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“YEAS - IFHE Mestrade om Histérla, Ans René Remond (org.). Por uma histéria politica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ] Fundagio Getsilio Vargas, 1997. 472 p. Angela Maria Roberti Martins Por uma histéria politica, obra sob a coordenacao do his- toriador René Rémond, é escrita por diversos autores que se or- ganizaram a partir de um eixo formado pela Université de Paris-X- Nanterre e a rue de Saint-Cuillaume-Institut d’ Etudes Politiques ¢ Fondation Nationale des Sciences Politiques. Foi editada na Franca em 1988 e publicada no Brasil somente em 1996. ‘A andlise dos quatorze artigos que compdem o livro.de- monsira que os autores orientaram-se pelas seguintes diretrizes: a) fazer uma “afirmacio coletiva” da hist6ria politica, enquanto um instrumento decisivo para 2 explicagio do todo social; b) inventariar os mais recentes estudos no ambito da histéria poli- tica, ressaltando novos objetos e métodos de andlise; c) renovar a histéria politica através da redefinigao do conceito de lolitico. Com muita propriedade, Rémond abre 0 trabalho historiando a trajet6ria da histéria politica em “trés momentos sucessivos", Inicialmente, mostra que historia politica foi glorificada no século XIX, quando o despertar do nacionalismo tornou o Estado, seus dirigentes e suas instituigdes politicas o campo predileto de in- vestigacio, Em seguida, demonstra que ela foi desprezada & épo- ca da Ecole des Annales, quando, em nome de uma histéria total, privilegiava-se a andlise dos fendmenos coletivos, dos grupos € das formas de organizacao econémica e social. F, finalmente, aponta que ela foi recuperada hd uns vinte anos quando, aproveitando- se das novas orientacdes ¢ tendéncias, realizou uma renovagio dos métodos e objetos de investigagéo, abrindo-se inclusive ao didlogo com outras ciéncias sociais. Recurso de socorro? Modismo intelectual? Certamente nao, se considerarmos que a renovagao da hist6ria politica foi feita a luz das especificidades historicas de um tempo. Tempo este ca- racterizado, entre outros, pelo “aumento das atribuigoes do Es- EE OED tado” e pelo “desenvolvimento das politicas piiblicas", demons- trando que a historia politica ndo se resumia ao Estado € suas instituigdes, mas que abrangia as massas e as demais organiza- Ges da sociedade civil. Sob essa dtica, vése que o Estado nao é mais o fator determinante da histéria politica, porém, apenas, um elemento integrante das varias facetas que atualmente com- dem a historia politica renovada. Sem chivida alguma, essa nova perspectiva € revivescente. Rémond, apesar de ainda reconhecer © peso da histéria politica ligada ao Estado, admite a pulveriza- ao do politico quando reconhece a opiniso publica, as eleicdes, as organizagSes nao-governamentais, os partidos, a linguagem, as relagdes internacionais como os mais recentes campos de in- vestigagio desse campo da histéria. DIA-LOGOS - ovista em Histér Embora percorrendo caminhos diferentes, os autores pro- curam conferir’ hist6ria politica um novo status, Por isso, aglutinam- se justamente em torno da idéia de que o politico é a zona de conexao do corpo social. Para o grupo, hé uma autonomia ¢ pri mazia do politico, que pode ser corroborada na seguinte afirma- tiva de Rémond: “..0 politico existe por si mesmo,...tem uma consciéncia prépria e uma autonomia suficiente para ser uma realidade distinta’, Assim sendo, 0 politico ¢ 0 lugar de expres- sio do econémico, do social ¢ do cultural e, como tal, capaz de explicar o processo histérico. Sob essa égide, o politico € extremamente amplo ¢ abrangente, néo tendo “fronteiras naturais*. Mas, também € “.. a coisa mais concreta com que todos se deparam na vida, algo que interfere na sua atividade profissional ou se imiscui na sua vida privada.” Tomando por base essa premissa, chega-te a idéia de que o poli- tico € um campo autOnomo que explica o econémico, o social € co cultural, podendo-se afirmar que o politico é quase que indefi- nido e, como tal, faculta a reunido numa mesma obra de temas que demonsiram as varias nuangas da histéria politica. Dessa forma, ha uma certa tendénda dos historiadores do politico em dirigir sua curiosidade historica, por exemplo, para a opiniao publica, as assaciagGes em politica ¢ a midia. Os autores ‘que se dedicam a esses temas trabalham 0 politico em termos de relagdes de poder, ndo necessariamente ligadas ao Estado, mas. © YeAd He -'Mesteado em Histéria, Ano tl, NR. TED ‘sim relacionadas a outras instituigdes da sociedade global. Exemplo tipico € 0 caso da opiniao publica. Afinal, ela € a manifestagao de uma atitude critica da sociedade na tentativa de intervir na politica governamental. Nesse sentido, como diz J. J. Becker, “no existe politica que possa se desenvolver por muito tempo...sem vinculos estreitos com as tendéncias dominantes da opiniao pi- blica’, Essa relacio entre governantes e governados, Estado e ci- dadaos