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Copyright © by Andreas Huyssen dotive Caalogaio na fonte Deparamento Ni 119986 Hiyuen, Andras. ep - 909.82 casa Victor Burton Prieto grin o Etrago wet Adriana Moreno eveso 1+ ed - 2000 2 ed - 2004 apontam o s! mento de uma cultura @ de uma ca da memoria @ sua expan p trugdes pagos virtu atual transformagao r periéne nos Partete peice Shinésia 1 Um dos fendmenos culturas e politicos mais surpreen- dentes dos anos recentes é emergéncia da mi tuma das preocupagées culturas e politicas ce aquilo que poderia ser chamado de * [No enranto, a partir da década de 1980 o foco pare- ce ter-se deslocado dos fururos presentes para os ‘este deslocamento na experinia e na sens fempo precisa ser expicado histérica ¢ fenomenologicamente? Mas 0 foco contemporineo na meméria ¢ na tempora- ade também con © co sobre categorias de espaso, » rotas de comércio, migr mentos ¢ difsporas, no contexto das estudos « pos-coloniais, De fato, nio faz dos Unidos um amplo consenso de que para entender a cultura pésmodema 0 foco devia ser deslocado da pro- blemitica do tempo ¢ da meméria, vinculada & forma an- terior do alto modernismo, para uma outra na qual 0 espa _s9.¢ uma pesa-chave do momento pés-modemo”, Mas, como ‘tem mostrado o trabalho de gedgrafos como David Har- vey!, a prépria separacio entre tempo e espago representa tum grande risco para entendimento completo das cultu- ras moderna e pés-moderna. Tempo € espago, como cate- gorias fundamentalmente contingentes de percepgio his- toricamente enraizadas, esto sempre intimamente ligadas entre si de maneiras complexas, ea intensidade dos desbor- dantes discursos de meméria, que caracteriza grande parte dda cultura contemporinea em diversas partes do mundo de hoje, prova o argumento. De fato, questdes de temporal- dades diferentes e modernidades em_estigios ‘como pegas-chaves para um novo entendimen- 050 dos processos de globalizagio a longo prazo que \go mais do que apenas uma atualizacio dos paradigmas ocidentais de modernizacia’. cursos de meméria de um novo tipo emergiram pela ‘ra vex no ocidente depois na década de 1960, no novos movimentos s0- ciais em sua busca por ‘A procura por out foi acompanhada por mikiplas delaragées de fim: o im da histéria, a morte do st © fim da obra de arte, o fim ddas metanarrativas’, Tis declaragbes eram freqentemente entendidas literalmente, mas, no seu impulso polémico € na replicagio do ethos do vanguardismo, elas apontam di- samente para a presente recodificagio do passado, que se jou depois do modernism. Os discursos de meméria aceleraram-se na Europa e nos Estados Unidos no comego da década de 1980, impulsio- nados, entio, primeiramen amplo sobre 0 Holocausto (iniciado com a série de TV “Holocausto” e, um pouco mais adiante, com 0 movimen- -munhal bem como por toda uma série de lacionados & histéria do Terceiro Reich (Fortemente lac cobrindo quadragésimos e qlinquagésimos sitios): a ascensio de Hitler ao poder em 1933 ea infame queima de livros, relembrada em 1983; a Kristallnacht, 0 to de uma manifestacio publica em 1988; a conferéncia de ‘Wannsee, de 1942, que iniciou a "Solugio Final’, relem- brada em 1992 com a abertura de um museu na vila de ‘Wansee onde a conferéncia tinha sido realizada; a invasio da Normandia em 1944, relembrada com um grande espe- ‘culo realizado pelos aliados, mas sem qualquer presenga rus- sa, em 1994; 0 fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, relembrada em 1985 com um emocionado discurso do presidente da Alemanha ¢, de novo, em 1995 com uma sé- rie de eventos internacionais na Europa ¢ no Japao. Estes deles “efemétides alemas”, is quais se pode acrescentar a querela dos queda do muro de Berlim e da Alemanha em 19907 ~ receberam eventos ~ am: nacional na Franga, na Ai 10 Jap e até nos Estados Unidos e, mais recentemente, na Sula. © Holocaust Memorial Museum em Washington, planejado durante a década de 1980 ¢ inaugurado em 1993, estimulou o deba- te sobre a americanizacio do Holocausto!, Mas as resso- nancias da meméria do Holocausto nio pararam af, levan- do a que, no final da década de 1990, sejamos obrigados a a 18 oP Session pie Momsia perguntar: em que medida pode-se, agora, falar de uma slobalizagio do discurso do Holocaust E evidente que a recorséncia de politicas genocidas em Ruanda, na Bésnia ¢ em Kossovo, em uma década consi- decada pés-histérica (1990), tem mantido vivo 0 discurso da meméria do Holocausto, contaminando-o ¢ estenden- do-o para antes de seu ponto de referéncia original. E real- ‘mente interessante notar como, no caso dos massacres or- sganizados em Ruanda ¢ na Bésnia, no inicio da década de 1990, as comparagSes com 0 Holocausto foram, te, fortemente grande parte do puiblico, nao por causa das inquestiondveis referéncias histéricas, mas sobretudo devido a um desejo de resistir 4 intervengio’, Por outro lado, a intervencio “hu- da OTAN em Kosovo ¢ a sua legitimagio tém sido largamente dependentes da meméria do Holocaust. des, estupros sistemiticos e destruigées brutais, tudo i mobilizou uma politica de culpa na Europa ¢ nos Estados Unidos associada & nfo-intervengio nas décadas de 1930 ¢ 1940 e ao fracasso da intervengio na guerra da Bésnia em 1992. A guerra em Kossovo confirma, portanto, 0 