IREGRAS PARA FIXACAO DO CRITERIO TEMPORAL DAS NORMAS
DE DECADENCIA E PRESCRICAO NO DIREITO TRIBUTARIO
‘Aurora Tomazini de Carvalho
iMestra e doutoranda em direito tibutario pela PUC-SP
Professora dos cursos de Especializagio em Direito Tibutério promovidos pela
PUC-SP e pelo IBET
Advogada
1, Consideragies i
O direto positivo, como 0 conjunto de enunciados uridico-preseritivos
validos num dado pais, € objeto, por exceléncia, de qualquer andlise que se
pretenda ser juridica.
(Da mensagem legislada, o que termos acesso ¢ um aglomerado de palawas
‘estruturadas em frases lartigos,incisos,parégrafes) que tém o condo de serem
significativas, Nossa fungSo, como juristas,¢ atribuit sentido a tals estruturas
lingisticas a fim de compreender a mensagem transmitide pelo legislador.
Sequindo os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho', para com-
preender a mensagem legislada, num primeiro momente, o intérprete entra
tem contato com o dado objetivo do direto, a literalidade textual; um aglo-
merado de frases ordenadas que formam’o chamado plano de expresso
(61). Partindo deste plano, com a leitura dos enunciados prescritivos, 0 in-
terprete vai atribuindo valores 20s simbolos que os compoem e construindo
‘em sua mente significagdes, que constituem 0 plano das proposigdes ainda
1ido deonticamente estruturadas (S2), Para atribuir sentido Idgico-deéntico
(proprio dos discursos prescrtivos) 8 sua construgo, o intérprete parte para
estruturagio destas proposigdes na forma implicacional (H C], juntando
aguas significagées na posicéo sintatica de hipdtese e outras, no lugar
sintético de consequente,ingressando, assim, no plano das normas juaicas
(53). Ao final, ordena tais signifieagdes normativas, que construi no plano
53, de acordo com critérios de subordinagdo € coordenago, compondo os
1. Curso de atetotibutério, 13. ed, Ho Paulo: Saraiva, 2000. 107
39vineulos que se estabelecem entre as normas ¢ ingressa no plano da siste-
matizac3o iurdica (S4). Durante o processo gerador de sentido, o intérprete
transita va ias vezes por todos estes pianos até que se sinta satisfeito.
‘A este processo gerador de sentido dé-se 0 nome de interpretagéo.
Nel, o jursta atribui valores aos signs postos pelo legislador € assim vai
construindo suas significacoes.
‘AcompreensSo dos textos normativos é um traalhe construtiva €ndo
dado, como muitos pensam. O jurista nao extrai contetides signficativos
dos enunciados do direito positivo, como se 0 legislador tivesse o condo
de ceixar impregriado algun sentido nas palavras que utiliza; ele o constr,
‘como resultado de um esforgo intelectual.
Partindo de uma concepeao culturaliste do direito, influenciada pela
Escola de Badhen ¢ bem trabalhada por Lourival Vilar ovat, 2 valoragao
que o intirprete f22 dos simbolos constantes nos enunciados do direito
postive «sta condicionada a0 seu horizonte cultural que, por sua vez, €
resultado do contexto social em que se encontra inserido, Neste sentido,
2 signifc ago atribuida aos textos juridicos tem grandes chances de ndo
ser totalmente destoada daquela conferida pelo fegisiac or, quando da sua
predugdc (0 que qualquer emissor espera), ois ambos se encontram in
seridos no mesmo contexto histérico-social. Mas este “ato no identifica
Ur anic« sentido possivel, nem um mais correto a ser atribuldo aos enun
ciados prescritivos quando da construgBo do sentido pelo jrista, pois tals
construgSes, ainda que partam de dados objetivos (entinciados juris),
sBo sempre subjetivas (dependem da formacéo cultural de cada un)
‘A intergretagdo & inesgotavel. Aos enunciados juridicos podem ser
atibuides infinitos conteddos significativos, todos dependentes da valora~
Go que Ihes € dada por seus intérpretes Isto explica as grandes e intermi-
hiveis divergéncias doutrindrias presentes no mundo jaridico, das quais @
decadércia e prescrigdo em matéria tributdria nao esto isentas
2. Conceitos de decadéncia e prescrigéo no direito tributdrio
Evrico Marcos Diniz de Sant a0 interpretar os enunciados do CTN que
cispéem sobre decadéncia eprestriqao em materia tributéria, dferenciou:i)
Wows para um ensio sobre a cultura. In: Escriosjuriaios « flossfces
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decadéncia do direito do fisco: ii) preserigdo do direito do fsco; i) decadén-
cia do direito do contribuinte;e iv) prescrigdo do dieito do contribuinte.