merece a atengio daqueles que desejam penetrar na fron- teira entre poder piiblico e poder privado. Outro caso caracteristico é 0 estudo do associacionismo ‘como uma forma de expressio do politico. O “historiador da associagao” deverd ter em mente que as associagdes quase sem- pre séo produtos do vacuo deixado pelo poder institufdo. E, como tal, sio formadoras de opiniao, de idéias que evidenciam a sepa- ragdo entze Estado e sociedade; a reflexio e a agio da sociedade sobre ela propria. E um campo de pesquisa extremamente pro- missor quando se pretende avaliar a capacidade da sociedade administrar seus problemas fora dos canais formais de participa- sao. 5 Um exemplo ainda mais revelador é a midia que apesar de ngo ter um cunho politico pode tomnar-se um instrumento da politica quando assume posturas tendenciosas nas informagdes que veicula, Para a hist6ria politica renovada, o estudo da midia é importante na medida em que se pode depreender uma relacio dialética enue midia e politica. A midia, através da selecio e manipulacao da informacdo, tanto pode colaborar com o siste- ‘ma politico, aderindo ao jogo dos poderosos, quanto pode criar ‘um novo jogo politico capaz de influenciar 08 individuos ou até mesmo influir em mudangas sociais, econdmicas ou politicas. Considerando os pressupostos da hist6ria politica renova- da e 05 espasos que ela agora ocupa, o vocabuldtio politico € outro elemento de penta a ser investigado. Isto porque ele é ple- no de significado e de intencionalidade. © texto politico, articu- lado ou escrito, nao € 0 encadeamento de palavras gramatical- mente colocadas, mas um encadeamento de vocabulos politica~ mente organizados com intenges definidas para um ptiblico- alvo determinado. Pois, como diz Prost “.. as maneiras de falar I Biv 10655 “vista om tsnsrto no sAo inocentes, relevam estruturas mentais, maneiras de per- ceber e de organizar a realidade...” Tao ou mais politicos que esses temas so as eleigdes € os partidos, assuntos delineados logo no inicio da obra. O prime ro tema - as eleicées - é foco de atencéo do proprio Rémond. Neste, o autor destaca a importancia de se“... fazer 0 estudo his- t6rico do comportamento eleitoral...”, a partir dos movimentos de opinigo, das campanhas eleitorais, dasintengGes de voto, com vistas a estabelecer a legitimidade do poder instituido, Nesse mesmo movimento, encontra-se 2 pesquisa sobre os partidos politicos, cuja caracteristica precipua, segundo Serge Berstein, € mediar as relagGes entre o discurso politico € as necessidades reais das populacbes. Além disso, os partidos funcionam como uma espécie de termémetro do embate entre as forcas conserva- doras e as forcas de mudanca que dominam ¢ cendrio politico. Para Berstein, um pattido € politico porque *.. € a reuniao de homens em torno de um objetivo comum*: o poder politico, o que pode ser entendido como o poder de uns sobre outros. Como se vé, 0 mérito da obra consiste tanto em apontar os caminhos para uma hist6ria politica renovada, destacando a ampliacio do conceito de politico, quanto em estender ao cam- po do politico tematicas que a histéria polftica tradicional negli- genciou até entao. Apesar da renovagio apresentada pela histéria politica em termos de objeto de estudo, métodos, perspectivas de andlise ¢ interdisciplinaridade, uma leitura atenta dos textos demonstra que esse tipo de historia ainda causa celeama no interior da aca- demia. Quando aponta para a polifonia do conceito de politico, a obra abre a possibilidade de uma histéria politica cujos tenta- culos seriam capazes de abarcar da sociedade ao individuo. Nes- ses termos, a histéria politica renovada assumiria uma prerroga- tiva hegeménica e determinante, atributos que a histéria econd- mica ¢ a historia social ostentaram por praticamente todo.o sé- culo XX, e que foram criticados por Rémond. Assim sendo, a hist6ria politica renovada nfo seria parte de uma historia total, mas seria a propria historia para onde tudo eh) “IHC - Mestrado om Histéria, Rao t, N°? TED convergitia e de onde toda explicagio sairia. Afinal, como diz Rémond: ”.. a politica é um lugar de gestao do social e do econé- mico, mas a recfproca nao € verdadeira", Remond parece esque- cer que o homem esta imerso num tecido histérico formado por equivalentes fibras de ordem econémica, social, cultural, mental ¢ politica. Por isso, a leitura da obra exige certos cuidados para que o historiador nao faa da histéria politica renovada a nica via de explicagio do processo histérico. Apesar de Rémond enfatizar que “.. a historia politica no pensa em opor a hierarquia abso- Jutas uma contra-hierarquia que a recolocaria no topo de uma piramide”, uma leisura indireta dos artigos desvela a tendéncia de tornar a historia politica novamente hegemOnica quando defen- de a idéia de que o politico é, em um s6 tempo, a forga centrifu- ga e centripeta da sociedade global.

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