crescen- te poder da cultura da meméria no final da década de 1990, mas ela tambémm levanta questbes diffceis sobre 0 uso do Holocausto como um lugar-comum universal para os trau- mas histéricos. A globalizagio da meméria funciona também em dois ‘outios sentidos relacionados, que ilustram 0 que eu maria de paradoxo da globalizagfo, Por um lado, 0 Holo- ‘austo se transformou numa cffa para. o século XX como um _todo € para a faléncia do projeto iluminista, Ele serve co- ‘mo uma prova da incapacidade da civilizagio ocidental de raticar a anamnese, de refletir sobre sua inabilidade cons- da", Por outro lado, esta dimensio mais totalizante do dis- ccutso do Holocausto, tio dominante em boa parte do pen- samento pés-moderno, é acompanhada por uma dimensio que ela particulariza ¢ localiza. E precisamente a emer ‘gincia do Holocausto como uma figura de linguagem uni- versal que permite & meméria do Holocausto comegar a entender situagées locais espectfias, his rates e p intas do evento origi vimento transnacional dos discursos de meméria, o Holo- causto perde sua qualidade de indice do evento histérico cexpecifico ¢ comesa a funcionar como uma mecéfora para ‘outras histérias € memérias. © Holocausto, como lugar- ‘comum universal, € 0 pré-requisito para seu descentramen- {0 ¢ seu uso como um poderoso prisma através do qual po- demos olhar outros exemplos de genocidio. O global ¢ 0 local da meméria do Holocausto tém entrado em novas ‘onstelag6es que pedem para ser analisadas caso a caso. As- sim como pode energizar retoricamente alguns discursos cde meméria traumitica, a comparagio com 0 Holocausto também pode servir como uma falsa meméria ou simples- ‘mente bloquear a percepsio de histras especificas. Em se tratando de passados presentes, no entanto, a meméria do Holocausto e seu lugar na reavaliagio da mo- dernidade ocidental nfo contam toda a histéria. Hé tam- icamente dis- I. Nomo- bém muitas tramas secundérias, que constroem a me- méria narrativa atual no seu escopo mais amplo, dis- ‘inguindo de forma bastante clara 0 nosso tempo das pri- “rrr 14 oP twain eiras décadas deste século, Permitam-me apenas listar ‘uns poucos fendmenos mais destacados. Desde a década de 1970, pode-se observar, na Europa ¢ nos Estados Unidos, a restauragio historicizante de velhos centros urbanos, cida- | dessmuseus ¢ paisagens interes, empreendimentos patr- moniais e herangas nacionais, a onda da nova arquitetura de em massa da nost vés da camera de video, a fessional, o crescimento dos romances autobiogréficos e his- | téricos pés-modernos (com as suas dificeis negociagdes | entre fato e ficgdo), a difusio das préticas memorialfsticas nas artes visuais, geralmente usando a forografia como suporte, ‘0 aumento do ntimero de documentirios na televisio, in- | cluindo, nos Estados Unidos; um canal totalmente voltado, | para histéria: 0 History Channel. No lado traumnético da cul- : junto a0 cada vez. mais onipresente dis- curso do Holocausto, temos a vasta literatura psicanalitca sobre 0 trauma a controvérsia sobre a sindrome da me- méria recuperada; os trabalhos de histéria ou sobre temas atuais relacionados a genocidio, aids, escravido, abuso se- xual as cada vex mais aumerosas controvérsas piblicas so- bre efemérides politicamente dolorosas, comemoragbes € memoriais; a mais recente pletora de pedidos de desculpas pelo passado, feitos por lideres religiosose politicos da Fran- «a, do Japao e dos Estados Unid mente, trazendo juntos o encretenimento memor a obsessio mundial com o naufrigio de um navio a vapor, supostamente nio-naufragivel, que marcou o fim de uma outra época dourada. De fat, nfo se pode ter certeza se 0 sucesso internacional do Titanic é uma metéfora de me- tico € o trauma, temos mérias de uma modernidade que deu errado ou se ele art- cla as préprias ansiedades da metrdpole sobre o futuro des- locado para o passado, Nao hi duivida de que o mundo es: {4 sendo musealizado e que todos nés representamos os nos- seguir a recordagio total. Trata-se entio da fantasia de um arquivista maluco? Ou hi, talvez, algo mais para ser dis- cutido neste desejo de puxar todos esesvirios passados para © presente? Algo que seja, de fato, especifico A estruturasio da. meméria e da temporalidade de hoje ¢ que nio tenha si- do experimentado do mesmo modo nas épocas passadas. Freqiientemente tais obsessdes com a meméria ¢ com 0 passado sio explicadas em funcio do fin de izcle, mas eu pen- s0 que ¢ preciso ir mais fundo para dar conta daquilo que se pode chamar agora de uma cultura da meméria, na me- dida em que se disseminou nas sociedades do Atlintico- Norte a partir dos iltimos anos da década de 1970. que af aparece, agora, em grande parte como uma comerciali- zaglo crescentemente bem-sucedida da meméria pela in- diistria cultural do ocidente, no contexto daquilo que a so- ciologia alema chamou de Erlebnisgesellchaft", assume uma mais explicita em outras partes do mun- do, Especialmente desde 1989, as questées sobre memoria €0 esquecimento tém emergido como preocupages domi- nantes nos pafses pés-comunistas do leste europeu e da an- s elas permanecem como pecas-chaves Médio; dominam o discurso pibli- conciliation Commission (“Comissio de Verdade ¢ Recon-

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