i) decadeéncia do direito do fisco: a perda da competéncia administra
tiva do fisco para constituir o crédito tributario, em decorréncia do decurso
de certo periodo de tempo sem que o tenha exercitado;
i) prescrigdo do direito do fisco: a perda do direito do fisco de ingres-
sar com 0 processo executivo fiscal, em decorréncia do decurso de certo
periodo de tempo sem que o tenha exercitado;
ii) decadéncia do direito do contribuinte: a perda da legitimidade do
contribuinte de repetir o indébito na esfera administrativa, em decorrénct
do decurso de certo periodo de tempo sem que o tenha exercitado?; €
iv) preserigdo do direito do contribuinte: @ perda do direito do con-
tribuinte de pleitear 0 seu débito tributario, indébito ma esfera judicial,
em decorréncia do decurso de certo perfode de tempo sem que o tenha
exercitados
Partindo da premissa de que o direito & oconjunto de normas juridicas
vlidas num dado pais, como efeito juridico da perda de um direito, tanto a
decadéncia como a prescrigao pressupdem a existéncia de uma norma que
preceitua tal efeito em seu conseqUente (norma de decadéncia ou de pres
crigdo} ¢ de um fato que o faca existir no Smbitojuriico (fato decadencial
‘ou presericional).
Neste sentido, os conceitos de decadéncia e prescrigo podem ser
analisados sob trés perspectivas: i) numa instancia normativa, enquanto
‘norma juridica que compée o sistema do direto positivo; fi) numa instancia
factual, como acontecimentos do mundo, reatado em linguagem compe
tente; ¢ i) numa inst&ncia efectual, como efeito juridico atribuldo @ tal
acontecimento.
Sob o primeiro enfoque, decadéncia ¢ prescricéo sto normas cuja hipé-
tese desereve 0 fato do ndo exercicio de um direito dentro de certo periodo
de tempo. o conseqiiente prescreve o perda deste direito-por seu titular®
Sob 0 segundo enfoque, decadéncia € prescrigSo so fatos jur
dicos, consubstanciam-se no relato em linguagem competente de um
3) Hb aqua perda de competéncia da edministrégao para constitur o indébito trbutto
“4. No mesmo sentido, aqui também hd.cima perda da competéncia do judicirio para
constitu o indébitotributéio.
5. Neste artigo, sob a perspectiva normativa, s6 nos intressa a decadéncia€ a pres~
crgdo como notmas gras ¢ abstratas, embora ambas também possam ser do tipo
individuas coneretas, quando pesitivadas
"acontecimersto social: o inércia do titular do direito durante um determi-
nado period> de tempos
Sob o terceiro enfoque, decadéncia e prescrigdo séo efeitos juridicos,
consubstanciam-se na perda juridica de um dirito subjtivo por seu titulr.
Destes trés enfoques concentrar-nos-emos na andlise normativa da
Gecadéncia = da prescrigdo em materia tributaria
43, Sobre as normas de decadéncia e prescrica0 do direito tributdrio
Para construir as normas juridicas de decadéncia ¢ prescrigao do di-
reito do Fisco e de decadéncia e prescrigd0 do direito do contribuinte ndo
fugimos da tajetdria hermenéutica deserita por Paulo de Barros Carvalho
Partimos dos enunciados prescritivos ea eles vamos atribuir do significagées,
as quais estuturamos emH C.A proposicao-hipdtese covtém critérios de
identifcag:o de um fato de possvel ocorréncia€ a proposivéo consequente,
criterios oe identiticago de uma relagBo juridice que se instaurard assim
que verificudo juridicamente o fato.
