Op ci; Mesure, S Dithey etl Fron des Sconces Historique Pas UF, 1990, Este esforco de esquematizacao pode ser util a uma definicao, mas nao é uma definicaa. Com estes pontos levantados, pode-se cconsttuir uma idéia mais ou menos ampla do sentido deste temo: tum culto do passado, um interesse em apreendé-lo, felmente, em sua diferenga e em sua verdade, uma afirma¢3o da historicidade e das mudancas vividas e 0 desejo de reencontio da vida consigo mesma através da retrospeccio historica, i, da producao de uma “conscién- cia do sentido histérico”, O historicismo espera que o tistoriador possua um coraco bastante sensivel e um espirito bastante aberto para conceber, sentir e receber todas as paixdes humanas, sem té-las provado? Mas, a polémica sobre o sentido do termo tem outros. desdo- bramentos. Geralmente se distingue um “historicismo filosdfico” de tum ‘metodoldgico e epistemologico”. Esta controversia esta ligada @ caracteristica c) acima. © historicismo filoséfico opunha ‘ontologicamente natureza e histéria com termos tais como matéria versus espirito, necessidade versus liberdade. A oposicao era entre a natureza, determinista, submetida a leis, € 0 espirito, mundo humano, subjetivo, de liberdade e de criacao. Ele desvalorizava ou nao se inte~ ressava pela naturezz, mundo da necessidade material, e se dedicava a pensar o muindo do espirito em seu mado proprio de ser, lire € ctiativo, O historicismo filoséfico se dividiria ent3o em duas orienta {Goes contratias: uma procurava sistematizar dogmaticamente todo 0 devir humano a partir de um principio @ priori, ao contrétio, a outra tendia a tudo relativizar sob 0 pretexto de que a historia ndo oferesi rnenhuma certeza e nem verdade e cultivava um tipo de cetilsmo {que conduzia 20 nilismo filoséfico. Assim entendido, filosoficamen- te, nessas duas orientag6es, o historicismo se preocupava em dar um. sentido a existéncia humana ¢ dissimulava uma posicio metafisica, na medida em que pensava a histéria~enquanto-ser como -essencial- mente espiritual, buscando realizar certos valores Ou fins Ulimos'° “Aqui, nesta divis4o do historicismo em duas tendéncias filo- séficas, esté toda a dificuldade em compreendé-lo. Se ele & visto como “sistematizagio dogmatica do devir humano a partir de um principio a prior’, ele nao se diferenciaria das filosofias da histéria, que a segunda orientacao combatia Nesta vertente, ele se aproxima- tia de fato do iluminismo, a0 pressupor um principio 2 priori em desenvolvimento universal. E Popper tetia raz3o em considerar Marx, Spengler, Toynbee como historicistas, pois esta definicéo converge com a sta definigdo: “é historicista a doutrina que considera que € 1 C1 Onena v Gasset. Kant Hegel Ditey Medi Revista de Ocidente, 1958, Meineke, F Op Et rewnd, Les Tagore des Sciences Humanes Pats PAF 1973; Collingwood, RG Alea ce “Hitoea tnbos ;Pesena 1978. funcdo da ciéncia social fazer previsoes, segundo leis de evolucéo"; que ele considera que sejam pseudociéncias, pois produzem “profe- dias", quando pretendem produzir impossiveis “previsdes incondicio- nais”, Portanto, nesta primeira orientacao, © historidsmo nao tem nada a ver e até se opde ao historismo alemio cléssico. A segunda orientacio é bem proxima deste. O espitito nao pode estar submeti- do a leis de evolucio, Ele é a expressio localizada de povos diferen- ciados em um tempo € lugar, Ha relativizacio dos valores, pois a verdade do passado esté em sua diferenca. A busca de uma verdade e diferenca pressuporia a historicizacao dos valores. Cada sociedade e época, em sua diferenca e verdade, so “historias”, Lé, sto plena- mente © que podem ser. Nao sao telativas, mas “hist6ricas", pois pertencem absolutamente 3 sua época. ‘Assim, no denominado “historicismo filosofico”,o espirito se opunha ontologicamente 2 natureza, seja buscando necessariamen- te a liberdade ou buscando historicamente a sua expressao propria. No primeiro caso, a histéiia seria um desenvolvimento teleolégico universal no segundo, buscas diferentes, miiltiplas, de uma felicidade particular, Este historicismo filosofico estatia ainda, pelo menos em sua primeira orientacao, dominado pela filosofia da historia. O historicismo epistemoldgico 0 rejeitou por essa razi0. Para este, a “historia cientifica” nao discute ontologicamente a historia endo opse natureza e historia. Este historicismo epistemol6gico, 0 da es- cola neokantiana de Baden, recusava-se a ser uma concep¢io do mundo, uma filosotia da hist6ria, uma ontologia. Para ele, a histéria € 56 um modo de abordagem e de inteligibilidade do real, Tratava-se de prolongar Kant, e até mesmo de ultrapassé-lo, na medida em que ale se limitou as ciéncias naturais. les afirmavam a especificidade das ciéncias humanas,embora ndo chegassem a convergirsobre aquilo que as especificarial © saber cientifico exigiia a colaboracao das duas categorias de cléncias, pois os mesmos matetiais podem ser objeto de uma pesquisa naturalista (nomotética) e de uma pesquisa histérica (genética e idiogrifica). A natureza pode ser tratada histori- camente e a hist6ria naturalisticamente. A separacio nio é ontolégica, mas epistemol6gica. Eles se opunham 20 imperialismo das ciéncias naturals e defendiam a autonomia das ciéncias humanas e procura~ ram estruturé-las em sua ]6gica propria, Mas nao as consideravam superiores as ciéncias naturais. Para estes epistemdlogos neokantianos, a ciéncia nio se inte- ressa 6 pelo geral, mas também pelo singular. Nem em um caso e nem em outro, ela ndo é a pura reproducéo ou c6pia do real, mas uma construcdo conceptual. Os dols procedimentos sao legtimos do ha um superior ao outro, Sera preciso estudar a logica destas ciéncias sem pretender identifica-las artificialmente. Contudo, este historicismo estritamente epistemol6gico, sem “contaminagSes filos6- ficas’, foi considerado por muitos como uma recaida no posttivismno. Era uma reivindicacdo de cientificidade particular que propunha uma postura contemplativa, distanciada dos problemas ¢ opcdes politi- ‘cas. E, por isso, era conservador. Por um lado, evitava 0 naturalismo; por outro, buscava um pad cientifico de tipo fisico. Pode-se perceba- To em autores neokantiancs como Windelband, Rickert e Weber. Quan- to aSimmele Dilthey, eles se diferenciavam dos anteriores por serem neokantianos criticos. Eram também antikantianos. Sua reflexdo so- bre a historia era ao mesmo tempo epistemoldgica e flosofica. Eles faziam epistemologia das ciéncias humanas no quadio de uma “filo- sofia da vida". Eles fariam a transicfo, estavam no meio, entre 0 historicisme romintico, do final do século XVIIl, e © historicismo epistemoldgico, do inicio do século XX. A discussio historicsta, por mais impreciso que seja o termo, teve como tema central a especificidade do conhecimento historico, as condicdes de possibilidade e de autonomia das ciéncias do espi- rito, O tema do historicismo era 0 da autonomia das ciéncias huma- nas, Virios historiadores e filésofos procuraram fundar as ciéncias hhistSricas em bases especificas. O seu eslorco foi o de demarcacio do campo epistemologico especifico das ciéncias do espirito. Pode- ‘mos arriscar, portanto, como hipétese, uma periodizagao: no final do século XVIII, ele seria romantico e filoscfico, ao fazer uma divisto ‘ontoldgica entre natureza e histéria; em meados do século XIX, seria ‘uma epistemologia com “contaminac6es filosdtficas”, a0 diferenciar 0 método das ciéncias humanas do das ciéncias naturais, mas no con- texto de uma filosofia da vida; no século XX, tomou-se uma epistemologia “cientifica’ lire de tais influéncias filosoficas. Mas, em crise! No século XVIll, em sua primeira fase, o historicismo surgi com a tese de Vico, anticaresiana, de que a isica é um conhecimen- ‘0 limitado da natureza, porque o homiem nio pode saber © que ela 4, pois nao a criaw. E, pata Vico, 's6 se conhece o que se cicu”, ‘Assim, pata ele, s6 a historia seria conhecivel, pois o homem a fez E aqui que se coloca mais radicalmente a diferenca ontolégica entre natureza e histrla. A historia € diferente da natureza na medida em que é uma ctiacdo dos homens. Ela ¢ 0 “mundo do espirito”, do fazer técnico e criativo dos homens. © homem nio é nada por natureza e recebe forma e contetido na historia. As forcas naturais condicionam, mas sio controladas pela forca humana. A histéria € 0 resultado dos propésitos conscientes e inconscientes da acto humana. E por isso requer métodos de pesquisa diferentes dos das ciéncias naturais. O objeto do conhecimento hist6rico sao 2s “individualidades histori cas’, Unicos