Reportando-nos novamente aos ensinamentos de Paulo de Barros
Carvalho, ara cumprit sua funcdo de denataco do fato juridico, a hipate-
se apresen 2:i} um crtério material, responsével pelo apontamento da ago,
gue no caro das normas de decadéncia epresrico sero nfo exericio de
dim dieit i um eitério espacial que aponte o local de realizagao do fato
da ineicia¢ il) um crterio temporal, indicativo do momento de ocorrénca
da inéreia que no caso das normas de decadéncia ¢ prescrigfo é marcado
pelo dia d> fim do prozo decadencial ou prescriional as od quer. p38
tidentifieagdo da elagdo jurdica, o consequent consistem em: i) um crité=
fio pesso|, que informa os suleltos da relay ei) um cr téio que informa,
o objeto ¢a relacdo.
‘gr o1mas de decadéncia € prescrigdo se enquadrain como “primarias
sancionatloras’ na clssficagBo proposta por Eurico Macos Diniz de Santi®
Z Gow 2 perspective factuel, acetando a diferencagto proposta por Paulo de Bares
Corvalno entre ipbtese, evento efatojurisico, tanto decadtneia como aprescicdo
over er eansgeradas também como hipdtestsnormativas(estrido normatva
peat events (oacontecimento sociale fates urdices [eito do acontecimento
em lieguagem competent)
1. Curso de dri but, 236.
Longamento tribute cp
cas aa gh to to ARAN OS HU 6 CECE eA BETO ALT
Encontrando-se em rela¢do de coordenagdo com as normas que prescre-
‘vem a competéncia/legitimidade do Fisco para lancer ¢ executar 0 crédito
tributdrio e do contribuinte para plitear administratva ¢judicialmente seu
debito tributério (do tipo “primérias dispositivas", elas prescrevern a nBo-
competéncia/legitimidade do Fisco e do contribuinte em matéria trbutéria.
‘Vejamos, por exemplo, 0 caso de decadéncia do dircito do Fisco para
langar um tributo qualquer (por exemplo, IPTU). A norma que atribui com
peténcia para o lancamento (primaria dispositiva) assim preceitua: H ~ Se
investido do fungéo de agente fiscal (em), no momento do verificagéo da
‘ocorréncia do evento tributério (et), no municipio de S60 Poulo (ce), deve
ser C - 0 direito subjetivo de efetuar o langamento € 0 dever juriico do
contrbuinte em aceité-lo. A norma de decadéncia deste direito (priméria
sancionadora) dispée: H = se foro inércia do fisco (em), § anos apés 0 1° dia
do exercico financeiro seguinte 2 ocorréncia do evento (ct), n@ municipio
de S60 Paulo (ce), deve ser C~ 0 dever juridico do agente administrative
‘n60 mais langar ¢ o direito subjetivo do contribuinte de ndo mais sofrer 0
lamgamento, isto se repete na prescrigao do direito do Fisco e na decadéncia
ce prescrio do dieito do contribuinte
‘Analticamente, as normas de decadéncia do direito do Fisco determi-
nam ano-competéncia do agente fiscal para constituir 0 crédito tributério,
enquanto que as normas de prescrigdo do dieito do Fisco preceituam a fat
de legitimidade da administragao para propositura da execugdo fiscal e as
rnormas de decadéncia e prescrigao do diteto do contribuinte determinzm
a falta de legitimidade do contribuinte para repetr seu débito tributario na
esfera administrativa e judicial, respectivamente
Nesta linha de raciocinio, € da conjungéo das normas que atribuem
competénciajlegitimidade (primarias dispositivas) com as de decadéncia e
prescrigdo que delimitamos a competéncia para langar,2 legitimidade de o
Fisco executar e do contribuinte pletear seu débito tributéri.
[Nao obstante as elacbes de conjungdo entre normas serem construidas
pelo intérprete no plano $4, 0 fato é que ao estabelecermos os prazos deca~
denciaise prescricionais como proposig6es do plano S2, conseguimos iden-
titicaro crterio temporal das normas de decadéncia e preserigdo do direito
tributério a serem construdas no plano S3.