agentes criadores de um mundo de sentido. Essas teses de Vico levaram, no inicio do século XIX, na Alemanha, a ruptura radical com o racionalismo iluminista. Herder, Goethe, Harmman, Schlegel defendiam posicdes francamente irractonalistas.Eles constt- tuiram © movimento romantico sturm und dang \tempestade e im- uo ou ansiedade), que, segundo Cassirer, era também de origem Teibniziana. Este movimento exaltava a alma de cada povo, tinica, que ndo se submete a leis naturais universais. Como uma ménada, cada ovo tem seu genio singular, seu espitito. Eles valorizavam o homem genial, uma individualidade intensa Opunham-se radicalmente & tese dos direitos naturais e universais que apagavam a diferenca entre os povos Cada individualidade tem sua histéria singular. Cada individu- alidade cultural ¢ uma totalidade: espirito popular, nacdo, éticas, cul- ures, Estados. A racionalidade da historia € a da ‘vida’. Em sua primeira fase, 0 “historicismo romantico” era 20 mes- ‘mo tempo vitalista e espiritualista. A formulacao do seu irracionalismo misturava uma linguagem biolégica com uma linguagem ainda rmetafisica, que chamava de “histérica’. A vida individual que valoriza- va era descrita, por um lado, como impulso, instinto, vigor €, por outro, como criatividade, liberdade, historicidade. Ele justificava o di- reito individual e concreto dos individuos em suas culturas contra os direitos do homem universal. Para ele, “racional” & © que tem uma “sida historica”. Goethe expds com clareza a oposicio entre iluministas ¢ historicistas: 0 iluminismo buscava mais 0 humano no histérico, 0 historicismo se interessava mats pelo hist6rico no humano. © indivi- duo 6 pode ser feliz quando se sente reconhecido em seu mundo histbrico. A histéria é um todo mével e diverso, uma corrente de vida onde o individuo desenvolve a sua vitalidade. O individuo esta inte- grado ao todo, mas sem se fundir. Ele jé € um todo no todo. O que impor na vida é a vida, que acontece 2 todo instante, em todo tempo e lugar, e ndo 0 seu resultado. O processo da vida € 0 essen- dial e nao 0 seu final. A histéria nao é atraida pelo fim, mas cresce a partir da raiz. A hist6ria € um mundo interno, constituido por forcas atuantes. Este historicismo romantico preferia 0 homem cotidiano, concreto, tradicional, mergulhado em uma temporalidade lenta, desacelerada, a homem hersico, dominado por uma temporalidade aceleradsa, eficaz, parteiro do espitito universal, que, para ele, € uma abstracdo. Ele falava da vida cotidiana com simpatia, vida estruturada pelo dia-a-dia, pela tradicdo, com uma respiracio quase vegetal. O homem feliz era aquele integrado & histéria ¢ & natureza."' © historicismo, em suas wes fases, representou uma limitacao do panmatematicismo. O racionalismo ciassico conquistou a nature- 22 e pretendeu também ccastruit um sistema matemtico das ciénci- as do espftita © direito se dexou dominar pela matematica Em Espinosa, a ética também foi dominada pela matematica A matem’- {ica dominou por muito tempo tanto 0 mundo natural quanto © "CL Cares, Ep i Rein, L Vio Herr Bran: UNB, 1982. spiritual. O historicismo velo limitar essa expansio da matematica, Descartes desprezava 0 conhecimento histérico, pois nao julgava possivel abordar a vida humana matematicamente. Vico inovou em relacko a Descartes com uma nova idéia de ciéncia da histbria. Ele colocou © método histérico acima do matemitico. Pata Vico, 0 co- nhecimento perfeito sé era possivel nas obras da cultura humana A propria matemitica s6 era conhecivel porque era uma criacdo huma- na - era uma linguagem! Os mitos, as religioes, as linguagens, as historias sd0 0s objetos realmente adequados a0 conhecimento hu- mano. Os historicistas queriam constituir uma “ciéncia nova’, nao natural endo matemstica, dos homens e da sociedade. Mas, nenhum deles foi um pensador claro, talvez como resisténcia a linguagem matematica predominante. Vico, Herder, Dilthey nio foram rigorosos, demonstrativos, sistematicos. Sua linguagem nao era cartesiana € iluministal Seré que a linguagem das ciéncias humanas deverd ser rnacessariamente criptica, herética, fragmentada, para se afastar dos modelos matemstico, lterari, filoséfico e afirmar a sua autonomia? Isto nos parece um equivoco. Para Arendt, compreensio é o outro nome de “visao clara”. A linguagem compreensiva vé ¢ faz ver denso € claro, ao estabelecer conexoes e criar um sentido.'