Os prazos decadenciais prescricionais no direito tributario, enquan-
to intervalo de tempo, reportam-se, respectivamente, a0 periodo em que o
Fisco tem o direito subjetivo de langar (decadéncia) e de executar(presci-
‘gol; € que 0 contribuinte tem o direito subjetivo de exigir administrativa
4(decadénci) ou juridicamente [prescrigGo) seu débito tributério. 0 dies ad
quem destes prazos marca o instante eleito pelo direito tributdrio para @
perda destes direitos isto é,o ponto na linha cronoldgica do tempo a partir
‘do qual o titular deixa de ser assim considerado, e é este momento que nos
interessa pura compor o critério temporal das normas de decadéncia pres-
crigdo do 4 reito tributério.
‘Mas para determinarmos com exatidao 0 dies ad quem (crtério tem-
poral das normas de decadéncia e prescrigéo}, temas que saber qual o dies
‘quo fixad pela legislagdo tributari, a que o legislador os atriouiu grande
relevancia. 2a isso, Eurico Marcos Diniz De Santi criou algumas regras, as
quais passaremos a analisar agora. ~
4, Regras para fixagdo do critério temporal das normas de
decadéncia e prescrigéo no direito tributario segundo Eurico Marcos /
Diniz de Santi
Para determinar o dies a quo dos prazos de decadéncia e preserigéo
do dieito tributério Eurico Marcos Diniz de Santi observou alguns critérios
leitos pelo legisiador ¢, conjugando a verificagdo ou nao destes critérios,
estabeleceu algumas regras para identificago dos prazcs decadenciais €
prescricionais constantes na eaislacdo tributdria,
Segundo 0 autor, para determinar 0s prazos de decadéncia do direi-
to do Fisce de constituir 0 cédito tributério s8o relevantss cinco critérios:
i} previsio de pagamento antecipaco; i) pagamento antecipado; ii) dolo,
fraude, ou simulacdo; i) notificagdo de medida preparatéria;e v) anulagéo
porvicio formal de langamento anterior.
Para ‘xar 0s prazos de prescrigdo do direito do Fisco de executar o crédito
tributirio, quatro criterios s40 observatos na egislagdo tributdria: i) constitui-
a0 do erésito pelo contrbuinte sem pagamento antecipado; i) constituigdo
do crédito mediante langamento; ill suspenséo da exigiblicade antes do ven
cimento do prazo para pagamento; eis reinicio do prazo ce prescricao (des-
pacho do j siz ordenando a citagéo, protesto judicial, ato judicial que constitua
‘em mora ¢ devedar, reconhecimento do dévito pelo devede)
Para fixar os prazos de decadéncia e prescrigao do direito do contri-
buinte de pleitear a repeticdo do seu débito, o direito tit utdrio torna rele
vante dois crtérios: i) desfazimento da decisdo anterior que tenha motivado
pagameto: ei) decisio administrativa denegat6ria da repeticé.
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Da cenjugagdo destes critérios Eurico Marcos Diniz de Santi construu!
') cinco regras para fxagdo do critério temporal das normas de decadéncia
do direito do Fisco; i) cinco regras para fixagdo do critério temporal das nor-
mas de prescrigdo do direito do Fisco; ii) duasregras para fxacdo do criterio
temporal cas normas de decadéncia do direito do contribuinte; ¢ iv) trés
regras para fixagio do crtério temporal das normas de prescrigao do dircito
do contribuinte. Reproduzimo-las ilustrativarmente abaixo,
4.1, Regras para fixago do critério temporal das normas de decadéncia
do direito do Fisco
Perdo do competéncia odministratva do Fsco pore constitur o crélto
tributério
1 regra: ndo-previsio de pagamento antecipado, nao-ocorréncia do
pagamento antecipado, ndo-ocorréncia de dolo,fraude ou simulacéo,
‘ocorténcia da notificagso preparatéria € ndo-ocorréncia de anulagéo. CT
‘da morma de decadéncia: cinco anos do primeiro dia do exercicio sequinte