* No final do século XIX, em sua terceita fase, 0 historicismo estritamente epistemol6gico, sem “contaminacées filoséficas’, entrou ‘em crise, a denominada “ciise da consciéncia historica’. A historia nfo era mais vista como uma vanguarda cultural. Era olhada com ceticismo, O historicismo tomou-se sinénimo de “relativismo” e uma ameaga politica. Se a historia nao podia oferecer valores tltimos que guiassem a aco, receava-se que ela nao prestaria nenhum servica. O naturalismo, o cientificismo, o evolucionismo, destronaram a histéria. Nietzsche argumentou contra a pretensao cientifica da historia, pois a “ciéncia” no conhece a individualidade particular. Ele seria talver favoravel a um retomo ao historicismo romantico, vitalista e hist6ri- co. Mas, combatla 0 epistemoldgico, que queria dominar e desvitalizar a vida com conceitos, comparagdes e previsoes. A historia clentifica no dizia o que o homem era, Nao discutia valores, buscando uma neutralidade, uma moderacio, que soterrava os impulsos vitais. Ela nos afastava da vida, era uma doenca, afirmava Nietsche. Enquanto objetivagao, homogeneizacdo do vivido, enquanto “ciéncia’, ela nos afastava da vida, No século XX, portanto, “historicismo” tornou-se algo pejorativo, uma arientacao historica a ser superada. Houve um cdamor pela sua superacdo. Associado a “relativismo dos valores”, foi responsabilizado até pela ascens3o do narismo! O nazismo teria pos- to fim ao seu relativisme 20 impor pela violencia valores novos & ° Arend HL"Cempehénsion tPlleuen: Epi © 42 Pash, 1980, absolutos. O historicismo tertatracassado como perspectiva historia, ‘como metodologia e como filosofia do valor. A sua perspectiva aristo- critica levou-o a desinteressar-se pelas novas forcas que apareciam na cena polftica e social. Ele fazia uma histéria adequada a uma soci- edade pré-democratica. Sua metodologia respondia lentamente as profundas mudancas socials, politicas intelectuais do século XX Anos 45, a sociedade de massas e 0 desenvolvimento tecnolsgico, revelaram a inadequacdo de seus pressupostos atistocraticos. A sua filosofia do valor eraa sua maior fraquera teérica. Ele caiu no nilismo ético, resultado de sua tese de que todo valor e verdade nascem de uma situagao hist6rica concreta. Nao hd ética segura, ordem social ‘estavel, que possa se apoiar em tais principios'® Ligado @ crise do histoticismo, na transicao dos séculos XIX a0 XX portanto, esté a crise do liberalismo alemao e a ascensio de programas totalitétios. Se iberalismo quer dizer o valor absoluto da pessoa humana, a afirmacio dos direitos individuais, os historicistas, se mantiveram numa orlentacao liberal © liberalismo alemao viu no historicismo uma melhor base para a teoria da liberdade individual do quea lei natural, que homogeneizava, desindividualizava e impu- nha uma violenta competitiidade entie os individuos. Sua posicto bésica: a lei natural restringe a liberdade e espontaneidade dos indi- viduos e 0 desenvolvimento de sua individualidade enquanto busca do seu sentido singular. Mas, por outro lado, de fato, suas teses n30 sdo estranhas aos projetos totalitirios e talvez tenham sido instru- mentalizadas pelos seus lideres. © historicismo pode ser utilizado, paradoxalmente, contra a politica liberal de defesa naturalista da individualidade! Apesar da sua énfase no individuo, ele pode ser apropriado por uma teoria coletivist, totalizante. Eniao, “individual” toma-se uma instituicao, a Nacdo, uma cultura, a “alma de um povo’ A liberdade individual s6 se tornava entio possivel no quadro nacio- nnal.O supetindividuc Estado-Nacio dominava a liberdade individual Neste sentido, o historicismo seria pré-modemo e pré-demoeritico, lum pensamento enraizado ainda no Antigo Regime. No entanto, 20 enfatizat a riqueza e a diversidade de valores nacionals, ele ndo esta- ria plenamente enraizado no século XD Para muitos autores, a ética politica do historicismo, reconhecendo os direitos locais e negando lum minimo de nomas universais do comportamento politico, con- tribuiu de algum modo para o totalitarismo na Alemarha.'* Apesar cisso, Meinecke afiima que nao se pode ignorar uma revolucao cultural e 0 historicismo foi uma das grandes revolucoes 3 Mesure, § oncie Setnadeliach op ct Ing 9 cit '*Emnath E WDitey, The Cita of Higa Reason Chkago/USA: The Unt ofChano Pes 78 espitituais do ocidente. Depois da Reforma, ele teria sido a grande revolucio intelectual alema. Meinecke o viu como a maior compre- ensio das coisas humanas ¢ o mais capaz de enfrentar problema da historia. Ele acreditava que ele podeiia vencer 0 relativismo dos valores. Ele € basicamente individualizador, mas néo era incompativel e io exclula a busca de regularidades e tipos universais da vida humana. Ele conciliava evolucao ¢ individualidade. A individualidade 6 se exprimia na evolucdo. O conceito historicista de evolucto se diferenciava da idéia iluminista de desenvolvimento de germes origi- nais em um progresso, buscando a perfeicio. Nele, a evolucao nio vai ‘do mesmo ao melhor, mas de um ao outro, dentro da unidade. A individualidade evolui de forma criativa, inesperada. Transforma-se. Os individuos, como as comunidades e as geracdes, sao conjuntos vitais, totalidades psiquicas vivas, que evoluem intemamente, centradas fem si mesmas, mas incluindo a mudanca inovadora. Ele exigia respei to pelo destino particular, defendia os interessas do Estado, encara- dos como “razo local", interesse nacional, As altas necessidades politicas dominariam os individuos e grupos. Pela satide e forya do todo, defendia que 0 individuo deveria suportar pacientemente 0 sofrimento, Meinecke sustenta que Moser, um dos primeiros historicistas, que era pessoalmente generoso, poderia se tomar cruel ina defesa dessa idéial'® Iggers avalia que, metodologicamente, no entanto, ele foi um grande avanco, Seu interesse pelo passado tormou possivel a historia ‘como uma atividade profissional, uma empresa academica, nao mais preocupada com quest6es filosoficas e com o futuro ut6pico. A his- téria deixou de ser especulativa. Sua concepcio individualizante da histéria limitava 0 estudo comparative do comportamento humano do desenvolvimento teleolégico da *humanidade’. A unidade hu- mana judeo-crista-lluminista fot desaftada pelo historicismo. E foi por isso que Meinecke o viu como uma “revolucdo cultural”, Metodologicamente, 0 historicismo foi fundador da hermentutica flos6fica. Sua figura maicr, seu representante classico foi Ranke, que fundou na pritica a autonomia do pensamento hist6rico. Ranke foi profundamente inovador. Foi o nove Herédoto, o refundador da his- torla nos tempos modemos. Enquanto “revolucdo cultural”, © historicismo teria afetado a historia (Rankel, a filosofia (Novalis), 2 filologia (Grimm) o direito (Savigny), a economia politica (Knies).lggers pensa que as suas formulacSes mais avancadas seriam as de Humboldt ‘e Dioysen, Esses autores colocaram a historia no centro de um pro- ccesso de historicizacdo geral nascido da experiéncia da Revolucéo Francesa e das mudangas que ela sugeris na percepcio do tempo. Para legers, o debate sobre o historicismo continua atual Hoje, esta Ch Menoce,F op at Moaue,S on ct em cise a consciéncia teleolsgica ¢ universalista iluminista, que 0 historicismo sempre combateu. Multiplica-se o interesse pelo pessa- do em museus, bibliotecas, arquivos, patrimOnio historico, teses, cur 0s, publicag6es, midia. Retorna, de certo modo, a tese da historicidade da rato, da pluralidade dos projetos de vida, da diversidade das formas de saber, da multiplicidade dos modelos de cio, da definic40 cultural dos valores, a discusséo da relagio entre valores, acio politi- cae clencia social. A “tardo historica’, por enquanto, nesta transi¢30 do milénio, venceu! Bibliografia ‘ARENDT, H. “Comprensi6n et Politique” In. Esprit, n® 42. Pars, juin, 1980. ARON, R Essai sur la Théorie de I’Histoire dans L’Allemagne Contemporaine - La Philosophie Critique de Histoire. Paris : 1. Vin, 1938a. Introduction a fa Philosophie de Histoire. Paris : Gallimard, 1938b. BERLIN, |. Vico e Herder. Brasfia: UNB, 1982. CASSIRER, E. Las Ciencias de la Cultura. Mexico : Fondo de Cultura Economica, 1951 (1% ed. 1942) La Philosophie des Lumiéres. Patis : Fayard, 1932. ‘COLUNGWOOD, RG. A Idéia de Historia. Lisboa : Presenca, | 978. DILTHEY, W. Le Monde de I'Esprit. 2 vols. Paris : Montaigne, 1947 i924]. 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